quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Incêndios no Pantanal podem ter sido provocados por cinco fazendeiros do MS, suspeita Polícia Federal


 

 

Incêndios no Pantanal podem ter sido provocados por cinco fazendeiros do MS, suspeita Polícia Federal



A Operação Matáá (que significa fogo na língua indígena guató, povo que vive no sudoeste de MT), da Polícia Federal, que investiga o envolvimento de criminosos no aumento excessivo das queimadas no Pantanal nesta temporada, revelou, ontem, 14/9, que o fogo pode ter sido provocado por cinco fazendeiros da região de Corumbá, no norte do Mato Grosso do Sul.


Trinta e um agentes estão envolvidos na operação para cumprir dez mandados de busca e apreensão. Até ontem à noite, foram oficialmente cumpridos quatro desses mandatos: dois na capital, Campo Grande, e dois em Corumbá. Os outros seis têm destino na zona rural de Corumbá.


Os investigadores chegaram a esses locais a partir da análise de imagens de satélite que indicam focos de incêndio que foram iniciados em cinco propriedades do MS pouco tempo antes de o fogo começar a engolir as áreas de preservação permanente e avançar nos limites do Parque Nacional do Pantanal Mato- grossense e da Serra do Amolar. Também fizeram sobrevoos pela região.

Dia do Fogo’ como inspiração 

 

A PF suspeita que as queimadas em torno dessas fazendas podem ter sido orquestradas mais ou menos como no Dia do Fogo, ocorrido em 10 de agosto do ano passado, no Pará.

Nessa ação, fazendeiros e empresários – com o apoio de advogados e pessoas ligadas ao setor agropecuário – se articularam e contrataram capangas para atear fogo em áreas da floresta amazônica. O crime completou um ano, ninguém foi preso e o inquérito segue em sigilo. O jornalista que denunciou o esquema – Adécio Piran, do jornal Folha do Progresso -teve que recuar e ainda vive sob ameaças.

Aumentar área de pasto

 

Alan Givigi, delegado da PF em Corumbá, disse, ao Globo Rural, que as fazendas estão localizadas “em locais inóspitos” e que, por isso, “é difícil que esses focos tenham ocorrido de forma acidental”.
Ele acredita que os fazendeiros tinham a intenção de fazer a queima da mata nativa “para aumentar a área de pastagem para gado“. Como a área é protegida e desmatar é crime, atear fogo é uma prática que, a princípio, não levanta suspeita porque queimadas se tornaram comuns nessa época do ano.

Só que os supostos criminosos não levaram em conta que o Pantanal passa pela pior seca dos últimos 47 anos! E, assim, “o fogo se alastrou para os parques nacionais e reservas”.

Para comprovar as suspeitas, os agentes da PF foram instruídos para buscar documentos e mensagens de celular que comprovem o envolvimento dos fazendeiros com o início dos incêndios. “Estamos buscando celulares e documentos como o comprovante de venda de gado. Se esses produtores colocaram fogo no pasto, eles tiveram que tirar o gado antes”, explicou Givigi.

Penas de até 15 anos de prisão… é pouco!

 

Caso a investigação confirme as suspeitas, os acusados poderão responder pelos crimes de dano à floresta de preservação permanente (Art. 38, da Lei no 9.605/98), dano direto e indireto a Unidades de Conservação (Art. 40, da Lei no 9.605/98), incêndio (Art. 41, da Lei no 9.605/98) e poluição (Art. 54, da Lei no 9.605/98).

Na casa de um dos fazendeiros, na zona urbana de Corumbá, os agentes da PF encontraram e apreenderam armas e munições de uso restrito: duas pistolas, um revólver, 108 munições de calibre permitido e 44 de calibre. Eles prenderam o fazendeiro em flagrante por posse ilegal de arma de fogo.

De acordo com a PF, as penas podem ultrapassar 15 anos de prisão. Para o tamanho do estrago, é pouco. Deveriam ser afastados do convívio social por mais tempo, além de serem obrigados a investir na recuperação florestal e a pagar os custos das ações de combate aos incêndios e com o resgate e habilitação dos animais, que está sendo bancado pela sociedade.

A julgar pelo que aconteceu com os envolvidos no Dia do Fogo, é difícil ser otimista. Por isso, é tão importante não esmorecer, continuar pressionando e acompanhando as investigações e exigir conclusão do inquérito e punição. Essa gente, em geral, é muito poderosa e perigosa. A gente precisa acabar com tanta mamata, crime e corrupção!!

Fontes: Globo Rural, Estadão, G1

Foto: Mayke Toscano/Secom-MT/Fotos Públicas

“Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!”, relata veterinário no Pantanal


 

 

“Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!”, relata veterinário no Pantanal



"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal
Há pouco mais de vinte dias, o veterinário mineiro Felipe Coutinho Batista Esteves se juntou à equipe da ONG Ampara Silvestre que está trabalhando para tentar salvar os animais feridos pelos incêndios no Pantanal, na região entre os municípios de Poconé e Porto Jofre, uma das áreas mais afetadas no Mato Grosso. O time atendeu a um apelo de outra organização, a Instituto Homem Pantaneiro, que percebeu a urgência em fazer o resgate dos animais, que não conseguem fugir do fogo.

Por WhatsApp, tarde da noite, Felipe responde minha mensagem. Diz que no momento está na pousada, mas em breve sairá de lá e ficará sem sinal de telefone por muito tempo.

Durante cerca de uma hora então, trocamos mensagens. Ele me relata, por áudio, como tem sido o seu dia a dia, cheio de altos e baixos.

Diariamente a equipe da Ampara Silvestre, que conta com veterinários, biólogos e voluntários, faz patrulhas de barco e carro pelas regiões afetadas pelo fogo. Também atende chamados de alerta sobre animais feridos para fazer os primeiros-socorros e decidir sobre o encaminhamento do bicho, dependendo de seu estado.

“Primeiro fazemos fluidoterapia (hidratação com água) e depois começamos a limpar as feridas, colocar curativos. Depois que o animal está estabilizado, ele é encaminhado pela secretaria do meio ambiente para o Centro de Medicina e Pesquisa de Animais Silvestres (Cempas) ou para o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Mato Grosso”, diz.

