Publicado em março 1, 2016 por
Redação
Antropoceno: ou mudamos nosso estilo de vida, ou a Terra sucumbirá. Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro
“De fato, um desafio importante significa repensar o
significado da vida: o que queremos da nossa vida, da nossa organização
social? Para que vivemos?”, provoca o geólogo.
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Imagem: www.eltribuno.info
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O
consumo exagerado, que anseia sempre o novo e
descarta com facilidade quaisquer objetos, é o comportamento que tem
predominado na sociedade. Com o aumento da capacidade de produção em
nome do lucro, a oferta de produtos de toda ordem se amplia cada vez
mais e, no sentido oposto, os recursos naturais já dão sinais de
esgotamento. Essas são algumas das características do tempo em que
vivemos e que os estudiosos têm denominado de
Antropoceno. Trata-se de uma era em que a capacidade de intervenção da espécie humana no ambiente recebe o foco das atenções.
Conforme ressalta, em entrevista por telefone à
IHU On-Line, o geógrafo e professor
Wagner Costa Ribeiro, a importância e grande diferença do
Antropoceno
em relação às eras anteriores é que “pela primeira vez na história
geológica da natureza – das eras – se assumiu a espécie humana como
principal força motriz de transformação tanto da biosfera quanto da
litosfera e atmosfera”.
As
transformações no ambiente se intensificam na
medida em que o avanço tecnológico desenvolve, especializa e
potencializa o poder dos humanos de manejar os elementos da natureza de
acordo com seus interesses. No entanto, a
exploração
indiscriminada do planeta já apresenta as contas das consequências que
começam a ser pagas pelos que vivem o presente, mas serão cobradas com
veemência dos que ainda estão por vir se o estilo de vida da sociedade
não for repensado.
Para o geólogo, “esse é um debate de caráter ético que nós devemos
começar cada vez mais a aprofundar. Apesar de já se ter começado a falar
sobre esse tema, as discussões ainda são muito incipientes. Trata-se da
questão do
direito geracional, que de algum modo
nasceu com a preocupação com a sustentabilidade, que em linhas gerais
significa deixar para as gerações futuras as condições atuais do
planeta. Aos poucos estamos vendo que será impossível manter esse ritmo
intenso de uso de recursos naturais”.
Wagner Costa Ribeiro é graduado em Geografia, mestre
e doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP.
Atualmente é professor do Departamento de Geografia e dos Programas de
Pós-Graduação em Geografia Humana e Ciência Ambiental da USP. Obteve a
livre docência também na USP e realizou estudos de pós-doutorado na
Universidad de Barcelona – UB, na Espanha. Também coordena o Grupo de
Pesquisa de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos Avançados da
USP. Entre suas obras, destaca-se
A ordem ambiental internacional(São Paulo: Contexto, 2001).
Confira a entrevista.
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Foto: www.imagens.usp.br
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IHU On-Line – O que as últimas pesquisas que têm sido feitas
indicam sobre o Antropoceno? Já se pode afirmar que de fato o mundo
entrou mesmo em uma nova época geológica?
Wagner Costa Ribeiro – O primeiro a anunciar e popularizar a ideia do
Antropoceno como nova era geológica foi o
Prêmio Nobel de Química Paul Crutzen, em 2002. Em 2008, a
Sociedade Geológica do Reino Unido, em uma reunião, acabou afirmando a existência do
Antropoceno, portanto não há mais controvérsias em relação a estarmos ou não diante de uma
nova era geológica.
A questão é procurar identificar o que caracterizaria esse novo momento
a ponto de merecer um novo rótulo ou título. Já temos algumas
características que nos permitem dizer que de fato estamos em outro
momento.
Agora, o primeiro aspecto a deixar muito claro é que, pela
primeira vez na história geológica da natureza – das eras –, se assumiu a
espécie humana como principal força motriz de transformação tanto da
biosfera quanto da litosfera e da atmosfera.
Se analisarmos do ponto de vista da existência da sociedade, corresponde ao
período da modernização,
que vai do final do século XIX até hoje. Logo, temos em torno de 130 ou
140 anos nessa nova era geológica, que é marcada por algumas
características bastante importantes, e são todas elas características
humanas:
– a primeira é o incremento tecnológico importante a partir da
máquina a vapor, que faz com que o uso de combustíveis fósseis cresça muito – teremos aí, no primeiro momento, o carvão;
– depois temos a invenção do
motor a explosão, inclusive com o uso de outro combustível de matriz fóssil, que é justamente o petróleo.
