As emissões brasileiras de gases de efeito estufa se
mantiveram estáveis em 2018, segundo nova estimativa do SEEG, o Sistema de
Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima.
No ano passado, o país teve emissões brutas de 1,939 bilhão
de toneladas de CO2 equivalente (CO2e), um valor
0,3% maior do que o 1,932 bilhão de toneladas verificado em 2017.
Os dados
serão apresentados nesta quarta-feira (6) em Recife, durante a 1a Conferência
Brasileira de Mudança do Clima.
Apesar dessa estabilidade, as emissões por mudança de uso da
terra, por outro lado, cresceram 3,6% em 2018 – percentual que corresponde a
845 milhões de toneladas de CO2, 29 milhões de toneladas a mais
que o ano anterior. O resultado pode ser explicado pelas emissões decorrentes
da alta de 8,5% no desmatamento da Amazônia no ano passado que foram, em parte,
compensadas por uma redução de cerca de 10% na destruição do Cerrado.
“Esse aumento foi capitaneado pelo Pará, onde o desmatamento
explodiu principalmente nas regiões da rodovia BR-163 e na Terra do Meio”,
explicou a diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia), Ane Alencar.
Ajuste
Neste ano, o SEEG fez um ajuste em sua metodologia que mudou
de forma significativa as emissões de uso da terra – um setor que foi
responsável por 44% das emissões do Brasil – e acabou levando a alterações em
toda a série histórica do Sistema.
O motivo está nos dados publicados pelo Terceiro Inventário
Nacional de emissões, do Ministério da Ciência e Tecnologia. O documento,
que fornecia o parâmetro de comparação ano a ano, apresentou emissões
superestimadas por desmatamento da Mata Atlântica – de forma que, mesmo com uma
taxa de desmatamento 98% menor do que a da Amazônia, o bioma ainda tinha
emissões na casa das dezenas de milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Usando dados do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, publicado
pela Fundação SOS Mata Atlântica, o SEEG recalculou as respectivas emissões
desse bioma.
Queda x meta
No setor de energia, registrou-se queda de 5% nas emissões,
ocasionada por um aumento expressivo (13%) no uso de etanol no transporte de
passageiros, pela adição obrigatória de biodiesel ao diesel e pelo incremento
de renováveis na geração de eletricidade. Nessa área, houve também crescimento
da energia eólica e aumento das chuvas, que fizeram o governo desligar
termelétricas fósseis e acionar usinas hidrelétricas. Devido ao menor
acionamento de usinas térmicas, as fontes não-hídricas ultrapassaram as fósseis
pela primeira vez e, em 2018, foram a segunda maior fonte de eletricidade para
o país.
Já as emissões de agropecuária, processos industriais e
resíduos tiveram pequenas variações: queda de 0,7% no primeiro setor e aumento
de 1% nos outros dois.
Mesmo com a aparente boa notícia, o perfil das emissões
brasileiras indica que o país – que é o sétimo maior poluidor climático do
planeta – ainda não incorporou uma trajetória consistente de redução de
emissões. “Manter as emissões brasileiras estáveis num mundo que continua
aumentando as emissões é importante, mas não suficiente. O planeta precisa que
as emissões sejam reduzidas com vigor nos próximos anos, e infelizmente nosso
cenário de emissões para 2020 é de aumento”, afirmou Tasso Azevedo,
coordenador-técnico do OC e coordenador do SEEG.
Nos dois anos anteriores (2016 e 2017), as emissões vinham
em queda (0,4% em 2016 e 4,2% em 2017). Em 2019, elas deverão sofrer crescimento
importante, devido à explosão no desmatamento na Amazônia e no Cerrado. “O
desmatamento deste ano ainda não está capturado nesta estimativa”, salientou
Azevedo.
O país não cumprirá a meta estabelecida para 2020 em sua lei
nacional de clima de reduzir em 80% a taxa de desmatamento na Amazônia. Mesmo
que todo o desmatamento parasse hoje, a elevação detectada pelo sistema de
monitoramento do Inpe nos últimos meses já nos coloca num patamar superior aos
3.925 km2 estabelecidos na lei. Com a meta de 2020 prejudicada,
o país parte de uma posição pior para cumprir sua NDC, a meta do Acordo de
Paris.
“Nós já vínhamos numa situação delicada antes do desmonte da
governança ambiental brasileira promovido pelo governo atual”, disse Carlos
Rittl, secretário-executivo do OC. “Em 2019, os planos de combate ao
desmatamento na Amazônia e Cerrado foram engavetados e não temos nem mesmo um
esboço de plano para a implementação da NDC, que deveria ocorrer a partir do
ano que vem. Na verdade, até os órgãos que deveriam implantar a NDC foram
extintos pela atual administração.”