"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal
Felipe, logo à frente, na direita, ajuda a carregar uma onça-pintada ferida
As espécies rasteiras são as mais afetadas, como jacarés, serpentes e jabutis porque têm um deslocamento mais lento diante do fogo.

“Notamos também que alguns animais conseguem fugir das chamas, mas acabam voltando e queimam as patas, uma das lesões mais comuns que temos visto”.

"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal

Animal com a pata totalmente queimada pelo fogo

Eutánasia: difícil decisão para aliviar a dor dos animais

Mas, em meio a tanto fogo – já considerado o maior dos últimos quase 50 anos, no Pantanal – nem todos os bichos podem ser salvos.

“Temos nos deparado com muitos animais mortos. Muitos! Inúmeros, incontáveis animais mortos. Veados, antas, serpentes, jacarés, quatis, tudo o que você pode imaginar”, relata Felipe. “Infelizmente a gente fica com a impressão que chegou tarde. Só que como é um incêndio de grandes proporções, a gente nota que é agulha no palheiro, trabalho de formiguinha, mas um animal salvo já é alguma coisa”, acredita.

No caso dos animais que não têm mais chance de sobreviver, a equipe decide pela eutanásia. “Temos um compromisso ético perante a vida desse animal. Estamos aqui para dar oportunidade de um tratamento, mas quando ele não é possível, recorremos à eutanásia. Em muito casos, as extensões das lesões são muito grandes, como a gente viu em uma jaguatirica, que tinha perda de tendões”.

"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal
Veado que não conseguiu fugir do incêndio
Não são apenas as feridas e queimaduras provocadas pelo fogo que ameaçam a fauna do Pantanal neste momento. Os incêndios devastaram a vegetação e com isso, a fonte de alimentos dos bichos. “Percebemos em nossas patrulhas diárias que os animais estavam morrendo de sede e de fome

também. Começamos então a colocar cochos (recipientes) de água e frutas para alimentá-los”, conta.
Para o veterinário, essas ações são mais importantes até do que o próprio resgate de sobreviventes.

Descaso com o Pantanal

Mais do que o choque com o encontro diário de dezenas de animais mortos, o que consterna os profissionais envolvidos no trabalho no Pantanal é perceber o completo descaso do poder público com esse bioma tão importante e representativo de nosso país, com a maior concentração de animais da América do Sul. Felipe considera isso simplesmente inadimissível, inaceitável.

“Não existe nenhuma política de prevenção. Não existe uma brigada permanente de incêndio, há um descaso dos órgãos ambientais, um jogo de empurra-empurra. Uma vez que o fogo vem, não tem jeito”, denuncia. “Nessa hora, ninguém assume o problema de verdade. Notamos ainda um conformismo estratégico dos órgãos ambientais: é mais fácil ver o fogo passar, com um contingente baixo de brigadistas – os aviões do ICMBio chegaram 30 dias depois do fogo começar e dois deles já foram embora”.

Pergunto como o profissional faz para enfrentar tanto sofrimento.

“Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. É muito difícil ver isso. Porém, eu costumo dizer que a gente só tem dois minutos para lamentar e ir pro próximo. Porque os animais não podem esperar. Há muitos deles precisando de atendimento e ajuda. Se a gente parar e lamentar cada vez, não consegue executar o trabalho”, admite.
Felipe diz que cada animal salvo é uma pontinha de esperança. “Com nossa ajuda ele poderá voltar à natureza.


Felipe tratando de mais onça-pintada, vítima dos incêndios

A resiliência se sobrepõe à impotência

Essa não é a primeira vez que o mineiro está em meio a um desastre ambiental. Em seu estado natal, trabalhou em Barão de Cocais e Brumadinho, após o vazamento das barragens de minério na região. Reconhece que não é fácil estar nesses lugares e que é preciso ter um equilíbrio emocional muito grande para participar dessas ações.

“Hoje presenciei uma das situações mais duras até agora. Vimos um veado-campeiro parado, na beira do rio, e o fogo atrás dele, por todos os lados. Ele não tinha para onde ir. É uma situação de impotência. Porque se tentássemos intervir, o instinto animal poderia fazer com que ele fosse em direção ao fogo. Seria pior”, desabafa.

Entretanto, nem situações como as vividas em mais um dia no Pantanal o fazem desistir dessa missão.
“Mas a gente está aqui pra isso. São atribuições do próprio ofício, da própria medicina veterinária. A gente está aqui pela causa, então tem que ser forte”, finaliza.



A equipe da Ampara Silvestre que está fazendo
um trabalho lindo no Pantanal
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*Há diversas campanhas sendo realizadas para ajudar o trabalho dos profissionais que fazem o resgate e tratamento de animais no Pantanal. Veja como contribuir para a da Ampara Silvestre e outras entidades nesta outra reportagem – Como ajudar o Pantanal
Qualquer valor ajuda. Contribua e compartilhe!




Fotos: arquivo pessoal e José Medeiros
Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.

Queimadas no Pantanal e na Amazônia: carta aberta de países europeus a Mourão protesta contra política ambiental brasileira


 

 

Queimadas no Pantanal e na Amazônia: carta aberta de países europeus a Mourão protesta contra política ambiental brasileira

Destruição do Pantanal pelas queimadas chegou a quase 3 milhões de hectares.


Destruição do Pantanal pelas queimadas chegou a quase 3 milhões de hectares – REUTERS
No dia em que a destruição do Pantanal pelas queimadas chegou a quase 3 milhões de hectares (equivalente à área da Bélgica), oito países europeus enviaram nesta quarta-feira (16/9) uma carta aberta ao vice-presidente brasileiro, general Hamilton Mourão, para protestar contra a política ambiental brasileira.

