A
redução da maioridade penal é um tema polêmico. Na internet e no
jornal, onde os 10% que são contra a redução conseguem fazer mais
barulho compartilhando vídeos de professores e celebridades e "textão"
moralista. No mundo real, onde as pessoas são assassinadas por
criminosos menores de 16 anos, a questão é bem mais clara: se menores
estão cometendo injustiças, estas devem ser sanadas.
Neste artigo explicarei, primeiramente, porque os opositores da redução
da maioridade penal estão errados. Em um segundo lugar explicarei porque
a redução é a alternativa corretiva.
PARTE I: Refutando os principais "argumentos" da posição contrária à redução da maioridade penal
1.1. "Punição não é a solução!"
A primeira questão a levantar aqui é o que se entende por
"solução". Se por solução se entende o fim da criminalidade, estamos
obviamente diante da "Falácia do Nirvana", onde uma alternativa real com
resultados limitados é descartada em favor de uma alternativa
irrealista e com resultados ideais (o fim da criminalidade). Ninguém
espera que a redução da maioridade penal vá acabar de uma vez por todas
com a criminalidade. Aliás, ninguém fora do círculo da esquerda
"progressista" acredita que exista uma solução única qualquer que vá
acabar com toda a criminalidade.
Se
por "solução" estamos nos referindo a uma redução do crime que é fruto
da privação de liberdade de criminosos e potenciais reincidentes, então
sim a punição é a solução. Pelo menos em casos individuais.
Outro
ponto é que se a punição não é "solução", é irrelevante a questão da
maioridade penal: tanto criminosos de 16 como criminosos de 36 anos
deveriam estar livres de qualquer punição.
1.2. "É mais fácil punir do que educar."
Exemplo típico da "Falácia da Falsa Dicotomia",
onde duas alternativas são apresentadas como sendo mutuamente
excludentes, quando em realidade não são. Não precisamos escolher entre
um sistema educacional e um sistema penal.
Também
a punição privativa de liberdade não exclui medidas de reeducação e
reinserção dos detentos na sociedade: na verdade, ambas são
complementares e atuam melhor em conjunto - de um lado a detenção
impedindo a reincidência no curto prazo e de outro o programa de
reinserção prevenindo a reincidência no médio e longo prazo.
Não
se pode abandonar as medidas corretivas em favor das medidas
preventivas. As medidas preventivas buscam reduzir a criminalidade
futura, enquanto as medidas corretivas tentam sanar os danos da
criminalidade presente. Ambas as medidas são necessárias e
complementares. Afinal, ninguém propõe extinguir o Corpo de Bombeiros
(medida corretiva) porque os extintores de incêndio (medida preventiva)
já existem.
1.3. "Punir é fácil, quero ver é dar mais oportunidades."
Outro exemplo de falso dilema. As oportunidades também são medidas preventivas e que não excluem o uso das medidas corretivas.
Uma
ressalva: quando se fala em oportunidades não se deve levar em conta
somente os fatores econômicos como o combate à extrema pobreza, o
incentivo à qualificação profissional e a inserção no mercado de
trabalho. Devemos também levar em consideração que a criminalidade
também é promovida por fatores de ordem:
- Social - Falta de estrutura e bem-estar familiar e envolvimento com drogas.
- Cultural - Desejo de status e peer pressure.
- Jurídico-legal - Impunidade e falta de incentivos à boa conduta.
A redução da criminalidade, portanto, é algo muito mais complexo do que "educação" ou "oportunidades".
PARTE II: Explicando o porquê da redução da maioridade penal ser a alternativa mais ética
Agora
que já explicamos porque os opositores da redução estão errados, é o
momento de explicar porquê nós os defensores da redução estamos certos.
Para isto, empregarei três argumentos básicos, dois de cunho ético e um
de cunho utilitário.