E o que representa ter máquinas como as que são movidas a vapor ou as
que são movidas a partir da queima de combustível, como é o caso do
motor a explosão? Nós incrementamos a nossa força motriz, nossa força de
transformação da superfície terrestre. Assim, uma tarefa que era feita
por muitos homens em muito tempo, passa a ser feita com uma simples
máquina, e isso faz com que tenhamos uma capacidade muito maior de
transformação da superfície terrestre.
Essa é de fato uma característica fundamental do chamado
Antropoceno, ou seja, do ponto de vista das ciências sociais corresponde à
modernização
e tem grandes implicações na organização social.
Assim, após a invenção
dos motores, teremos, por exemplo, a emergência da sociedade
capitalista, e bem mais tarde, na segunda metade do século XX – para
alguns é um pouco antes, mas eu prefiro demarcar depois da
Segunda Guerra Mundial – teremos a
sociedade de consumo em escala bastante abrangente.
Depois, a partir dos anos 1980 e, principalmente, a partir dos
últimos anos, com a saída da pobreza de uma parte expressiva da
população de países como
Brasil,
China e
Índia, houve um incremento desse consumo e se passou a ter outra característica importante do
Antropoceno:
um consumo bastante elevado, que faz com a demanda sobre os recursos
naturais aumente drasticamente. Esta é outra característica importante
do Antropoceno: o uso intensivo de
recursos naturais.
Se analisarmos as reservas de minério de Ferro, por exemplo, e
comparar o uso que se tinha até o século XIX com o que se usou no século
XX e mesmo agora no XXI é possível perceber que o incremento de consumo
desse tipo de material é muito maior. Essa atitude faz com que a
superfície terrestre seja muito alterada.
A partir dessas intervenções humanas temos diversas implicações, como
as mudanças climáticas, por exemplo, pois grande parte do uso dos
combustíveis fósseis acaba gerando carbono e isso se concentra na
atmosfera, fazendo com tenhamos consequências para além da superfície
terrestre.
“Não há dúvidas de que temos de mudar nosso estilo de vida”
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IHU On-Line – Quais são os sinais geológicos que indicam que
estamos numa nova época e quais são as características centrais desse
período?
Wagner Costa Ribeiro – Os
sinais geológicos virão das ações dos humanos. Por exemplo, já estão ocorrendo intervenções na
superfície marinha. É um dado que devemos ressaltar, porque não se trata apenas da extração de petróleo, como é o caso do
Brasil, mas também em alguns países, como
Papua-Nova Guiné e
Austrália, já teve início a
mineração
na superfície marinha. Ou seja, além de alterar a superfície terrestre,
passaremos a mexer também nas profundezas marinhas, o que pode trazer
consequências muito sérias, já que teremos uma alteração drástica do
fundo marinho e isso pode afetar, por exemplo, toda a microfauna local,
pode liberar gases para atmosfera, que estão armazenados de alguma
maneira, assim como pode trazer consequências ainda não muito bem
conhecidas.
Portanto, a nossa
característica de intervenção,
nossa capacidade motriz aumentou muito. O nosso movimento de pinça, que é
o primeiro elemento que faz com que tenhamos a capacidade de capturar
algo, que era feito simplesmente com o polegar e o opositor, hoje ganhou
uma força motriz infinitamente maior; temos capacidade tecnológica de
produzir máquinas que fazem com que esse movimento simples de coletar
algo ocorra, por exemplo, no caso do pré-sal, a 7 mil metros a partir do
fundo do mar.
Isso mostra que temos uma enorme
capacidade de extração,
o que é de fato muito preocupante, porque estamos extraindo recursos,
muitos dos quais não são reaproveitados e, principalmente, é uma herança
de processos naturais que algumas gerações do planeta Terra estão
usando sem se preocupar com as gerações futuras. Esse é um debate de
caráter ético que nós devemos começar cada vez mais a aprofundar.
Apesar
de já se ter começado a falar sobre esse tema, as discussões ainda são
muito incipientes.
Trata-se da questão do
direito geracional,
que de algum modo nasceu com a preocupação com a sustentabilidade, que
em linhas gerais significa deixar para as gerações futuras as condições
atuais do planeta. Aos poucos estamos vendo que será impossível manter
esse ritmo intenso de uso de recursos naturais.
