Ativistas turcos pelos direitos dos homossexuais lançaram nesta semana
uma campanha on-line
contra a política da instituição Crescente Vermelho de rejeitar o
sangue doado por homossexuais do sexo masculino. Em seu procedimento de
rotina para receber as doações, o Crescente Vermelho turco (equivalente
local da Cruz Vermelha) faz perguntas sobre a saúde e a vida privada dos
candidatos a doador. No formulário, cada doador do sexo masculino
precisa responder se “fez alguma vez sexo oral ou anal com um homem,
utilizando ou não preservativo”. Quem responde afirmativamente é vetado
para sempre como doador.
“Essa norma contradiz os princípios institucionais
antidiscriminatórios e de proteção da dignidade humana”, diz o texto da
campanha, apoiada por 19 entidades LGTB (lésbicas, gays, transexuais e
bissexuais) da Turquia. “Como os heterossexuais também enfrentam o mesmo
risco de contágio durante o sexo, fica claro que essa exigência não se
apoia no interesse médico.” A declaração diz ainda que a prática viola a
Convenção Europeia de Direitos Humanos e a Constituição turca.
A Turquia não é o único país que mantém esta norma. Cerca de 50
nações, inclusive o Brasil, impedem os homossexuais de doarem sangue,
por receio de que isso contribua para a difusão do vírus da AIDS. Em
1977, quando essa epidemia chegou aos Estados Unidos, havia mais temor
com a nova doença do que conhecimentos científicos a respeito dela. Essa
combinação de medo, ignorância, preconceito e homofobia – mais
prevalente na sociedade daquela época do que hoje – levou o país a vetar
a doação de sangue por homossexuais do sexo masculino.
A medida era – e
ainda é – justificada pelo fato de adeptos de práticas homossexuais
masculinas estarem mais propensos à contaminação por HIV, hepatite e
outras doenças transmissíveis pelo sangue e por fluidos corporais.
Apesar do grande conhecimento atual sobre o HIV, a proibição continua em
vigor nos EUA, mas uma mudança pode ocorrer já nesta terça-feira. Foi
preciso esperar 37 anos para isso.
O enfermeiro Blake Lynch, de 23 anos, da Carolina do Sul, foi doar
sangue para uma amiga que sofre de anemia falciforme. Foi rejeitado por
causa da sua orientação sexual, o que o levou a criar a ONG
Banned4Life
(“proibido pelo resto da vida”). Ele já coletou mais de 50.000
assinaturas contra a proibição. “Não deveriam focar a orientação sexual,
e sim os comportamentos sexuais de risco”, opina Lynch. “Meu
companheiro e eu não temos relações sexuais perigosas, mas querem
comprovar nossa orientação sexual e nos proibir de doar. É injusto”,
acrescenta o ativista.
Países que não impõem restrições à doação de sangue por homossexuais
Chile, Espanha, Itália, México, Polônia, Portugal, Rússia, África do Sul, Tailândia (entre outros).
Países que proíbem os homossexuais de doarem sangue
Alemanha, Argélia, Argentina, Áustria, Bélgica, Brasil, China,
Colômbia, Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Estados Unidos, Estônia,
Filipinas, França, Grécia, Holanda, Hong Kong, Irlanda, Irlanda do
Norte, Islândia, Israel, Malta, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru,
República Dominicana, Suíça, Tailândia, Turquia, Venezuela.
Países que permitem a doação após um prazo de abstinência sexual
Austrália, Canadá, Finlândia, Grã-Bretanha, Hungria, Japão, Nova Zelândia, República Checa, Suécia, Uruguai
Revisão nos EUA
Em 13 de novembro, um grupo de especialistas recomendou pela primeira
vez a revogação da proibição nos EUA. Dos 18 membros da comissão
encarregada desse parecer, 16 votaram a favor de que a proibição seja
limitada a um ano após a última atividade sexual com outro homem. Em 2
de dezembro – um dia depois da celebração do Dia Mundial de Luta contra a
AIDS, nesta segunda-feira –, a FDA (agência sanitária governamental que
proibiu a doação em 1977) anunciará sua decisão a respeito disso.
Praticamente todos os hemocentros dos países desenvolvidos já submetem amostras recebidas a exames de HIV
Outros grupos com risco elevado de transmitir infecções, como
usuários de drogas intravenosas, prostitutas, portadores do HIV e
receptores de transplantes de tecidos ou órgãos animais, também são
proibidos de doarem sangue. A medida afeta também mulheres transexuais
que fazem sexo com homens. “A FDA considera que os nascidos homens –
apesar da sua carga cromossômica – são homens inclusive após cirurgias
de mudança de sexo”, afirma um porta-voz da agência. “Os homens que
fazem sexo com outros homens representam aproximadamente 2% da população
dos Estados Unidos, embora seja a população mais afetada pelo HIV”, diz
a FDA em seu site.
Na atualidade, praticamente todos os hemocentros de países
desenvolvidos já submetem as amostras recebidas a exames que detectam o
HIV e outros agentes patológicos – uma prática que, por si só, já
tornaria a restrição sem sentido. Porém, o vírus causador da AIDS pode
levar até duas semanas para se tornar detectável no organismo, embora
seja transmissível nesse período de latência. No caso da hepatite B,
essa janela é de dois meses, tempo necessário até que se acumule uma
carga viral suficiente para ser detectada nos exames.
