terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

19 das 50 cidades mais violentas do mundo são brasileiras





Publicado por Luiz Flávio Gomes - 14 horas atrás

A violência epidêmica está em disparada galopante. Isso ocorre desde 1980, quando tínhamos 11 mortos para cada 100 mil pessoas; em 2012, pulamos para 29 para cada 100 mil habitantes (veja Mapa da Violência). 

Tanto os governantes (perdidos na corrupção endêmica, de que a Petrobras e o metrô de SP são repugnantes exemplos) como outras lideranças nacionais (com raras exceções, topeiras ideológicos de esquerda ou de direita, liberal ou conservador, que não conseguem enxergar nada além das suas contas bancárias), incluindo-se também a sociedade civil (insolidária e fortemente ignorante: ¾ são analfabetos funcionais), continuam com os olhos tapados para a cruenta realidade (que vem provocando êxodos imensos em vários bairros periféricos dos grandes centros urbanos). 

De uma peste leprosa (violência epidêmica) não se pode esperar boa coisa. A paciência do povo tem limite (ainda que se trate de um povo amedrontado, conformista e acovardado pelo ambiente hostil). Povo que parece estar se acostumando com a violência, como se fosse uma lei da natureza.
Em 2011, tínhamos 14 das 50 cidades mais violentas do planeta; esse número subiu para 15 em 2012 e 16 em 2013 (Maceió, Fortaleza, João Pessoa, Natal, Salvador, Vitória, São Luís, Belém, Campina Grande, Goiânia, Cuiabá, Manaus, Recife, Macapá, Belo Horizonte e Aracaju). 

Em 2014 chegamos a 19 (por ordem crescente de homicídios): João Pessoa, Maceió, Fortaleza, São Luís, Natal, Vitória, Cuiabá, Salvador, Belém, Teresina, Goiânia, Recife, Campina Grande, Manaus, Porto Alegre, Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba e Macapá. João Pessoa, agora, das grandes, é a cidade mais violenta do país. Como se vê, o termômetro da violência no Brasil e na América Latina está aumentando (conforme os números apresentados pela Organização da Sociedade Civil mexicana, chamada Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal, que divulgou, em janeiro de 2015, o ranking das 50 cidades mais violentas do planeta - cidades com mais de 300 mil habitantes).
A cidade hondurenha de San Pedro Sula ocupa, pelo quarto ano consecutivo, o primeiro lugar no ranking com taxa de 171,2 homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes. Atrás dela, assim como em 2013, vêm Caracas (Venezuela) e Acapulco (México), com taxas de 115,98 e 104,16 homicídios por cada 100 mil habitantes, respectivamente. Em seguida aparece a primeira cidade brasileira (João Pessoa, com 79 assassinatos para cada 100 mil pessoas). Eis o ranking:
Saíram da lista de 2014 a seguintes cidades que apareciam em 2013: Santa Maria (Colômbia), San Juan (Puerto Rico), Maracaibo (Venezuela) e Puerto Príncipe (Haiti). Em contrapartida, entraram mais três cidades brasileiras: Teresina, Porto Alegre e Curitiba. A diminuição mais significativa (de 2013 para 2014) ocorreu na cidade mexicana de Torreón (uma redução de 49%, passando de 54,24 em 2013 para 27,81 em 2014). Os aumentos mais expressivos ocorreram na cidade norte-americana de St. Louis (46,27%) e na cidade salvadorenha de San Salvador (36,79%).
Das 50 cidades do ranking, 19 estão no Brasil (campeão mundial nesse item), 10 no México, 5 na Colômbia, 4 na Venezuela, 4 nos Estados Unidos, 3 na África do Sul e 2 em Honduras. Com uma cidade temos El Salvador, Guatemala e Jamaica. A grande maioria das 50 conglomerados urbanos mais violentos do planeta está no continente americano (47 cidades), particularmente na América Latina (43 cidades). 

Recorde-se que a América Latina foi colonizada pelos espanhois e portugueses dos séculos XVI-XVIII, dois povos (então) extremamente violentos (ambos saídos das guerras contra os mouros), corruptos, violadores sexuais, pouco afeitos ao trabalho, extrativistas, fiscalistas, patrimonialistas, teocráticos e autoritários-patriarcais (A América Latina de 2015 padeceria ainda desses pecados capitais originais?)
Não estão incluídos nos assombrosos números citados os homicídios tentados. As fontes dos dados apresentados são oficiais ou alternativas (são dados e/ou estimativas verificáveis ou replicáveis).

Considerando-se não apenas o ranking de 2013 senão também os dos anos anteriores, o caso de maior redução no número de homicídios foi o de Medelín, na Colômbia (que promoveu uma das mais revolucionárias políticas sociais e preventivas das últimas décadas): essa comunidade, que chegou a registrar taxas de 400 homicídios por 100 mil habitantes, em 2010 ocupou a décima posição no ranking com uma taxa de 82,62 homicídios por cada 100 mil habitantes; em 2014 caiu para a posição 49 com uma taxa de 26,91 homicídios por cada 100 mil habitantes. Ou seja, ao longo de 4 anos, a taxa diminuiu 67%. 

O relatório afirma que, se essa tendência se mantiver, é quase certo que, em 2015, Medelín sairá da lista.
Existe solução para o problema? No Brasil, as autoridades encarregadas da segurança pública continuam, em termos preventivos, com o discurso verborrágico nefasto da aprovação de novas leis penais mais duras e encarceramento massivo aloprado (sem critérios de justiça: muitos não violentos estão na cadeia, enquanto milhares de violentos estão nas ruas). 

Foram editadas 154 leis penais de 1940 a 2014; somos o 3º país do mundo em superlotação carcerária (mais de 700 mil reclusos, incluindo a prisão domiciliar). 

Nada disso diminuiu a criminalidade. Conclusão: praticamos no Brasil a política criminal mais burra do planeta (e enganosa da população, ávida para ser vitimizada): gastamos muito com segurança pública (mais de R$ 260 bilhões de reais em 2014, segundo o Fórum da Segurança Pública), sem nenhuma eficácia preventiva. Reprimimos pouco (é baixíssima a certeza do castigo: apenas 8% dos homicídios são apurados, conforme o Mapa da Violência) e não prevenimos nada. Daí o aumento contínuo da criminalidade. 

