A Operação Matáá(que significa fogo na língua indígena guató, povo que vive no sudoeste de MT), da Polícia Federal, que investiga o envolvimento de criminosos no aumento excessivo das queimadasno Pantanal nesta temporada, revelou, ontem, 14/9, que o fogo pode ter sido provocado por cinco fazendeiros da região de Corumbá, no norte do Mato Grosso do Sul.
Trinta e um agentes estão envolvidos na operação para cumprir dez mandados de busca e apreensão.
Até ontem à noite, foram oficialmente cumpridos quatro desses mandatos:
dois na capital, Campo Grande, e dois em Corumbá. Os outros seis têm
destino na zona rural de Corumbá.
Os investigadores chegaram a esses locais a partir da análise de imagens de satélite que indicam focos de incêndio que foram iniciados em cinco propriedades do MS pouco tempo antes de o fogo começar a engolir as áreas de preservação permanente e avançar nos limites do Parque Nacional do Pantanal Mato- grossense e da Serra do Amolar. Também fizeram sobrevoos pela região.
‘Dia do Fogo’ como inspiração
A PF suspeita que as queimadas em torno dessas fazendas podem ter sido orquestradas mais ou menos como no Dia do Fogo, ocorrido em 10 de agosto do ano passado, no Pará.
Nessa ação, fazendeiros e empresários – com o apoio de advogados e pessoas ligadas ao setor agropecuário – se articularam e contrataram capangas para atear fogo em áreas da floresta amazônica.
O crime completou um ano, ninguém foi preso e o inquérito segue em
sigilo. O jornalista que denunciou o esquema – Adécio Piran, do jornal Folha do Progresso -teve que recuar e ainda vive sob ameaças.
Aumentar área de pasto
Alan Givigi, delegado da PF em Corumbá, disse, ao
Globo Rural, que as fazendas estão localizadas “em locais inóspitos” e
que, por isso, “é difícil que esses focos tenham ocorrido de forma
acidental”.
Ele acredita que os fazendeiros tinham a intenção de fazer a queima da mata nativa “para aumentar a área de pastagem para gado“.
Como a área é protegida e desmatar é crime, atear fogo é uma prática
que, a princípio, não levanta suspeita porque queimadas se tornaram
comuns nessa época do ano.
Só que os supostos criminosos não levaram em conta que o Pantanal
passa pela pior seca dos últimos 47 anos! E, assim, “o fogo se alastrou
para os parques nacionais e reservas”.
Para comprovar as suspeitas, os agentes da PF foram instruídos para
buscar documentos e mensagens de celular que comprovem o envolvimento
dos fazendeiros com o início dos incêndios. “Estamos buscando celulares e
documentos como o comprovante de venda de gado. Se esses produtores
colocaram fogo no pasto, eles tiveram que tirar o gado antes”, explicou
Givigi.
Penas de até 15 anos de prisão… é pouco!
Caso a investigação confirme as suspeitas, os acusados poderão
responder pelos crimes de dano à floresta de preservação permanente (Art. 38, da Lei no 9.605/98), dano direto e indireto a Unidades de Conservação (Art. 40, da Lei no 9.605/98), incêndio (Art. 41, da Lei no 9.605/98) e poluição (Art. 54, da Lei no 9.605/98).
Na casa de um dos fazendeiros, na zona urbana de Corumbá, os agentes
da PF encontraram e apreenderam armas e munições de uso restrito: duas
pistolas, um revólver, 108 munições de calibre permitido e 44 de
calibre. Eles prenderam o fazendeiro em flagrante por posse ilegal de arma de fogo.
De acordo com a PF, as penas podem ultrapassar 15 anos de prisão.
Para o tamanho do estrago, é pouco. Deveriam ser afastados do convívio
social por mais tempo, além de serem obrigados a investir na recuperação florestal e a pagar os custos das ações de combate aos incêndios e com o resgate e habilitação dos animais, que está sendo bancado pela sociedade.
A julgar pelo que aconteceu com os envolvidos no Dia do Fogo,
é difícil ser otimista. Por isso, é tão importante não esmorecer,
continuar pressionando e acompanhando as investigações e exigir
conclusão do inquérito e punição. Essa gente, em geral, é muito poderosa
e perigosa. A gente precisa acabar com tanta mamata, crime e
corrupção!!
Jornalista
com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo,
saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos
na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino
Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o
premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela
United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede
de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da
conferência TEDxSãoPaulo.
Há pouco mais de vinte dias, o veterinário mineiro Felipe Coutinho Batista Esteves se juntou à equipe da ONG Ampara Silvestre que está trabalhando para tentar salvar os animais feridos pelos incêndios no Pantanal,
na região entre os municípios de Poconé e Porto Jofre, uma das áreas
mais afetadas no Mato Grosso. O time atendeu a um apelo de outra
organização, a Instituto Homem Pantaneiro, que percebeu a urgência em fazer o resgate dos animais, que não conseguem fugir do fogo.
Por WhatsApp, tarde da noite, Felipe responde minha mensagem. Diz que
no momento está na pousada, mas em breve sairá de lá e ficará sem sinal
de telefone por muito tempo.
Durante cerca de uma hora então, trocamos mensagens. Ele me relata,
por áudio, como tem sido o seu dia a dia, cheio de altos e baixos.
Diariamente a equipe da Ampara Silvestre, que conta com veterinários,
biólogos e voluntários, faz patrulhas de barco e carro pelas regiões
afetadas pelo fogo. Também atende chamados de alerta sobre animais
feridos para fazer os primeiros-socorros e decidir sobre o
encaminhamento do bicho, dependendo de seu estado.
