Publicado em agosto 25, 2015 por
Redação
“Dependendo do tipo de intoxicação que ocorre, o tratamento é
apenas sintomático, e dificilmente se reverte uma intoxicação, porque
são poucos os agrotóxicos que têm ‘antídotos’. Muitas vezes esses danos
podem continuar se manifestando de forma silenciosa até o fim da vida,
tendo como resultado, por exemplo, o aparecimento de um câncer”, alerta a
toxicologista.
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Foto: Fernando Frazão (ABr)
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Quando o assunto é
agrotóxico e saúde, a discussão tem de ser feita a partir da perspectiva da “prevenção para evitar que um dano à saúde se estabeleça”, diz
Karen Friedrich à
IHU On-Line. Além da prevenção, frisa, “seria importante incentivar iniciativas como o
incentivo às práticas agroecológicas”, já que o Brasil é considerado o campeão de uso de agrotóxicos há sete anos.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone,
Karen explica que alguns fatores contribuem para que
agrotóxicos já banidos
em outros países continuem sendo utilizados nas lavouras brasileiras.
Entre eles, ela menciona a forma como esses produtos são analisados no
Brasil, individualmente, sem considerar que durante a aplicação nas
lavouras há um
uso combinado de vários tipos de agrotóxicos.
Além disso, destaca, a estrutura dos órgãos de vigilância e
fiscalização é “precária”, o que impede o acompanhamento das populações
expostas, para verificar quais são os riscos do contato com essas
substâncias. “Outras ações importantes deveriam ser feitas a partir do
Estado, para melhorar a capacitação dos médicos e profissionais da
saúde, possibilitando o diagnóstico das pessoas contaminadas e,
consequentemente, o tratamento, quando possível”, sugere.
Apesar da resistência brasileira em banir esses produtos,
Karen informa que instituições nacionais, a exemplo do
Instituto Nacional do Câncer – INCA,
desenvolvem campanhas e parcerias com o Instituto Internacional de
Pesquisa em Câncer – IARC da Organização Mundial da Saúde – OMS, que faz
“avaliações e revisões sistemáticas sobre alguns agrotóxicos”.
“Os
estudos feitos pelo IARC mostram que os agrotóxicos que usamos no Brasil
apresentam enorme potencial de desenvolvimento de câncer em seres
humanos. Dentre eles, o glifosato foi classificado como carcinógeno
humano, assim como o malathion, que é muito usado também em campanhas de
saúde pública [pulverizado em campanhas de combate ao mosquito da
dengue], e o herbicida 2,4-D, que foi classificado como possível
carcinógeno humano”, alerta.
Karen Friedrich possui graduação em Biomedicina pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, mestrado e
doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio
Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é servidora pública do
Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde – INCQS da Fundação
Oswaldo Cruz e professora assistente da UNIRIO.
É presidente da
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN e
coordenadora do GT de Agrotóxicos e Transgênicos da Associação
Brasileira de Agroecologia.
Ontem, 24-08-2015, às 9h, Karen ministrarou a palestra “
Uso combinado de Agrotóxicos e o impacto na saúde”, na abertura do
Seminário Agrotóxicos: Impactos na Saúde e no Ambiente,
que aconteceu na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, na
Unisinos. A programação completa da atividade está disponível aqui. Na
oportunidade também será lançado o
Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde.
Confira a entrevista.
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Foto: Fiocruz
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IHU On-Line – Que discussão é importante ser feita quando se trata da relação entre agrotóxicos e saúde?
Karen Friedrich – Da ótica da saúde, sempre temos de trabalhar com a
prevenção
para evitar que um dano à saúde se estabeleça.
Só que a estrutura dos
órgãos de vigilância e fiscalização das populações expostas é precária, e
por isso temos poucas iniciativas bem-sucedidas que trabalham com a
prevenção e com a promoção da saúde
no que se refere aos agrotóxicos.