Os países afirmam que nos últimos anos o desmatamento aumentou no Brasil em ritmo alarmante e que estão “profundamente preocupados” com os efeitos dessa destruição para o desenvolvimento sustentável do país.
 A carta foi enviada pelos países que participam da declaração de Amsterdã, uma parceria entre nações para promover sustentabilidade e cadeias de produção de commodities que não cause a destruição de florestas. Participam Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Dinamarca, Noruega, Países Baixos e Bélgica.
“Durante muito tempo o Brasil liderou a redução do desmatamento na Amazônia através do estabelecimento de instituições científicas independentes que garantem monitoramento rigoroso e transparente, de agências de controle competentes e do reconhecimento de territórios indígenas. Nos últimos anos, no entanto, o desmatamento tem crescido em ritmo alarmante, como foi documentado pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)”, diz a carta.

A situação das florestas

Além das queimadas que estão devastando o Pantanal neste mês de setembro — e cujas origens podem ser criminosas, segundo investigação da Polícia Federal —, a Amazônia também está sofrendo com devastação gerada pelo fogo. Em apenas 14 dias, setembro de 2020 já registrou mais queimadas na Amazônia do que em todo o mesmo mês do ano passado, segundo o INPE.
Independente e respeitada internacionalmente, a instituição científica que faz o monitoramento do desmatamento vem sendo criticada e tratada como “oponente” pelo governo Bolsonaro desde que seus registros passaram a mostrar aumento na destruição dos biomas. Na segunda (15/9), Mourão afirmou que “alguém lá de dentro” do Inpe “faz oposição ao governo”.

“Quando o dado é negativo, o cara vai lá e divulga”, afirmou o vice-presidente.A destruição tem sido registrada também por outras entidades. Segundo a Global Forest Watch, que mantém uma plataforma online de monitoramento de florestas, o Brasil foi responsável pela destruição de um terço de todas as florestas tropicais virgens desmatadas no planeta em 2019 — foram 1,3 milhão de hectares perdidos.

Fogo no Pantanal pode provocar falta de água ou alimentos para animais – ROGÉRIO FLORENTINO /EPA
Ainda na segunda-feira (14/9), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, admitiu que as queimadas no Pantanal tomaram uma “proporção gigantesca”, mas afirmou que os incêndios estão sendo “fortemente combatidos”. O ministro havia compartilhado no mês passado um vídeo negando que houvesse queimadas na Amazônia — as imagens, no entanto, eram da Mata Atlântica.

Desmatamento dificulta o investimento

Questionada internamente por entidades científicas, ambientalistas e até pelo Ministério Público, a política ambiental do governo é o principal ponto mencionado pela carta dos países da declaração de Amsterdã.
Eles afirmam que as preocupações com a situação ambiental no Brasil atingem consumidores, negócios, investidores e a sociedade civil na Europa.

“Na Europa, existe um legítimo desejo de que os alimentos à disposição sejam produzidos de forma justa, ambientalmente segura e sustentável”, afirma a carta. “Fornecedores, comerciantes e investidores estão respondendo (à essa preocupação) incorporando esse desejo em suas próprias estratégias corporativas.”

O desmatamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para que empresas e investidores mantenham seus critérios de sustentabilidade, diz a carta.

“Nossos esforços coletivos para gerar mais investimento financeiro em produção agrícola sustentável (…) também poderia dar apoio ao crescimento econômico brasileiro”, afirmam os países. “No entanto, já que os esforços europeus buscam formar cadeias de produção livres de desmatamento, a atual tendência de desmatamento no Brasil está está tornando cada vez mais difícil para que empresas e investidores mantenham seus critérios de sustentabilidade.”

“No passado, o Brasil mostrou que é capaz de expandir a produção agrícola ao mesmo tempo em que reduz o desmatamento”, também afirma o documento.

As nações que assinam o documento afirmam que “esperam um comprometimento renovado e firme do governo do Brasil para reduzir o desmatamento que seja refletido em ações reais e imediatas”.

Os países afirmam também que estão prontos para discutir formas de ajudar o Brasil a melhorar a sustentabilidade e dar suporte a um “setor agrícola sustentável” no país.

Fonte: BBC

Extinção: mudança urgente é necessária para salvar espécies, diz ONU


 

Extinção: mudança urgente é necessária para salvar espécies, diz ONU



Muitos primatas, incluindo o macaco dourado, ameaçado de extinção, estão em declínio devido à perda de habitat. Fonte: JOEL SARTORE, NATIONAL GEOGRAPHIC PHOTO ARK.
A humanidade está em uma encruzilhada e temos que agir agora para dar espaço para a natureza se recuperar e desacelerar seu rápido declínio.
Essa informação vem do relatório da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica.
O qual apresenta uma lista com oito transições principais que podem ajudar a interromper o declínio contínuo da natureza.
“As coisas precisam mudar”, disse Elizabeth Maruma Mrema, secretária executiva da convenção.
“Se agirmos, com a ação correta – como propõe o relatório – podemos fazer a transição para um planeta sustentável.”

Lidar com as mudanças climáticas será fundamental no esforço de “dobrar a curva” da perda de biodiversidade. Fonte: VICTORIA GILL.

Qual é a ligação entre a exploração da natureza e a saúde humana?

Novas doenças surgem na população humana, provavelmente três ou quatro vezes por ano. Somente quando são facilmente transmitidas de humano para humano – como o coronavírus – é que elas têm o potencial de iniciar uma pandemia. Mas aumentar as chances do surgimento de uma nova doença aumenta as chances dessa doença se tornar o “próximo Covid”.

E essas não são doenças verdadeiramente novas – são apenas novas para nossa espécie. A grande maioria dos surtos é o resultado de uma doença animal que se espalhou para a população humana. Ebola e HIV vieram de primatas; os cientistas relacionaram os casos de ebola ao consumo de carne de animais infectados. A mordida de um animal infectado com raiva é um modo muito eficaz de transmissão de doenças. E nos 20 anos anteriores, o Covid-19, SARs, MERs, gripe suína e aviária transbordaram de animais.

À medida que fazemos a reengenharia do mundo natural, invadimos reservatórios de doenças animais e nos colocamos em risco.

