Tivéssemos
nós apenas o acesso à mídia comercial, saberíamos que, ontem, um
pequeno grupo de indígenas provocou grandes tumultos na Câmara de
Deputados, inclusive ferindo um policial no pé, com uma flechada. Eles
protestavam contra a votação da PEC 215, que leva para o legislativo a
prerrogativa de demarcar terras indígenas.
Essas
cenas de empurra-empurra entre índios e policiais foram as que tomaram
os noticiários no dia de ontem (16), em curtos minutos, ressaltando
apenas a "bagunça" e a falta de "civilidade" dos indígenas. A maior
parte dos telejornais, é claro, esteve voltada para a Petrobras e as
denúncias de corrupção. É que entre o achincalhe da Petrobras - que
serve inclusive para que a ações baixem e sejam vendidas a grupos
estrangeiros - e os problemas dos índios, é óbvio que o primeiro tema é
mais interessante.
A
nota triste nisso tudo é que grande parte da população brasileira só
tem acesso a isso mesmo: canais de televisão comercial que divulgam
inverdades ou meias verdades, buscando desinformar e formar uma opinião
pública desfavorável com relação aos povos indígenas. Segundo dados de
uma pesquisa do Ministério das Comunicações, a TV está em 97% dos lares
brasileiros, logo se constitui num poder.
Os fatos
Em
primeiro lugar a "bagunça" que aconteceu no Congresso Nacional não foi
provocada pelos índios. Eles foram lá fazer o que qualquer cidadão tem o
direito: acompanhar o debate numa comissão da Câmara. Como o tema em
questão era quente e os deputados não queriam a presença "incômoda" dos
interessados, procuraram impedir o acesso dos indígenas ao Congresso.
Uma ilegalidade, uma ruptura no pacto do direito. Feridos
no direito de entrar na chamada "casa do povo", os indígenas deram
batalha ao que lhes impedia, no caso, os soldados, fortemente armados.
Em
segundo lugar, não era um grupo "pequeno" e sem importância como
fizeram parecer os locutores das notícias. Ali, no Congresso Nacional,
estavam as mais representativas lideranças indígenas do país, o
equivalente ao conjunto dos governadores de estado, por exemplo, já que
os/as caciques são os cargos de maior responsabilidade dentro de uma
aldeia. Alguém imagina os governadores dos estados sendo tratados assim?
Polícia na porta, impedimento da entrada, empurrões e safanões?
Praticamente impossível. Mas, os índios ainda são vistos como pessoas de
"segunda categoria", quando não um atrapalho ao progresso da nação.
Terceiro.
Se hoje os indígenas brasileiros conformam um grupo pequeno (900 mil
almas) a responsabilidade sobre isso é do processo histórico levado a
cabo pelos não-índios. Primeiro, com a invasão das terras, houve um
extermínio indiscriminado, depois, na contemporaneidade, os que restaram
do genocídio, ou foram confinados em reservas, ou foram obrigados a
"civilizarem-se", incluindo-se na sociedade como se homens e mulheres
brancos fossem. Todas as tentativas só prejudicaram os indígenas. A
primeira, levou-os a morte, a segunda os tutelou e abandonou em poucos
espaços de terras, no geral inférteis e insuficientes. E a terceira os
tornou um misto de branco/índio, desgarrado de suas culturas e não
aceitos pela cultura ocidental. Um limbo.
O
quarto ponto a considerar é a reivindicação que não fica clara nos
ideológicos textos de reportagem. O que é a PEC 215 e que impactos terá
na vida dos indígenas e quilombolas (negros remanescentes dos
quilombos)? A mudança mais significativa da mudança que essa lei pode
causar é a que define quem demarca as terras. Hoje, a função é do
Executivo, responsabilidade da Presidência da República. Com a PEC 215,
quem vai definir é o Congresso Nacional.
Ora,
os indígenas sabem quem são os integrantes do Congresso Nacional. Na
sua maioria, os deputados e senadores representam interesses de empresas
e de grupos bem específicos. Um deles, em particular, acaba de eleger
para a próxima temporada, a maior bancada de representantes do
agronegócio, praticamente a metade das cadeiras. Isso sem contar aqueles
que não sendo representantes diretos, são marionetes de empresas
ligadas ao setor e que, fatalmente, numa decisão relacionada a terras
indígenas, acabarão votando com o agronegócio.
Por que essa PEC é importante para o agronegócio?
O
Brasil vive já há algum tempo uma nova onda de monocultura, aliada a
grandes obras de infraestrutura (as hidrelétricas) e a mineração. Tudo
isso é domínio dos latifundiários. A maioria deles faz o discurso de que
há muita terra para pouco índio e que eles atrapalham a caminhada da
nação rumo ao progresso. Para eles, entre se apropriar das terras
públicas para o plantio do açúcar ou da soja é muito mais lucrativo que
deixá-las nas mãos de uma gente preguiçosa e improdutiva, no caso, os
índios. Esse discurso ganha corpo
e se fortalece por todo o país. Mas, ao contrário do que dizem os
ruralistas, há pouco índio (900 mil) e pouca terra para eles, que ocupam
apenas 12,5% do território nacional, pouco mais do que um milhão de
metros quadrados.