“Primeiro fazemos fluidoterapia (hidratação com água) e
depois começamos a limpar as feridas, colocar curativos. Depois que o
animal está estabilizado, ele é encaminhado pela secretaria do meio
ambiente para o Centro de Medicina e Pesquisa de Animais Silvestres
(Cempas) ou para o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Mato
Grosso”, diz.
Felipe, logo à frente, na direita, ajuda a carregar uma onça-pintada ferida
As espécies rasteiras são as mais afetadas, como jacarés, serpentes e
jabutis porque têm um deslocamento mais lento diante do fogo.
“Notamos também que alguns animais conseguem fugir das chamas, mas acabam voltando e queimam as patas, uma das lesões mais comuns que temos visto”.
Animal com a pata totalmente queimada pelo fogo
Eutánasia: difícil decisão para aliviar a dor dos animais
Mas, em meio a tanto fogo – já considerado o maior dos últimos quase
50 anos, no Pantanal – nem todos os bichos podem ser salvos.
“Temos nos deparado com muitos animais mortos. Muitos! Inúmeros, incontáveis animais mortos.
Veados, antas, serpentes, jacarés, quatis, tudo o que você pode
imaginar”, relata Felipe. “Infelizmente a gente fica com a impressão que
chegou tarde. Só que como é um incêndio de grandes proporções, a gente
nota que é agulha no palheiro, trabalho de formiguinha, mas um animal
salvo já é alguma coisa”, acredita.
No caso dos animais que não têm mais chance de sobreviver, a equipe
decide pela eutanásia. “Temos um compromisso ético perante a vida desse
animal. Estamos aqui para dar oportunidade de um tratamento, mas quando
ele não é possível, recorremos à eutanásia. Em muito casos, as extensões
das lesões são muito grandes, como a gente viu em uma jaguatirica, que
tinha perda de tendões”.
Veado que não conseguiu fugir do incêndio
Não são apenas as feridas e queimaduras
provocadas pelo fogo que ameaçam a fauna do Pantanal neste momento. Os
incêndios devastaram a vegetação e com isso, a fonte de alimentos dos
bichos. “Percebemos em nossas patrulhas diárias que os animais estavam
morrendo de sede e de fome
também. Começamos então a colocar cochos (recipientes) de água e frutas para alimentá-los”, conta.
Para o veterinário, essas ações são mais importantes até do que o próprio resgate de sobreviventes.
Descaso com o Pantanal
Mais do que o choque com o encontro diário de dezenas de animais
mortos, o que consterna os profissionais envolvidos no trabalho no
Pantanal é perceber o completo descaso do poder público com esse bioma
tão importante e representativo de nosso país, com a maior concentração
de animais da América do Sul. Felipe considera isso simplesmente inadimissível, inaceitável.
“Não existe nenhuma política de prevenção.
Não existe uma brigada permanente de incêndio, há um descaso dos órgãos
ambientais, um jogo de empurra-empurra. Uma vez que o fogo vem, não tem
jeito”, denuncia. “Nessa hora, ninguém assume o problema de verdade.
Notamos ainda um conformismo estratégico dos órgãos ambientais: é mais
fácil ver o fogo passar, com um contingente baixo de brigadistas – os
aviões do ICMBio chegaram 30 dias depois do fogo começar e dois deles já
foram embora”.
Pergunto como o profissional faz para enfrentar tanto sofrimento.
“Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. É muito difícil ver
isso. Porém, eu costumo dizer que a gente só tem dois minutos para
lamentar e ir pro próximo. Porque os animais não podem esperar. Há
muitos deles precisando de atendimento e ajuda. Se a gente parar e
lamentar cada vez, não consegue executar o trabalho”, admite.
Felipe diz que cada animal salvo é uma pontinha de esperança. “Com nossa ajuda ele poderá voltar à natureza.
Felipe tratando de mais onça-pintada, vítima dos incêndios
A resiliência se sobrepõe à impotência
Essa não é a primeira vez que o mineiro está em meio a um desastre
ambiental. Em seu estado natal, trabalhou em Barão de Cocais e
Brumadinho, após o vazamento das barragens de minério na região.
Reconhece que não é fácil estar nesses lugares e que é preciso ter um
equilíbrio emocional muito grande para participar dessas ações.
“Hoje presenciei uma das situações mais duras até agora. Vimos um
veado-campeiro parado, na beira do rio, e o fogo atrás dele, por todos
os lados. Ele não tinha para onde ir. É uma situação de impotência.
Porque se tentássemos intervir, o instinto animal poderia fazer com que
ele fosse em direção ao fogo. Seria pior”, desabafa.
Entretanto, nem situações como as vividas em mais um dia no Pantanal o fazem desistir dessa missão.
“Mas a gente está aqui pra isso. São atribuições do próprio ofício,
da própria medicina veterinária. A gente está aqui pela causa, então tem
que ser forte”, finaliza.
A equipe da Ampara Silvestre que está fazendo um trabalho lindo no Pantanal
—————————————————————————————————– *Há diversas campanhas sendo realizadas para ajudar o trabalho
dos profissionais que fazem o resgate e tratamento de animais no
Pantanal. Veja como contribuir para a da Ampara Silvestre e outras
entidades nesta outra reportagem – Como ajudar o Pantanal Qualquer valor ajuda. Contribua e compartilhe!
Jornalista,
já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo
da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e
2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras,
entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta
Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas,
energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em
Londres, vive agora em Washington D.C.
No dia em que a destruição do Pantanal pelas queimadas chegou
a quase 3 milhões de hectares (equivalente à área da Bélgica), oito
países europeus enviaram nesta quarta-feira (16/9) uma carta aberta ao
vice-presidente brasileiro, general Hamilton Mourão, para protestar
contra a política ambiental brasileira.