Então, o ideal é que sempre se evite o
uso de agrotóxicos, porque deste modo estamos protegendo a população
trabalhadora do campo, aqueles que residem no campo e aqueles que
consomem alimentos que foram produzidos com agrotóxicos. Portanto, no
caso da prevenção, essa deveria ser a medida principal.
Na questão da promoção da saúde, seria importante incentivar iniciativas como o incentivo às
práticas agroecológicas,
para buscar a produção de alimentos sem o uso de venenos e visando
também uma lógica de justiça ambiental e social nos sistemas produtivos.
Nesse sentido, a
reforma agrária é uma política
importante que deve ser fortalecida no país, pois desse modo
restringiremos modelos de produção dependentes do uso de agrotóxicos.
A outra vertente, que diz respeito ao tratamento daqueles que já
estão intoxicados e que foram expostos ao agrotóxico, deveria se voltar
às ações para fortalecer os
centros de notificação de agrotóxicos,
para poder mapear os locais onde existem maiores casos ou maior
propensão ao aparecimento de casos de intoxicação.
Por isso, é
importante fortalecer as estruturas de vigilância. Nesse sentido, outras
ações importantes deveriam ser feitas a partir do Estado, para melhorar
a capacitação dos médicos e profissionais da saúde, possibilitando o
diagnóstico das pessoas contaminadas e, consequentemente, o tratamento,
quando possível.
Sabemos que, independentemente do tipo de intoxicação
que ocorre, o tratamento é apenas sintomático, e dificilmente se reverte
uma intoxicação, porque são poucos os
agrotóxicos que
têm “antídotos”. Muitas vezes esses danos podem continuar se
manifestando de forma silenciosa até o fim da vida, tendo como
resultado, por exemplo, o aparecimento de um câncer ou um dano hepático
renal bastante grave.
IHU On-Line – Qual é a relação entre o consumo de agrotóxicos e as causas de câncer?
Karen Friedrich – Estudos experimentais científicos
tanto com animais de laboratório como com populações expostas,
realizados em outros países, mostram uma relação clara entre o uso de
agrotóxicos e o
aparecimento de câncer.
Instituições que têm conhecimento na área de pesquisa de câncer, como o
Instituto Internacional de Pesquisa em Câncer – IARC da Organização Mundial da Saúde –
OMS,
fizeram avaliações e revisões sistemáticas sobre alguns agrotóxicos, e
esses estudos mostram que os agrotóxicos que usamos no Brasil apresentam
enorme potencial de desenvolvimento de câncer em seres humanos.
Dentre
eles, o
glifosato foi classificado como carcinógeno humano, assim como o
malathion, que é muito usado também em campanhas de saúde pública [pulverizado em campanhas de combate ao mosquito da dengue], e o
herbicida 2,4-D,
que foi classificado como possível carcinógeno humano. Portanto, temos
estudos científicos de organismos internacionais e nacionais, como o
Instituto Nacional do Câncer – INCA, que estão se posicionando quanto ao risco do uso dos agrotóxicos desenvolverem câncer.
“No dia a dia o ser humano é exposto a uma mistura de vários agrotóxicos”
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IHU On-Line – Como o agrotóxico ainda é permitido, mesmo depois do resultado dessas pesquisas?
Karen Friedrich – Quando se registra um produto, se coloca a questão de por que a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa
permite que se use agrotóxicos que causam câncer. Na verdade, quando a
Anvisa libera o registro de um agrotóxico, ela faz essa avaliação a
partir dos estudos que são apresentados pelas empresas.
Então, são
estudos experimentais, bem conduzidos, os quais acreditamos serem
idôneos, mas que têm suas limitações.
A primeira limitação é que eles
expõem um único agrotóxico naquele estudo, enquanto no dia a dia o ser
humano é exposto a uma
mistura de vários agrotóxicos.
