Parque+ será gerido pela Secretaria de Áreas Protegidas do MMA, e não pelo ICMBio
Duda Menegassi quinta-feira, 11 fevereiro 2021 14:17
Diferente do Adote Um Parque, o programa Parque+ foi lançado sem pompa nem circunstância. Ninguém sabia do que se tratava quando surgiu no Diário Oficial da União na última semana a aprovação da iniciativa pelo ministro Ricardo Salles. Nem na portaria havia informações. Nesta quinta-feira (11), por fim o site do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi abastecido com informações sobre o programa que, pasmem, será gerido pela Secretaria de Áreas Protegidas do próprio ministério e não pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é quem responde – ainda – por todas as unidades de conservação federais do país. Ainda que, como o próprio documento do MMA esclarece, o Parque+ consista num “conjunto de iniciativas articuladas para incrementar a prática do ecoturismo em unidades de conservação”. O próprio documento do programa cita o ICMBio apenas uma vez ao longo de suas 21 páginas, para citar um levantamento feito dentro do órgão sobre o retorno financeiro das UCs.
“Os projetos e ações integrantes do Programa Parque+, tem como escopo principal fortalecer as Unidades de Conservação e seus entornos, visando seu desenvolvimento pela concentração de esforços da administração pública com apoio da iniciativa privada, parceiro estratégico na execução das atividades a serem implantadas e na captação de recursos”, descreve o documento.
O programa tem quatro eixos principais: promover a conectividade dos ecossistemas e estímulo da recreação e geração de emprego e renda, através da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso e Conectividade; promover acessibilidade no ecoturismo; promover a disponibilização de acesso gratuito à internet para visitantes de UCs, por meio do projeto Conecta Parques; e promover projetos de estruturação das UCs e seus entornos, dentro do âmbito do projeto Ecoturismo no Brasil.
Conforme detalha o documento de apresentação do Parque+, a expectativa é que o programa capte recursos através de parcerias com o terceiro setor e a iniciativa privada. Em menor valor, os custos do programa também serão abrangidos por recursos orçamentários referentes à implementação do Plano Nacional de Ecoturismo “e de recursos a serem obtidos por meio de emendas particulares”.
A Secretaria de Áreas Protegidas foi criada dentro do Ministério do Meio Ambiente em agosto de 2020, durante uma reestruturação do MMA. A mudança chamou atenção à época porque seus objetivos são similares aos do ICMBio. Enquanto isso, o Ministério coordena um Grupo de Trabalho que avalia a possível fusão do ICMBio com o Ibama, o que acabaria com a existência de um órgão exclusivamente dedicado às unidades de conservação brasileiras.
Carlos Frederico D. Rocha e Sofia Vámos terça-feira, 5 janeiro 2021 15:09
Os turistas estavam extasiados ao entrar na área do Pantanal brasileiro. A placa no início do passeio avisava: “Transpantaneira: aqui começa o Pantanal Mato-grossense”. Os adultos vibravam e os olhos das crianças brilhavam ao ver cada animal pantaneiro circular entre a vegetação verde e exuberante. À frente deles passou um tamanduá, antas, algumas capivaras e um mundo de flamingos rosados, todos animais que eles nunca tinham visto na vida. Uma exuberância de vida! Chamou a atenção a placa educativa que advertia: “Não esqueça: é expressamente proibido o uso do fogo nas Unidades de Conservação”. Felizmente não se via fogo em parte alguma dali. Um pouco mais adiante, a presença da viatura da polícia ambiental, tendo na sua caçamba gaiolas, arapucas e armadilhas, transmitia a noção de que ali tudo seguia sendo cuidado e protegido. No interior da pequena base de controle ambiental, os cartazes presos nas paredes traziam informações sobre como aquele bioma era frágil e sensível e alertavam como a ganância por dólares estimulava o tráfico de animais, a segunda maior causa da perda da biodiversidade no mundo, patrocinada por aqueles que compravam fauna silvestre. Naquela área, parecia que tudo funcionava quase que perfeitamente e, por onde transitavam, os turistas se maravilhavam em ver e aprender sobre o Pantanal brasileiro.
Enquanto isso, aqui no Brasil, o nosso Pantanal ardia, queimando a nossa biodiversidade, de valor incalculável, mesmo para aqueles que só pensam economicamente. Que inveja daquela área do Pantanal brasileiro do Zoológico de Zurique, na Suíça, onde os animais seguiam vivos, sem queimaduras, as plantas permaneciam verdes e a viatura da polícia ambiental demonstrava prontidão. Trata-se de uma área de cerca de um hectare que reproduz uma pequena porção do Pantanal brasileiro, construído ao custo de aproximadamente 11 milhões de dólares, e que mostra aos seus visitantes o valor deste bioma. Aqui, assistimos nosso Pantanal ser destruído com quase nada sendo feito, a não ser pelos esforços incansáveis de civis, ONGs e dos poucos funcionários públicos de nossos órgãos ambientais que lutam no combate aos incêndios e no resgate e tratamento da fauna silvestre ferida e debilitada.
Em 2020 assistimos à enorme destruição do que 200 anos atrás começava a ser desvendada: uma boa parte da biodiversidade do Brasil. Entre 1817 e 1820, os naturalistas alemães Carl von Martius e Johann von Spix, em uma das maiores expedições científicas do século XIX, percorreram o Brasil desde o Sudeste até o Centro-Oeste, cruzaram a Caatinga e, depois, a Amazônia de ponta a ponta. Eles quase morreram em várias ocasiões em busca de desvendar a nossa biodiversidade. Anos após ter concluído essa longa expedição, von Martius elaborou o que seria o primeiro mapa com os biomas brasileiros, e só não incluiu o Pantanal porque não teve oportunidade de transitar por aquelas áreas e, também, porque praticamente inexistia informação sobre este ambiente na época. Hoje conhecemos o Pantanal como nosso sexto bioma, e o nosso mais atual mapa dos biomas mantém, em grande parte, o que von Martius elaborou em seu mapa.