2.1. Impunidade baseada em Faixa Etária é Privilégio (Argumento Ético Primeiro)
É errado garantir privilégios com base em critérios como raça, sexo ou
idade. O critério da imputabilidade penal deve ser o da capacidade
jurídica. Ou seja, o critério para determinar a imputabilidade e o grau
de responsabilidade de uma pessoa é o quão consciente ela está dos seus
atos, levando em consideração atenuantes e agravantes.
O
que se deve ter claro é que, excetuando alguns casos justificáveis como
o dos excepcionais ou de pessoas agindo sob coação e ameaça, um
cidadão não pode ter o privilégio da inimputabilidade a priori.
Estamos
transferindo a todas as demais pessoas da sociedade os riscos
implícitos na inimputabilidade de alguns. As consequências disso serão
abordadas no argumento utilitário.
2.2. O Direito das Vítimas à Justiça (Argumento Ético Segundo)
A impunidade de menores equivale a negar o acesso à justiça para as suas vítimas, que são também, em sua maioria, menores.
Todo
mundo conhece aquela história de "a maioria das vítimas de homicídio
são jovens negros". De fato, a maioria das vítimas de crimes violentos
são jovens pardos e negros vindos de famílias pobres. Mas o que se omite
nesta afirmação é que os seus algozes também são jovens.
É
puro palavrório vazio defender a proteção da juventude se não
garantimos a proteção, a nível individual, de jovens contra jovens. Como
pode se dizer defensor da juventude quem prega que os jovens tenham o
direito de matar uns aos outros impunemente? Também é uma questão de
proteção da juventude o seu direito à Justiça, o que inclui o
isolamento de indivíduos que põem em risco a sua integridade física. Ser
contra a redução não significa colocar-se ao lado dos jovens, mas ao
lado dos jovens que cometem crimes em detrimento dos jovens vítimas de
crimes.
Além
disso, como veremos a seguir, a impunidade fomenta a criminalidade
entre os jovens, o que coloca ainda mais jovens na condição de vítimas
potenciais.
2.3. A Impunidade dos Menores é um Incentivo ao Crime (Argumento Utilitário)
A impunidade dos menores é um dos principais fatores que incentivam o seu recrutamento pelo crime organizado.
Especialmente
nas zonas mais pobres, os jovens são a "bucha de canhão" do crime
organizado e do narcotráfico. Cooptados e à serviço de organização
criminosa, os jovens se vêm submetidos à uma guerra por mercados
ilegais. Menores matam menores em um ciclo infinito de rixas e execuções
sumárias numa luta pelo território de tráfico.
Mas
porque os menores são cooptados pelo tráfico? Sua capacidade de
julgamento é mais limitada, pois os jovens tendem a subestimar riscos e
superestimar oportunidades. Além disso, são mais fáceis de comandar: os
jovens estão mais propensos a acatar ordens se isso lhes garante a
aceitação do grupo (peer pressure). Mas o fator preponderante é que o
menor não é imputável pela lei: ele pode operar em nome da organização
criminosa sem o risco de ser detido. Consequentemente, os menores são
expostos às ações criminosas de maior risco e ao "trabalho sujo".
O
que é necessário entender aqui é que não punir os menores é uma medida
que está operando contra a sua própria segurança, pois esta medida
funciona na prática como um mecanismo de incentivo à cooptação de
menores por parte de organizações criminosas. Um jovem de 14 anos terá 4
anos de "estágio" no mundo do crime até ser imputável. Isto é
praticamente uma graduação no mundo do crime.
PARTE III: Conclusão
Considerando que a não redução da maioridade penal implicaria na
manutenção do atual sistema de incentivo à cooptação de menores pelo
crime organizado, na manutenção ou aumento das altas taxas de
criminalidade e mortalidade por crimes violentos entre jovens e na
impunidade que nega à tantas vítimas o acesso à Justiça, a única
alternativa ética a se tomar é a redução da maioridade penal.
Se
de fato nos importamos com a segurança e o bem-estar da juventude e da
sociedade como um todo, é nosso dever ético defender a redução da
maioridade penal. Primeiro para impedir que os jovens sejam vítimas, e
por último para impedir que eles mesmos se tornem algozes.