“Cada vez mais estamos afetando as populações de animais selvagens, desmatando e fazendo com que os animais se movam e entrem em nosso ambiente”, explicou o professor Matthew Baylis, epidemiologista veterinário da Universidade de Liverpool.
“Isso faz com que os patógenos [causadores de doenças] sejam transmitidos de uma espécie para outra. Portanto, nossos comportamentos em escala global estão facilitando a disseminação de um patógeno de animais para humanos.”

Como os humanos estão se saindo quando se trata de proteger a natureza?

A convenção (CBD) chamou isso de “cartão de relatório final” sobre o progresso em relação às 20 metas globais de biodiversidade que foram acordadas em 2010 com o prazo final em 2020.
“Progresso foi feito, mas nenhuma [dessas] metas será totalmente cumprida”, disse a Sra. Maruma Mrema à BBC News. “Portanto, muito ainda precisa ser feito para dobrar a curva da perda de biodiversidade.”
Além de um aviso severo, este relatório apresenta um manual de instruções sobre como dobrar essa curva.
“Isso pode ser feito”, disse David Cooper, secretário-executivo adjunto do CBD. “No próximo ano, na China, teremos a conferência da biodiversidade da ONU, onde se espera que os países adotem uma nova estrutura que representará compromissos globais para colocar a natureza no caminho da recuperação até 2030.”

É um de nossos parentes primatas mais próximos, mas o orangotango de Bornéu está à beira da extinção. Fonte: JOEL SARTORE.

Como pode o impacto dos humanos na natureza ser limitado?

Essa estrutura – que foi apelidada de “acordo climático de Paris para a natureza”, incluirá oito grandes transições que todas as 196 nações deverão se comprometer:
  • Terras e florestas: proteger habitats e reduzir a degradação do solo;
  • Agricultura sustentável: redesenhar a forma como cultivamos, para minimizar o impacto negativo na natureza, por meio de coisas como desmatamento e uso intensivo de fertilizantes e pesticidas;
  • Comida: Comer uma dieta mais sustentável, principalmente, com consumo mais moderado de carne e peixe e “cortes dramáticos” nos resíduos;
  • Oceanos e pescas: proteger e restaurar os ecossistemas marinhos e pescar de forma sustentável – permitindo a recuperação dos estoques e a proteção de importantes habitats marinhos;
  • Ecologização urbana: criar mais espaços para a natureza nas cidades, onde quase 75% da população vive;
  • Água doce: proteger os habitats de lagos e rios, reduzindo a poluição e melhorando a qualidade da água;
  • Ação climática urgente: Tomar medidas sobre as mudanças climáticas com uma “eliminação rápida” dos combustíveis fósseis;
  • Abordagem de ‘Uma Saúde’: Isso abrange todos os itens acima. Significa essencialmente gerir todo o nosso ambiente – seja ele urbano, agrícola, florestal ou piscícola – com vistas a promover “um ambiente saudável e pessoas saudáveis”.
“O Covid-19 tem sido um lembrete gritante da relação entre a ação humana e a natureza”, disse Maruma Mrema. “Agora temos a oportunidade de fazer melhor após o Covid.
A pandemia em si tem sido associada ao comércio de animais selvagens e à invasão humana nas florestas, o que os cientistas dizem que aumenta o risco de um “transbordamento” de doenças da vida selvagem para os humanos.

Houve algum progresso na última década?

O relatório destaca alguns sucessos: as taxas de desmatamento continuam caindo, a erradicação de espécies exóticas invasoras das ilhas está aumentando e a conscientização sobre a biodiversidade parece estar aumentando.

O fotógrafo Joel Sartore tem a missão de documentar espécies ameaçadas, como o tigre malaio, antes que desapareçam. Fonte: JOEL SARTORE, NATIONAL GEOGRAPHIC PHOTO ARK.
“Muitas coisas boas estão acontecendo ao redor do mundo e devem ser celebradas e incentivadas”, disse a Sra. Maruma Mrema. No entanto, ela acrescentou, a taxa de perda de biodiversidade não tem precedentes na história da humanidade e as pressões estão se intensificando.
“Temos que agir agora. Não é tarde demais. Caso contrário, nossos filhos e netos vão nos amaldiçoar porque vamos deixar para trás um planeta poluído, degradado e insalubre.”
Fonte: BBC News / Victoria Gill

Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite


Para ler a reportagem original em inglês acesse:
https://www.bbc.com/news/science-environment-54120111

Incêndios florestais em SP mais do que dobram em 2020; animais fogem do fogo, invadem áreas urbanas e nº de resgates aumenta




Incêndios florestais em SP mais do que dobram em 2020; animais fogem do fogo, invadem áreas urbanas e nº de resgates aumenta

Desde o começo do ano, os satélites do Inpe registraram 4.214 focos em todo o estado, contra 2.015 no mesmo período de 2019 (de 1º de janeiro a 13 de setembro). Os focos de incêndios em SP atingem de maneira similar a mata atlântica e o cerrado.




Bombeiros e voluntários tentam apagar as chamas na região de São João da Boa Vista — Foto: Defesa Civil do Estado de São Paulo
O estado de São Paulo teve 109% mais focos de incêndio florestal neste ano do que no ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Desde o começo do ano, os satélites do instituto registraram 4.214 focos em todo o estado, contra 2.015 no mesmo período de 2019 (de 1º de janeiro a 13 de setembro).


As queimadas também provocaram o aumento no número de animais resgatados pela Polícia Ambiental e pelo Corpo de Bombeiros em cidades do interior. Segundo biólogos ouvidos pelo G1, além dos bichos que morrem queimados ou asfixiados pela fumaça, há ainda aqueles que, encurralados pelo fogo, acabam fugindo para cidades ou rodovias, onde podem ser vítimas de atropelamentos.



A três meses e meio do final do ano, o número de focos até agora já superou todo o ano de 2019. Já são 37% mais registros neste ano do que os 3.075 focos confirmados de janeiro a dezembro de 2019.
Os focos de incêndios em SP atingem de maneira similar a Mata Atlântica e o cerrado. De acordo com os dados do Inpe, 52% dos focos deste ano ocorreram em áreas de Mata Atlântica e 48% em áreas de cerrado.