No século seguinte, o XX, intensificou-se a destruição do que mal conhecíamos de nossos biomas, com grande velocidade e alto nível de agressão, sem sequer dimensionarmos sobre o quanto dependíamos dessa biodiversidade e do equilíbrio dos sistemas naturais. O excelente filme do naturalista britânico David Attenborough, “David Attenborough e nosso planeta”, mostra em pouco mais de uma hora, de forma constrangedora e preocupante, o testemunho do que destruímos no planeta durante 93 anos dos seus de vida. Nos nossos biomas, especialmente no Pantanal, Amazônia e Cerrado, o fogo arde em níveis muito acima da média. Apenas duzentos anos após começarmos a desvendar a biodiversidade dos nossos biomas, assistimos sua destruição em larga escala. As causas são várias, que vão da falta de investimento, de um maior grau de proteção, do mau uso do solo e do desmonte dos sistemas de fiscalização promovidos pelas recentes governanças, até aquelas de mais longo termo, como as mudanças climáticas globais, que trouxeram as incertezas, as imprevisibilidades e a maior frequência dos eventos extremos que se tornaram comuns nesse novo cenário. Os incêndios são apenas uma das várias faces dessas mudanças climáticas. A destruição ambiental não compromete apenas a biodiversidade, mas a própria cadeia produtiva da agricultura e da pecuária.
Precisamos não do abandono das políticas públicas em relação ao meio ambiente, mas, mais do que nunca, do exercício da ampla rede de proteção prevista em nossa constituição. Necessitamos da compreensão por parte das governanças, empresários, agricultores, pecuaristas e de toda a população brasileira, da riqueza inestimável que representa a biodiversidade que o Brasil possui e que qualquer país sonharia em ter. Riqueza que promove o equilíbrio de ecossistemas, riqueza com valor econômico, riqueza da beleza cênica e de formas de vida, e riqueza ética. Afinal, somos apenas uma das milhões de espécies a ocupar esse planeta. Como ocorre em vários de nossos biomas, o Pantanal arde e sua biodiversidade está sendo incinerada. É prioritário e urgente protegermos o Pantanal e demais biomas e sua biodiversidade usando todos os esforços possíveis. Será que, depois de tudo destruído, precisaremos importar o Pantanal do Zoológico de Zurique?
A seca que castigou o Pantanal entre 2019 e 2020 e armou o cenário para a pior temporada de queimadas da história do bioma foi a mais grave em 50 anos. E o mês de abril do ano passado foi o mais seco desde que as medições começaram no local, há 120 anos. A constatação é de um estudo inédito liderado pelo Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e pela Unesp, que será publicado na revista Frontiers in Water.
Os pesquisadores José Marengo, Ana Paula Cunha e seus colegas fizeram um raio-X climatológico da seca, analisando índices de precipitação e nível dos rios. Descobriram que o nível do rio Paraguai foi o mais baixo desde 1971 e a região como um todo recebeu entre 50% e 60% menos chuva do que o normal. Um dos índices de precipitação analisados foi o mais baixo da história.
A seca anormal tornou a região pantaneira excepcionalmente sensível a queimadas possivelmente feitas por produtores rurais para abrir novas áreas de pastagem, segundo investigação da Polícia Federal. No ano passado, esses fogos saíram do controle e 30% do Pantanal ardeu em chamas. Mais de 22 mil focos de incêndio foram detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – um número 76% maior do que em 2005, ano até então recordista na série histórica iniciada em 1988.
Segundo Marengo, é possível atribuir a seca em parte ao aquecimento anormal do Atlântico tropical, que impediu que os chamados “rios voadores” – a umidade reciclada pela Amazônia que é exportada para o sul da América do Sul – irrigassem as bacias do Paraguai e do rio da Prata. O mesmo fenômeno está por trás da temporada de furacões de 2020 no Caribe, uma das mais ativas em registro, e da seca que fez o norte da Argentina ter uma das piores temporadas de incêndios de sua história.
Um bloqueio atmosférico – uma área de pressão do ar muito alta sobre o Pantanal, que repeliu a entrada da umidade – se formou. “Nem a umidade da Amazônia pelo norte nem as frentes frias do Sul conseguiram chegar, e essa estabilidade sobre a região foi favorecida por um Atlântico subtropical Sul mais quente que o normal”, afirmo. Marengo disse que não é possível cravar a impressão digital da mudança climática nesse extremo, “mas também não posso dizer que não é”.
Uma coisa, porém, os cientistas afirmam: não fossem as mudanças intensas de uso da terra no Pantanal nas últimas décadas, a seca dificilmente teria provocado incêndios como os de 2020. “Se as tendências climáticas e de manejo da terra atuais persistirem, o Pantanal como o conhecemos deixará de existir.”
Gestor de propriedades rurais é nomeado para Secretaria de Qualidade Ambiental
Salada Verde terça-feira, 2 fevereiro 2021 13:06
Nesta segunda-feira (1º), o Ministro da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, nomeou Antonio Carlos Tinoco Cabral para o cargo de Secretário Adjunto da Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. A posição é responsável, entre outras coisas, pela gestão “ambientalmente adequada das substâncias químicas e dos produtos perigosos”, que inclui os agrotóxicos. Tinoco é formado em administração de empresas e traz no currículo a experiência como gestor de propriedades rurais (plantações de milho, soja, cana de açúçar e pecuária) e de “controle de pragas (preventivos) nas plantações”. A nomeação de Tinoco, portanto, liga o alerta sobre os próximos avanços que a pauta pode ter, com chancela de dentro do próprio Ministério do Meio Ambiente. Desde que assumiu, o governo Bolsonaro já foi responsável pela aprovação de 998 agrotóxicos.