A única solução para a segurança pública é o Brasil (hoje 79º colocado) sair do 2º grupo do IDH (índice de desenvolvimento humano) e entrar no 1º, que tem a média de 1,8 assassinatos para cada 100 mil pessoas. Vejamos:
19 das 50 cidades mais violentas do mundo so brasileiras
Com exceção dos EUA, todos os países que contam com as 50 cidades mais violentas pertencem ao 2º ou 3º grupo do IDH:
19 das 50 cidades mais violentas do mundo so brasileiras
A violência epidêmica nesses países extremamente desiguais (Gini altíssimo) não acontece por acaso (a relação de causa e efeito é óbvia). E por que os EUA (5º IDH do mundo) contam com 4 das 50 cidades mais violentas? Porque é um dos países mais ricos do mundo e, ao mesmo tempo, mais desiguais do planeta (Gini 0,45). Por que na lista das 50 cidades mais violentas não aparece nenhuma da Europa? 


Porque seus países viveram um bom período de bem-estar social (anos 60/80), elevando a escolarização, a saúde e a renda per capita da população. Seu Gini médio (Europa) é de 0,30 (ou seja: baixa desigualdade). Essa é a solução: elevar a escolaridade, a saúde e a renda per capita da população brasileira (ou seja, o IDH). Fora disso, só resta ficar enxugando gelo com toalha quente. 

E ainda ficar enganando a parcela abobalhada e ignorante da população brasileira, que acredita nas baboseiras e promessas dos políticos justiceiros assim como de outras lideranças nacionais, atoladas na corrupção endêmica. * Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.
Luiz Flávio Gomes





Mônica Veríssimo
Brasília, DF
"
Brasília, Patrimônio Cultural e Ambiental da Humanidade"

“O Cerrado está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água”



Uma das maiores autoridades sobre o tema, professor da PUC Goiás diz que destruição do bioma é irreversível e que isso compromete o abastecimento potável em todo o País
Fernando Leite/Jornal Opção
Fernando Leite/Jornal Opção
Elder Dias
Uma ilha ambiental em meio à metrópole está no Campus 2 da Pon­tifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). É lá o local onde Altair Sales Barbosa idealizou e realizou uma obra que se tornou ponto turístico da capital: o Memorial do Cerrado, eleito em 2008 o local mais bonito de Goiânia e um dos projetos do Instituto do Trópico Subúmido (ITS), dirigido pelo professor.
Foi lá que Altair, um dos mais profundos conhecedores do bioma Cerrado, recebeu a equipe do Jornal Opção. Como professor e pesquisador, tem graduação em Antropologia pela Universidade Católica do Chile e doutorado em Arqueologia Pré-Histórica pelo Museu Nacional de História Natural, em Washington (EUA). Mais do que isso, tem vivência do conhecimento que conduz.
É justamente pela força da ciência que ele dá a notícia que não queria: na prática o Cerrado já está extinto como bioma. E, como reza o dito popular, notícia ruim não vem sozinha, antes de recuperar o fôlego para absorver o impacto de habitar um ecossistema que já não existe, outra afirmação produz perplexidade: a devastação do Cer­rado vai produzir também o desaparecimento dos reservatórios de água, localizados no Cerrado, o que já vem ocorrendo — a crise de a­bastecimento em São Paulo foi só o início do problema. Os sinais dos tempos indicam já o começo do período sombrio: “Enquanto se es­tá na fartura, você é capaz de re­partir um copo d’água com o ir­mão; mas, no dia da penúria, ninguém repartirá”, sentencia o professor.
“Memorial do Cerrado” – o nome deste espaço de preservação criado pelo sr. aqui no Campus 2 da PUC Goiás, é uma expressão pomposa. Mas, tendo em vista o que vivemos hoje, é algo quase que tristemente profético. O Cerrado está mesmo em vias de extinção?

Para entender isso é preciso primeiramente entender o que é o Cerrado. Dos ambientes recentes do planeta Terra, o Cerrado é o mais antigo. A história recente da Terra começou há 70 milhões de anos, quando a vida foi extinta em mais de 99%. A partir de então, o planeta começou a se refazer novamente. Os primeiros sinais de vida, principalmente de vegetação, que ressurgem na Terra se deram no que hoje constitui o Cerrado. 


Por­tanto, vivemos aqui no local onde houve as formas de ambiente mais antigas da história recente do planeta, principalmente se levarmos em consideração as formações vegetais. No mínimo, o Cerrado começou há 65 milhões de anos e se concretizou há 40 milhões de anos.
O Cerrado é um tipo de am­biente em que vários elementos vi­vem intimamente interligados uns aos outros. A vegetação depende do solo, que é oligotrófico [com nível muito baixo de nutrientes]; o solo depende de um tipo de clima especial, que é o tropical subúmido com duas estações, uma seca e outra chuvosa. 
Vários outros fatores, incluindo o fogo, influenciaram na formação do bioma – o fogo é um elemento extremamente importante porque é ele que quebra a dormência da maioria das plantas com sementes que existem no Cerrado.
Assim, é um ambiente que de­pen­de de vários elementos. Isso significa que já chegou em seu clímax evolutivo. Ou seja, uma vez degradado não vai mais se recuperar na plenitude de sua biodiversidade. Por isso é que falamos que o Cerrado é uma matriz ambiental que já se encontra em vias de extinção.
Por que o sr. é tão taxativo?
Uma comunidade vegetal é medida não por um determinado tipo de planta ou outro, mas, sim, por comunidades e populações de plantas. E já não se encontram mais populações de plantas nativas do Cerrado. Podemos encontrar uma ou outra espécie isolada, mas encontrar essas populações é algo praticamente impossível.
Outra questão: o solo do Cerrado foi degradado por meio da ocupação intensiva. Retiraram a gramínea nativa para a implantação de espécies exóticas, vindas da África e da Austrália. A introdução dessas gramíneas, para o pastoreio, modificou radicalmente a estrutura do solo. Isso significa que naquele solo, já modificado, a maioria das plantas não conseguirá brotar mais.
Como se não bastasse tudo isso, o Cerrado foi incluído na política de ex­pansão econômica brasileira co­mo fronteira de expansão. É uma á­rea fácil de trabalhar, em um planalto, sem grandes modificações geomorfológicas e com estações bem definidas. Junte-se a isso toda a tecnologia que hoje há para correção do solo. É possível tirar a acidez do solo utilizando o calcário; aumentar a fertilidade, usando adubos. Com isso, altera-se a qualidade do solo, mas se afetam os lençóis subterrâneos e, sem a vegetação nativa, a água não pode mais infiltrar na terra.
Onde há pastagens e cultivo, então, o Cerrado está inviabilizado para sempre, é isso?
Onde houve modificação do solo a vegetação do Cerrado não brota mais. O solo do Cerrado é oligotrófico, carente de nutrientes básicos. Quando o agricultor e o pecuarista enriquecem esse solo, melhorando sua qualidade, isso é bom para outros tipos de planta, mas não para as do Cerrado. Por causa disso, não há mais como recuperar o ambiente original, em termos de vegetação e de solo.
Mas o mais importante de tudo isso é que as águas que brotam do Cerrado são as mesmas águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano. É daqui que saem as nascentes da maioria dessas bacias. Esses rios todos nascem de aquíferos. Um aquífero tem sua área de recarga e sua área de descarga. Ao local onde ele brota, formando uma nascente, chamamos de área de descarga. Como ele se recarrega? 