Por isso os estudos epidemiológicos, que têm sido realizados nos Estado
Unidos e Canadá, estão apontando a associação entre agrotóxicos e
câncer, porque eles estão estudando o agrotóxico na sua realidade de
uso, que considera justamente uma mistura de agrotóxicos.
IHU On-Line – Além do câncer, que outros impactos o uso e a exposição aos agrotóxicos causam à saúde?
Karen Friedrich – Existem aqueles efeitos mais
imediatos, que podem ocorrer logo após a exposição. Então, em geral o
trabalhador do campo, que está mais exposto ao produto, faz relatos
frequentes de intoxicações agudas, que causam dor de cabeça, vômitos,
diarreia e até o óbito. Além disso, existem os efeitos mais tardios, que
são o câncer, alterações hormonais, alterações reprodutivas, que são
relacionadas, cientificamente, ao uso de agrotóxicos.
IHU On-Line – Como o Dossiê da Abrasco está repercutindo
entre os setores de saúde e vigilância sanitária no país? Como essa
discussão acerca da relação entre consumo de agrotóxico e implicações à
saúde tem sido discutida no país?
Karen Friedrich – O
Dossiê foi lançado no final do mês de abril, e várias instituições, como o Ministério Público e Fóruns Estaduais, têm demandado da
Abrasco
o lançamento e a divulgação do Dossiê. Para nós, essa tem sido uma
surpresa, especialmente quando percebemos que pessoas que trabalham com a
área da saúde ou que são representantes do Estado têm poucas
informações sobre os
danos dos agrotóxicos.
Então, o
Dossiê traz, de um lado, alguns estudos científicos para contribuir com
informações para essas pessoas que trabalham na área da saúde,
ressaltando que esses estudos não estão esgotados, porque existem mais
estudos apontando os prejuízos dos agrotóxicos. Essas informações podem
ser úteis para que os órgãos do Estado tomem ações não só em nível
federal, mas também os municípios e os estados possam tomar ações para
coibir alguns agrotóxicos em seus territórios.
De outro lado, o Dossiê também traz uma discussão sobre a
fragilidade do processo de registro dos agrotóxicos
no Brasil e em outros países, apresentando dados de contaminação por
agrotóxicos na água, na água da chuva, no leite materno — muitas pessoas
não têm conhecimento disso, porque, às vezes, essas informações estão
publicadas apenas em artigos científicos. Além disso, o
Dossiê
também traz uma abordagem muito interessante sobre os territórios que
estão suscetíveis aos danos dos agrotóxicos, e aí há depoimentos de
pessoas que falam sobre os impactos que elas têm sentido e identificado.
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“Alguns agrotóxicos já foram proibidos em vários países, mas ainda são comercializados no Brasil”
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IHU On-Line – Como o debate sobre o uso de agrotóxico na
agricultura e os riscos à saúde tem sido feito em outros locais do
mundo?
Karen Friedrich – O Brasil é o maior consumidor
mundial e tem uma grande fragilidade regulatória em relação aos
agrotóxicos. Por isso sabemos que há fragilidade nos laboratórios
analíticos, fragilidade em relação ao número de pessoas que trabalham
nos órgãos de Estado para darem conta do volume de trabalho.
De fato, a
situação do Brasil
é a pior no cenário internacional em relação ao uso de agrotóxicos.
Mas, ainda assim, em outros países existem organizações, até análogas à
campanha permanente contra os agrotóxicos, e existem organizações e
grupos de pesquisadores que têm se posicionado contra alguns agrotóxicos
como, por exemplo, o
glifosato, que apresenta riscos à saúde.
Alguns agrotóxicos já foram proibidos em vários países, mas ainda são
comercializados no Brasil. Esse é um fato importante, porque mostra que
as autoridades regulatórias internacionais já reconheceram os
danos à saúde e proibiram o uso dessas substâncias, enquanto nós continuamos usando esses agrotóxicos.
Por Leslie Chaves e Patrícia Fachin
(EcoDebate, 25/08/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo,
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