De todas as zonas ameaçadas, a Barra da Tijuca e
arredores é, entre os grandes bairros da Cidade Maravilhosa, a área mais
vulnerável ao avanço do nível do mar e às inundações provocadas por
ressacas, chuvas e tempestades.
Os professores Orrin Pilkey, da Universidade de Duke, nos EUA, e Andrew
Cooper, da Universidade de Ulster, no Reino Unido, lançaram o livro “The
Last Beach” em que mostram que as intervenções humanas nas áreas
costeiras, junto com a elevação do nível do mar e as tempestades e
furacões por conta das mudanças climáticas, estão provocando vasta
erosão de areia em direção ao fundo dos oceanos, promovendo a
“varredura” do solo costeiro. Para eles a sentença de morte já foi
proclamada para grandes extensões de praias densamente povoadas.
As estradas, as barreiras e os muros de concreto erguidas pela
civilização para proteção contra as tempestades e elevação das águas são
incapazes de deter as ondas e servem apenas para acelerar o processo de
erosão dos terrenos litorâneos. Nas praias naturais, sem a intervenção
humana, as amplas faixas de areia funcionam como uma defesa natural
contra as forças do oceano. Elas absorvem a energia das ondas e
amortecem o movimento cíclico das marés. Tempestades e ressacas não
destroem as praias naturais, apenas geram deslocamentos em torno da
areia para maximizar a absorção de energia das marés.
Mas a ocupação e as barreiras colocadas pelo ser humano fornecem o
cenário para as destruições daquilo que foi construído em áreas de baixa
altitude. A subida dos oceanos será impiedosa com as construções
antrópicas.
Segundo relatório do IPCC, a taxa de aumento do nível do mar foi de 1,5
mm, ao ano, entre 1901-1990 e passou para 3,2 mm, ao ano, entre
1993-2010. No século XX houve, aproximadamente, um aumento de 20 cm do
nível do mar. Mas em 2016, o aumento já estava próximo de 4 mm ao ano,
segundo a NASA.
Tudo indica que o aumento do volume dos oceanos vai se acelerar no
século XXI. Artigo de Justin Gilles, no NYT, mostra que o aumento médio
do nível do mar poderá chegar a 1,8 metro (seis pés) ou 2,1 metros (7
pés) até 2100. Isto seria terrível para a cidade do Rio de Janeiro e,
particularmente, para a Barra da Tijuca.
Artigo de Dieter Muehe e Paulo Rosman (2011), sobre a capital
fluminense, mostra que a orla exposta e voltada para o oceano aberto se
apresenta extremamente vulnerável considerando sua orientação
diretamente voltada para a incidência de ondas de tempestade e seu
déficit potencial de sedimentos. Eles dizem: “Em suma, para os diversos
cenários de elevação do nível do mar as praias oceânicas urbanas, devido
à sua ‘fixação’ com muros, ficam impedidas de se ajustar por meio de
retrogradação e tenderão a perder areia, efeito acelerado pelo refluxo
das ondas nos obstáculos impermeáveis representados pelos mesmos muros”
(p. 78).
Eles ainda mostram (p. 81) que as principais consequências da elevação do nível do mar são:
1) Tendência de translação das praias e cordões de dunas em direção a terra.
2) Onde houver ruas e avenidas na retro‐praia haverá diminuição das
faixas de areia e potencial risco de ataque de ondas diretamente nas
benfeitorias públicas.
3) Recuo das linhas de orla em regiões de baixadas de lagoas costeiras e
baías, em função da subida do nível médio relativo da água. Nestes
locais, é provável que a taxa de elevação do nível médio do mar seja
superior à média, visto que se trata de regiões sedimentares
geologicamente recentes, cujos terrenos tendem a sofrer subsidências.
Portanto, potencialmente o problema é mais grave.