Cabe também à Secretaria de Qualidade Ambiental o planejamento e gestão ambiental territorial e urbana; a gestão dos resíduos sólidos; propor estratégias para lidar com passivos ambientais e áreas contaminadas; o controle e prevenção da poluição; e estabelecer os critérios e padrões de qualidade ambiental.
Novo código ambiental do RS é aprovado sem passar pela Comissão de Meio Ambiente
Fernanda Wenzel domingo, 26 janeiro 2020 17:53
No dia 27 de setembro de 2019 o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) apresentou o projeto de um novo Código Ambiental para o Rio Grande do Sul. 75 dias depois, o projeto que altera cerca de 500 pontos da legislação era aprovado pela Assembleia Legislativa, sem passar sequer pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da casa. Para se ter uma ideia, o código anterior havia sido discutido por nove anos antes de ser aprovado, em 2000.
Mas se dependesse apenas do governo, a tramitação seria ainda mais rápida: em 30 dias. Só não foi assim porque a Justiça atendeu a um pedido de um grupo de deputados e proibiu que a votação ocorresse em regime de urgência. Na decisão, o desembargador Francisco Moesch argumentou que é proibido enviar projetos sobre códigos em regime de urgência, e que uma matéria desta complexidade necessitava de mais tempo de discussão com a sociedade.
Mas a pressa era tanta que o governo deu outro jeito. Recorreu a um artigo da Constituição Estadual que permite a votação através de um acordo de líderes, tendo como única condição que o projeto passe pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia. O novo código foi aprovado por 37 votos a 11 no dia 11 de dezembro. A população teve uma única oportunidade para debater o projeto, em uma audiência pública marcada por bate-bocas e protestos.
Para o advogado Marcelo Pretto Mosmann, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e que atua em ações na área ambiental, a manobra do governo cria insegurança jurídica em torno do novo Código: “O Estado não usou o regime de urgência, mas igual não permitiu a participação da sociedade. Houve apenas uma audiência pública para discutir um projeto que altera 500 itens de uma legislação com impacto em todo estado. Até para mudar o plano diretor de um município com 10 mil habitantes é preciso mais participação que isso”.
Mas a maior insegurança jurídica está relacionada à aplicação das novas normas. Ao analisar um caso concreto – um processo de licenciamento, por exemplo – qualquer juiz pode questionar a constitucionalidade da nova legislação: “Qualquer empreendimento que estiver se instalando com base no novo código pode vir a ser questionado judicialmente”, diz o advogado. Ele cita o exemplo do novo Código Florestal, que depois de seis anos em vigor teve artigos vetados pelo Supremo Tribunal Federal.
A insegurança jurídica não preocupa apenas entidades ambientalistas, mas o próprio setor produtivo. Luis Fernando Marasca Fucks, presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), reclama que vários artigos exigem regulamentação posterior. Ao longo do texto, há pelo menos 17 itens cuja aplicação ficará a cargo de alguma regulamentação ou lei que ainda não existe. “É um código completamente aberto, quando deveria ter todas as diretrizes já definidas”, afirma Fucks. A entidade também queria um tempo de transição para os produtores se adequarem às novas normas, o que não aconteceu. O Código foi sancionado em 9 de janeiro e já está em vigor.
Uma análise da equipe jurídica da Aprosoja-RS apontou cerca de 150 pontos com erros ou imprecisões. No artigo que trata de áreas especiais, por exemplo, estas são descritas como “áreas com atributos especiais de valor ambiental e cultural, protegidas por instrumentos legais ou não, nas quais o Estado poderá estabelecer normas específicas de utilização, para garantir a sua conservação”. O texto não explica o que são “atributos especiais” ou o que seriam instrumentos “não-legais”. Também não esclarece se estado vai realmente estabelecer normas de utilização, já que a lei diz apenas que ele “poderá” criá-las.
Outro exemplo da insegurança jurídica está nos artigos que dispõem sobre os conselhos das Unidades de Conservação (UCs). O artigo 41 diz que será permitido “conselho deliberativo apenas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Extrativista”. Mais adiante, o artigo 225 afirma: “Os conselhos das Unidades de Conservação em desacordo com o previsto no art. 41 deste Código ficam automaticamente adequados às disposições do referido artigo”. O texto gerou críticas da equipe jurídica da Aprosoja-RS, que entendeu que os conselhos ficam automaticamente legalizados. Curiosamente, a Associação dos Servidores da Fepam (órgão responsável pelo licenciamento ambiental no estado) também ficou contrariada, mas pelo motivo oposto. A associação entendeu que a lei extingue os conselhos deliberativos. E agora, quem está certo? ((o)) fez esta pergunta à Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), mas não obteve resposta. A reportagem também solicitou entrevista com o secretário Artur Lemos Júnior, sem sucesso.
Segundo informações divulgadas pelo governo do estado, com o novo código espera-se reduzir de 160 para 90 dias o tempo médio de emissão de um alvará. Ainda de acordo o Palácio Piratini, as regulamentações previstas na legislação serão feitas nos próximos meses.
Autolicenciamento é o ponto mais polêmico
Aquilo que o governo chama de modernização do código ambiental era uma promessa de campanha de Eduardo Leite. Segundo o tucano, a lei antiga dificultava a instalação de empreendimentos e atravancava o desenvolvimento do estado. Neste contexto, o ponto mais caro ao governo – e incluído com sucesso na nova lei – é a criação do autolicenciamento. A Licença Ambiental por Compromisso (LAC) é concedida em até 48 horas pelo sistema online do órgão de licenciamento ambiental – a Fepam – sem análise prévia de nenhum técnico.