Os países afirmam que nos últimos anos o desmatamento aumentou no
Brasil em ritmo alarmante e que estão “profundamente preocupados” com os
efeitos dessa destruição para o desenvolvimento sustentável do país.
A carta foi enviada pelos países que participam da declaração de
Amsterdã, uma parceria entre nações para promover sustentabilidade e
cadeias de produção de commodities que não cause a destruição de
florestas. Participam Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Dinamarca,
Noruega, Países Baixos e Bélgica.
“Durante muito tempo o Brasil liderou a redução do desmatamento na
Amazônia através do estabelecimento de instituições científicas
independentes que garantem monitoramento rigoroso e transparente, de
agências de controle competentes e do reconhecimento de territórios
indígenas. Nos últimos anos, no entanto, o desmatamento tem crescido em
ritmo alarmante, como foi documentado pelo INPE (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais)”, diz a carta.
A situação das florestas
Além das queimadas que estão devastando o Pantanal neste mês de
setembro — e cujas origens podem ser criminosas, segundo investigação da
Polícia Federal —, a Amazônia também está sofrendo com devastação
gerada pelo fogo. Em apenas 14 dias, setembro de 2020 já registrou mais
queimadas na Amazônia do que em todo o mesmo mês do ano passado, segundo
o INPE.
Independente e respeitada internacionalmente, a instituição
científica que faz o monitoramento do desmatamento vem sendo criticada e
tratada como “oponente” pelo governo Bolsonaro desde que seus registros
passaram a mostrar aumento na destruição dos biomas. Na segunda (15/9),
Mourão afirmou que “alguém lá de dentro” do Inpe “faz oposição ao
governo”.
“Quando o dado é negativo, o cara vai lá e divulga”, afirmou o vice-presidente.A destruição tem sido registrada também por outras entidades. Segundo
a Global Forest Watch, que mantém uma plataforma online de
monitoramento de florestas, o Brasil foi responsável pela destruição de
um terço de todas as florestas tropicais virgens desmatadas no planeta
em 2019 — foram 1,3 milhão de hectares perdidos.
Ainda na segunda-feira (14/9), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, admitiu que as queimadas no Pantanal tomaram uma “proporção
gigantesca”, mas afirmou que os incêndios estão sendo “fortemente
combatidos”. O ministro havia compartilhado no mês passado um vídeo
negando que houvesse queimadas na Amazônia — as imagens, no entanto,
eram da Mata Atlântica.
Desmatamento dificulta o investimento
Questionada internamente por entidades científicas, ambientalistas
e até pelo Ministério Público, a política ambiental do governo é o
principal ponto mencionado pela carta dos países da declaração de
Amsterdã.
Eles afirmam que as preocupações com a situação ambiental no Brasil
atingem consumidores, negócios, investidores e a sociedade civil na
Europa.
“Na Europa, existe um legítimo desejo de que os alimentos à
disposição sejam produzidos de forma justa, ambientalmente segura e
sustentável”, afirma a carta. “Fornecedores, comerciantes e investidores
estão respondendo (à essa preocupação) incorporando esse desejo em suas
próprias estratégias corporativas.”
O desmatamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para que
empresas e investidores mantenham seus critérios de sustentabilidade,
diz a carta.
“Nossos esforços coletivos para gerar mais investimento financeiro em
produção agrícola sustentável (…) também poderia dar apoio ao
crescimento econômico brasileiro”, afirmam os países. “No entanto, já
que os esforços europeus buscam formar cadeias de produção livres de
desmatamento, a atual tendência de desmatamento no Brasil está está
tornando cada vez mais difícil para que empresas e investidores
mantenham seus critérios de sustentabilidade.”
“No passado, o Brasil mostrou que é capaz de expandir a produção
agrícola ao mesmo tempo em que reduz o desmatamento”, também afirma o
documento.
As nações que assinam o documento afirmam que “esperam um
comprometimento renovado e firme do governo do Brasil para reduzir o
desmatamento que seja refletido em ações reais e imediatas”.
Os países afirmam também que estão prontos para discutir formas de
ajudar o Brasil a melhorar a sustentabilidade e dar suporte a um “setor
agrícola sustentável” no país.
A humanidade está em uma encruzilhada e temos que agir agora
para dar espaço para a natureza se recuperar e desacelerar seu rápido
declínio.
Essa informação vem do relatório da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica.
O qual apresenta uma lista com oito transições principais que podem ajudar a interromper o declínio contínuo da natureza.
“As coisas precisam mudar”, disse Elizabeth Maruma Mrema, secretária executiva da convenção.
“Se agirmos, com a ação correta – como propõe o relatório – podemos fazer a transição para um planeta sustentável.”
Qual é a ligação entre a exploração da natureza e a saúde humana?
Novas doenças surgem na população humana, provavelmente três ou
quatro vezes por ano. Somente quando são facilmente transmitidas de
humano para humano – como o coronavírus – é que elas têm o potencial de
iniciar uma pandemia. Mas aumentar as chances do surgimento de uma nova
doença aumenta as chances dessa doença se tornar o “próximo Covid”.
E essas não são doenças verdadeiramente novas – são apenas novas para
nossa espécie. A grande maioria dos surtos é o resultado de uma doença
animal que se espalhou para a população humana. Ebola e HIV vieram de
primatas; os cientistas relacionaram os casos de ebola ao consumo de
carne de animais infectados. A mordida de um animal infectado com raiva é
um modo muito eficaz de transmissão de doenças. E nos 20 anos
anteriores, o Covid-19, SARs, MERs, gripe suína e aviária transbordaram
de animais.
