Entre belas palavras e poucas ações, o planeta ferve, a
mata desaparece, seres vivos morrem
Por Amelia Gonzalez, G1
31/08/2018 11h37 Atualizado há 22 horas
Vou confessar a vocês, leitores, que hoje estou escrevendo
com bastante desesperança e uma certa raiva, até. Já me explico.
Não bastou a foto de uma cena devastadora, a morte das
tartarugas no México, todas capturadas pelas redes de pesca ilegais . Não
bastou imaginar como deve ter sido torturante a morte dos bichinhos. Sim, por
menos que você, caro leitor, possa compartilhar de meu sentimento de que
animais sentem dor e emoção, vou me reservar o direito de acreditar no que a
Ciência já descobriu a este respeito
Para agigantar minha indignação, fico tentando imaginar a
reação dos pescadores. Por que, assim que detectaram o desastre, simplesmente
não cortaram a rede assassina? A resposta que imagino: talvez eles não tenham
querido estragar seu "instrumento de trabalho". Ora, se tantas vezes
priorizamos o lucro às pessoas, por que não agiriam assim em relação aos
animais?
Seja o que for, é cruel demais. E, mais do que crueldade
contra bichos, é uma total e absoluta e irresponsável postura diante de tudo
aquilo que se sabe sobre a necessidade que se tem de preservar a biodiversidade
do planeta. Mais ou menos como se todos nós, pessoas sensíveis às mudanças do
clima e aos efeitos desastrosos que a humanidade está causando ao meio
ambiente, estivéssemos o tempo todo a vomitar sandices para emperrar o
desenvolvimento, esta espécie de credo que norteia as cabeças de muitos.
Felizmente, porém, não estamos sós. Somos muitos a nos
indignar, e vários têm uma voz que alcança os quatro cantos do globo. No
entanto.... é imensa a distância entre intenção e gesto.
"Algumas pessoas acreditam que manter seus empregos e
as indústrias atuais é mais urgente do que transformar nossas economias para
fazer frente ao desafio global das mudanças do clima. Precisamos achar um meio
de fazer uma transição suave para uma economia de baixo carbono. Poluindo os
oceanos, não mitigando as emissões de dióxido de carbono, destruindo nossa
biodiversidade, estamos matando nosso planeta. Vamos encarar a realidade: Não
existe planeta B!"
"Surpreendo-me diariamente a me resignar, a me acomodar
com pequenos avanços quando a situação no mundo, neste momento em que o planeta
virou uma estufa, merece uma mudança de escala e de paradigma".
Sim, diante dos fatos é possível imaginar que também ele,
Hulot, está fazendo bazófia, quem sabe visando a uma possível candidatura...
vai saber. Mas não dá para fechar os olhos ao fato de que o governo de Macron –
o mesmo que demonstrou revolta pelo fato de não termos ainda compreendido o
valor da biodiversidade para o planeta – reduziu pela metade o preço da licença
de caça na França (de € 400 para € 200 por ano). A
notícia confirmada na segunda-feira (27), segundo a
jornalista Pauline Bock, foi a gota d’água que provocou a demissão de Hulot.
Isto ocorre, segundo Bock, porque o lobby dos caçadores,
reforçado pela influente indústria armamentista, é um dos mais poderosos da
França. A caça é o terceiro hobby dos franceses, praticada por 1,2 milhão de
pessoas. E eu não paro de me indignar. Matar bichos selvagens é hobby dos
franceses em pleno século XXI?
Neste sentido, caros leitores, não fico nem mesmo assustada
quando leio outra reportagem do "The
Guardian" dando espaço a um cético do clima influente, o
parlamentar do partido independente do Parlamento Europeu, Stuart Agnew. Um
relatório feito por ele e lançado na quarta-feira (29) diz que flutuações de
raios cósmicos, manchas solares e atração gravitacional planetária é que são os
culpados pelas mudanças climáticas, não a atividade humana.
"Estou fazendo isso para garantir que em algum lugar
dos arquivos e anais do Parlamento Europeu tenha alguém que tenha dito: 'O rei
não está vestindo um terno invisível! O rei está nu! O único risco potencial de
um grande evento de CO2 na Europa é um vulcão em erupção'", diz o texto do
relatório, em parte reproduzido pela reportagem do jornal britânico.
Mas o artigo de Agnew não tem peso legal e foi descartado
pelo comitê de meio ambiente do Reino Unido em reunião ontem.
"Esse fiasco mostra os danos que podem ser causados
pela eleição de populistas que realmente não têm conhecimento de seu mandato e
não são competentes para empreender o trabalho altamente influente e detalhado
que é exigido dos políticos eleitos", disse a eurodeputada Scott Gato, do
Partido Verde do Reino Unido, à reportagem do "The Guardian".
Termino este texto contando uma história real, triste, de
uma mãe que perdeu a filha, Ella Roberta, há cinco anos devido à poluição do
ar. A londrina Rosamund Kissi-Debrah, inconformada com a perda da menina, que
morreu aos 9 anos, está entrando com uma petição para saber a real causa da
doença que levou sua filha. Os laudos médicos disseram que ela "morreu
devido a um grave ataque de asma seguido por uma convulsão, possivelmente
causada por uma reação alérgica a algo no ar".
Rosamund quer saber, exatamente, o que é este "algo no
ar". E colheu mais de cem mil assinaturas que entregou hoje ao
procurador-geral. Seu objetivo, com isso, é salvar outras vidas, já que dados
das estações de monitoramento de poluição perto da casa onde morava com sua
filha mostraram níveis altíssimos.
"Não posso voltar atrás, mas agora posso proteger
melhor meus gêmeos de 11 anos, que sentem falta da irmã mais velha todos os
dias. Se eu for bem sucedida em abrir uma nova investigação, pode ser a primeira
vez que a poluição do ar seja citada em um atestado de óbito no Reino
Unido", escreveu ela num artigo para o "The Guardian".
É disso que se trata. Da saúde de animais, da saúde de
humanos, e de uma necessidade urgente de se rever hábitos de consumo, de produção,
para que possamos nos proteger, e aos outros seres do planeta, do mal que já
está instalado. A poluição do ar causa cerca de 40 mil mortes prematuras por
ano no Reino Unido.
O que me move a continuar estudando, pesquisando e
informando a vocês é que tenho certeza de que é possível. Bom fim de semana!
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