O empreendedor precisa apenas preencher uma declaração em que assegura estar atendendo a todos os requisitos ambientais, e o Estado acredita na boa-fé do empresário. A definição de quais empreendimentos estarão sujeitos ao LAC será definida posteriormente pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), e por enquanto a única restrição é “nas hipóteses que envolvam a conversão de áreas de remanescentes de ambientes naturais, a intervenção em Áreas de Preservação Permanente e atividades sujeitas a EIA/RIMA”.
“Sugerimos que as atividades sujeitas à LAC ficassem restritas para atividades de baixo impacto, de pequeno potencial poluidor, mas essa nossa proposta não foi acolhida”, explica o promotor de justiça Daniel Martini, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente. Ele conta que o projeto do novo Código foi apresentado ao Ministério Público Estadual (MPE) no mesmo dia em que foi protocolado à Assembleia. Após analisar o texto, promotores e procuradores encaminharam 112 sugestões de alterações ao governo do estado.
Martini não respondeu quantas das sugestões foram acatadas, mas por enquanto o MPE não pensa em entrar com uma ação para suspender a legislação. A estratégia da instituição é continuar negociando com o governo na fase de regulamentação do Código. “O Secretário do Meio Ambiente prometeu que vai considerar as sugestões do Ministério Público nesta próxima etapa”, afirma o promotor.
Assim como o MPE, a OAB-RS também não pretende ingressar na Justiça contra o novo Código. Mas a presidente da Comissão de Direito Ambiental da entidade, Marília Longo, tem várias críticas à nova legislação, a começar pela maneira como foi aprovada. Ela rebate a justificativa oficial do governo, de que o texto já vinha sendo debatido pela sociedade há mais tempo. “Houve um período em que se discutiu na Assembleia Legislativa sugestões de alterações à lei de 2000, mas nunca se discutiu o projeto de um novo Código Ambiental. O projeto que foi apresentado jamais havia sido discutido”, afirma Longo.
Novo Código Ambiental pode facilitar instalação de mineradoras
Até mesmo os técnicos da Fepam foram pegos de surpresa com o novo Código. Segundo o presidente da Associação dos Servidores da entidade (Asfepam), Nilo Sérgio Fernandes Barbosa, em nenhum momento eles foram chamados pelo governo a colaborar com o projeto. Mesmo assim, os servidores emitiram uma nota apontando uma série de erros técnicos no texto e o desmonte da política ambiental do Rio Grande do Sul.
Entre os retrocessos trazidos pela legislação, Barbosa destaca uma mudança que, na sua avaliação, facilita a instalação de empresas de mineração. Pelo Código anterior, um projeto só conseguiria a Licença de Instalação (que autoriza o início da implantação do empreendimento) após o reassentamento dos moradores das áreas afetadas. Agora, o reassentamento só passa a ser exigido para obtenção da Licença de Operação, que autoriza o empreendimento a começar a funcionar. Barbosa dá o exemplo de como isso iria funcionar no caso da Mina Guaíba, que está em fase de licenciamento e prevê a construção da maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, a 16 quilômetros de Porto Alegre. “Isso quer dizer que a empresa poderá fazer toda a instalação das cavas, dos prédios, das garagens, das usinas de beneficiamento, antes mesmo de tirar as pessoas do entorno”, diz Barbosa.
O Presidente da Asfepam cita outra brecha do Código Ambiental que pode abrir portas para a mineração, desta vez em áreas costeiras. Ao contrário da lei anterior, que definia as “dunas frontais, nas de margem de lagoas e nas parcial ou totalmente vegetada” como áreas de preservação permanente, a lei atual diz apenas que as “dunas frontais do Oceano Atlântico” precisam ser protegidas. Segundo Barbosa, isso abre espaço para a exploração das dunas internas, comuns na região sul do Estado. É de uma região de dunas, entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos, que a RGM (Rio Grande Mineração SA) quer extrair minerais pesados. A empresa já obteve Licença Prévia, neste caso do órgão de licenciamento federal, o Ibama. Como ((o))eco já mostrou, existem pelo menos quatro grandes projetos de mineração tentando se instalar no Rio Grande do Sul.
“Dúvidas também cercam a maneira como o Pampa foi abordado na legislação”.
Outro artigo retirado do Código Ambiental determinava que os programas governamentais de âmbito estadual ou municipal passassem por uma avaliação ambiental prévia, inclusive com a realização de audiências públicas em sua área de influência. Para o Promotor Martini, esse é o ponto mais grave da nova lei. Ele dá o exemplo do Polo Carboquímico do Rio Grande do Sul (do qual a Mina Guaíba faria parte) e que foi criado por lei estadual em outubro de 2017 pelo governo de José Ivo Sartori, sem passar por avaliação ambiental. “Quando o estado cria um polo carboquímico é que ele deveria avaliar os impactos prováveis ambientais de estimular e incentivar a atividade de carvão no Rio Grande do Sul”. Para o Presidente da Agapan, Francisco Milanez, este também é o maior retrocesso da nova lei: “Retiraram uma conquista inédita, que era de o planejamento regional ser acompanhado de estudo de impacto”.
Mas as críticas não param por aí. Além de revogar inteiramente o Código Ambiental anterior, a nova legislação incidiu sobre outras leis. Foram revogados, por exemplo, 13 artigos do Código Florestal gaúcho. Entre eles os que proibiam o corte de árvores como figueiras, corticeiras, algarrobo e inhanduvá, além dos itens que regulamentavam o manejo de florestas nativas. “Foram revogados diversos dispositivos importantes do Código Florestal Estadual, sem que isso tenha sido acompanhado de estudos técnicos”, critica Longo.