Nas partes planas, com a água das chuvas, que é absorvida pela vegetação nativa do Cerrado. Essa vegetação tem plantas que ficam com um terço de sua estrutura exposta, acima do solo, e dois terços no subsolo. Isso evidencia um sistema radicular [de raízes] extremamente complexo. Assim, quando a chuva cai, esse sistema radicular absorve a água e alimenta o lençol freático, que vai alimentar o lençol artesiano, que são os aquíferos.
Quando se retira a vegetação na­tiva dos chapadões, trocando-a por outro tipo, alterou-se o ambiente. Ocorre que essa vegetação introduzida – por exemplo, a soja ou o al­go­dão ou qualquer outro tipo de cul­tura para a produção de grãos – tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos, o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando o nível dos aquíferos, que fica menor a cada ano.
As plantas  do cerrado são de crescimento muito lento. Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, os Buritis que vemos hoje estavam nascendo. eles demoram 500 anos para ter de 25 a 30 metros. também por isso, o dano ao bioma é irreversível
Qual é a consequência imediata desse quadro?
Em média, dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano. Esses riozinhos são alimentadores de rios maiores, que, por causa disso, também têm sua vazão diminuída e não alimentam reservatórios e outros rios, de que são afluentes. Assim, o rio que forma a bacia também vê seu volume diminuindo, já que não é abastecido de forma suficiente. Com o passar do tempo, as águas vão desaparecendo da área do Cerrado. A água, então, é outro elemento importante do bioma que vai se extinguindo.
Hoje, usa-se ainda a agricultura irrigada porque há uma pequena reserva nos aquíferos. Mas, daqui a cinco anos, não haverá mais essa pequena reserva. Estamos colhendo os frutos da ocupação desenfreada que o agronegócio impôs ao Cerrado a partir dos anos 1970: entraram nas áreas de recarga dos aquíferos e, quando vêm as chuvas, as águas não conseguem infiltrar como antes e, como consequência, o nível desses aquíferos vai caindo a cada ano. Vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então, esses rios vão desaparecer.
Por isso, falamos que o Cerrado é um ambiente em extinção: não existem mais comunidades vegetais de formas intactas; não existem mais comunidades de animais – grande parte da fauna já foi extinta ou está em processo de extinção; os insetos e animais polinizadores já foram, na maioria, extintos também; por consequência, as plantas não dão mais frutos por não serem polinizadas, o que as leva à extinção também. Por fim, a água, fator primordial para o equilíbrio de todo esse ecossistema, está em menor quantidade a cada ano.
Como é a situação desses aquíferos atualmente?
Há três grandes aquíferos na região do Cerrado: o Bambuí, que se formou de 1 bilhão de anos a 800 milhões de anos antes do momento presente; os outros dois são divisões do Aquífero Guarani, que está associado ao Arenito Botucatu e ao Arenito Bauru que começou a se formar há 70 milhões de anos. O Guarani alimenta toda a Bacia do Rio Paraná: a maior parte dos rios de São Paulo, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul – incluindo o Pantanal Mato-Grossense – e grande parte dos rios de Goiás que correm para o Paranaíba, como o Meia Ponte. Toda essa bacia depende do Aquífero Guarani, que já chegou em seu nível de base e está alimentando insuficientemente os rios que dependem dele. Por isso, os rios da Bacia do Paraná diminuem sua vazão a cada ano que passa.
Então, podemos ter nisso a explicação para a crise da água em São Paulo?
Exato. Como medida de urgência, já estão perfurando o Arenito Bauru – que é mais profundo que o Botucatu, já insuficiente –, tentando retirar pequenas reservas de água para alimentar o sistema Cantareira [o mais afetado pela escassez e que abastece a capital paulista]. Mesmo se chover em grande quantidade, isso não será suficiente para que os rios juntem água suficiente para esse reservatório.
Assim como ocorre no Can­tareira, outros reservatórios espalhados pela região do Cerrado – Sobradinho, Serra da Mesa e outros – vão passar pelo mesmo problema. Isso porque o processo de sedimentação no fundo do lago de um reservatório é um processo lento. Os sedimentos vão formando argila, que é uma rocha impermeável. Então, a água daquele lago não vai alimentar os aquíferos. Mesmo tendo muita quantidade de água superficial, ela não consegue penetrar no solo para alimentar os aquíferos. Se não for usada no consumo, ela vai simplesmente evaporar e vai cair em outro lugar, levada pelas correntes aéreas. Isso é outro motivo pelo qual os aquíferos não conseguem recuperar seu nível, porque não recebem água.
Geologicamente sendo o mais antigo, seria natural que o Cerrado fosse o primeiro bioma a desaparecer. Mas isso em escala geológica, de milhões de anos. Mas, pelo que o sr. diz, a antropização [ação humana no ambiente] multiplicou em muitíssimas vezes esse processo de extinção.
Sim. Até meados dos anos 1950, tínhamos o Cerrado praticamente intacto no Centro-Oeste brasileiro. Desde então, com a implantação de infraestrutura viária básica, com a construção de grandes cidades, como Brasília, criou-se um conjunto que modificou radicalmente o ambiente. A partir de 1970, quando as grandes multinacionais da agroindústria se apossaram dos ambientes do Cerrado para grandes monoculturas, aí começa o processo de finalização desse bioma. Ou seja, o homem sendo responsável pelo fim desse ambiente que é precioso para a história do planeta Terra.
Em que o Cerrado é tão precioso?
De todas as formas de vegetação que existem, o Cerrado é a que mais limpa a atmosfera. Isso ocorre porque ele se alimenta basicamente do gás carbônico que está no ar, porque seu solo é oligotrófico.
Diz-se que o Cerrado é o contrário da Amazônia: uma floresta invertida, em confirmação à definição que o sr. deu sobre o fato de dois terços de cada planta do Cerrado estarem debaixo da terra. Ou seja, a destruição do Cerrado é muito mais séria do que alcança a nossa visão com o avanço da fronteira agrícola. É uma devastação muito maior, porque também ocorre longe dos olhos, subterrânea.
Isso faz sentido, porque, na parte subterrânea, além do sequestro de carbono está armazenada a água, sem a qual não prospera nenhuma atividade econômica. A Amazônia terminou de ser formada há apenas 3 mil anos, um processo que começou há 11 mil anos, com o fim da glaciação no Hemisfério Norte. A configuração que tem hoje existe na plenitude só há 3 mil anos. A Mata Atlântica tem 7 mil anos. São ambientes que, se degradados, é possível recuperá-los, porque são novos, estão em formação ainda.
Já com o Cerrado isso é impossível, porque suas árvores já atingiram alto grau de especialização. Tanto que o processo de quebra da dormência de determinadas sementes são extremamente sofisticados. Uma semente de araticum, por exemplo, só pode ter sua dormência quebrada no intestino delgado de um canídeo nativo do Cerrado – um lobo guará, uma raposa. Como esses animais estão em extinção, fica cada vez mais difícil quebrar a dormência de um araticum, que é uma anonácea [família de plantas que inclui também a graviola e a ata (fruta-do-conde), entre outras].
As abelhas europeias e africanas são recentes, foram introduzidas no século passado. O professor Warwick Kerr, que introduziu a abelha africana no Brasil, na década de 1950, ainda é vivo e atua na Universidade Federal de Uber­lândia (UFU). São boas produtoras de mel, mas não estão adaptadas para fazer a polinização das plantas do Cerrado. 