À medida que fazemos a reengenharia do mundo natural, invadimos reservatórios de doenças animais e nos colocamos em risco.
“Cada vez mais estamos afetando as populações de animais selvagens,
desmatando e fazendo com que os animais se movam e entrem em nosso
ambiente”, explicou o professor Matthew Baylis, epidemiologista
veterinário da Universidade de Liverpool.
“Isso faz com que os patógenos
[causadores de doenças] sejam transmitidos de uma espécie para outra.
Portanto, nossos comportamentos em escala global estão facilitando a
disseminação de um patógeno de animais para humanos.”
Como os humanos estão se saindo quando se trata de proteger a natureza?
A convenção (CBD) chamou isso de “cartão de relatório final” sobre o progresso em relação às 20 metas globais de biodiversidade que foram acordadas em 2010 com o prazo final em 2020.
“Progresso foi feito, mas nenhuma
[dessas] metas será totalmente cumprida”, disse a Sra. Maruma Mrema à
BBC News. “Portanto, muito ainda precisa ser feito para dobrar a curva
da perda de biodiversidade.”
Além de um aviso severo, este relatório apresenta um manual de instruções sobre como dobrar essa curva.
“Isso pode ser feito”, disse David
Cooper, secretário-executivo adjunto do CBD. “No próximo ano, na China,
teremos a conferência da biodiversidade da ONU, onde se espera que os
países adotem uma nova estrutura que representará compromissos globais
para colocar a natureza no caminho da recuperação até 2030.”
Como pode o impacto dos humanos na natureza ser limitado?
Essa estrutura – que foi apelidada de “acordo climático de Paris para
a natureza”, incluirá oito grandes transições que todas as 196 nações
deverão se comprometer:
Terras e florestas: proteger habitats e reduzir a degradação do solo;
Agricultura sustentável:
redesenhar a forma como cultivamos, para minimizar o impacto negativo
na natureza, por meio de coisas como desmatamento e uso intensivo de
fertilizantes e pesticidas;
Comida: Comer uma
dieta mais sustentável, principalmente, com consumo mais moderado de
carne e peixe e “cortes dramáticos” nos resíduos;
Oceanos e pescas:
proteger e restaurar os ecossistemas marinhos e pescar de forma
sustentável – permitindo a recuperação dos estoques e a proteção de
importantes habitats marinhos;
Ecologização urbana: criar mais espaços para a natureza nas cidades, onde quase 75% da população vive;
Água doce: proteger os habitats de lagos e rios, reduzindo a poluição e melhorando a qualidade da água;
Ação climática urgente: Tomar medidas sobre as mudanças climáticas com uma “eliminação rápida” dos combustíveis fósseis;
Abordagem de ‘Uma Saúde’:
Isso abrange todos os itens acima. Significa essencialmente gerir todo o
nosso ambiente – seja ele urbano, agrícola, florestal ou piscícola –
com vistas a promover “um ambiente saudável e pessoas saudáveis”.
“O Covid-19 tem sido um lembrete gritante da relação entre a ação
humana e a natureza”, disse Maruma Mrema. “Agora temos a oportunidade de
fazer melhor após o Covid. A pandemia em si tem sido associada ao comércio de animais selvagens e à invasão humana nas florestas, o que os cientistas dizem que aumenta o risco de um “transbordamento” de doenças da vida selvagem para os humanos.
Houve algum progresso na última década?
O relatório destaca alguns sucessos: as taxas de desmatamento
continuam caindo, a erradicação de espécies exóticas invasoras das ilhas
está aumentando e a conscientização sobre a biodiversidade parece estar
aumentando.
“Muitas coisas boas estão acontecendo ao redor do mundo e devem ser
celebradas e incentivadas”, disse a Sra. Maruma Mrema. No entanto, ela
acrescentou, a taxa de perda de biodiversidade não tem precedentes na
história da humanidade e as pressões estão se intensificando.
“Temos que agir agora. Não é tarde
demais. Caso contrário, nossos filhos e netos vão nos amaldiçoar porque
vamos deixar para trás um planeta poluído, degradado e insalubre.”
Incêndios florestais em SP mais do que dobram em 2020; animais fogem do fogo, invadem áreas urbanas e nº de resgates aumenta
Desde o começo do ano, os satélites do Inpe
registraram 4.214 focos em todo o estado, contra 2.015 no mesmo período
de 2019 (de 1º de janeiro a 13 de setembro). Os focos de incêndios em SP
atingem de maneira similar a mata atlântica e o cerrado.
O estado de São Paulo teve 109% mais focos de incêndio
florestal neste ano do que no ano passado, segundo dados do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Desde o começo do ano, os
satélites do instituto registraram 4.214 focos em todo o estado, contra
2.015 no mesmo período de 2019 (de 1º de janeiro a 13 de setembro).
As queimadas também provocaram o aumento no número de animais
resgatados pela Polícia Ambiental e pelo Corpo de Bombeiros em cidades
do interior. Segundo biólogos ouvidos pelo G1, além dos
bichos que morrem queimados ou asfixiados pela fumaça, há ainda aqueles
que, encurralados pelo fogo, acabam fugindo para cidades ou rodovias,
onde podem ser vítimas de atropelamentos.
A três meses e meio do final do ano, o número de focos até agora já
superou todo o ano de 2019. Já são 37% mais registros neste ano do que
os 3.075 focos confirmados de janeiro a dezembro de 2019.
Os focos de incêndios em SP atingem de maneira similar a Mata
Atlântica e o cerrado. De acordo com os dados do Inpe, 52% dos focos
deste ano ocorreram em áreas de Mata Atlântica e 48% em áreas de
cerrado.