Os meses de agosto e setembro, que tradicionalmente concentram a maior parte das queimadas em SP, tiveram registros bem acima da média histórica. Para agosto, a média é de 898 focos; em 2020, foram 1.111.

O mês de setembro teve números ainda piores: foram 1.470 focos até o dia 13, sendo que a média histórica é de 796 incêndios para o mês todo.



Incêndio volta à Serra da Paulista, em Águas da Prata, um dia após ter sido considerado controlado — Foto: Prefeitura de Águas da Prata
Segundo Alberto Setzer, pesquisador do Inpe e coordenador do Programa Queimadas – Monitoramento por Satélite, trata-se de um aumento significativo.
“Se fosse um aumento de 5% eu diria que não é grande coisa, mas um aumento dessa magnitude, é porque com certeza está queimando muito mais neste ano do que no ano passado”, alerta Setzer.
O pesquisador lembra que 2019 foi um ano com níveis de chuva acima da média na região Sudeste, o que ajuda a controlar as queimadas. De acordo com Setzer, os números de 2020 já são comparáveis com os anos de 2010 e 2014, que foram extremamente secos.



Bombeiros e voluntários tentam controlar incêndio em parque estadual de Águas da Prata
O ano de 2020 já superou os registros de 2014, quando ocorreram 3.277 focos até 13 de setembro. Já em 2010 foram 6.028 focos nesse período.

Nessas condições de estiagem você tem o uso do fogo facilitado e a propagação também é muito facilitada”, explica Setzer. 

Fonte: G1

Chernobyl no fundo do oceano’: a difícil tarefa de retirar submarinos nucleares soviéticos do mar de Barents

 

 

Chernobyl no fundo do oceano’: a difícil tarefa de retirar submarinos nucleares soviéticos do mar de Barents




O K-159 é um dos muitos submarinos soviéticos que ainda estão presentes nas águas do Ártico – GETTY IMAGES
Por tradição, russos sempre levam uma quantidade ímpar de flores a alguém vivo, e uma par a túmulos ou memoriais. Mas dia sim, dia não, Raisa Lappa, de 83 anos, coloca três rosas ou gladíolas na placa em homenagem a seu filho Sergei, como se ele não tivesse ido embora junto com seu submarino numa trágica operação no oceano Ártico em 2003.

“Há momentos em que eu não estou normal, enlouqueço e parece que ele está vivo, então levo um número ímpar de flores”, afirma ela. “Eles deveriam resgatar a embarcação, para que as mães possam colocar os restos mortais de seus filhos sob o chão, e possamos ter um pouco mais de paz.”

Após 17 anos de promessas não cumpridas, Lappa pode finalmente realizar seu desejo, embora isso seja por causa de preocupações do governo com os restos mortais do capitão Sergei Lappa e seis membros de sua tripulação.

Com um decreto publicado em março, o presidente Vladimir Putin deu início a uma iniciativa para retirar dois submarinos nucleares soviéticos e quatro compartimentos de reatores do fundo do mar, reduzindo em 90% a quantidade de material radioativo no oceano Ártico.

O primeiro da lista é o K-159, onde está Lappa.

A mensagem, que antecede a presidência rotativa da Rússia no Conselho do Ártico no próximo ano, aponta um país que não é apenas uma potência comercial e militar proeminente no Ártico como também um gestor do meio ambiente.

O K-159 fica próximo a Murmansk, no mar de Barents, a mais rica região de bacalhau do mundo e também um importante habitat de hadoque, caranguejo-rei vermelho, morsas, baleias, ursos polares e muitos outros animais.

Ao mesmo tempo, a Rússia está à frente de outra “nuclearização” do Ártico com embarcações e armamentos, e já causou dois acidentes.


Legado em decadência

 

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética construíram mais de 400 submarinos nucleares, um “serviço silencioso” que deu aos adversários uma forma de retaliar, mesmo que suas instalações de mísseis e bombardeiros estratégicos tivessem sido destruídos em um primeiro ataque repentino.



O custo de reflutuar submarinos afundados com material radioativo pode chegar a centenas de milhões de dólares – NUCELAR-SUBMARINE-DECOMMISSIONING.RU
A quase 100 km da fronteira com a Noruega, membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o porto ártico de Murmansk e as bases militares vizinhas se tornaram o centro da marinha nuclear e dos quebra-gelos da URSS, bem como de seu combustível altamente radioativo.
Depois da queda da Cortina de Ferro, com o fim da URSS em 1989, as consequências da atividade vieram à tona.
 Na baía de Andreyeva, por exemplo, onde 600 mil toneladas de água tóxica vazaram para o mar de Barents de uma piscina de armazenamento nuclear em 1982, o combustível irradiado de mais de 100 submarinos foi mantido parcialmente em recipientes enferrujados a céu aberto.

Temendo contaminação, a Rússia e os países ocidentais, incluindo o Reino Unido, iniciaram uma grande limpeza, gastando US$ 1,3 bilhão para desativar e desmontar 197 submarinos nucleares soviéticos, descartar baterias de estrôncio de mil faróis de navegação e começar a remover combustível e resíduos da baía de Andreyeva e de três outros locais costeiros perigosos.

Assim como em outros países, no entanto, o lixo nuclear soviético também era lançado no mar.
Um estudo de viabilidade de 2019 feito por um consórcio incluindo a empresa britânica de segurança nuclear Nuvia encontrou 18 mil objetos radioativos no oceano Ártico, entre eles 19 embarcações e 14 reatores.

Embora a radiação emitida pela maioria desses objetos tenha se aproximado dos níveis mais baixos graças ao acúmulo de lodo, o estudo descobriu que mil deles ainda têm níveis elevados de radiação gama penetrante.



Em 2035, pode haver até 114 reatores nucleares no Ártico, relatou o Barents Observer, incluindo a usina flutuante Akademik Lomonosov – GETTY IMAGES
 
Do total, 90% estão concentrados em seis objetos que a estatal russa Rosatom pretende reerguer nos próximos 12 anos, segundo Anatoly Grigoriev, chefe de assistência técnica internacional da Rosatom: dois submarinos nucleares e compartimentos de reator de três submarinos nucleares e o quebra-gelo Lenin.