O desmatamento, que respondeu por 44% de todo o carbono
lançado na atmosfera pelo país em 2018, também causa distorções no perfil
brasileiro de emissões: é em grande parte por causa das mudanças no uso da
terra que o Brasil emite mais per capita do que a média mundial (9,3 toneladas
brutas contra 7,2 toneladas em 2018). Um cidadão do Pará, estado campeão de
emissões (e de desmatamento), emite quatro vezes mais do que um
norte-americano.
Outros setores
AGROPECUÁRIA: O setor respondeu por 25% das emissões
do Brasil em 2018, com 492 milhões de toneladas de CO2e. Trata-se de
uma ligeira queda de 0,7% em relação a 2017, causada por uma redução no rebanho
bovino, principal fonte de gases de efeito estufa do setor. Desde 2016, a
agropecuária tem tido pequenas quedas nas suas emissões devido a variações de
conjuntura. “O agro é um dos setores com maior potencial de aumentar sua
ambição de corte de emissões e de aumento do sequestro de carbono com aumento
de receita, mas ele vem reduzindo essas emissões em mais ou menos 1% ao ano.
Estamos perdendo a oportunidade de um ganha-ganha entre redução de emissões,
aumento de sequestro e aumento de produtividade”, observou Marina Piatto,
coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora.
ENERGIA e PROCESSOS INDUSTRIAIS: O setor de energia,
no qual são computadas as emissões por queima de combustíveis fósseis, foi o
destaque positivo do SEEG 7, com uma queda de 5% em 2018 – para 408 milhões de
toneladas de CO2e. Ele respondeu por 21% das emissões brasileiras. A
queda foi causada por uma combinação de três fatores principais: o aumento do
uso de biocombustíveis, em especial, o salto de 13% no uso de etanol nos transportes,
com uma redução idêntica no consumo de gasolina; uma temporada de chuvas
regular, o que reduziu o uso de termelétricas na matriz de eletricidade; e um
aumento das renováveis, sobretudo, a eólica. “Pela primeira vez as fontes
renováveis não-hídricas se tornaram a segunda principal forma de gerar
eletricidade no Brasil, superando as fontes fósseis”, afirmou Felipe Barcellos
e Silva, analista de projetos do IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente).
O setor de processos industriais e uso de produtos, que
reúne as emissões da indústria, teve em 2018 um aumento em seus gases-estufa de
1%, puxado pelo ligeiro reaquecimento da economia – de 99,9 MtCO2e
para 101,2 MtCO2e. Ele responde por 5% das emissões nacionais.
RESÍDUOS: O setor responde por 5% das emissões do
Brasil. Seu crescimento acompanha mais de perto o aumento da população e a
urbanização. Em 2018, as emissões por resíduos cresceram 1,3%, com 91,9 milhões
de tCO2e. “Historicamente, a principal contribuição de emissões do
setor é decorrente da disposição resíduos sólidos em aterros sanitários,
controlados e lixões. No entanto, observa-se uma contribuição cada vez mais
significativa dos subsetores de tratamento de efluentes líquidos, tanto
domésticos quanto industriais”, explicou Íris Coluna, assessora de projetos do
ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade. “A busca pela universalização
dos serviços de saneamento pode impactar significativamente o setor. Portanto,
é importante se valer de soluções que também contribuam para reduzir emissões.”
Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002,
composta por 47 organizações não governamentais e movimentos sociais. Atua para
o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão
sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site:
www.observatoriodoclima.eco.br.
Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões de
Gases de Efeito Estufa foi criado em 2012 para atender a uma determinação da
PNMC (Política Nacional de Mudanças Climáticas). O decreto que regulamenta a
PNMC estabeleceu que o país deveria produzir estimativas anuais de emissão, de
forma a acompanhar a execução da política. O governo, porém, nunca as produziu.
Os inventários nacionais, instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o
perfil de emissões do país, são publicados apenas de cinco em cinco anos.
O SEEG (
www.seeg.eco.br)
foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais para toda
a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em
2013. Hoje, em sua sétima coleção, é uma das maiores bases de dados nacionais
sobre emissões de gases estufa, compreendendo as emissões brasileiras de cinco
setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais
e Resíduos).
As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC
(Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários
Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do
MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).
Atuaram no SEEG 7 pesquisadores das ONGs: Ipam e Imazon
(Mudança de Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos
Industriais) e ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (Resíduos).