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As mudanças no campo são “um exemplo bastante singelo
do quanto nós incrementamos a nossa capacidade
de alteração do ambiente”. Créditos das Imagems:
virtualmuseu.blogspot.com.br e capitaldocampo.com.br. |
IHU On-Line – O que distingue o Antropoceno do Holoceno?
Wagner Costa Ribeiro – O que distingue de fato é a
ação humana como a principal força motriz de
transformação da superfície terrestre,
inclusive com implicações na atmosfera e na biosfera. Há 10 mil anos,
no final da primeira revolução agrícola, nossa capacidade de revolver a
terra estava baseada no arado, então era muito menor.
Hoje nós temos,
por exemplo, máquinas agrícolas que não só revolvem a terra, mas que
também plantam; e outras que além de cultivar, praticamente embalam o
produto.
As diferenças ficam claras se fizermos uma comparação entre um arado
puxado por um homem ou eventualmente um animal e uma máquina dessas, que
tem até oito palhetas funcionando ao mesmo tempo, com um apenas
operário dando conta de uma vasta área.
Esse parece um exemplo bastante
singelo, mas muito claro, do quanto nós incrementamos a nossa
capacidade de alteração do ambiente e isso está associado ao processo de
modernização tecnológica;
portanto, antes de mais nada, é um processo histórico. A grande
diferença do Antropoceno é admitir a espécie humana, portanto admitir a
história, a sociedade como a força motriz de processos de alteração da
natureza em larga escala.
IHU On-Line – Na prática, alguma mudança no nosso estilo de vida é necessária pelo fato de estarmos entrando nessa nova era?
Wagner Costa Ribeiro – Essa é questão central. Não há dúvidas de que temos de mudar nosso estilo de vida. O
planeta terra é finito,
ele tem uma certa capacidade de fornecer elementos naturais, e se
tivermos cada vez mais demanda sobre essa mesma base, ou seja, se temos
um volume de minério de ferro, determinado volume de bauxita, de
petróleo, de água e de fontes energéticas, é evidente que se aumentar a
pressão sobre essa quantidade, que é fixa, nós teremos conflito.
Então, não por acaso, organismos multilaterais, como o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA,
criaram órgãos para discutir conflitos ambientais. De fato, temos que
mudar o estilo de vida, porque esse modelo de crescimento da produção
sem limites não pode continuar, é um engano, é uma ilusão achar que
continuaremos produzindo sem limitações. Ações como
reciclagem
e reaproveitamento de materiais não são mais um modismo ecológico,
passam a ser uma necessidade para a própria manutenção de produção da
sociedade de consumo contemporânea.
Nos últimos tempos, todos nós que trabalhamos com as questões
socioambientais há muitos anos ganhamos um aliado muito importante, eu
diria até inesperado, que foi o
Papa Francisco. O Papa, com sua
Encíclica
[Carta Encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco sobre o cuidado da casa
comum], lançada no ano passado, de maneira bastante contundente e com
uma penetração maior do que muitos pesquisadores, deixou claro que nós
teremos de alterar, sim, o nosso estilo de vida.
Não é possível manter essa sociedade pouco inteligente, que faz um
enorme esforço científico e tecnológico para gerar um objeto, e, poucos
meses depois – quando muito um ano depois – o descarta sem a menor
necessidade, para fazer com que as pessoas comprem um novo. É o que
ocorre, por exemplo, com aparelhos de telefone celular, computadores,
tablets e outros eletrônicos; nesses casos, o
apelo da inovação
é utilizado para fomentar a venda, a qual, se verificarmos na essência,
apresenta uma diferença pouco expressiva, mas reforça a ideia de que
sempre se deve buscar algo novo, que de fato nem é tão novo.
Então, esse é de fato um desafio importante e que significa repensar o
significado da vida:
o que queremos da nossa vida, da nossa organização social? Para que
vivemos? Algumas pessoas, infelizmente, vivem para ter, para consumir,
para comprar, e isso efetivamente não satisfaz. Já há vários trabalhos
de psicologia de massa acerca do
consumo que mostram
que determinado nível de consumo e de renda faz com que as pessoas não
tenham mais no consumo em si uma forma de realização pessoal, sendo
preciso buscar outros elementos, e aí as escolhas são as mais diversas.