Os meses de agosto e setembro, que tradicionalmente concentram a
maior parte das queimadas em SP, tiveram registros bem acima da média
histórica. Para agosto, a média é de 898 focos; em 2020, foram 1.111.
O mês de setembro teve números ainda piores: foram 1.470 focos até o
dia 13, sendo que a média histórica é de 796 incêndios para o mês todo.
Segundo Alberto Setzer, pesquisador do Inpe e coordenador do Programa
Queimadas – Monitoramento por Satélite, trata-se de um aumento
significativo.
“Se fosse um aumento de 5% eu
diria que não é grande coisa, mas um aumento dessa magnitude, é porque
com certeza está queimando muito mais neste ano do que no ano passado”,
alerta Setzer.
O pesquisador lembra que 2019 foi um ano com níveis de chuva acima da
média na região Sudeste, o que ajuda a controlar as queimadas. De
acordo com Setzer, os números de 2020 já são comparáveis com os anos de
2010 e 2014, que foram extremamente secos.
O ano de 2020 já superou os registros de 2014, quando ocorreram 3.277
focos até 13 de setembro. Já em 2010 foram 6.028 focos nesse período.
Nessas condições de estiagem você tem o uso do fogo facilitado e a propagação também é muito facilitada”, explica Setzer.
Por tradição, russos sempre levam uma quantidade ímpar de flores a
alguém vivo, e uma par a túmulos ou memoriais. Mas dia sim, dia não,
Raisa Lappa, de 83 anos, coloca três rosas ou gladíolas na placa em
homenagem a seu filho Sergei, como se ele não tivesse ido embora junto
com seu submarino numa trágica operação no oceano Ártico em 2003.
“Há momentos em que eu não estou normal, enlouqueço e parece que ele
está vivo, então levo um número ímpar de flores”, afirma ela. “Eles
deveriam resgatar a embarcação, para que as mães possam colocar os
restos mortais de seus filhos sob o chão, e possamos ter um pouco mais
de paz.”
Após 17 anos de promessas não cumpridas, Lappa pode finalmente
realizar seu desejo, embora isso seja por causa de preocupações do
governo com os restos mortais do capitão Sergei Lappa e seis membros de
sua tripulação.
Com um decreto publicado em março, o presidente Vladimir Putin deu
início a uma iniciativa para retirar dois submarinos nucleares
soviéticos e quatro compartimentos de reatores do fundo do mar,
reduzindo em 90% a quantidade de material radioativo no oceano Ártico.
O primeiro da lista é o K-159, onde está Lappa.
A mensagem, que antecede a presidência rotativa da Rússia no Conselho
do Ártico no próximo ano, aponta um país que não é apenas uma potência
comercial e militar proeminente no Ártico como também um gestor do meio
ambiente.
O K-159 fica próximo a Murmansk, no mar de Barents, a mais rica
região de bacalhau do mundo e também um importante habitat de hadoque,
caranguejo-rei vermelho, morsas, baleias, ursos polares e muitos outros
animais.
Ao mesmo tempo, a Rússia está à frente de outra “nuclearização” do
Ártico com embarcações e armamentos, e já causou dois acidentes.
Legado em decadência
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética
construíram mais de 400 submarinos nucleares, um “serviço silencioso”
que deu aos adversários uma forma de retaliar, mesmo que suas
instalações de mísseis e bombardeiros estratégicos tivessem sido
destruídos em um primeiro ataque repentino.
A quase 100 km da fronteira com a Noruega, membro da Otan
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), o porto ártico de Murmansk e
as bases militares vizinhas se tornaram o centro da marinha nuclear e
dos quebra-gelos da URSS, bem como de seu combustível altamente
radioativo.
Depois da queda da Cortina de Ferro, com o fim da URSS em 1989, as consequências da atividade vieram à tona.
Na baía de Andreyeva, por exemplo, onde 600 mil toneladas de água
tóxica vazaram para o mar de Barents de uma piscina de armazenamento
nuclear em 1982, o combustível irradiado de mais de 100 submarinos foi
mantido parcialmente em recipientes enferrujados a céu aberto.
Temendo contaminação, a Rússia e os países ocidentais, incluindo o
Reino Unido, iniciaram uma grande limpeza, gastando US$ 1,3 bilhão para
desativar e desmontar 197 submarinos nucleares soviéticos, descartar
baterias de estrôncio de mil faróis de navegação e começar a remover
combustível e resíduos da baía de Andreyeva e de três outros locais
costeiros perigosos.
Assim como em outros países, no entanto, o lixo nuclear soviético também era lançado no mar.
Um estudo de viabilidade de 2019 feito por um consórcio incluindo a
empresa britânica de segurança nuclear Nuvia encontrou 18 mil objetos
radioativos no oceano Ártico, entre eles 19 embarcações e 14 reatores.
Embora a radiação emitida pela maioria desses objetos tenha se
aproximado dos níveis mais baixos graças ao acúmulo de lodo, o estudo
descobriu que mil deles ainda têm níveis elevados de radiação gama
penetrante.
Do total, 90% estão concentrados em seis objetos que a estatal russa
Rosatom pretende reerguer nos próximos 12 anos, segundo Anatoly
Grigoriev, chefe de assistência técnica internacional da Rosatom: dois
submarinos nucleares e compartimentos de reator de três submarinos
nucleares e o quebra-gelo Lenin.
“Nós consideramos extremamente baixa a probabilidade de materiais
radioativos vazarem desses objetos, mas é um risco inaceitável para os
ecossistemas do Ártico”, disse Grigoriev em nota.
Nunca uma limpeza nuclear desse tipo foi realizada no mar. A
recuperação dos compartimentos do reator envolverá trabalhos de
salvamento em águas geladas que são seguras para tais operações apenas
durante três ou quatro meses por ano.