Já
os latifundiários, esses são pouquíssimos. Representam apenas 3% das
famílias rurais. Mas, por outro lado detém perto de 60% das terras
agricultáveis, o que equivaleria juntar os estados de São Paulo e
Paraná. E, ainda segundo o IBGE, existem fazendas que, sozinhas, ocupam
um milhão de hectares - o total de todas as 503 terras indígenas já
demarcadas.
Então, na verdade, a frase certa seria: há terra demais para pouco latifundiário.
Mas,
esses 3% de donos de terra não estão satisfeitos com seus latifúndios.
Querem mais. Não apenas para plantar a monocultura de exportação, mas
para extrair minerais ou preservar para si os mananciais de água. Isso
sem falar no processo de valorização das terras - mesmo paradas, sem
produção. Por isso mesmo que, para eles, se configura um atrapalho essa
coisa de demarcar terras para índios. Incapazes de compreenderem a
dívida histórica que se tem com as comunidades indígenas, eles fazem
questão de formar a opinião pública contra o que chamam de "vagabundos".
Esse é então o pano de fundo da disputa que se trava hoje no Congresso Nacional. Entregar
aos deputados a decisão sobre as demarcações, tanto indígenas como
quilombolas, é colocar a vida dessas populações novamente em risco. Foi
necessário um longo período para que os indígenas brasileiros
aumentassem sua população, garantissem terras e direitos e, agora, tudo
isso pode ir por água abaixo. Não que ficar na mão do Executivo seja
muito diferente, uma vez que se a Presidência quiser favorecer os
grandes fazendeiros também pode demorar com as demarcações. Mas, pelo
menos, a luta fica mais dirigida. Nas mãos dos deputados, a morte é
certa, seja física ou cultural.
O
que os povos indígenas querem, através de suas mais importantes
lideranças em visita ao Congresso Nacional é que esse projeto seja
retirado, arquivado, suprimido. E que as demarcações sigam sendo
prerrogativa do Executivo. Essa é a batalha que eles estão travando essa
semana, uma vez que na medida em que o projeto vai passando pelas
comissões, bem mais difícil fica de barrá-lo. Por várias vezes, os
deputados representantes do latifúndio e do agronegócio tentaram
manobras para aprovar a PEC, mas não conseguiram. Ontem, mais uma vez a
votação foi adiada.
Só
que essa é uma batalha de gigantes. São concepções de país que se
enfrentam naquela porta de entrada. De um lado, um projeto de justiça,
ancorado na necessidade de reparação de uma dívida histórica - terra
suficiente e fértil para os povos originários - e de outro, a rapinagem,
a lógica da destruição do ambiente em nome do lucro e do acúmulo das
terras nas mãos de poucos para o desfrute de uma minoria.
Compreender
o que se esconde por trás dos escudos da repressão do Estado é
fundamental para formar uma opinião. A indignação de um William Bonner
com a flechada no pé de um policial fortemente armado representa um lado
muito claro: o do agronegócio, do sinhozinho Malta, do rei do gado, que
quer fazer parecer que os indígenas são selvagens desqualificados. E
essa é a visão que se massifica.
Cabe a nós fazermos o papel do
passarinho no incêndio. Difundir os outros lados desse drama, para que
as pessoas possam entender o que realmente acontece nesses fundões do
Brasil.
7 comentários:
Ou os que eles dizem honestos serão abduzidos para a roubalheira, coitadinhos.
Os roubos malfeitos chegarão ao vosso conhecimento e os roubos bem feitos, não.
Alguma novidade, contribuintes otários???
Continuarão nos obrigando a ser escravos até quando, me pergunto.
Afinal, Reinaldo Azevedo foi tão severo com o Bolsonaro por causa de algumas palavras. Se Reinaldo tiver o mínimo de coerência, será proporcionalmente muito mais severo com a PresidentA. Ele não deve dizer apenas: Privatiza a Petrobrás, PresidAntA. Ele deve gritar: PEÇA DESCULPAS, PRESIDANTA!
E se Reinaldo e Joice não exigirem desculpas da Presidanta, então desculpem-se perante seus leitores e perante Bolsonaro, por estuprar nossa inteligência acusando levianamente Bolsonaro na tentativa de nos manipular.
No Natal ganhamos dos U.S.A!!! Só que não...
Canal Nando Moura
https://www.youtube.com/watch?v=oFIbaeV2zC4
Esperamos agora que Joice Hasselmann e Reinaldo Azevedo exijam que o responsável peça desculpas para a população! Ou os dois só pegam pesado contra o Bolsonaro?
Vão se fartar de farelo até a exaustão.