Dúvidas também cercam a maneira como o Pampa foi abordado na legislação. Como só foi reconhecido pelo Ministério do Meio Ambiente em 2004, o bioma não constava no código anterior. O novo texto afirma que o Bioma Pampa terá suas características e proteção definidas por lei específica, mas ao mesmo tempo autoriza diversos usos do solo da região sem necessidade de autorização do órgão ambiental. Por exemplo, a lei diz que fica dispensada de autorização ambiental “a introdução de espécies herbáceas forrageiras de ciclo de vida anual ou perene na vegetação nativa, desde que não caracterize supressão da vegetação nativa para uso alternativo do solo”. Segundo Nilo Sérgio Fernandes Barbosa, isso quer dizer um produtor rural pode substituir a pecuária pelo cultivo de soja, sem autorização. As duas atividades, no entanto, têm impactos totalmente diferentes sobre o ecossistema.
Do ponto de vista jurídico, o novo código também vulnerabiliza o Pampa. O promotor Martini explica que o fato de o texto mencionar regras de uso do bioma abre espaço para que o restante da regulamentação seja feito por decreto, sem discussão com a sociedade ou com os deputados. “Pode gerar uma brecha para compreender que o Bioma Pampa já está regulamentado no Código Estadual, e que pode-se fazer simplesmente por decreto a partir daqui”, explica Martini.
Governo gaúcho quer alterar Lei Estadual de Agrotóxicos
Mathias Boni segunda-feira, 15 fevereiro 2021 15:01
Após modificar em tempo recorde o Código Ambiental para o Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) propôs um projeto de lei (PL 260/2020) para alterar a Lei Estadual dos Agrotóxicos, que está em vigor desde 1982. A lei que regula o uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul é considerada pelos ambientalistas uma referência nacional, pois é a única no Brasil que proíbe a utilização de agrotóxicos que estão proibidos no país onde foi fabricado. É justamente essa vedação que o governador pretende alterar.
“A lei estadual dos agrotóxicos representa um extraordinário avanço de proteção ao meio ambiente e à saúde das pessoas aqui no Rio Grande do Sul. Sem isso, abrir a possibilidade de aqui utilizar venenos proibidos nos países onde são fabricados, é sim um risco a mais para a saúde da população”, diz o deputado Edegar Pretto (PT-RS), um dos líderes da oposição a esse projeto na assembleia gaúcha. “Infelizmente a gente vê estados, municípios e governantes se associarem a essa postura irresponsável do governo federal, simbolizada por aquela famosa fala do ministro Salles, ‘vamos aproveitar a pandemia para passar a boiada’, justamente flexibilizando a legislação. Aqui no Rio Grande do Sul, infelizmente, a boiada está passando, com o aumento dos projetos de mineração e de leis que flexibilizam a proteção ao meio ambiente. E nós precisamos de uma ampla mobilização para impedir que retrocessos tão significativos como esses que estão na ordem do dia se concretizem”, denuncia.
Logo quando o PL 260/2020 foi proposto, 189 entidades que atuam na preservação ambiental e na produção de alimentos saudáveis se reuniram para elaborar uma carta de repúdio ao projeto, citando o direito à alimentação adequada como um direito humano fundamental garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para o futuro e a própria Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei n. 11.346 de 2006).
Atualmente, a Lei Estadual dos Agrotóxicos permite o uso no Rio Grande do Sul de produtos agrotóxicos e biocidas que sejam registrados na Anvisa, como é no resto do país, e adicionalmente proíbe o uso e comercialização de produtos que tenham seu uso banido no seu país de origem. Se um produto produzido pela Bayer é proibido de ser usado na Alemanha, por exemplo, não necessariamente tem o seu uso restrito no Brasil, que tem uma lei mais flexível, mas tem seu uso obrigatoriamente proibido no Rio Grande do Sul, graças à Lei Estadual dos Agrotóxicos de 1982. O novo projeto do governo estadual, contudo, quer liberar o uso de todos os produtos agrotóxicos que sejam apenas registrados na Anvisa, independentemente de proibições em seus países de produção.
“Mesmo com as restrições já existentes na presente lei, ainda há muitos registros de intoxicações de trabalhadores que aplicam agrotóxicos nas lavouras gaúchas, e liberar ainda mais agrotóxicos, já proibidos no país de origem em razão da periculosidade, é um equívoco e um tremendo retrocesso. O Rio Grande do Sul não tem nenhuma condição de flexibilizar ainda mais o uso de agrotóxicos, sob pena de adoecer mais a sua população”, explica a deputada estadual Sofia Cavedon (PT-RS), uma das lideranças contra a aprovação do PL 260/2020. Mesmo com uma lei eficiente como a atual, o Rio Grande do Sul é um dos estados com maior taxa de mortalidade por câncer do Brasil, muito em razão do uso dos agrotóxicos já liberados na agricultura do estado.
Para o Secretário Adjunto da Agricultura do Rio Grande do Sul, Luiz Fernando Rodriguez Junior, a atual Lei de Agrotóxicos do Estado é anterior à Constituição de 1988 e ao Marco Regulatório dos Agrotóxicos, de 1989, que estabeleceu que os órgãos federais (Mapa, Anvisa e Ibama) são competentes para registrar o agrotóxico em todo o país. “Uma lei estadual não pode reduzir a eficácia da lei federal”, defendeu ele. “O Ministério da Agricultura avalia a relevância agronômica, o Ibama determina a adequação ambiental e a Anvisa avalia os impactos na saúde. Uma vez aprovado nestas três instâncias federais, o agrotóxico está apto a ser utilizado. Mas compete à lei estadual cadastrar os aplicadores do produto autorizado pelos órgãos federais”, disse.