Os dois submarinos nucleares, que juntos contêm 1 milhão de curies de
radiação, ou cerca 25% do que foi liberado no primeiro mês do desastre
de Fukushima, no Japão, serão um desafio ainda maior.
Um deles é o K-27, outrora conhecido como o “peixe dourado” por causa
de seu alto custo. O submarino de ataque de 360 pés (118 m), projetado
para caçar outros submarinos, foi atormentado por problemas desde seu
lançamento em 1962 com seus reatores experimentais refrigerados a metal
líquido, um dos quais se rompeu seis anos depois e expôs nove
marinheiros a doses fatais de radiação.
Em 1981 e 1982, a marinha encheu o reator com asfalto e afundou-o a
leste da ilha Novaya Zemlya em apenas 108 pés (33 m) de água. Um
rebocador teve que bater na proa depois que um buraco aberto nos tanques
de lastro levou a afundar apenas a popa.
O K-27 foi afundado após a instalação de algumas medidas de segurança
que devem manter os destroços seguros até 2032. Mas outro incidente é
mais alarmante. O K-159, um submarino de ataque de 350 pés (107 m) que
esteve em serviço de 1963 a 1989. O K-159 afundou sem nenhum aviso,
enviando 800 kg de combustível de urânio usado para o fundo do mar sob
áreas de pesca e rotas de transporte ao norte de Murmansk.
Thomas Nilsen, editor do jornal online The Barents Observer, descreve
os submarinos como um “Chernobyl em câmera lenta no fundo do mar”.
Ingar Amundsen, chefe da segurança nuclear internacional da
Autoridade Norueguesa de Radiação e Segurança Nuclear, concorda que é
uma questão de quando, e não se, os submarinos afundados contaminarão as
águas se forem deixados como estão.
“Eles contêm grande quantidade de combustível nuclear usado que com
certeza no futuro vazará para o meio ambiente, e sabemos por experiência
que apenas pequenas quantidades de contaminação no meio ambiente, ou
mesmo rumores, levariam a problemas e consequências econômicas para a
pesca. “
‘Agosto maldito’
Sergei Lappa nasceu em 1962 em Rubtsovsk, uma pequena cidade nas
montanhas Altai, perto da fronteira russa com o Cazaquistão. Embora
estivesse a milhares de quilômetros do oceano mais próximo, ele cultivou
o interesse pela navegação em um clube de construção naval local e,
depois da escola, foi aceito na academia de engenharia naval superior em
Sebastopol, na Crimeia.
Alto, atlético e um bom aluno, ele foi designado para o serviço de maior prestígio da marinha: a Frota de Submarinos do Norte.
Após o colapso da União Soviética, no entanto, os militares entraram
em um declínio que veio à tona para o mundo quando o submarino de ataque
Kursk afundou com 118 tripulantes a bordo em agosto de 2000.
Nessa época, Lappa comandava o K-159, que enferrujava desde 1989 em
um píer na isolada cidade naval de Gremikha, apelidada de “ilha dos cães
voadores” por seus fortes ventos. Na manhã de 29 de agosto de 2003, a
esperada ordem chegou para rebocar o decrépito K-159, que havia sido
anexado a quatro pontões de 11 toneladas com cabos para mantê-lo
flutuando durante a operação, até uma base perto de Murmansk para
desmontagem. A operação seguiria, apesar de uma previsão de tempo com
bastante vento.
Com os reatores desligados, Lappa e sua tripulação de nove
engenheiros operaram o barco com uma lanterna. O submarino era rebocado
perto da ilha Kildin por volta da meia-noite e meia quando os cabos para
os pontões da proa quebraram em mar agitado, e meia hora depois foi
descoberta água invadindo o oitavo compartimento.
Enquanto o quartel-general lutava contra a decisão de usar um caro
helicóptero de resgate, a tripulação continuou tentando manter o
submarino flutuando. Às 02h45, Mikhail Gurov enviou uma última
transmissão de rádio: “Estamos inundando, faça alguma coisa!” Quando os
barcos de resgate do rebocador chegaram, o K-159 estava no fundo, perto
da ilha Kildin. Dos três marinheiros que conseguiram escapar, o único
sobrevivente foi o tenente-chefe Maxim Tsibulsky, cuja jaqueta de couro
se encheu de ar e o manteve na superfície.
Mais um submarino nuclear afundou durante o “maldito” mês de agosto,
como descreveram jornais russos, mas esse incidente causou pouco furor
em comparação com o Kursk. A Marinha prometeu aos parentes que tiraria o
K-159 do fundo do mar no ano seguinte, mas o plano foi adiado diversas
vezes.
Mesmo depois de 17 anos de deterioração e corrosão, os ossos da
tripulação provavelmente devem estar preservados no submarino, de acordo
com Lynne Bell, antropóloga forense da Universidade de Simon Fraser, no
Canadá.
Mas as famílias há muito perderam a esperança de recuperar os restos mortais deles.
“Para todos os parentes, seria um alívio se seus pais e maridos
fossem enterrados, e ficassem não apenas abandonados no fundo do mar em
um casco de aço”, diz Dmitry, filho de Gurov. “Mas ninguém acredita que
isso vai acontecer.”
A situação agora mudou, no entanto, à medida que o interesse da
Rússia renasce no Ártico e em seus portos soviéticos e cidades militares
em ruínas. Desde 2013, sete bases militares árticas e dois terminais de
navios-tanque foram construídos como parte da Rota do Mar do Norte, uma
rota mais curta para a China que Putin prometeu ter 80 milhões de
toneladas de tráfego até 2025.