“Nós consideramos extremamente baixa a probabilidade de materiais radioativos vazarem desses objetos, mas é um risco inaceitável para os ecossistemas do Ártico”, disse Grigoriev em nota.
Nunca uma limpeza nuclear desse tipo foi realizada no mar. A recuperação dos compartimentos do reator envolverá trabalhos de salvamento em águas geladas que são seguras para tais operações apenas durante três ou quatro meses por ano.

Os dois submarinos nucleares, que juntos contêm 1 milhão de curies de radiação, ou cerca 25% do que foi liberado no primeiro mês do desastre de Fukushima, no Japão, serão um desafio ainda maior.
Um deles é o K-27, outrora conhecido como o “peixe dourado” por causa de seu alto custo. O submarino de ataque de 360 pés (118 m), projetado para caçar outros submarinos, foi atormentado por problemas desde seu lançamento em 1962 com seus reatores experimentais refrigerados a metal líquido, um dos quais se rompeu seis anos depois e expôs nove marinheiros a doses fatais de radiação.

Em 1981 e 1982, a marinha encheu o reator com asfalto e afundou-o a leste da ilha Novaya Zemlya em apenas 108 pés (33 m) de água. Um rebocador teve que bater na proa depois que um buraco aberto nos tanques de lastro levou a afundar apenas a popa.



No Mar de Barents, como em outras partes do Ártico, a pesca é muito ativa. No entanto, eles estão muito próximos de submarinos nucleares em decomposição no fundo do mar – GETTY IMAGES
O K-27 foi afundado após a instalação de algumas medidas de segurança que devem manter os destroços seguros até 2032. Mas outro incidente é mais alarmante. O K-159, um submarino de ataque de 350 pés (107 m) que esteve em serviço de 1963 a 1989. O K-159 afundou sem nenhum aviso, enviando 800 kg de combustível de urânio usado para o fundo do mar sob áreas de pesca e rotas de transporte ao norte de Murmansk.

Thomas Nilsen, editor do jornal online The Barents Observer, descreve os submarinos como um “Chernobyl em câmera lenta no fundo do mar”.

Ingar Amundsen, chefe da segurança nuclear internacional da Autoridade Norueguesa de Radiação e Segurança Nuclear, concorda que é uma questão de quando, e não se, os submarinos afundados contaminarão as águas se forem deixados como estão.


“Eles contêm grande quantidade de combustível nuclear usado que com certeza no futuro vazará para o meio ambiente, e sabemos por experiência que apenas pequenas quantidades de contaminação no meio ambiente, ou mesmo rumores, levariam a problemas e consequências econômicas para a pesca. “

‘Agosto maldito’

Sergei Lappa nasceu em 1962 em Rubtsovsk, uma pequena cidade nas montanhas Altai, perto da fronteira russa com o Cazaquistão. Embora estivesse a milhares de quilômetros do oceano mais próximo, ele cultivou o interesse pela navegação em um clube de construção naval local e, depois da escola, foi aceito na academia de engenharia naval superior em Sebastopol, na Crimeia.

Alto, atlético e um bom aluno, ele foi designado para o serviço de maior prestígio da marinha: a Frota de Submarinos do Norte.

Após o colapso da União Soviética, no entanto, os militares entraram em um declínio que veio à tona para o mundo quando o submarino de ataque Kursk afundou com 118 tripulantes a bordo em agosto de 2000.



Alguns submarinos soviéticos, como o K-159, semelhante a este da imagem, estão apodrecendo no fundo do mar – GETTY IMAGES
Nessa época, Lappa comandava o K-159, que enferrujava desde 1989 em um píer na isolada cidade naval de Gremikha, apelidada de “ilha dos cães voadores” por seus fortes ventos. Na manhã de 29 de agosto de 2003, a esperada ordem chegou para rebocar o decrépito K-159, que havia sido anexado a quatro pontões de 11 toneladas com cabos para mantê-lo flutuando durante a operação, até uma base perto de Murmansk para desmontagem. A operação seguiria, apesar de uma previsão de tempo com bastante vento.

Com os reatores desligados, Lappa e sua tripulação de nove engenheiros operaram o barco com uma lanterna. O submarino era rebocado perto da ilha Kildin por volta da meia-noite e meia quando os cabos para os pontões da proa quebraram em mar agitado, e meia hora depois foi descoberta água invadindo o oitavo compartimento.

Enquanto o quartel-general lutava contra a decisão de usar um caro helicóptero de resgate, a tripulação continuou tentando manter o submarino flutuando. Às 02h45, Mikhail Gurov enviou uma última transmissão de rádio: “Estamos inundando, faça alguma coisa!” Quando os barcos de resgate do rebocador chegaram, o K-159 estava no fundo, perto da ilha Kildin. Dos três marinheiros que conseguiram escapar, o único sobrevivente foi o tenente-chefe Maxim Tsibulsky, cuja jaqueta de couro se encheu de ar e o manteve na superfície.

Mais um submarino nuclear afundou durante o “maldito” mês de agosto, como descreveram jornais russos, mas esse incidente causou pouco furor em comparação com o Kursk. A Marinha prometeu aos parentes que tiraria o K-159 do fundo do mar no ano seguinte, mas o plano foi adiado diversas vezes.

Mesmo depois de 17 anos de deterioração e corrosão, os ossos da tripulação provavelmente devem estar preservados no submarino, de acordo com Lynne Bell, antropóloga forense da Universidade de Simon Fraser, no Canadá.

Mas as famílias há muito perderam a esperança de recuperar os restos mortais deles.
“Para todos os parentes, seria um alívio se seus pais e maridos fossem enterrados, e ficassem não apenas abandonados no fundo do mar em um casco de aço”, diz Dmitry, filho de Gurov. “Mas ninguém acredita que isso vai acontecer.”