Governo tinha pressa em aprovar alteração, mas voltou atrás
O PL 260/2020, assim como a mudança do código ambiental estadual, foi proposto pelo governo estadual no fim do ano em regime de urgência. Para o deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS), não há motivo para aprovar uma alteração dessa natureza sem envolver a sociedade em um amplo debate. “(…) a gente não compreende o fato do governo encaminhar um projeto desses em regime de urgência, que vai modificar tanto a vida das pessoas e que vai trazer risco ao meio ambiente, sem nem possibilitar debate com a sociedade”, diz.
Por falta de tempo hábil para votar antes do recesso parlamentar, a Assembleia retirou o regime de urgência do projeto na última sessão em 2020 e a votação do PL 260/2020 foi temporariamente adiada. Nesta quarta-feira (10), em visita à Alers, o governador Eduardo Leite prometeu que o projeto não será discutido em regime de urgência.
“Neste momento deveríamos estar recrudescendo e proibindo o uso de agrotóxicos, e o governo está querendo liberar ainda mais, inclusive alguns dos quais já estamos há 40 anos livres. Muitas pessoas estão vivas hoje, por causa da Lei de agrotóxicos do Rio Grande do Sul. Então, é de uma irresponsabilidade com o presente, e com o futuro, inacreditável”, afirma o ambientalista Francisco Milanez, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
Parlamentares e instituições pedem derrubada dos vetos do Governo Federal à PSA
12 fevereiro 2021
Por uma política pública de meio ambiente participativa e
transparente capaz de atrair investimentos para o desenvolvimento do
país
Por WWF-Brasil
Os deputados Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), Camilo Capiberibe (PSB/AP),
Nilto Tatto (PT/SP), Rodrigo Agostinho (PSB/SP) e Rubens Bueno
(Cidadania/PR) e o senador Fabiano Contarato (Rede/ES), juntamente a 22
instituições da sociedade civil e setor privado, assinam uma carta na
qual solicitam apoio dos partidos políticos, das frentes parlamentares e
da sociedade em geral para que o Congresso Nacional paute e derrube os
vetos que o Governo Federal impôs à Lei 14.119, que institui a Política
Nacional de PSA (Pagamento por Serviços Ambientais).
Sancionada pela Presidência da República em 13 de janeiro de 2021, a Lei
14.119 foi fruto de um amplo processo de diálogo entre parlamentares e a
sociedade ao longo de quase 13 anos em que a matéria tramitou no
Congresso Nacional. No entanto, os artigos vetados excluíram da lei
dispositivos importantes para sua implementação, como mecanismos de
governança e instrumentos econômicos.
Em 2019, em meio ao aumento das queimadas na Amazônia, a Câmara dos
Deputados pautou o PL (Projeto de Lei) sobre o tema, que avançou no
Senado e, por fim, de volta à Câmara, foi aprovado em 22 dezembro de
2020, com o apoio das Frentes Parlamentares do Agronegócio e
Ambientalista, integrando os setores produtivos e de defesa do meio
ambiente em prol dessa agenda considerada prioritária. Com o objetivo de
reconhecer produtores rurais que preservam áreas acima do exigido por
lei e de estimular ações capazes de promover a conservação florestal, o
PSA é uma ação chave para complementar políticas públicas de
fiscalização e combate ao desmatamento. Encaminhada à sanção
presidencial, retorna ao parlamento com vetos.
Por mais de uma década, diversas organizações da sociedade –terceiro
setor e setor produtivo– comunidade científica e órgãos gestores de meio
ambiente contribuíram na construção do PL sobre PSA, com o desafio de
criar um política nacional que não comprometesse as iniciativas já
existentes nos estados e municípios e trouxesse segurança jurídica para
atrair mais investidores. Boa parte dessas organizações estão entre os
22 signatários da carta: Black Jaguar Foundation; CDP; Coalizão Brasil
Clima, Florestas e Agricultura; Conciliare Consultoria Socioambiental;
Confederação Nacional de RPPNs; CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro
para o Desenvolvimento Sustentável); ECCON Soluções Ambientais; FAS
(Fundação Amazonas Sustentável); Fundação SOS Mata Atlântica; Instituto
BVRio; IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade); Instituto
Ecofuturo; Instituto Ethos; IPAM; Natura; Observatório da Governança das
Águas; Projeto Manuelzão (UFMG); RAPS (Rede de Ação Política pela
Sustentabilidade); Solidaridad Brasil; TNC; WRI Brasil e WWF-Brasil.
“O Congresso Nacional tem investido esforços para demonstrar que o
Brasil tem compromissos efetivos com a agenda ambiental e de emergência
climática e que busca propor ações para fazer frente ao desmatamento
ilegal, ou ao aumento da emissão de gases efeito estufa. Esse esforço
não pode ser invalidado por meio de vetos do governo federal que vão na
contramão do trabalho que levou quase duas décadas para aprovação. Além
disso, poderá afastar investimentos vultuosos ante à falta de
transparência e de instrumentos de efetiva governança”, destacam os
parlamentares e as instituições na carta.
O documento contém uma explicação detalhada sobre os prejuízos que os vetos trazem à Lei 14.119.
Desmatamento da Amazônia cai em janeiro, mas futuro permanece uma incógnita
12 fevereiro 2021
Trata-se de um único mês de queda em meio a uma tendência de aumento
do desmatamento de oito anos, com recordes consecutivos nos dois
últimos anos
Por WWF-Brasil
Dados consolidados dos alertas de desmatamento emitidos pelo sistema
Deter do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial) em janeiro de
2021 indicam uma queda de 70% na destruição da Amazônia no período.
