Toda semana leio nos jornais e assisto na TV meia dúzia de entrevistas ou debates com “
especialistas”
sobre o que fazer para reduzir a corrupção. São de uma falta de
imaginação que, ora me põe pronto para dormir, ora me empurra para fora
do limite das regras da civilidade.
A única exceção que tenho visto em todas essas entrevistas é o
professor Modesto Carvalhosa, advogado de São Paulo que estudou
profundamente o assunto em vários países diferentes e recomenda a medida
óbvia do “
performance bond”, já abordada várias vezes
aqui no Vespeiro.
Adotada ha mais de 100 anos nos países civilizados, ela é
de tão comprovada eficácia para impôr um distanciamento higiênico e
profilático entre o governante que contrata obras e o empreiteiro que as
executa que não adotar esse expediente até hoje já é uma confissão de
má intenção e um convite ao crime.
Agora, a legião de “
especialistas” que junto com os políticos e outros diletantes – aí incluídos os bem intencionados – repetem infindavelmente que é preciso “
aumentar a fiscalização”, esses despertam em mim os mais primitivos sentimentos adormecidos.
Aumentar a fiscalização é aumentar a doença. Aumentar o número de
fiscais é aumentar o número de achaques. Renan Calheiros — veja lá! — e
Eduardo Cunha estão propondo agora uma Lei de Responsabilidade das
Estatais, com requisitos mínimos para se nomear seus diretores, coisa
que passaria a ser atribuição deles próprios (Câmara e Senado) e outras
perfumarias destinadas a transferir para as mãos das “excelências” as prerrogativas que são hoje do Poder Executivo nesse campo.
O que a História do Brasil nos diz — e não só a do Brasil — é que
criar mais um departamento no estado para fiscalizar empresas estatais
não é uma cura, é uma metástase. Se insistirem em manter o presunto
pendurado na janela – isto é, as estatais – deve-se contar como certa a
permanente convivência com o enxame de moscas.
Se colocarem o Exército
Brasileiro inteiro em volta daquela carne gordurosa e fedorenta com a
missão precípua de espantar as moscas, o que vai acabar não são as
moscas mas o Exército Brasileiro; uma parte (a menor) por cansaço, outra
parte (a maior) porque será corrompida por elas.
Tudo que se vai conseguir é um novo departamento recheado de
funcionários indemissíveis pomovidos por tempo de serviço com sua
descendência “
pensionável” até a terceira geração; na sequência
virão comissões de fiscalização do ente fiscalizador na Câmara e no
Senado; mais além surgirá um Tribunal Especial de Fiscalizações e
adiante a comissão especial da CPI da Fiscalização e a comissão especial
de reforma do sistema de fiscalização…
E, no entanto, é tudo tão simples. Não querem as moscas? Tirem o presunto da janela!
Acabe-se com as estatais, primeiro porque dinheiro com dono já nasce
blindado. Ninguém jamais estará mais incentivado a impedir que seja
roubado que quem suou para ganhá-lo.
E, segundo, porque já é tarefa
grande o suficiente para o Estado tratar de impedir o poder econômico de
abusar do resto dos mortais. Pôr um contra o outro, sem misturar papéis
nem de um lado nem do outro, é o resumo do que o mundo veio a conhecer
como a revolução democrática, aquela, do século 18 que o Brasil pulou.
Haverá corrupção ainda, depois de feita essa separação de papeis?
Haverá. Corrupção – o impulso de colher sem ter plantado – é uma força
da natureza. Mas tendo, primeiro, sido suprimida 90% da “
ocasião”, algo próximo disso será deduzido do numero de ladrões.
Para os que sobrarem ha sempre o resto dos mecanismos de desincentivo à corrupção “
a posteriori”.
Fazer seguir ao crime infalivelmente o castigo é coisa que todo
hominídeo sabe que funciona desde o tempo das cavernas. Só os
mentecaptos e os mal intencionados ainda insistem que o melhor remédio
para reduzir a criminalidade é deixar os bandidos na rua caçando
vítimas.
A China, por exemplo, pega o corrupto e o executa com um único tiro
de pistola na nuca num estádio lotado, mandando a conta dessa única bala
para a família do executado. É um modo talvez exagerado de enfatizar
que com dinheiro público nem se brinca, nem se desperdiça. Não é preciso
tanto. Basta trancar o ladrão numa jaula e jogar a chave fora, como se
faz nas democracais mais avançadas.
Um zé dirceu pronto para ser exibido na TV a qualquer momento na sua
devida jaula ano após ano, década após década, vale por 500 mil
discursos contra a corrupção e uma legião inteira de fiscais.
Inversamente, um único deles solto após seis meses é o bastante para
anular de uma vez só todas as leis anticorrupção de um país e condená-lo
à danação eterna.
Como dizia Theodore Roosevelt, nada pode ser mais
subversivo do que um corrupto exibindo impunemente o seu sucesso. Que
argumento terá uma mãe da favela para convencer seu flho a pegar em
livros e não em fuzis se os corruptos seguirem sendo ovacionados pelo
governo e brilhando nas colunas sociais e os trabalhadores honestos
continuarem pobres, humilhados e ofendidos, trancados em seus casebres
porque as ruas estão ocupadas pela bandidagem?
Para juízes que, pelo mesmo crime, sentenciam os zés dirceus a seis
meses e os Marcos Valérios a 40 anos de prisão, os Estados Unidos, por
exemplo, têm o remédio das “
retention elections”.
Em toda
eleição majoritária a cada quatro anos, aparece na sua cédula, conforme o
distrito em que você vota, o nome do juíz encarregado daquela
circunscrição por baixo da pergunta: “
Deve o meritsíssimo Fulano de Tal permanecer intocável em suas prerrogativas de juiz por mais quatro anos”? “
Sim”, ou “
Não”.
Em caso de “
Não”, o sistema porá outro juiz intocável enquanto se comportar bem no lugar dele (
aqui). Junto com o
recall,
que permite a quem votou nele cassar a qualquer momento qualquer
político que desrespeitar o mandato recebido — vereador, deputado,
senador — , isso é quanto basta para que ninguém que não presta vá
longe, seja no Legislativo, seja no Judiciário, que dirá chegar a um
tribunal superior.
Os remédios estão, portanto, todos ao alcance da mão e não passam de
uma meia dúzia. O resto é tapeação. De modo que o que precisa crescer e
se tornar radical é só a intolerância dos eleitores, leitores e
telespectadores para com os políticos e os jornalistas e seus
especialistas amestrados que insistem em tratá-los como idiotas toda vez
que esse assunto ressurge.