As abelhas nativas do Cerrado, que não tem ferrão e são chamadas de meliponinas – jataí, mandaçaia, uruçu – eram os maiores agentes polinizadores naturais, juntamente com os insetos, em função de sua anatomia. Hoje estão praticamente extintas, como esses insetos, pelo uso de herbicidas e outros tipos de veneno, que combatiam pragas de vegetações exóticas em lavouras e pastagens. Quando se utiliza o pesticida para extinguir essas pragas também se mata o inseto nativo, que é polinizador das plantas do Cerrado. Por isso, se encontram muitas plantas nativas sem fruto, por não terem sido polinizadas.
A flora do Cerrado é geralmente desprezada. O que ela representa, de fato?
Nós vivemos em meio à mais diversificada flora do planeta. O Cerrado contém a maior biodiversidade florística. Isso não está na Amazônia, nem na Mata Atlântica, nem em uma savana africana ou em uma savana australiana. Nem qualquer outro ambiente da Terra. São 12.365 plantas catalogadas no Cerrado. Só as que conhecemos. A cada expedição que fazemos, cada vez que vamos a campo, pelo menos 50 novas espécies são descobertas. Dessas 12.365 plantas conhecidas, somos capazes de multiplicar em viveiro apenas 180. Isso é cerca de 1,5% do total, quase nada em relação a esse universo. E só conseguimos fazer mudas de plantas arbóreas.
Para as demais, que são extremamente importantes para o equilíbrio ecológico, para o sequestro de carbono e para a captação de água, não temos tecnologia para fazer mudas. 


Por exemplo, o capim-barba-de-bode, a canela-de-ema, a arnica, o tucum-rasteiro, esses dois últimos com raízes extremamente complexas. Se tirarmos um tucum-rasteiro, que está no máximo 40 centímetros acima do nível do solo, e olharmos seu tronco, vamos encontrar milhares ou até milhões de raízes grudados naquele tronco. 


Se tirarmos um pedaço pequeno dessas raízes e levarmos ao microscópio, veremos centenas de radículas que saem delas. Uma pequena plantinha com um sistema radicular extremamente complexo, que retém a água e alimenta os diversos ambientes do Cerrado. É algo que não se consegue reproduzir em viveiro, porque não há tecnologia. O que conseguimos é em relação a algumas plantas arbóreas.
Outro aspecto que indica que o Cerrado já entrou em vias de extinção é que as plantas do Cerrado são de crescimento muito lento. Uma canela-de-ema atinge a idade adulta com mil anos de idade. O capim-barba-de-bode fica adulto com 600 anos. Um buriti atinge 30 metros de altura com 500 anos. Nossas veredas – que existiam em abundância até pouco tempo – eram compostas de plantas “nenês” quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, estavam nascendo naquela época e sua planta mais comum, o buriti, está hoje com 25 metros, 30 metros.

“Tragédia urbana começa com drama no campo”