Na França, Áustria, Alemanha, Irlanda, Dinamarca, Bélgica e Grécia, o
veto vitalício às doações de sangue permanece em vigor, apesar de o
Tribunal de Justiça da União Europeia ter decidido em julho que isso
viola a legislação comunitária. “O simples fato de um homem manter ou
ter mantido relações sexuais com outro homem não constitui uma ‘conduta
sexual’, no sentido da diretriz, que justifique sua exclusão permanente
da doação de sangue”, diz a decisão.
A sentença foi proferida em
resposta a um cidadão francês que se queixou de discriminação ao
tribunal europeu, com sede em Estrasburgo.
Nos últimos anos, em todo o
Espaço Econômico Europeu (UE, mais a Islândia, Liechtenstein e Noruega),
só houve aumento das contaminações dentro do grupo populacional dos
homens que praticam sexo com outros homens.
O aumento foi de 33% desde
2004, segundo um relatório do Centro Europeu para a Prevenção e Controle
de Doenças.
Países de fora da UE, como Noruega, Suíça, Israel, Arábia Saudita,
Filipinas e China, tampouco permitem que um homem doe sangue depois de
ter relações homossexuais, mesmo que com preservativo. Reino Unido
(exceto a Irlanda do Norte), Suécia, Finlândia e Japão impõem um ano de
carência a partir da última atividade homossexual. Na Austrália, onde o
veto foi reduzido de 5 anos para 12 meses – medida idêntica à que os EUA
cogitam agora –, um estudo científico não apontou um aumento na
transmissão do HIV.
Outros países impõem um ano de carência a partir da última prática homossexual masculina
Na vizinha Nova Zelândia, o prazo também caiu de cinco anos para um.
Já o Canadá revogou em 2013 a proibição vitalícia, substituída por uma
carência de cinco anos. A África do Sul – país com o maior contingente
mundial de soropositivos, mais de 6 milhões de indivíduos – ampliou em
maio o veto de seis meses, antes aplicável apenas a homens homossexuais,
mas que passou a valer para qualquer pessoa que iniciar um novo
relacionamento.
Além disso, as autoridades sul-africanas não aceitam
doações de pessoas que mantenham mais de um parceiro sexual. Uma
porta-voz do Serviço Nacional de Doação da África do Sul admitiu que a
política discriminatória anterior se amparava em estatísticas e
tendências internacionais, sem levar em conta as condições próprias do
país, onde a pandemia afeta sobretudo os heterossexuais.
A Rússia permite a doação de sangue por homossexuais desde 2008, mas
em agosto de 2013 o político Mikhail Degtiariov, vice-presidente do
Comitê de Ciências do país e candidato à prefeitura de Moscou pelo
Partido Liberal Democrático, propôs “emendas na lei sobre a doação e nas
regras do Ministério da Saúde de modo a voltar a incluir a
homossexualidade na lista de contraindicações para a doação de sangue”. A
proposta acabou sendo rejeitada pelo Parlamento russo.
Muitos países latino-americanos também rejeitam doações de
homossexuais do sexo masculino. A lista abrange Colômbia, Venezuela,
Brasil, Peru e Argentina (embora a doação seja permitida na cidade de
Buenos Aires). Outros países da região, como Chile, Costa Rica e México,
alteraram recentemente o veto, proibindo agora as doações de qualquer
pessoa que tiver mantido relações sexuais de risco, independentemente da
sua orientação sexual. A Bolívia e o Uruguai permitem doar sangue,
embora no caso uruguaio isso só possa acontecer após um ano de
abstinência das relações homossexuais.
Não faz sentido excluir coletivos em vez de indivíduos que realizam práticas concretas"
Arbitrariedade transformada em regra
Os períodos de carência demonstram a arbitrariedade que persiste após
ser eliminada a proibição vitalícia. Diferentes entidades científicas e
médicas dos Estados Unidos, como a Cruz Vermelha, sugerem eliminar
completamente a proibição, já que ela não se ampara em comportamentos
individuais, e sim na orientação sexual.
A União Americana das
Liberdades Civis se opõe ao período de um ano, pois isso “impedirá que
dois homens que mantêm uma relação monogâmica possam doar sangue”. “Essa
norma não distingue entre relações de sexo seguro e de alto risco”,
alerta a ONG. Lynch comemora a iminente a decisão, mas critica o prazo
de um ano sem relações homossexuais. “Gays e homens bissexuais que
mantêm uma relação fechada e que são saudáveis continuarão sendo
impedidos de doar sangue”, lamenta. A defesa da FDA a essa crítica é que
não foi possível definir perguntas que identificassem com segurança
quais homossexuais estariam expostos a um menor risco de infecção.
Segundo a OMS, em 39 países o sangue doado não costuma ser analisado
rotineiramente em busca de infecções transmissíveis por transfusão, e
apenas 16% das doações em países de baixa renda são analisadas em
laboratórios com padrão de qualidade referendado.
A prevalência do HIV
em doações de sangue nos países desenvolvidos é de apenas 0,002%, contra
0,85% em países pobres. A OMS, uma agência da ONU, recomenda que todas
as doações de sangue sejam analisadas em busca de infecções, e que os
doadores sejam voluntários e de baixo risco.
Comentario
Se não podem doar sangue, devido ao comportamento de risco, também não deveriam poder adotar crianças.
Anônimo