Não entrarei nesse campo, mas há quem vá para o campo das drogas, da
violência, ou então da religião, dos esportes radicais etc.
Há uma busca de sentido para vida, porque a sociedade do consumo
efetivamente é muito ingrata, pois gera sempre a frustração. Por
exemplo, você acabou de comprar um aparelho ou instrumento tecnológico
que deseja e pouco tempo depois você se sente frustrado porque o mesmo
fabricante que vendeu aquilo diz: “agora isso não vale mais, o que vale é
esse novo”. E essa
frustração permanente tem gerado
muita inquietação, muito mercado de trabalho para o pessoal da saúde
mental. Não por acaso, a área da saúde mental cresce e as doenças
mentais crescem em escala muito preocupante, porque essa frustração
permanente deve ser cessada. É preciso, portanto, reorganizar a vida,
pensá-la a partir do que significa estar vivo no planeta terra e do que
podemos usufruir, não apenas da base material.
Isso não significa, evidentemente, abandonar a base material. Ninguém
está dizendo que não é mais para ter computador, nem telefone celular,
mas talvez não seja necessário trocar de aparelhos celulares e
computadores a cada seis meses, como ocorre em alguns lugares do mundo,
em especial nas camadas mais abastadas.
IHU On-Line – Algumas notícias informam que um dado em aberto
entre os pesquisadores que estudam o Antropoceno é definir qual é a
data formal do seu início. Como está essa discussão e qual data indica
melhor o início dessa nova era geológica?
Wagner Costa Ribeiro – Essa discussão é polêmica. Eu diria que a
Revolução Industrial é o grande marco e corresponde ao que na história se chama de
processo de modernização.
Acredito que a Revolução Industrial é o grande marco, que é quando
passamos a ter uma força motriz bastante ampliada; ou seja, como já
disse anteriormente, foi desenvolvida a máquina a vapor e depois
incrementada ainda mais por uma máquina com motor a explosão, com uma
capacidade de produção e de extração de recursos naturais bastante
ampliada.
Então, esse é realmente o grande marco, mas é um marco das ciências
da sociedade e, muitas vezes, os colegas das ciências da natureza não
são muito sensíveis a esse tipo de argumento. Não são todos os
pesquisadores, evidentemente, mas eu diria que alguns ainda não são
sensíveis e têm alguma dificuldade em assimilar essa ideia. Mas parece
razoável esse pensamento se tivermos em conta que o
Antropoceno é marcado pela
ação humana em larga escala, e isso começou com a Revolução Industrial.
Portanto, se fosse para marcar um ponto, apesar de que acho isso
pouco útil na história – confesso a você, pois não vejo necessidade em
precisar -, mas eu diria que a partir da
Revolução Industrial nós tivemos de fato uma aceleração muito intensa dessa transformação da superfície terrestre.
“O Antropoceno é marcado pela ação humana em larga escala, que começa com a Revolução Industrial”
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IHU On-Line – A discussão sobre mudanças climáticas tem algum peso nessa nova era geológica?
Wagner Costa Ribeiro – Essa é outra questão extremamente importante, que tem algumas interpretações possíveis: uma interpretação apresenta o
IPCC
[Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima], que, ao contrário
do que alguns dizem, estaria mostrando dados que não apresentam
claramente a gravidade das mudanças climáticas. Então é uma crítica ao
IPCC, que, segundo esse grupo, não estaria apresentando claramente a
gravidade das
mudanças climáticas e estaria, de alguma maneira, atenuando um pouco os problemas.
A outra posição é minoritária e critica o
IPCC dizendo que não há mudança climática e nem aquecimento global. Já a visão do IPCC diz que temos de controlar até
2 graus
Celsius, que é bastante conhecida. Nesse debate, destas três visões,
posso dizer que nós temos cada vez mais evidências de que as
condições climáticas do planeta, pelos menos na escala local, estão mudando bastante.
Eu posso falar um pouco da cidade onde moro,
São Paulo. Já tenho 53 anos e São Paulo não é mais a terra da garoa de quando eu tinha entre oito e dez anos de idade. Houve uma
mudança no microclima,
mas isso tem a ver com mudança climática? Necessariamente, não. Nós
tivemos um processo de intensificação da urbanização e não só em São
Paulo, mas também em várias outras metrópoles no mundo, fazendo com que
as condições locais tenham uma alteração bastante expressiva. Portanto é
uma característica do
Antropoceno, ou seja, nós mudamos a superfície terrestre de maneira radical.