A operação de reboque do K-159 foi afetada pelo mau tempo e o submarino acabou afundado – NUCELAR-SUBMARINE-DECOMMISSIONING.RU
A situação agora mudou, no entanto, à medida que o interesse da Rússia renasce no Ártico e em seus portos soviéticos e cidades militares em ruínas. Desde 2013, sete bases militares árticas e dois terminais de navios-tanque foram construídos como parte da Rota do Mar do Norte, uma rota mais curta para a China que Putin prometeu ter 80 milhões de toneladas de tráfego até 2025.
O K-159 está localizado perto do fim da rota.

Redução de riscos

Rússia, Noruega e outros países cujos barcos de pesca navegam nas abundantes águas do mar de Barents agora se encontram com uma espada de Dâmocles pairando sobre suas cabeças.

Embora uma expedição russo-norueguesa de 2014 ao naufrágio K-159 que examinou a água, o fundo do mar e os animais não tenha encontrado radiação acima dos níveis de fundo (como o registrado em fontes naturais), um especialista do Instituto Kurchatov de Moscou disse à época que uma falha de contenção do reator “poderia acontecer dentro de 30 anos após o naufrágio na melhor das hipóteses e dentro de 10 anos na pior das hipóteses”.

Se isso acontecer, liberaria césio-137 e estrôncio-90 radioativos, entre outros isótopos.
Por um lado, o vasto tamanho dos oceanos dilui rapidamente a radiação, mas por outro mesmo níveis muito pequenos podem se concentrar em animais no topo da cadeia alimentar por meio da “bioacumulação” — e então ser ingeridos por humanos.

As consequências econômicas para a indústria pesqueira do mar de Barents, que fornece a vasta maioria do bacalhau e da arinca para os vendedores britânicos de fish and chips (peixe e batatas fritas), “podem ser piores do que as consequências ambientais”, diz Hilde Elise Heldal, cientista do Instituto de Pesquisa Marinha da Noruega.



Os parentes dos que estavam a bordo do K-159 receberam poucas respostas sobre como e quando o submarino poderia voltar a flutuar – GETTY IMAGES
 
Segundo seus estudos, se todo o material radioativo dos reatores do K-159 fosse liberado em uma única “descarga de pulso”, aumentaria os níveis de Césio-137 nos músculos do bacalhau no mar de Barents pelo menos 100 vezes.


Isso ainda estaria abaixo dos limites estabelecidos pelo governo norueguês após o acidente de
Chernobyl, mas pode ser o suficiente para assustar os consumidores. Mais de 20 países continuam a proibir frutos do mar japoneses, por exemplo, embora os estudos não tenham conseguido encontrar concentrações perigosas de isótopos radioativos em peixes predadores do Pacífico após o acidente na usina nuclear de Fukushima, em 2011. Qualquer proibição de pesca nos mares de Barents e Kara poderia custar às economias russa e norueguesa o equivalente a US$ 140 milhões por mês, de acordo com um estudo de viabilidade da Comissão Europeia sobre o projeto de elevação.


Mas um acidente durante o içamento do submarino, por outro lado, poderia sacudir o reator de repente, potencialmente misturando elementos de combustível e iniciando uma reação em cadeia descontrolada e explosão. Isso poderia aumentar os níveis de radiação em peixes em níveis mil vezes acima do normal ou, se ocorresse na superfície, irradiar para animais terrestres e humanos, aponta outro estudo norueguês.

A Noruega seria forçada então a interromper a vendas de produtos do Ártico, como peixes e carne de rena, por um ano ou mais. O estudo estimou que poderia ser liberada mais radiação do que no incidente da baía de Chazhma em 1985, quando uma reação em cadeia descontrolada durante o reabastecimento de um submarino soviético perto de Vladivostok matou 10 marinheiros.

Amundsen, da Autoridade Norueguesa de Radiação e Segurança Nuclear, argumenta que o risco de tais operações com o K-159 ou o K-27 são baixos e poderiam ser minimizado com um planejamento adequado, como ocorreu durante a remoção do combustível na Baía de Andreyev.

“Nesse caso, não deixamos o problema para as gerações futuras resolverem, quando o conhecimento de como lidar com esses resíduos legados pode se tornar muito limitado.”

A segurança e a transparência da indústria nuclear da Rússia têm sido frequentemente questionadas. Recentemente, as autoridades holandesas concluíram que o iodo-131 radioativo detectado no norte da Europa em junho tinha vindo da direção da Rússia ocidental, embora não houvesse prova definitiva de que os radionuclídeos se originaram no país.

A instalação de reprocessamento Mayak, que recebeu o combustível irradiado da Baía de Andreyev de trem, tem uma história conturbada que remonta ao então pior desastre nuclear do mundo em 1957. A Rosatom continua a negar as descobertas de especialistas internacionais de que a instalação era a fonte de uma nuvem radioativa de rutênio-106 registrado na Europa em 2017.

Enquanto o K-159 e o K-27 precisam ser içados, Rashid Alimov, do Greenpeace na Rússia, tem suas reservas sobre os planos. “Estamos preocupados com o andamento dessa obra, a participação da população e o transporte do combustível radioativo até Mayak.”



O desmantelamento de submarinos nucleares da era soviética tem sido lento, enquanto o ritmo de construção de novos navios nucleares acelera – GETTY IMAGES
 
 

Missão personalizada

 

Içar um submarino é um feito raro de engenharia. Os Estados Unidos gastaram US$ 800 milhões em uma tentativa de içar outro submarino soviético, o K-129 movido a diesel que transportava vários mísseis nucleares, de 5.000 m no oceano Pacífico. No final, eles conseguiram apenas trazer um terço do submarino para a superfície, deixando a CIA com pouca informação útil disponível.


Esse foi a operação do tipo mais profunda da história. A mais pesada foi que envolve o Kursk. Para trazer o submarino de mísseis de 17 mil toneladas de 108 m abaixo do mar de Barents, as empresas holandesas Mammoet e Smit International instalaram 26 macacos de elevação hidraulicamente amortecidos em uma barcaça gigante e fizeram 26 furos no casco de aço revestido de borracha do submarino com um jato de água operado por mergulhadores.