O K-159 está localizado perto do fim da rota.
Redução de riscos
Rússia, Noruega e outros países cujos barcos de pesca navegam nas
abundantes águas do mar de Barents agora se encontram com uma espada de
Dâmocles pairando sobre suas cabeças.
Embora uma expedição russo-norueguesa de 2014 ao naufrágio K-159 que
examinou a água, o fundo do mar e os animais não tenha encontrado
radiação acima dos níveis de fundo (como o registrado em fontes
naturais), um especialista do Instituto Kurchatov de Moscou disse à
época que uma falha de contenção do reator “poderia acontecer dentro de
30 anos após o naufrágio na melhor das hipóteses e dentro de 10 anos na
pior das hipóteses”.
Se isso acontecer, liberaria césio-137 e estrôncio-90 radioativos, entre outros isótopos.
Por um lado, o vasto tamanho dos oceanos dilui rapidamente a
radiação, mas por outro mesmo níveis muito pequenos podem se concentrar
em animais no topo da cadeia alimentar por meio da “bioacumulação” — e
então ser ingeridos por humanos.
As consequências econômicas para a indústria pesqueira do mar de
Barents, que fornece a vasta maioria do bacalhau e da arinca para os
vendedores britânicos de fish and chips (peixe e batatas fritas), “podem
ser piores do que as consequências ambientais”, diz Hilde Elise Heldal,
cientista do Instituto de Pesquisa Marinha da Noruega.
Segundo seus estudos, se todo o material radioativo dos reatores do
K-159 fosse liberado em uma única “descarga de pulso”, aumentaria os
níveis de Césio-137 nos músculos do bacalhau no mar de Barents pelo
menos 100 vezes.
Isso ainda estaria abaixo dos limites estabelecidos pelo governo
norueguês após o acidente de
Chernobyl, mas pode ser o suficiente para
assustar os consumidores. Mais de 20 países continuam a proibir frutos
do mar japoneses, por exemplo, embora os estudos não tenham conseguido
encontrar concentrações perigosas de isótopos radioativos em peixes
predadores do Pacífico após o acidente na usina nuclear de Fukushima, em
2011. Qualquer proibição de pesca nos mares de Barents e Kara poderia
custar às economias russa e norueguesa o equivalente a US$ 140 milhões
por mês, de acordo com um estudo de viabilidade da Comissão Europeia
sobre o projeto de elevação.
Mas um acidente durante o içamento do submarino, por outro lado,
poderia sacudir o reator de repente, potencialmente misturando elementos
de combustível e iniciando uma reação em cadeia descontrolada e
explosão. Isso poderia aumentar os níveis de radiação em peixes em
níveis mil vezes acima do normal ou, se ocorresse na superfície,
irradiar para animais terrestres e humanos, aponta outro estudo
norueguês.
A Noruega seria forçada então a interromper a vendas de produtos do
Ártico, como peixes e carne de rena, por um ano ou mais. O estudo
estimou que poderia ser liberada mais radiação do que no incidente da
baía de Chazhma em 1985, quando uma reação em cadeia descontrolada
durante o reabastecimento de um submarino soviético perto de Vladivostok
matou 10 marinheiros.
Amundsen, da Autoridade Norueguesa de Radiação e Segurança Nuclear,
argumenta que o risco de tais operações com o K-159 ou o K-27 são baixos
e poderiam ser minimizado com um planejamento adequado, como ocorreu
durante a remoção do combustível na Baía de Andreyev.
“Nesse caso, não deixamos o problema para as gerações futuras
resolverem, quando o conhecimento de como lidar com esses resíduos
legados pode se tornar muito limitado.”
A segurança e a transparência da indústria nuclear da Rússia têm sido
frequentemente questionadas. Recentemente, as autoridades holandesas
concluíram que o iodo-131 radioativo detectado no norte da Europa em
junho tinha vindo da direção da Rússia ocidental, embora não houvesse
prova definitiva de que os radionuclídeos se originaram no país.
A instalação de reprocessamento Mayak, que recebeu o combustível
irradiado da Baía de Andreyev de trem, tem uma história conturbada que
remonta ao então pior desastre nuclear do mundo em 1957. A Rosatom
continua a negar as descobertas de especialistas internacionais de que a
instalação era a fonte de uma nuvem radioativa de rutênio-106
registrado na Europa em 2017.
Enquanto o K-159 e o K-27 precisam ser içados, Rashid Alimov, do
Greenpeace na Rússia, tem suas reservas sobre os planos. “Estamos
preocupados com o andamento dessa obra, a participação da população e o
transporte do combustível radioativo até Mayak.”
Missão personalizada
Içar um submarino é um feito raro de engenharia. Os Estados Unidos
gastaram US$ 800 milhões em uma tentativa de içar outro submarino
soviético, o K-129 movido a diesel que transportava vários mísseis
nucleares, de 5.000 m no oceano Pacífico. No final, eles conseguiram
apenas trazer um terço do submarino para a superfície, deixando a CIA
com pouca informação útil disponível.
Esse foi a operação do tipo mais profunda da história. A mais pesada
foi que envolve o Kursk. Para trazer o submarino de mísseis de 17 mil
toneladas de 108 m abaixo do mar de Barents, as empresas holandesas
Mammoet e Smit International instalaram 26 macacos de elevação
hidraulicamente amortecidos em uma barcaça gigante e fizeram 26 furos no
casco de aço revestido de borracha do submarino com um jato de água
operado por mergulhadores.
Em 8 de outubro de 2001, correndo para vencer a temporada de
tempestades de inverno após quatro meses de trabalho estressante e
diversos atrasos, garras de aço instaladas em 26 buracos levantaram o
Kursk do fundo do mar em 14 horas. Depois, a barcaça foi rebocada para
um dique seco em Murmansk.