Aquela massa de ar frio que chegava tinha um ambiente florestado, mas
muitas vezes ela não encontra mais essas condições e segue por uma
superfície mais aquecida, tendo uma precipitação muito mais intensa. Com
isso é possível explicar por que
São Paulo não é mais a
terra da garoa. Mas como se explica a seca que tivemos agora? Aí não é
mais a escala local, temos que pensar processos de ordem mais ampla, de
pressão atmosférica.
É a mesma coisa que estamos vendo junto a
Manaus, no município de
Presidente Figueiredo, com uma seca bem aguda. Ou seja, estamos tendo
fenômenos extremos
com maior recorrência, e isso, segundo o próprio IPCC e vários
pesquisadores que se dedicam a analisar a mudança climática, seria de
fato uma indicação de que na escala mais ampla, para além da escala
local, nós estamos já vivendo processos que têm relação com essa maior
presença dos gases de efeito estufa na atmosfera.
Então, o que eu estou dizendo é que ainda é precoce afirmar que estes eventos extremos são decorrência do
aquecimento global, mas não é precoce dizer que eles estão confirmando algumas projeções que o
IPCC
vem fazendo desde os anos 1980 do século passado. Nesse caso, acredito
que surja um princípio muito importante que, aliás, está na própria
Convenção da Mudança Climática,
que é de 1992. Lá já está claro o princípio da precaução. O que é este
princípio? Na dúvida, enquanto não houver a certeza científica, é
preciso tomar ações de precaução para evitar o acirramento de um
problema, e isso devemos ter em mente quando falamos de mudança
climática: nós não temos certeza, mas se as previsões se confirmarem, as
perspectivas são muito difíceis.
Diante disso, já que não conseguimos controlar a emissão da energia solar, já que não conseguimos controlar a emissão de
gases de efeito estufa
de um vulcão – alguns pesquisadores defendem que o vulcão emite muito
mais gases que toda a espécie humana -, temos que controlar a nossa
parte, que implica, justamente, em restringir o uso de
combustíveis fósseis, mudar práticas agrícolas etc. É nesse ponto que estamos.
Acabamos de assistir a uma reunião em
Paris, agora
em dezembro, onde os avanços finalmente apareceram. Nas críticas, alguns
dizem que o acordo firmado no encontro é insuficiente e outros dizem
que foi o pacto possível. Eu, que trabalho com esses assuntos há alguns
anos, fiquei satisfeito com o que foi acordado em Paris e entendo que
estamos em um processo de negociação, um processo difícil e penoso que
implica em
mudança do estilo de vida. Aí voltamos à pergunta que você me fez antes: a
mudança climática vai necessariamente impor mudança no estilo de vida, inclusive modificações naquilo que a espécie humana construiu.
Nós teremos que ter ajustes importantes, por exemplo, em cidades
costeiras, e pouco disso tem sido debatido e discutido, especialmente no
Brasil. Em alguns países, já há estudos profundos mostrando o que fazer em caso de
elevação do mar a 20, 50 ou 100 centímetros, por exemplo, baseado em modelos e estudos da costa. Estou falando de casos como a
Espanha e não de países mais centrais.
Nós temos de fato a
mudança climática ainda como uma incerteza, mas com indícios cada vez mais claros de que aquilo que se previa está ocorrendo.
Assim, é preciso tomar ações agora. No caso brasileiro há um agravante, pois temos um histórico social de
desigualdade
muito aguda, que faz com que muitas pessoas estejam em situação de
vulnerabilidade e isso pode ser agravado ainda mais pela mudança
climática. Portanto, temos de saldar a dívida social e ao mesmo tempo
fazer uma ação de
adaptação para a mudança climática.
Essa pode ser uma excelente oportunidade para movimentar o país e nos colocar na direção da geração de emprego e da saída dessa
crise conjuntural,
apostando, por exemplo, na criação de saneamento básico, habitação de
interesse social, revitalização de centros urbanos com moradia social.
Enfim, poderíamos gerar muito emprego e muita atividade econômica
pensando em oferecer, por exemplo, moradia de menos risco para a
população carente do país e, dessa forma, faríamos também uma ação de
adaptação, construindo casas mais resistentes às intempéries que podem
vir a ocorrer em se confirmando as mudanças climáticas.