Em 8 de outubro de 2001, correndo para vencer a temporada de tempestades de inverno após quatro meses de trabalho estressante e diversos atrasos, garras de aço instaladas em 26 buracos levantaram o Kursk do fundo do mar em 14 horas. Depois, a barcaça foi rebocada para um dique seco em Murmansk.
Com menos de 5 mil toneladas, o K-159 é menor do que o Kursk, mas mesmo antes de afundar seu casco externo estava “fraco como folha de alumínio”. Desde então, foi cercado em lodo de 17 anos. Um buraco na proa indicava que deveria ser descartada a ideia de enchê-lo de ar e erguê-lo com balões, como foi sugerido à época.


Em uma conferência do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento em dezembro, um representante da Rosatom disse que não havia nenhum navio no mundo capaz de içá-lo, e por isso um navio de salvamento especial teria que ser construído.

Isso aumentará o custo estimado de US$ 330 milhões para resgatar os seis objetos mais radioativos. Os doadores estão discutindo o pedido da Rússia para ajudar a financiar o projeto, disse Balthasar Lindauer, diretor de segurança nuclear do banco.



O dia de 20 de agosto de 2020 marcou o 20º aniversário do acidente do submarino nuclear Kursk – GETTY IMAGES
“Há consenso de que algo precisa ser feito lá”, diz ele.
Qualquer embarcação customizada provavelmente precisaria de diversas tecnologias especializadas, como propulsores de proa e popa, para mantê-la posicionada com precisão sobre os destroços.


Em agosto, Grigoriev, chefe de assistência técnica internacional da Rosatom, disse a um site financiado pela empresa que estudavam um plano que envolveria um par de barcaças equipadas com macacos de cabos hidráulicos e presas a ancoradouros em alto mar. Em vez de pinças de aço como as inseridas nos orifícios do submarino Kursk, agora pinças curvas gigantes agarrariam o casco inteiro e o levantariam entre as barcaças.

Uma estrutura parcialmente submersível seria posicionada embaixo e trazida à superfície junto com o submarino. O K-27 e o K-159 podem ser recuperados dessa forma, disse Grigoriev.

Uma das três firmas de engenharia trabalhando em propostas para a Rosatom é a agência de design militar Malachite, que elaborou um projeto para elevar o K-159 em 2007 que “nunca foi realizado por falta de dinheiro”, de acordo com seu designer-chefe.



Pelo menos mais oito submarinos nucleares serão adicionados à Frota do Norte, enquanto os restos da frota nuclear soviética estão no fundo do mar – GETTY IMAGES
Este ano, a agência começou a atualizar este plano, disse um funcionário ao BBC Future Planet no saguão da sede de Malachite em São Petersburgo. Muitas questões permanecem, no entanto. “Em que condições está o casco? Quanta força pode aguentar? Quanto lodo foi acumulado? Precisamos pesquisar as condições lá “, diz o funcionário, pouco antes que o chefe da segurança chegasse para interromper a entrevista.

Paradoxo nuclear

Remover seis objetos radioativos se encaixa com a imagem que Putin tem construído como defensor do frágil meio-ambiente do Ártico. Em 2017, ele inspecionou os resultados de uma operação para remover 42 mil toneladas de sucata do arquipélago da Terra de Francisco José, como parte de uma grande faxina no Ártico.


Ele falou sobre preservação ambiental em uma conferência anual para as nações do Ártico. E no mesmo dia em março de 2020 em que emitiu seu projeto de decreto sobre os objetos afundados, Putin assinou políticas para o Ártico que listam “proteger o meio ambiente ártico e as terras nativas e a subsistência tradicional dos povos indígenas” como 1 dos 6 interesses nacionais no região.
Mas enquanto busca um Ártico “limpo”, o Kremlin também impulsiona o desenvolvimento da exploração de óleo e gás na região, que respondem pela maioria do transporte na Rota do Mar do Norte, que passa pelo Estreito de Bering.



Após 17 anos, Vladimir Putin lançou uma iniciativa para resgatar dois submarinos nucleares soviéticos – GETTY IMAGES
A estatal Gazprom construiu um dos dois polos de petróleo e gás na península de Yamal e, neste ano, o governo reduziu os impostos sobre os novos projetos de gás natural liquefeito do Ártico para 0% para aproveitar alguns dos trilhões de dólares de combustível fóssil e riqueza mineral localizados na região.

E se Putin limpa o legado nuclear soviético no extremo norte, ele próprio está construindo seu legado nuclear. Além de novos quebra-gelos nucleares, a única usina nuclear flutuante do mundo em 2019 tornou novamente o Ártico as águas mais nucleares do planeta.

Enquanto isso, a Frota do Norte está construindo pelo menos oito submarinos e tem planos para construir vários outros, bem como oito destruidores de mísseis e um porta-aviões, todos eles movidos a energia nuclear. Também está testando um drone subaquatico com propulsão nuclear e um míssil de cruzeiro. No total, poderia haver até 114 reatores nucleares em operação no Ártico até 2035, quase o dobro de hoje, apontou um estudo de 2019 do site jornalístico Barents Observer.

Essa expansão não se deu sem intercorrências. Em julho de 2019, um incêndio em um submersível nuclear perto de Murmansk quase causou uma “catástrofe em escala global”, disse um oficial no funeral dos 14 marinheiros mortos.

No mês seguinte, um “sistema de propulsão reativa de combustível líquido” explodiu durante um teste em uma plataforma flutuante no Mar Branco, matando dois dos envolvidos e aumentando brevemente os níveis de radiação na cidade vizinha de Severodvinsk.

“Hoje há cada vez mais políticos na Noruega e na Europa que pensam que é um paradoxo realmente grande que a comunidade internacional esteja dando ajuda para proteger o legado da Guerra Fria, enquanto parece que a Rússia está dando prioridade à construção de uma nova Guerra Fria”, afirmou Nilsen, do The Barents Observer

Dessa forma, a atual limpeza nuclear a passos lentos pode ser a maior de seu tipo na história, mas pode acabar sendo apenas um prelúdio do que será necessário para lidar com a próxima onda de energia nuclear no Ártico.

Fonte: BBC