4) Problemas de macrodrenagem em águas interiores, especialmente em
zonas urbanas situadas em baixadas de baías e lagoas costeiras
aumentando a tendência de alagamentos. As águas fluem de cotas mais
altas para cotas mais baixas e a velocidade do escoamento depende do
desnível. Com a subida do nível médio relativo diminuem os desníveis,
diminuindo a declividade relativa e consequentemente a velocidade dos
escoamentos.
5) Aumento da profundidade média de lagoas costeiras e baías.
6) Aumento da intrusão salina em zonas estuarinas levando a causar
aumento ou diminuição de manguezais, em função da disponibilidade de
áreas de expansão, e, mais para montante, potencial problema de captação
de água salobra em locais que hoje captam água doce.
Ou seja, a avenida Lúcio Costa funciona como uma barreira artificial que
contém o avanço das ondas e das marés na Barra da Tijuca. Mas esta
barreira vai ficar cada vez mais frágil na medida em que o nível do mar
sobe.
Com as tempestades mais intensas na terra e no mar, as ondas ficam
mais altas e as marés meteorológicas mais elevadas. Assim, a praia da
Barra da Tijuca terá diminuição das faixas de areia e a Avenida Lúcio
Costa deverá sofrer sérios problemas de erosão e possível destruição de
áreas mais vulneráveis. Os sistemas de saneamento e água vão ser
afetados e diversos equipamentos públicos (hospitais, escolas, etc.)
devem ser danificados.
Mas antes mesmo da elevação significativa do nível do mar, já é comum
ocorrer bolsões d’água na Avenida Ayrton Senna, na Avenida das Américas e
outras vias da Barra da Tijuca. As ressacas já chegam no calçadão da
Avenida Lúcio Costa, como mostra a foto abaixo.
A orla oceânica urbanizada da Barra da Tijuca dificulta as soluções. O
bloqueio de canais de drenagem por ação da elevação do nível do mar,
pelo empilhamento durante ressacas, poderá fazer o mar transpor a
barreira da Avenida Lúcio Costa, o que tornaria a parte oeste da avenida
totalmente vulnerável à incidência de enchentes e inundações. Até o
complexo de lagoas de Jacarepaguá pode desaparecer.
Todo o bairro poderá ter problemas de macrodrenagem nas zonas urbanas
mais baixas. A pista oeste da Avenida Lúcio Costa é mais baixa que a
pista leste e diversas edificações na beira da praia estão abaixo do
nível da avenida. Alguns prédios possuem garagens ou os primeiros pisos
abaixo da pista de trânsito e são totalmente vulneráveis à fúria
intrínseca das forças naturais. Como mostram os mapas abaixo, a maior
parte da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e até Jacarepaguá
pode ficar debaixo d’água com o constante e permanente aumento do nível
do mar. Se as ondas trasladarem a avenida o estrago será monumental.
Construir em áreas baixas e litorâneas é um perigo, especialmente em
tempos de mudanças climáticas. A recente e vertiginosa expansão urbana
da Barra da Tijuca teve como base os interesses de importantes
incorporadores imobiliários que, amparados pelos governos local e
regional, visavam maximizar seus lucros ainda que em detrimento da
manutenção da qualidade do meio ambiente e da redução dos riscos sociais
e ecológicos. A vulnerabilidade é alta.
Como mostrou Gabriela da Costa Silva (2007): “Contemporaneamente, a
maioria das cidades privilegia as metas econômicas em detrimento dos
valores sociais, prejudicando o meio ambiente, pois que raramente é
compreendido como um sistema atuante e vital no processo de urbanização.
À medida que a cidade se torna mais complexa, graças ao desenvolvimento
das atividades humanas, tendem a se acentuar os impactos sobre o meio
ambiente. Esses impactos ambientais revelam o processo de degradação
ambiental, que se refere ”à destruição e à ruptura do equilíbrio de
ecossistemas naturais”, sendo entendida como a ruína da qualidade de
vida de uma coletividade na esteira dos impactos negativos sobre o
ambiente – tanto o “ambiente natural” quanto o ‘ambiente construído’ –
por fenômenos ligados à dinâmica e à ‘lógica’ do modelo civilizatório e
do modo de produção capitalistas” (p. 91).