Caso essa tendência se confirme ao longo deste e dos próximos anos, o
Brasil poderá comemorar, já que a Amazônia é um dos principais
reguladores do regime de chuvas do país, do qual dependem tanto nossa
segurança alimentar como a energética, e também um dos mais ricos polos
globais de biodiversidade, ainda pouco conhecido.
Como é a destruição da floresta que nos coloca entre os maiores
emissores globais dos gases que estão causando o aquecimento global,
manter essa tendência de queda no longo prazo contribuirá para que
cumpramos e avancemos em nossas metas climáticas, como prevê o Acordo de
Paris.
Porém, como diz o ditado popular, uma andorinha só não faz verão.
Janeiro é mês chuvoso na Amazônia e, por isso, um período de retração no
desmatamento. Além disso, trata-se de um único mês de queda em meio a
uma tendência de aumento do desmatamento de oito anos, com recordes
consecutivos nos dois últimos anos.
Mais que o desmatamento mês a mês, precisamos olhar tudo que já foi
desmatado. Em 2019 havia apenas 79,83% da cobertura florestal original
do bioma amazônico, segundo dados do Mapbiomas. Como a ciência calcula
que a partir de 20%-25% a floresta perderá sua capacidade de
auto-regulação, isso significa que já estamos na zona de risco.
Nesse processo, perderemos uma riqueza biológica incalculável e
colocaremos em risco os milhões de pessoas que têm na floresta a base de
seu modo de vida. Também colocaremos em risco de colapso a produção
agropecuária e o abastecimento dos reservatórios de água e de geração de
hidroeletricidade de todo o país.
Todo e qualquer desmatamento que acontece agora é perigoso, imoral e nos
aproxima da catástrofe. Por isso torcemos para que a queda registrada
em janeiro de 2021 não seja um fato isolado e se repita nos próximos
meses e anos até alcançarmos o desmatamento zero –que é o único feito
digno de ser comemorado.
Adiar metas de recuperação da biodiversidade custará o dobro aos países
Perda progressiva de espécies também elevará custo da produção de alimentos e materiais
Por Cinthia Leone, ClimaInfo
Há consenso entre os cientistas de que a Terra está vivendo um rápido declínio de sua biodiversidade devido à destruição de habitats naturais.
Um estudo realizado pelo
Museu de História Natural de Londres em parceria com a consultoria Vivid
Economics compara os custos para os governos do mundo de duas
estratégias para alcançar as metas de conservação florestal até 2050:
agir agora ou adiar a ação por uma década. O resultado indica que
esperar para agir será duas vezes mais caro.
A pesquisa é um dos estudos
incluídos em um detalhado relatório independente divulgado na semana
passada – a Dasgupta Review, uma revisão de alto nível da literatura
científica sobre o tema conduzida pelo célebre economista indiano Partha
Dasgupta e pelo professor emérito da Universidade de Cambridge Frank
Ramsey.
A mensagem dos dois
relatórios é clara: a perda de biodiversidade em nível planetário é um
problema urgente, representa um grave risco para a humanidade e os
países não poderão arcar com os custos econômicos do adiamento das
medidas necessárias.
O estudo, que foi debatido ontem (11/02) em evento virtual aberto
ao público, afirma que, ao demorar para agir, os países podem tornar a
ação para frear a perda de biodiversidade não apenas mais cara, mas
também inviável política e economicamente. Sem ações mais ambiciosas dos
governos, mais espécies serão extintas nos próximos 30 anos do que em
toda a Era Comum (850-1850), e os custos para produção de alimentos e de
materiais subirá sensivelmente até 2050. Agir imediatamente poderia
reduzir as extinções de espécies em 25% no mesmo período, diz o texto.
As conclusões do estudo são
baseadas em diferentes cenários e faixas de tempo em que as restaurações
florestais seriam conduzidas. Trabalharam na criação do relatório os
pesquisadores de biodiversidade do Museu de História Natural Andy
Purvis, Adriana De Palma e Ricardo Gonzalez, em conjunto com a equipe da
Vivid Economics.
“O desflorestamento não
apenas conduz à extinção de espécies. Ele acelera a mudança climática e
torna mais prováveis futuras pandemias”, afirma Purvis. “Ignorar o
problema é deixar às gerações futuras um planeta quebrado; agir agora
poderia consertá-lo.”
“A Transição Positiva para a
Natureza, que modelamos neste relatório, afetará todas as partes da
economia que tenham um impacto material sobre a natureza na terra e nos
oceanos”, explica o diretor da Vivid Economics, Robin Smale. Para ele,
os governos têm o poder político, legal e econômico para orientar suas
economias no sentido dessa transição.
O relatório faz recomendações aos governos:
• Melhorar imediatamente a eficácia da fiscalização de áreas protegidas, que é a forma mais barata de ação;
• Desenvolver imediatamente
programas de reflorestamento utilizando o plantio de espécies nativas, o
que terá efeitos mais rápidos do que o crescimento natural (quando a
área desmatada é abandonada e ao longo dos anos retoma sua cobertura
original). O reflorestamento também deve priorizar áreas de alto
endemismo (espécies que só existem naquela região ou bioma);
• Projetar mecanismos de
incentivo à biodiversidade na forma de compromissos avançados de
mercado, visando áreas ricas em biodiversidade e locais com alto
potencial de restauração;
• Introduzir regras que
exijam que os projetos de reflorestamento que recebam pagamentos por
benefícios climáticos, por exemplo, créditos de carbono, também
priorizem a biodiversidade;
• Anunciar imediatamente a
ambição futura do país e o provável nível de incentivo à biodiversidade,
e traduzi-los em cenários relevantes para os investidores. Isso
permitirá que as pessoas possam tomar decisões de investimento
consistentes com as projeções. O anúncio antecipado mantém os custos de
ajuste baixos;
• Transformar o setor financeiro para adequá-lo a uma Transição Positiva para a Natureza;
• Redistribuir imediatamente
os subsídios à produção de alimentos e materiais por meio de (i) adoção
de tecnologias que melhorem a produtividade, incluindo a intensificação
ecológica em locais onde a produtividade fica aquém de seu potencial;
(ii) incentivos à biodiversidade; (iii) financiamento de áreas
protegidas. Os incentivos econômicos devem trabalhar a favor, e não
contra a biodiversidade e o clima.