Mas a tecnologia e a biotecnologia não fornecem nenhuma alternativa para mudar esse quadro?
Para se ter ideia da complexidade, vamos tomar o caso do buriti, que só pode ser plantado em uma lama turfosa, cheia de turfa, com muita umidade. Se o solo estiver seco, o buriti não vai vingar ali. Mas, mesmo se conseguíssemos plantar – o que é difícil, porque não existe mais o solo apropriado –, aquele buriti só atingiria a idade adulta e dar frutos depois de muitos séculos. Então, não tem como tentar dizer que se pode usar técnicas para revitalizar o Cerrado. Isso é praticamente impossível.
A interface do Cerrado, para falar em uma linguagem moderna, não é amigável para o uso da tecnologia conhecida. Não tem como acelerar o crescimento de um buriti como se faz com a soja.
Não dá para fazer isso, até porque as plantas do Cerrado convivem com uma porção de outros elementos que, para outras plantas, seriam nocivos. Por exemplo, certos fungos convivem em simbiose com espécies do Cerrado. Um simples fungo pode impedir a biotecnologia. Seria possível desenvolver, por meio de tecidos, tal planta em laboratório. Mas sem aquele fungo a planta não sobrevive. E com o fungo, mas em laboratório, ela também não se desenvolve. Ou seja, é algo extremamente complicado, mais do que podemos imaginar.
Mesmo que os mais pragmáticos menosprezem a importância de um determinado animal ou uma “plantinha” em relação a uma obra portentosa, como uma hidrelétrica, há algo que está sob ameaça com o fim do Cerrado, como a água. Isso é algo básico para todos. A contradição é que o Cerrado – assim como a caatinga e os pampas – não são ainda patrimônio nacional, ao contrário da Mata Atlântica, o Pantanal e a Amazônia. Há uma lei, a PEC 115/95 [proposta de emenda constitucional], de autoria do então deputado Pedro Wilson (PT-GO), que pede essa isonomia há quase 20 anos. Essa lei ajudaria alguma coisa?
Na prática, não poderia ajudar mais em nada, porque o que tinha de ser ocupado do Cerrado já foi. O bioma já chegou em seu limiar máximo de ocupação. Mas o governo brasileiro é tão maquiavélico e inteligente que, para evitar maiores discussões, no ano passado redesenhou todo o mapa ambiental brasileiro. Dessa forma, separou o Pantanal do Cerrado – embora o primeiro seja um subsistema do segundo –, transformou-o em patrimônio nacional e a área do Cerrado já ocupada foi ignorada e incluída no plano de desenvolvimento como área de expansão da fronteira agrícola. Ou seja, o Cerrado, em sua totalidade, já foi contemplado para não ser protegido.
O que os parques nacionais poderiam agregar em uma política de subsistência do Cerrado?
Existe um manejo inadequado dos parques existentes na região do Cerrado. Esse manejo começa com o fogo, quando se cria uma brigada para evitar incêndios no Parque Nacional das Emas, por exemplo. O fogo natural é importante para a preservação do Cerrado. Ora, se se trabalha com o intuito de preservar o Cerrado é preciso conviver com o fogo; agora, se se trabalha com a visão do agrônomo, o fogo é prejudicial, porque acentua o oligotrofismo do solo. O Cerrado precisa desse solo oligotrófico, mas, se o fogo é eliminado, as condições do solo serão alteradas e a planta nativa vai deixar de existir, porque o solo vai adquirir uma melhoria e aquela planta precisa de um solo pobre. Assim, quando se barra o uso do fogo em um parque de Cerrado, o trabalho se dá não com a noção de preservação do ambiente, mas dentro da visão da agricultura. Raciocina-se como agrônomo, não como biólogo.
Outra questão nos parques é que o entorno dos parques já foi tomado por vegetações exóticas. Entre essas vegetações existe o brachiaria, que é uma gramínea extremamente invasora que, à medida que espalha suas sementes, alcança até as áreas dos parques, tomando o lugar das gramíneas nativas. No Parque Nacional das Emas já temos gramínea que não é nativa, o que faz com que haja também vegetação arbórea, de porte maior, também não nativa. 


Os animais, em função do isolamento do parque, não têm mais contato com áreas naturais, como os barreiros, que forneceriam a eles cálcio e sais naturais. Quando encontramos um osso de animal morto em um parque vemos que está sem calcificação completa, porque falta esse elemento, que é obtido lambendo cinzas queimadas ou visitando os barreiros, que são salinas naturais em que existe esse o elemento. Geralmente há poucos barreiros nos parques, o que torna mais difícil a sobrevivência do animal, que acaba entrando em vias de extinção, o que está acontecendo.
Não há, em nenhum parque nacional criado, aumento da vegetação nativa ou da fauna nativa. O que há é a diminuição dos caracteres nativos daquela vegetação, bem como da fauna. Isso prova que esse isolamento não trouxe benefícios. O que poderia funcionar seria se essas áreas de preservação estivessem interligadas por meio de corredores de migração faunística. Isso evitaria uma série de erros cometidos quando se delimita uma área.
Mas, pelo que o sr. diz, hoje isso seria impossível.
Praticamente impossível, por­que as matas ciliares, que de­ve­riam servir como corredores ecológicos, de migração, foram totalmente degradadas. A maioria dos rios foi ocupada, em suas margens, por ambientes urbanos, com a presença do homem, que é um elemento extremamente predatório. Mais que isso: os sistemas agrícolas implantados chegam, em alguns locais, até a margem de córregos e rios, impedindo, também, a existência desses corredores de migração.
Fica, assim, um cenário praticamente inviável. É triste falar isso , mas, na realidade, falamos baseados em dados científicos, no que observamos. Sou o amante número um do Cerrado. Gostaria que ele existisse durante milhões e milhões de anos ainda, mas infelizmente não é isso que vemos acontecer. Se, por exemplo, você observar as nascentes dos grandes rios, verá que elas ou estão secando ou estão migrando cada vez mais para áreas mais baixas. Quando isso ocorre, é sinal de que o lençol que abastece essa nascente está rebaixando.
Observe, por exemplo, o caso das nascentes do Rio São Francis­co, na Serra da Canastra; o caso das nascentes do Rio Araguaia ou do Rio Tocantins, que tem o Rio Uru em sua cabeceira mais alta. A cada dia que passa as nascentes vão descendo mais. Vai ocorrer o dia em que chegarão ao nível de base do lençol que as abastece e desaparecerão.
Ao mesmo tempo em que o­cor­re esse fenômeno, temos um au­mento rápido do consumo de água.
Há o aumento da população. Mas, além do mais, o Cerrado entrou, nos últimos anos, por um processo extremamente complicado, que chamamos de desterritorialização. O grande capital chegou às áreas do Cerrado e expulsou os posseiros que lá moravam, por meio da falsificação de documentos, da negociata com cartórios e com políticos. Com a grilagem, adquiriu milhares de hectares e tirou os moradores antigos da região. Isso desestruturou comunidades inteiras.
Isso ainda ocorre em Goiás e em diversos lugares?
Ocorreu e está ocorrendo. E o que isso provoca? O aumento das cidades. Quase não há mais cidadezinhas na região do Cerrado, elas são de médio ou grande porte, porque a população do campo, desamparada e sem terra, veio para a zona urbana. Essas pessoas vêm buscar abrigo na cidade, que oferece a eles algum tipo de serviço. Na cidade, se transformam em outro tipo de categoria social: os sem-teto. Estes vivem aqui e ali, ocupando as áreas mais periféricas da cidade. Vão ocupar planícies de inundação, beiras de córregos, entre outros ambientes desorganizados.
Um homem que vive em um ambiente assim, que nasce, é criado e compartilha dessa desorganização, terá uma mente que tende a ser desorganizada. Ou seja, ao fazer a desterritorialização trabalhamos contra a formação de pessoas sadias. Formamos pessoas transtornadas, mutiladas mentalmente, ocupando as periferias. Não existe plano diretor que dê conta de acompanhar o desenvolvimento das áreas urbanas no Brasil, porque a cada dia chegam novas famílias nessas áreas.
Crescendo em um ambiente desorganizado, sem perspectivas para o futuro, essas pessoas acabam caindo em neuroses para a fuga. A neurose mais comum desse tipo é o uso de drogas. Acabam cometendo o que chamamos de atos ilícitos, mas provocados por uma situação socioeconômica de limitação, vivendo em ambientes precários. Essas pessoas constroem sua vida nesses locais, formam famílias e passam anos ou décadas nesses locais. Só que um dia vem um fenômeno natural qualquer – como El Niño ou La Niña – que, por exemplo, acomete aquele local com uma quantidade muito maior de chuva. Então, o córrego enche e encontra, em sua área de inundação, os barracos daquela população. Aí começa a tragédia urbana, com desabrigados e mortos. Aumenta, ainda mais, o processo de sofrimento no qual estão inseridas essas populações.
Hoje vejo muitos profissionais, principalmente arquitetos, falando em mobilidade urbana. Falam em construir monotrilhos, linhas específicas para ônibus, corredores para bicicletas, mas ninguém toca na ferida: o problema não está ali, mas na desestruturação do homem do campo. Quanto mais se desestrutura o campo, mais pessoas vêm para a cidade, que não consegue absorvê-las, por mais que se implantem linhas novas, estações e bicicletários. O problema está no drama do campo, não na cidade.
Antigamente, se usava a expressão “fixação do homem no campo”. Isso parece que ficou para trás na visão dos governos.
Desistiram porque o que manda é o grande capital. Os bancos estatais se alegram com as safras recordes, fazem propaganda disso. Eles patrocinam os grandes proprietários, só que estes não têm grande quantidade de funcionários, têm uma agricultura intensiva, mecanizada. Isso não ajuda de forma alguma a manter as pessoas na zona rural.
Uma notícia grave é a extinção do Cerrado. Outra, tão ou mais grave, que – pelo que o sr. diz – já pode ser dada, é que em pouco tempo não teremos mais água. A crise da água no Brasil é uma bomba-relógio?
A extinção do Cerrado envolve também a extinção dos grandes mananciais de água do Brasil, porque as grandes bacias hidrográficas “brotam” do Cerrado. O Rio São Francisco é uma consequência do Cerrado: ele nasce em área de Cerrado e é alimentado, em sua margem esquerda, por afluentes do Cerrado: Rio Preto, que nasce em Formosa (GO); Rio Paracatu (MG); Rio Carinhanha, no Oeste da Bahia; Rio Formoso, que nasce no Jalapão (TO) e corre para o São Francisco. Se há a degradação do Cerrado, não há rios para alimentar o São Francisco. Você po­de contar no mínimo dez afluentes por ano desses grandes rios que estão desaparecendo.
Professor Altair Sales fala ao jornalista Elder Dias: "A proteção das águas tinha de ser questão de segurança nacional”
Professor Altair Sales fala ao jornalista Elder Dias: “A proteção das águas tinha de ser questão de segurança nacional”
Como o sr. analisa a transposição do Rio São Francisco?
É um ato muito mais político do que científico. Ela atende muito mais a interesses políticos de grandes proprietários do Nordeste na área da Caatinga, no sertão nordestino. A transposição está sendo feita em dois canais, um norte, com 750 quilômetros e outro, leste, com pouco mais de 600 quilômetros. A água é sugada da barragem de Sobradinho (BA), através de uma bomba, para abastecer esses canais, com 10 metros de profundidade e largura de 25 metros. Ao fazer essa obra, se altera toda a mecânica do São Francisco: o rio, que corria lento, passa a correr mais rapidamente, porque está tendo sua água sugada. Seus afluentes, então, também passam a seguir mais velozes. Isso acelera o processo de assoreamento e de erosão.
Consequente­mente, aceleram a morte dos afluentes. Fazer a transposição do São Francisco simplesmente é estabelecer uma data para a morte do rio, para seu desaparecimento total. Podem até atender interesses econômicos e sociais de maneira efêmera, em curto prazo, mas em dez anos acabou tudo.
E será um processo rápido, assim?
Sim, é um processo de décadas. Basta ver o Rio Meia Ponte, na altura do Setor Jaó. Onde havia uma bonita cachoeira, na antiga barragem, há só um filete d’água. O nível da água do Meia Ponte é o mesmo do Córrego Botafogo há décadas atrás. Este praticamente não existe mais, a não ser por uma nascente muito rica no Jardim Botânico, que ainda o alimenta. Mas ele só parece mesmo exis­tir quando as chuvas o en­chem rapidamente. Mas, no outro dia, ele vira novamente um filete.
Goiânia foi planejada em função também dos cursos d’água. Tendo em vista o que ocorre hoje, podemos dizer que ela é, então, o cenário de uma tragédia hidrográfica?
Eu não diria que apenas Goiânia está realmente dessa forma. Mas foi toda uma política de ocupação do centro e do interior do Brasil que motivou essa ocupação desordenada, desde a época da Fundação Brasil Central, da Expedição Roncador–Xingu, depois a construção de Goiânia e de Brasília, a divisão de Mato Grosso e a criação do Tocan­tins. Isso é fruto do capital dinâmico que transforma a realidade. Vem uma urbanização rápida de áreas de campo, aumentando as ilhas de calor e, consequentemente, pela pavimentação, impedindo que as águas das chuvas se infiltrem para alimentar os mananciais que deram origem a essas mesmas cidades. Se continuar dessa forma, com esse tipo de desordenamento, podemos prever grandes colapsos sociais e econômicos no Centro-Oeste do Brasil. E não só aqui, mas nas áreas que aqui brotam.
O que significa quase toda a área do Brasil, não?
Sim, até mesmo a Amazônia. O Rio Amazonas é alimentado por três vetores: as águas da Cordilheira dos Andes, que é um sistema de abastecimento extremamente irregular; as águas de sua margem esquerda, principalmente do Solimões, que também é irregular, em que duas estiagens longas podem expor o assoreamento, ilhas de areias – ali foi um deserto até bem pouco tempo, chamado Deserto de Óbidos. Ou seja, o Amazonas é alimentado mesmo pelos rios que nascem no Cerrado, como Teles Pires (São Manuel), Xingu, Tapajós, Madeira, Araguaia, Tocantins. Estes caem quase na foz do Amazonas, mas contribuem com grande parte de seu volume. Ou seja, temos o São Francisco, já drasticamente afetado; o Amazonas, também afetado; e a Bacia do Paraná, afetada quase da mesma forma que o São Francisco, provavelmente com período de vida muito curto.
Será um processo tão rápido assim?
Uma vez que se inicia tal processo de degradação e de diminuição drástica do nível dos lençóis, isso é irreversível. Em alguns casos duram algumas décadas; em outros, até menos do que isso. Temos exemplos clássicos no mundo de transposições de rios que não deram certo e até secaram mares inteiros. No Mar de Aral, no Leste Europeu, há navios ancorados em sal. Sua drenagem é endorreica, fechada, sem saída para o oceano. A União Soviética, na ânsia de se tornar autossuficiente na produção de algodão, fez a transposição dos dois rios que abasteciam o mar. Resultado: no prazo de uma década, as plantações não vingaram, o mar secou e uma grande quantidade de tempestades de poeira e sal afetam 30 milhões de pessoas, causando doenças respiratórias graves, incluindo o câncer.
Com nossos rios, acontecerá o mesmo processo. A diferença é que o processo de ocupação aqui foi relativamente recente, a partir dos anos 1970. São 40 e poucos anos. Ou seja: em menos de meio século, se devastou um bioma inteiro. Não acabou totalmente porque ainda há um pouco de água. Mas, quando isso acabar, imagine as convulsões sociais que ocorrerão. Enquanto se está na fartura, você é capaz de repartir um copo d’água com o irmão; mas, no dia da penúria, ninguém repartirá. Isso faz parte da natureza do ser humano, que é essencialmente egoísta. Isso está no princípio da evolução da humanidade. A Igreja Católica chama isso de “pecado original”, mas nada mais é do que o egoísmo, apossar-se de determinados bens e impedir que outros usufruam deles. Isso já levou outros povos e raças à extinção. E pode nos levar também à extinção.
Até bem pouco tempo tínhamos duas humanidades: o homem-de-neanderthal, o Homo sapiens neanderthalensis; e o Homo sapiens sapiens. Hoje podemos falar também em duas humanidades: uma humanidade subdesenvolvida, tentando soerguer em meio a um lodo movediço; e outra humanidade, que nada na opulência. A questão é que, se essa situação persistir, brevemente teremos a pós e a sub-humanidade.
É um cenário doloroso.
É doloroso, mas são os dados que a ciência mostra. Tem jeito, tem perspectiva para um futuro melhor? Possivelmente, a saída esteja na pesquisa. Mas uma pesquisa precisa de um longo tempo para que apareçam resultados positivos. E nossas universidades não incentivam a pesquisa, o que é muito triste, porque essa é a essência de uma universidade.
O sr. vê, em algum lugar do mundo, trabalhos e pesquisas pensando em um mundo mais sustentável?
Não. O que existe é muito localizado e incipiente. Não tem grande repercussão. Mas, mesmo se fossem proveitosas, jamais poderiam ser aplicadas ao Cer­rado, que é um ambiente muito peculiar. Teria de haver pesquisa dirigida especialmente para nosso bioma. Como recuperar uma nascente de Cerrado? Eu não sei dizer. Um engenheiro ambiental também não lhe dará resposta. Nenhum cientista brasileiro sabe a resposta, porque não temos pesquisas sobre isso. Talvez poderíamos ter um futuro melhor se houvesse investimentos em pesquisa.
E a educação ocupa que papel nesse contexto sombrio?
Nós, como educadores, deveríamos pensar mais nisso – e eu penso: talvez ainda seja tempo de salvar o que ainda resta, mas se não dermos uma guinada muito violenta não terá como fazer mais nada. É preciso haver real mudança de hábitos e mudar a forma de observar os bens patrimoniais do planeta e da nossa região. A água tinha de ser uma questão de segurança nacional. A vegetação nativa, da mesma forma. Os bens naturais teriam de ser tratados assim também, porque deles depende o bem-estar das futuras gerações. Mas isso só se consegue com investimento muito alto em educação, mudando mentalidade de educadores. 


As escolas têm de trabalhar a consciência e não apenas o conhecimento. Uma coisa é conhecer o problema; outra, é ter consciência do problema. A consciência exige um passo a mais. Exige atitude revolucionária e radical.  

Ou mudamos radicalmente ou plantaremos um futuro cada vez pior para as gerações que virão.

Câmara aprova texto principal de projeto sobre recursos genéticos, com restrições aos direitos de povos indigenas e tradicionais que, obviamente, não foram ouvidos na elaboração do projeto. Apenas os ruralistas foram consultados.Pobre Floresta Amazonia, pobre Brasil que ficará sem agua!.



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Votação de destaques está marcada para a tarde desta terça (10/2), mas há poucas chances de mudanças importantes no projeto. Texto traz várias restrições aos direitos de povos indígenas e tradicionais
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A Câmara aprovou, na noite de ontem (9/2), o substitutivo do Projeto de Lei (PL) 7.735/2014 do deputado ruralista Alceu Moreira (PMDB-RS), que pretende facilitar o acesso de pesquisadores e indústrias aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade. O projeto trancava a pauta do plenário há mais de sete meses.


Um acordo costurado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), permitiu a votação do texto principal, deixando a análise dos destaques para a tarde de hoje. A perspectiva de alteração substancial da proposta nessa nova votação é pequena. Depois disso, o PL segue para o Senado.


A proposta traz uma série de retrocessos para povos indígenas e tradicionais. Por exemplo, não prevê que essas populações possam negar o acesso a seus conhecimentos e restringe seu direito à repartição dos benefícios oriundos da exploração econômica desses conhecimentos.


Segundo o texto aprovado ontem, essas comunidades só terão direito a alguma compensação se o conhecimento tradicional for “elemento principal de agregação de valor” do produto desenvolvido a partir dele e se este produto for incluído numa lista que será elaborada por alguns ministérios. Além disso, produtos desenvolvidos com base em acesso a conhecimentos tradicionais realizado antes de junho de 2000 também estarão isentos de repartir benefícios com essas populações (leia análise do ISA sobre o projeto).


Ruralistas comemoram
Os ruralistas comemoraram a aprovação do substitutivo, que prevê isentar produtores rurais do pagamento de royalties pelo uso de sementes de espécies exóticas de commodities introduzidas no País, como soja, milho e arroz.


“Tudo o que foi possível ser colocado para preservar os interesses das comunidades tradicionais foi colocado”, defendeu Moreira, que rejeitou as mais de 170 emendas apresentadas ao PL até então (mais 50 foram apresentadas no plenário ainda ontem). “Em toda a construção do texto o governo participou de cada detalhe”, informou.


Apenas PT, PSOL, PCdoB e PV votaram contra o substitutivo. O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), liberou a base aliada para a votação do texto, finalizado, no final do ano passado, por representantes de ministérios, ruralistas e empresários, sem participação de povos indígenas e tradicionais e organizações da sociedade civil.


O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, disse que estava otimista com a aprovação do substitutivo. “O assunto vinha sendo discutido há muito tempo e é importante que se avance”, comentou.


Deputados como Ivan Valente (PSOL-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Sarney Filho (PV-MA) e Alessandro Molon (PT-RJ) voltaram a denunciar que representantes de povos indígenas e tradicionais não foram ouvidos na elaboração do projeto (leia carta dos movimentos sociais).


Alceu Moreira alegou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi ouvida e representa os índios e que integrantes de populações tradicionais também foram consultados. “Que tipo de discussão queriam? Que eu fosse fazer uma assembleia geral no meio de uma tribo? E o que tiraria dali? Nós imaginamos que o grau de representação naquela mesa [de negociação] era suficiente e responsável para representar quem devia estar lá?”, afirmou.

O que são os recursos genéticos? Os recursos genéticos da biodiversidade são encontrados em animais, vegetais ou micro-organismos, por exemplo, em óleos, resinas e tecidos, encontrados em florestas e outros ambientes naturais. Já os recursos genéticos da agrobiodiversidade estão contidos em espécies agrícolas e pastoris.

Comunidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares, entre outros, desenvolvem e conservam, por décadas e até séculos, informações e práticas sobre o uso desses recursos.

Tanto o patrimônio genético quanto esses conhecimentos servem de base para pesquisas e produtos da indústria de remédios, sementes, gêneros alimentícios, cosméticos e produtos de higiene. Por isso, podem valer milhões em investimentos.

O Brasil é a nação com maior biodiversidade do mundo e milhares de comunidades indígenas e tradicionais, por isso é alvo histórico de ações ilegais de biopirataria, crime que o PL 7.735 também pretende coibir e punir.

PL 7.735/2014



O que está em jogo no PL de acesso aos recursos genéticos do Congresso?



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Instituto Socioambiental (ISA)
A votação do Projeto de Lei (PL) 7.735/2014 na Câmara pode acontecer nos próximos dias. A proposta pretende regulamentar o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Veja abaixo uma breve contextualização e análise da proposta elaborada pelo ISA que aponta alguns dos principais retrocessos para povos indígenas e tradicionais que sua aprovação pode significar


Projeto de Lei 7.735/2014: O que está em jogo na regulamentação do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado para os detentores desse conhecimento?


Um dos mais significativos avanços da Convenção sobre Diversidade Biológica é o reconhecimento do conhecimento tradicional de comunidades locais e povos indígenas como fundamental para a conservação e para o uso racional da biodiversidade. Desse reconhecimento, se derivaram importantes direitos a esses povos e comunidades, sendo os principais: (i) o consentimento prévio informado para o acesso ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos e (ii) a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos da utilização de recursos genéticos e do conhecimento tradicional a eles associados.


Tais direitos, porém, encontram-se ameaçados em razão do Projeto de Lei (PL)7.735/2014, tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados, que visa substituir a Medida Provisória 2.186-16/2001. As ameaças vêm daí, tanto por seu conteúdo como pela forma de sua concepção e tramitação.
Povos indígenas e comunidades locais, detentores do conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos, foram excluídos do processo de elaboração do referido PL e sequer foram consultados sobre seu conteúdo.



Por outro lado, a elaboração do PL, oriundo do Poder Executivo, contou com intensa participação dos setores empresariais envolvidos, o que garantiu a consolidação de seus interesses privados, como a dispensa de qualquer autorização para o acesso a recurso genético e conhecimento tradicional associado, a anistia geral e irrestrita a todas as penalidades impostas por suas irregularidades e a dispensa de pagamento de repartição de benefícios em diversas hipóteses.

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Além da falta de participação no processo de elaboração do PL, seu conteúdo também deve ser motivo de preocupação para os detentores de conhecimento tradicional. Direitos já consagrados na legislação brasileira, como o consentimento prévio informado e a repartição de benefícios derivada do uso dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado, se apresentam de forma desfigurada no PL, sendo objeto de grandes limitações.


O processo de consentimento prévio informado, por exemplo, pressupõe que seja possível não consentir, ou seja, dizer ‘não’ ao acesso e ao uso do conhecimento tradicional. No PL, essa possibilidade não existe (veja o anexo para uma análise mais detalhada). A repartição dos benefícios advindos do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional, por sua vez, deixa de ser justa e equitativa no PL, para ser injusta e insignificante.


Assim sendo, é fundamental que os detentores do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético se mobilizem e se envolvam nesse debate, sob o risco de se permitir a consolidação de limitações aos seus direitos, tal como que sejam acessados seus conhecimentos para exploração econômica sem sua concordância e sem a justa e equitativa repartição de benefícios.


As relações de força no Congresso Nacional são desfavoráveis aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, tornando necessária a incidência das organizações junto aos parlamentares, bem como ao governo federal, autor da proposta e de seu regime de urgência.


Leia uma pequena análise sobre o que consideramos fundamental no PL
Sobre a tramitação do Projeto de lei, acesse aqui

Do Face BOOK: Ê comunismo bão, viu?

E Luciana Genro assumiu Cargo de coordenadora-geral da bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

O salário é de R$ 16,9 mil mensais, pago pelos contribuintes gaúchos.


A bancada do partido é composta de um só deputado.



Dona Luciana vai ganhar por mês quase o que o trabalhador médio brasileiro ganha por ano, para coordenar um deputado.


Ê comunismo bão, viu?