IHU On-Line – Já é possível estimar que mudanças geológicas podem ocorrer futuramente por conta do Antropoceno?
Wagner Costa Ribeiro – Já estão ocorrendo. Se
analisarmos, por exemplo, algumas intervenções que ocorrem junto à área
costeira, alguns portos alteram toda a dinâmica da geomorfologia
costeira. Usarei como exemplo um caso concreto: a
praia de Iracema, em
Fortaleza
– capital do Ceará e uma das principais metrópoles do Nordeste
brasileiro –, que sofreu sérias consequências com a construção de um
porto. Então, temos sim consequências hoje, que não são mais surpreendentes e são muito imediatas.
Outro exemplo: Quantas avenidas de fundo de vale foram construídas no
Brasil?
O que representa fazer uma avenida de fundo de vale? Haverá uma
aceleração da chegada da água no fundo do vale e a consequência é o
alagamento. Esse fenômeno tem uma consequência geológica, porque o
material será transportado com mais velocidade; mas tem também uma
explicação humana, porque nós somos a causa e muitas quem sofre as
consequências não é quem causa o problema, mas, infelizmente, quem está
vivendo junto à área de alagamento.
Dessa forma, já temos sim elementos dessas consequências. Por exemplo, se pensarmos na quantidade de
lagos artificiais
que já foram construídos na superfície terrestre, se pensarmos no
volume do material que foi retirado para fazer terraplanagem para a
construção de estradas, temos uma série de variáveis que mostram que
alteramos bastante a s
uperfície terrestre, afetando a
dinâmica geológica. Porque a geologia não é só o estudo das rochas,
abarca uma série de dinâmicas, como o processo de sedimentação e o
transporte de material, que estão sendo bastante afetadas.
“Temos de saldar a dívida social e ao mesmo tempo fazer uma ação de adaptação para a mudança climática”
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IHU On-Line – Que tipo de “pegada, marca geológica” imagina que o homem “pós-antropoceno” deixa na Terra?
Wagner Costa Ribeiro – Nós deixaremos um
aglomerado de material, que será muito rico para os arqueólogos do futuro, porque nós não estamos tendo o cuidado de
separar elementos
que a natureza criou separadamente. Darei um exemplo muito simples:
muitas peças do vestuário hoje são altamente complexas, combinando
algodão com tecido originário de petróleo e adicionando metais; é só
analisarmos qualquer calça jeans com acessórios ou nylon com alguns
enxertos de metal. A combinação de elementos de fabricação de utensílios
já existia no passado, mas eram apenas elementos naturais. O novo agora
é justamente acrescentar esse material a outros com origem do petróleo,
tornando-se mais difícil separá-los depois.
Se observarmos as edificações, a situação não é diferente. Nós
introduzimos dentro de paredes dutos metálicos para transportar energia,
dutos de plástico para proteger os dutos metálicos que transportam
energia, enfim, vamos sofisticando os ambientes, misturando materiais.
Portanto, essa é uma característica nossa, porque nós misturamos, mas
não nos preocupamos depois em separar novamente, até para
reaproveitamento.
Dessa forma, a
pegada que deixaremos será um grande
aglomerado de materiais misturados,
ou seja, estamos misturando aquilo que natureza levou anos para deixar
organizado, separado. Estamos nos apropriando disso e embaralhando esse
material, e isso terá consequências: umas delas é a de que acabaremos
com os elementos naturais, e outra poderá ser de que, no futuro, se
quiser se reaproveitar esse material, haverá um enorme trabalho para
começar a juntar um pouquinho do minério de ferro que está em cada peça,
um pouquinho de bauxita que está em outras peças etc.
Isso já está ocorrendo, visto que alguns países já começaram hoje a
fazer prospecção em antigos lixões para buscar material de qualidade.
Portanto, talvez já tenhamos alguma indicação de que é preciso utilizar
de outra maneira essa oferta que a natureza nos deixou como herança.
Ninguém garante que somos os únicos usuários desse estoque de material
que a natureza nos deixou, por isso temos de pensar que quem está por
vir também tem o direito de usar esse material.
Por Patricia Fachin e Leslie Chaves
(
EcoDebate, 01/03/2016) publicado pela
IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[
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