Com menos de 5 mil toneladas, o K-159 é menor do que o Kursk, mas
mesmo antes de afundar seu casco externo estava “fraco como folha de
alumínio”. Desde então, foi cercado em lodo de 17 anos. Um buraco na
proa indicava que deveria ser descartada a ideia de enchê-lo de ar e
erguê-lo com balões, como foi sugerido à época.
Em uma conferência do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento
em dezembro, um representante da Rosatom disse que não havia nenhum
navio no mundo capaz de içá-lo, e por isso um navio de salvamento
especial teria que ser construído.
Isso aumentará o custo estimado de US$ 330 milhões para resgatar os
seis objetos mais radioativos. Os doadores estão discutindo o pedido da
Rússia para ajudar a financiar o projeto, disse Balthasar Lindauer,
diretor de segurança nuclear do banco.
“Há consenso de que algo precisa ser feito lá”, diz ele.
Qualquer embarcação customizada provavelmente precisaria de diversas
tecnologias especializadas, como propulsores de proa e popa, para
mantê-la posicionada com precisão sobre os destroços.
Em agosto, Grigoriev, chefe de assistência técnica internacional da
Rosatom, disse a um site financiado pela empresa que estudavam um plano
que envolveria um par de barcaças equipadas com macacos de cabos
hidráulicos e presas a ancoradouros em alto mar. Em vez de pinças de aço
como as inseridas nos orifícios do submarino Kursk, agora pinças curvas
gigantes agarrariam o casco inteiro e o levantariam entre as barcaças.
Uma estrutura parcialmente submersível seria posicionada embaixo e
trazida à superfície junto com o submarino. O K-27 e o K-159 podem ser
recuperados dessa forma, disse Grigoriev.
Uma das três firmas de engenharia trabalhando em propostas para a
Rosatom é a agência de design militar Malachite, que elaborou um projeto
para elevar o K-159 em 2007 que “nunca foi realizado por falta de
dinheiro”, de acordo com seu designer-chefe.
Este ano, a agência começou a atualizar este plano, disse um
funcionário ao BBC Future Planet no saguão da sede de Malachite em São
Petersburgo. Muitas questões permanecem, no entanto. “Em que condições
está o casco? Quanta força pode aguentar? Quanto lodo foi acumulado?
Precisamos pesquisar as condições lá “, diz o funcionário, pouco antes
que o chefe da segurança chegasse para interromper a entrevista.
Paradoxo nuclear
Remover seis objetos radioativos se encaixa com a imagem que Putin
tem construído como defensor do frágil meio-ambiente do Ártico. Em 2017,
ele inspecionou os resultados de uma operação para remover 42 mil
toneladas de sucata do arquipélago da Terra de Francisco José, como
parte de uma grande faxina no Ártico.
Ele falou sobre preservação ambiental em uma conferência anual para
as nações do Ártico. E no mesmo dia em março de 2020 em que emitiu seu
projeto de decreto sobre os objetos afundados, Putin assinou políticas
para o Ártico que listam “proteger o meio ambiente ártico e as terras
nativas e a subsistência tradicional dos povos indígenas” como 1 dos 6
interesses nacionais no região.
Mas enquanto busca um Ártico “limpo”, o Kremlin também impulsiona o
desenvolvimento da exploração de óleo e gás na região, que respondem
pela maioria do transporte na Rota do Mar do Norte, que passa pelo
Estreito de Bering.
A estatal Gazprom construiu um dos dois polos de petróleo e gás na
península de Yamal e, neste ano, o governo reduziu os impostos sobre os
novos projetos de gás natural liquefeito do Ártico para 0% para
aproveitar alguns dos trilhões de dólares de combustível fóssil e
riqueza mineral localizados na região.
E se Putin limpa o legado nuclear soviético no extremo norte, ele
próprio está construindo seu legado nuclear. Além de novos quebra-gelos
nucleares, a única usina nuclear flutuante do mundo em 2019 tornou
novamente o Ártico as águas mais nucleares do planeta.
Enquanto isso, a Frota do Norte está construindo pelo menos oito
submarinos e tem planos para construir vários outros, bem como oito
destruidores de mísseis e um porta-aviões, todos eles movidos a energia
nuclear. Também está testando um drone subaquatico com propulsão nuclear
e um míssil de cruzeiro. No total, poderia haver até 114 reatores
nucleares em operação no Ártico até 2035, quase o dobro de hoje, apontou
um estudo de 2019 do site jornalístico Barents Observer.
Essa expansão não se deu sem intercorrências. Em julho de 2019, um
incêndio em um submersível nuclear perto de Murmansk quase causou uma
“catástrofe em escala global”, disse um oficial no funeral dos 14
marinheiros mortos.
No mês seguinte, um “sistema de propulsão reativa de combustível
líquido” explodiu durante um teste em uma plataforma flutuante no Mar
Branco, matando dois dos envolvidos e aumentando brevemente os níveis de
radiação na cidade vizinha de Severodvinsk.
“Hoje há cada vez mais políticos na Noruega e na Europa que pensam
que é um paradoxo realmente grande que a comunidade internacional esteja
dando ajuda para proteger o legado da Guerra Fria, enquanto parece que a
Rússia está dando prioridade à construção de uma nova Guerra Fria”,
afirmou Nilsen, do The Barents Observer
Dessa forma, a atual limpeza nuclear a passos lentos pode ser a maior
de seu tipo na história, mas pode acabar sendo apenas um prelúdio do
que será necessário para lidar com a próxima onda de energia nuclear no
Ártico.