Segundo Mambrini (2005), a ocupação da Barra da Tijuca não seguiu
plenamente o Plano original de Lúcio Costa, pois as lagoas, os mangues e
as restingas deram lugar a um agressivo uso da terra. Por exemplo, as
empresas privadas – interessadas em aproveitar ao máximo o solo para
construção e sua transformação em lucro – aumentaram as disputas no
entorno das Lagoas da Tijuca; o poder público foi inoperante na
fiscalização; foram aprovadas obras que causaram impactos ambientais
negativos; ocupações impróprias e irregulares, etc.
O fato é que a Barra da Tijuca se desenvolveu às custas da especulação
imobiliária, da concentração fundiária e da degradação ambiental (em uma
área mais propícia aos jacarés).
Uma elevação de 1 metro no nível do
mar vai provocar o desaparecimento da praia nos momentos de maré alta e
vai gerar graves problemas de inundação e enchentes nas partes mais
baixas do bairro. Ressacas e inundações já são comuns no Rio de Janeiro
conforme mostram os vídeos abaixo.
Mas um aumento de cerca de 2 metros pode se tornar uma calamidade e
inviabilizar as atividades econômicas na região. Dezenas de milhares de
pessoas podem ter que ser deslocadas e o prejuízo material e patrimonial
poderá ultrapassar mais de uma centena de bilhões de reais.
Toda a cidade do Rio de Janeiro seria afetada por este processo. Se o
aquecimento global não for interrompido e se o consequente aumento do
nível dos oceanos não for abrandado, então pode ser o começo do fim da
viabilidade econômica da Barra da Tijuca e arredores.
Referências:
Gabriela da Costa Silva. (In)Sustentabilidade ambiental na ocupação
urbana da Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, Revista de
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, n. 5, 2007
Maria Luiza Furtado de Mendonça e Luiz Roberto Arueira da Silva. Áreas
da cidade passíveis de alagamento pela elevação do nível do mar, IPP,
Setembro – 2008
Mambrini, Natalia P. Evolução ambiental na Barra da Tijuca: o sistema de
espaços livres no entorno da Lagoa da Tijuca. UFRJ, FAU, Rio de
Janeiro, Março de 2005
Dieter Muehe; Paulo C. C. Rosman. A orla costeira da Região
Metropolitana do Rio De Janeiro: impactos das mudanças climáticas sobre o
meio físico. Megacidades, Vulnerabilidades e Mudanças Climáticas:
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, CST/INPE e NEPO/UNICAMP, 2011
Megacidades, Vulnerabilidades e Mudanças Climáticas: Região Metropolitana do Rio de Janeiro, CST/INPE e NEPO/UNICAMP, 2011
Orrin H. Pilkey Jr J. Andrew G. Cooper. The Last Beach. Duke University, 2014
Justin Gilles. Flooding of coast caused by global warming has already begun. NYT, 03/09/16
Scientists’ warnings that the rise of the sea would eventually imperil the United States’ coastline are no longer theoretical.
G1. Chuva muito forte faz Rio entrar em estágio de crise, 12/03/2016
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/03/chuva-muito-forte-faz-rio-entrar-em-estagio-de-crise.html
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/03/chuva-deixa-rio-em-estagio-de-atencao2.html
Enchentes no Rio de Janeiro, Bom Dia Brasil, 06/04/2010
https://www.youtube.com/watch?v=MLajeiRxMcI
Enchente na Barra da tijuca – ilha da Gigóia, 2010
https://www.youtube.com/watch?v=uQ0XZgrEgIk
Ressaca na Praia da Barra da Tijuca- RJ, 2012
https://www.youtube.com/watch?v=LAKy4OkD0Jk
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em
demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter
pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate