Quanto mais eu observo a esquerda
política e procuro entender o seu modo de pensar, mais eu descubro
contradições em seus discursos. E eu não sou o tipo de pessoa que
procura ridicularizar aquilo que não conhece. Um bom argumento realmente
tem poder para me fazer parar, refletir e cogitar a hipótese de que ele
esteja correto. Diversas vezes já fiz isso. Contudo, a esquerda
política se supera na formulação de discursos contraditórios, o que
torna a cada dia mais remota a possibilidade de eu me tornar
esquerdista. Resolvi fazer um apanhado dos principais deles.
Um dos discursos mais importantes
para a esquerda é o de que a desigualdade política e econômica, a
discriminação, os assaltos, os roubos, enfim, a maldade, tem suas causas
em fatores externos ao ser humano. A esquerda surgiu com este
pressuposto. Para ela, não é o homem que é ruim em sua essência, mas é a
sociedade que está desestruturada e que, por isso, corrompe a essência
do homem. É claro que vão existir esquerdistas mais moderados ou de viés
religioso, que não compram totalmente esta ideia.
Eles vão entender que
há certa inclinação do ser humano à maldade, mas que a sociedade tem
mais culpa na maldade do que o tem a natureza humana. Também crerão que
uma mudança na sociedade pode reverter este quadro, a ponto de
praticamente anular essa natureza humana falha. Em resumo, para a
esquerda, somos fruto do meio. O meio nos molda, tanto para o bem,
quanto para o mal. O meio tem influencia praticamente total em nossa
personalidade, nossas tomadas de decisões e nossas escolhas.
Entretanto, a mesma esquerda
apresenta um discurso totalmente contrário quando se coloca a defender a
concepção de homossexualismo como uma inerência biológica de certas
pessoas. Neste discurso, o esquerdista dirá que o homossexualismo não é
uma escolha. “Ninguém escolhe ser homossexual.
Você nasce assim”, dirá a
esquerda. A ideia deste discurso é impedir que homossexualismo possa
ser tão criticável como é qualquer escolha (como a de ser cristão, de
ser budista, de fazer tricô, ou de jogar bola aos domingos). Ao colocar o
homossexualismo como uma inerência biológica de um ser, qualquer um que
o critique será comparado a alguém que critica um negro por ser negro,
ou um cego por ter nascido cego.
O leitor percebe a contradição? Para
defender reformas sociais, a esquerda interpreta o homem como fruto do
meio, o que o possibilita mudar o destino do mundo. Mas para transformar
o homossexualismo em algo incriticável, ela interpreta o homem como
escravo de sua natureza, o que o impossibilita de mudar a si próprio.
Uma ideia refuta a outra.
Se o homem é fruto do meio, o homossexualismo é
uma escolha influenciada por fatores externos e que pode ser mudada
mediante uma reforma na sociedade. Se o homem é escravo de sua natureza,
então não é possível reformar a sociedade, pois sempre haverá homens
maus.
Vamos ver outra contradição.
Recentemente uma onda de protestos feministas se iniciou na internet por
conta de uma pesquisa feita pelo IPEA. A pesquisa “revelou” que a
maioria dos brasileiros acredita que uma mulher que se veste
indecentemente merece ser estuprada. A pesquisa foi uma verdadeira
vergonha por conter grotescos erros metodológicos (como a formulação de
perguntas ambíguas e tendenciosas) e por ter confundido os gráficos,
errando as porcentagens da pesquisa.
No entanto, ela serviu mesmo assim
para levar as feministas a postarem fotos nas redes sociais (muitas
vezes seminuas) com as palavras “Eu não mereço ser estuprada” e bradando
que a culpa do estupro não é da roupa que a mulher usa, mas do
estuprador.
Eu concordo perfeitamente que a
culpa do estupro é do estuprador. Mas perceba que esse discurso, que é
um discurso de esquerda (que pretende fortalecer o feminismo e apontar
para os conservadores e religiosos como os defensores da ideia de que “a
mulher indecente merece ser estuprada”, a fim de minar o
conservadorismo, a religião e a família tradicional), contradiz o
discurso esquerdista de que um homem e, sobretudo, um menor de idade, se
torna marginal por causa das mazelas sociais.
Esse discurso surge
diretamente da ideia do homem bom por natureza, mas corrompido pelo
meio. Se o homem é bom por natureza, mas corrompido pelo meio, a culpa
de ter se tornado marginal é do meio e não dele. Isso inclui
principalmente o menor de idade, que ainda está se desenvolvendo.
É por isso que a esquerda não
defende a prisão de menores que cometem crimes (mesmo crimes hediondos) e
deseja o abrandamento máximo das punições para criminosos já maiores de
idade. Em outras palavras, quando você é assaltado ou agredido por um
marginal que nasceu em lugar pobre e repleto de crimes, a culpa do
assalto não é dele; tampouco é culpa dele o fato de ele ter se tornado
criminoso. Logo, proteger o cidadão desse criminoso (o que, na prática,
significa puni-lo com o isolamento da sociedade) é algo desnecessário e
ultrajante. Não é o cidadão que precisa ser protegido.
É o criminoso que
precisa ser reeducado, amado, tratado, recuperado. A prioridade é o
criminoso, pois ele não é o culpado, mas sim a sociedade, o meio em que
ele cresceu. E se a vítima se opõe a este pensamento de priorizar o
criminoso, ela automaticamente se torna culpada pelo crime que sofreu,
pois ela é uma das pessoas que não prioriza a reeducação do criminoso e
que ainda coloca em suas costas a culpa de um crime que, na verdade, é
da sociedade.
O leitor percebeu a contradição? Em
um discurso, o estuprador é o culpado pelo crime que cometeu e não a
vítima. Em outro discurso, o criminoso que nasceu pobre e em lugar
violento, não é culpado pelos crimes que cometeu – a culpa é da
sociedade, o que inclui todas as vítimas que discordam disso. Um
discurso anula o outro. Se a culpa é individual, então tanto o
estuprador quanto qualquer criminoso que nasceu em lugar ruim são
igualmente culpados por seus crimes.
Se a culpa é da sociedade, então
tanto o estuprador quanto o criminoso que nasceu em lugar ruim são
inocentes. Neste segundo caso, as vítimas podem ter sua parcela de culpa
no crime por contribuírem, de alguma forma, para chamar a atenção do
“criminoso” ou para moldar o pensamento do meio em que ele nasceu.
Ainda falando sobre estupro, outra
contradição: Foi até o programa “Altas Horas”, do apresentador Serginho
Grosman, uma das líderes do movimento nas redes sociais “Eu não mereço
ser estuprada”. Em dado momento ela disse que, por causa do movimento
que iniciou, tem recebido várias ameaças de estupro. Ela disse ainda que
achava impressionante que a maioria dos que faziam ameaças eram
adolescentes. Em suas palavras: “Eles acham o estupro algo engraçado e
ficam brincando com isso. Mas isso não é engraçado”.
Aqui, mais uma vez, há uma
contradição de discursos esquerdistas. Porque a mesma esquerda que dá
uma de moralista, dizendo que o assunto estupro não deve ser tratado com
irreverência, displicência e leviandade (como se fosse algo normal e
engraçado) incentiva os adolescentes a encararem o sexo como
irreverência, displicência e leviandade, fazendo a relação sexual se
tornar mero passatempo de criança, que pode ser feito com quem quiser,
em qualquer lugar, e que não há problema em se fazer piadas pesadas e
sujas com o assunto.
A mesma esquerda quer que a educação
sexual seja ensinada nas escolas para crianças pequenas. A mesma
esquerda não vê problema algum em que crianças vejam pornografia e sejam
estimuladas a pensar, falar e fazer sexo desde a mais tenra idade.
É
ela que fala sobre revolução sexual, sobre quebrar todos os tabus (o que
significa, na prática, “dar pra todo mundo” e incentivar isso) e quer
destruir a ideia de sexo como o selo de um matrimônio, como a união mais
intensa entre o homem e uma mulher e que, por isso, precisa estar
acompanhada de uma união igualmente intensa nas áreas mental, emocional e
espiritual.
É ela que faz do sexo algo tão corriqueiro como apertar a
mão de um conhecido, por exemplo. É ela que vê com bons olhos os
chamados “funks proibidões”, que são funks que exaltam a imoralidade
sexual (o adultério, a poligamia, o bacanal, a sedução de menores,
volubilidade) e tratam o assunto como algo engraçado. Para a esquerda,
isso é expressão cultural. É a expressão da realidade do morro e das
periferias. É bom. É bonito. É saudável.
Eu me pergunto: como é que essa
esquerda imoral, que quer criar uma cultura de perversão sexual, pode
reclamar que os adolescentes tratam a questão do estupro como algo
engraçado e normal? Isso contraditório! É contraditório incentivar
imoralidade e depois vir com um discurso moralista desses.
Mais uma contradição envolvendo a
questão do estupro: se a culpa do estupro é do estuprador, por que não
se pune esses desgraçados com rigor? Por que a esquerda não cria leis
que inviabilizem a vida de estupradores e pedófilos? É por que a mesma
esquerda que coloca a culpa no estuprador, não quer tornar as leis mais
rígidas. E não quer fazer isso porque considera que o criminoso comete
crimes por causa do meio. Mas se o criminoso comete crimes por culpa do
meio, como o estuprador pode ser culpado pelo estupro? E se ele é
culpado pelo estupro, como se pode defender leis brandas para
criminosos?
As contradições não param por aí.
Vamos falar sobre filhos. A esquerda gosta de acusar a direita de dar
aos seus filhos uma educação bruta, sem amor, retrógrada. Por isso,
gosta de enfatizar que nunca, jamais, devemos bater em nossos filhos
quando eles nos desobedecem, mas apenas conversar com eles. Para a
esquerda, isso é educar com amor. No entanto, a mesma esquerda discursa a
favor do aborto, argumentando que “a mulher é dona do seu próprio
corpo” (mais uma vez o maldito feminismo).
Em outras palavras, ela não
leva em consideração que existe um ser vivo dentro do corpo da mulher
grávida, um ser humano, uma criança, um filho. A vida da criança não
interessa, mas apenas a vontade da mãe de abortar. É esse o amor que os
esquerdistas pregam?
Liberdades individuais. A esquerda
gosta de se colocar como a verdadeira defensora das liberdades
individuais. Por isso, é favorável a ideias como a liberalização das
drogas e a liberalização do aborto. Essas ideias trazem, evidentemente,
prejuízos diretos para terceiros, mas a esquerda vê como direitos
individuais. No entanto, a mesma esquerda não acha que um homem tenha o
direito de ter suas terras (a defesa das invasões do MST e da reforma
agrária nada mais é do que dizer:
“Você não tem direito a essas terras e
nós vamos tomá-las contra sua vontade), de comprar uma arma para se
defender, de abrir e gerir uma empresa sem imensas dificuldades
burocráticas ou de não financiar, com seus impostos, empresas e serviços
públicos ineficientes. Aliás, para a esquerda, um homem também não tem
direito de educar seu filho como deseja. Ele precisa rezar a cartilha do
politicamente correto.
Corrupção cristã. A esquerda brada
contra corrupções no cristianismo. Ela deseja ensinar que o cristianismo
é um comércio e que os pastores são ladrões, e faz pressão para que as
igrejas paguem impostos. O roubo de dízimos e ofertas é um ultraje para a
esquerda e precisa ser evitado. No entanto, dízimos e ofertas dão quem
quer. Nenhum esquerdista é obrigado a dizimar ou ofertar. Na verdade,
dentro da lei civil, ninguém é obrigado a dar dízimo ou oferta a
igrejas. Isso é uma prática que se restringe a quem quer seguir a
religião. Então, a esquerda não tem absolutamente nada a ver com isso.
Agora, todos os cidadãos são
obrigados a pagar impostos. Altos impostos. Muitos impostos. E impostos
que não são bem utilizados pelo governo. Isso sim é um problema que
afeta a todos. Mas a mesma esquerda que brada contra o roubo de dízimos e
ofertas que ela nem sequer tem obrigação de dar, apóia o aumento de
impostos sobre todos os cidadãos para financiar mais empresas e serviços
ineficientes do governo e permitir que mais verbas sejam roubadas por
governantes. Isso não só é contraditório como desonesto.
Aliás, o
imposto que a esquerda quer que a igreja pague também será roubado por
governantes. Em outras palavras, a esquerda não está interessada em
ajudar os cristãos a não serem roubados. Ela está interessada em passar a
riqueza dos pastores ladrões para os políticos ladrões.
Opressão cristã. A esquerda adora
falar sobre a opressão cristã. Ela afirma que o cristianismo é uma
religião que cria preconceitos contra a mulher e o homossexual, que nos
reprime sexualmente, que cria uma moral burguesa hipócrita e etc. É
claro que o esquerdista que é cristão ameniza essa ideia para poder
conciliar sua religião e sua posição política. Mas a esquerda surgiu do
pensamento iluminista anticristão e sempre se destacou por criticar o
cristianismo. Por isso, os países de maioria cristã são severamente
criticados pela esquerda, por seu moralismo, sua defesa das tradições e
sua “opressão” religiosa.
Curiosamente, a mesma esquerda costuma a
adotar um discurso favorável aos países de maioria islâmica ou, no
mínimo, um discurso com críticas muito brandas e raras. A impressão que
fica é que o cristianismo e os países de maioria cristã são mais
opressores que o islamismo e os países de maioria islâmica. Mas são
justamente nos países islâmicos que mais vemos abuso dos direitos
humanos, como agressões à mulher e aos homossexuais (e dentro da lei,
aliás).
Guerras. A esquerda adora posar de
defensora da paz. Ela brada contra as guerras feitas a países islâmicos e
países comunistas, ao longo da história. Também não gosto de guerras. E
acho que muitas delas poderiam ter sido evitadas. Mas a mesma esquerda
que condena as guerras contra os países que ela defende, não vê problema
algum em guerras, violência e assassinatos contra aqueles que ela
entende como inimigos. No Brasil, por exemplo, algumas dezenas de
pessoas foram mortas por ataques de terroristas de extrema-esquerda na
época do regime militar. Em todos os países comunistas somados, milhões
de pessoas morreram por inanição forçada e por repressão do regime.
Milhares de pessoas morrem todos os anos em países islâmicos também por
causa do autoritarismo dos mesmos. As FARC, da Colômbia (que é criação
da esquerda), e todas as facções criminosas do Brasil, como CV, ADA e
PCC (cujos integrantes não tem culpa de seus crimes, mas são vítimas da
sociedade, segundo a esquerda) matam centenas de pessoas todos os anos.
Esses assassinatos, porém, não são considerados nos discursos da
esquerda.
O leitor pode estar pensando que eu
sou um daqueles idealistas que joga a culpa de todo o mal do mundo na
esquerda e que acha que a direita é perfeita. Mas não é verdade. Eu
reconheço que a direita cometeu muitos erros ao longo da história e que
continuará cometendo.
Também não acho que a esquerda deve ser retirada
do jogo democrático. Uma democracia, para funcionar, precisa ter tanto
esquerda como direita. E eu sou capaz de dizer que ambas podem
contribuir para a melhora de problemas sociais. Agora, que a esquerda
tem discursos contraditórios, isso é fato incontestável. Um esquerdista
não é obrigado a comprar essas contradições. Ele pode escolher apenas os
discursos de esquerda que se complementam, a fim de ter coerência. Mas
isso dificilmente acontece. E esse mais um dos motivos que me fazem não
querer ser um esquerdista.