O evento em que o relatório foi debatido ontem é parte de uma série
de ações coordenadas pelo Museu de História Natural de Londres sob o
título: “Nosso Planeta Quebrado: como chegamos a esse ponto e formas de
consertá-lo”. Confira a programação aqui .
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Desmatamento e insustentabilidade da população mundial, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A floresta precede os povos. E o deserto os segue” François-René Chateaubriand (1768-1848)
[EcoDebate] O mundo tem cada vez mais gente e cada vez menos árvores. O artigo “Deforestation and world population sustainability: a quantitative analysis”,
publicado na revista Nature (Bologna, Aquino, 06/05/2020) mostra a
insustentabilidade do crescimento demográfico global e conclui: “Com
base nas taxas atuais de consumo de recursos e na melhor estimativa de
crescimento da taxa tecnológica, nosso estudo mostra que temos uma
probabilidade muito baixa, menos de 10% na estimativa mais otimista, de
sobreviver sem enfrentar um colapso ambiental catastrófico”.
De fato, a população mundial teve um crescimento exponencial
impressionante nos últimos 12 mil anos (Holoceno), passando de 4 milhões
de habitantes 10 mil anos antes de Cristo para 190 milhões no ano 1 da
era cristã, chegando a cerca de 1 bilhão em 1800 e devendo atingir 8
bilhões de habitantes em 2023, conforme mostra o gráfico abaixo. Em 100
anos, aproximadamente, a população humana deu um salto de 2 bilhões para
8 bilhões de habitantes, sendo que o crescimento do consumo foi muito
maior. Desta forma, o mundo que tinha superávit ambiental passou a ter
déficit ambiental a partir de 1970, com a pegada ecológica crescendo bem
acima dos limites da biocapacidade da Terra, como mostra o gráfico
menor na figura abaixo.
O crescimento demoeconômico dos últimos séculos tem sido mortal para o
meio ambiente. Havia 6 trilhões de árvores no mundo no passado (Bastin
et. al. 05/07/2019). Mas a humanidade destruiu a metade das florestas
desde o crescimento exponencial da população e da economia a partir da
Revolução Industrial e Energética. O número de árvores no mundo hoje em
dia está em torno de três trilhões de unidades. Mas o pior é que os
seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o
aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5
bilhões de unidades. Ou seja, o Planeta está perdendo 10 bilhões de
árvores por ano e pode eliminar todo o estoque de 3 trilhões de árvores
em menos de 300 anos.
Voltando ao artigo de Bologna e Aquino (Nature, 06/05/2020), os
autores consideram que o desmatamento global, devido às atividades
antrópicas, está a caminho de desencadear um “colapso irreversível” da
civilização humana nas próximas duas a quatro décadas. Se continuarmos
destruindo e degradando as florestas do mundo, a Terra não será mais
capaz de sustentar uma grande população humana. Eles dizem que se a taxa
de desmatamento continuar, “todas as florestas desapareceriam
aproximadamente em 100–200 anos”.
É claro que não é realista imaginar que a sociedade humana só
passaria a ser afetada pelo desmatamento quando a última árvore fosse
cortada. Na prática, essa trajetória faria com que o colapso da
civilização humana ocorresse muito mais cedo devido aos crescentes
impactos do desmatamento nos sistemas de suporte à vida planetários
necessários para a sobrevivência humana – incluindo armazenamento de
carbono, produção de oxigênio, conservação do solo, regulação do ciclo
da água, suporte para recursos naturais sistemas alimentares humanos e
lares para inúmeras espécies. Mas como mostrou Helen Briggs (BBC,
26/01/2021) é preciso planejar o plantio das árvores e a preservação das
florestas.
Na ausência desses serviços críticos, “é altamente improvável que se
imagine a sobrevivência de muitas espécies, inclusive a nossa, na Terra
sem florestas”, aponta o estudo.
Acompanhando a taxa atual de crescimento populacional em relação à
taxa de desmatamento, os autores descobriram que “estatisticamente, a
probabilidade de sobreviver sem enfrentar um colapso catastrófico é
muito baixa”. O melhor cenário é que temos menos de 10 por cento de
chance de evitar o colapso.
Para concluir o artigo, Bologna e Aquino dizem: “Em conclusão, nosso
modelo mostra que um colapso catastrófico da população humana, devido ao
consumo de recursos é o cenário mais provável da evolução dinâmica com
base nos parâmetros atuais. Adotando um modelo combinado determinístico e
estocástico, concluímos do ponto de vista estatístico que a
probabilidade de nossa civilização sobreviver é inferior a 10% no
cenário mais otimista.
Os cálculos mostram que, mantendo a taxa real de crescimento
populacional e consumo de recursos, em particular o consumo da floresta,
temos algumas décadas restantes antes de um colapso irreversível de
nossa civilização. Para agravar a situação, ressaltamos mais uma vez que
não é realista pensar que o declínio da população em situação de forte
degradação ambiental seria um declínio não caótico e bem ordenado. Esta
consideração leva a um tempo restante ainda mais curto”.
ALVES, JED. MARTINE, G. Population, development and environmental
degradation in Brazil. In: ISSBERNER, LR.; LENA, P. Brazil in the
Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental
policies”, Londres, NYC, Routledge, 2017
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