sábado, 21 de outubro de 2017

A atual trajetória de colapso socioambiental é incontestável; Análise de Luiz Marques (IFCH/Unicamp) Notícia


A atual trajetória de colapso socioambiental é incontestável; Análise de Luiz Marques (IFCH/Unicamp)



Jornal da UNICAMP
Texto LUIZ MARQUES
Fotos Reprodução: Rodrigo Baleia | Greenpeace
Pensamento qualitativo e pensamento quantitativo são estratégias mentais essencialmente diferentes. De nada vale, diante de um quadro, medir a tela ou inventariar o número de pessoas e objetos representados. A abordagem quantitativa permanece externa à obra e sua interpretação não é e não se pretende científica.


Ela é validada, para usar o termo consagrado por Berenson, pelo “senso de qualidade” do intérprete, o qual decorre de uma sensibilidade historicamente informada e, sobretudo, educada por um longo convívio comparativo com muitos objetos artísticos [I]. Ao afirmar que a obra de arte é sempre um fenômeno “deliciosamente relativo”, ou seja, que ela se afirma na relação, antes de mais nada, com outra obra de arte, Roberto Longhi dizia algo semelhante [II].


A intenção do parágrafo precedente não é relembrar a tripartição transcendental entre o belo, o justo e o verdadeiro, mas sublinhar, por oposição ao juízo estético, a especificidade do saber científico sobre a natureza. Desde Pitágoras e Platão, o pensamento grego, e depois ocidental, traçou o destino de nossa relação epistemológica com a natureza ao optar pela transfiguração da qualidade em quantidade, seja por intermédio de uma metafísica do número e das formas geométricas, seja, modernamente, pela mensuração dos parâmetros que indicam o comportamento dos fenômenos.



Essa matematização do mundo foi, como é sabido, formulada na aurora da ciência moderna pelo Il Saggiatore (1623) de Galileo: “a filosofia está escrita nesse grandíssimo livro, continuamente aberto aos nossos olhos (digo, o universo), mas não se pode entendê-lo se antes não se aprende a entender a língua e a conhecer os caracteres nos quais é escrito. Ele é escrito em língua matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas. Sem tais meios, é humanamente impossível entender algo” [III].



Contrariamente, portanto, ao “senso de qualidade”, capaz de gerar um juízo retoricamente persuasivo, mas que, como adverte ainda Berenson, “não pertence à categoria das coisas demonstráveis”, o próprio da ciência e sua ambição é a demonstração de um conjunto de proposições quantitativas que só admite contestação por outro conjunto de proposições quantitativas.



A trajetória de colapso socioambiental
Isso vale, por certo, para a mais incontornável e distintiva das proposições científicas de nosso tempo: a escala e rapidez crescentes das pressões deletérias exercidas pela lógica expansiva do capitalismo global sobre o sistema Terra coloca as sociedades humanas e a biodiversidade numa trajetória de colapso iminente. Definamos cada termo dessa proposição.


(1) O capitalismo é um sistema socioeconômico resultante da associação histórica entre: (a) um ordenamento jurídico fundado na propriedade privada do capital e (b) a racionalidade da ação econômica dos detentores do capital, definida pela busca da máxima remuneração do investimento.


A relação desses proprietários com a natureza é determinada por essa consciência intencional do mundo e é a força motriz que impele o sistema à sua contínua expansão. No capitalismo global, a propriedade do capital concentra-se nas mãos de uma “super entidade” econômica, composta por um núcleo densamente interconectado de controladores financeiros da rede de corporações multinacionais. Num artigo intitulado “The Network of Global Corporate Control”, Stefania Vitali, James Glattfelder e Stefano Battiston, do ETH Zurich, quantificaram esse controle da economia global: “737 proprietários (top holders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as corporações multinacionais” [IV].



(2) Define-se sistema Terra, não como uma ainda controversa “hipótese Gaia”, mas como o conjunto das interações mensuráveis entre a atmosfera, a biosfera, a geosfera, a pedosfera, a hidrosfera e a criosfera, interações decisivamente afetadas nos últimos decênios pela interferência antrópica[v].

(3) Por colapso socioambiental, deve-se entender uma transição abrupta para outro estado de equilíbrio do sistema Terra, estado cujo grau de alteridade em relação aos parâmetros do Holoceno é ainda incerto, mas que deve implicar com toda a probabilidade escassez hídrica, desestabilização climática e um aquecimento médio global não inferior a 3º C. Esse nível de aquecimento médio global arremessará as sociedades humanas a abismos de fome, insalubridade, violência, precariedade e mortalidade, condenando ao mesmo tempo à extinção um número imenso de outras espécies em todos os ecossistemas do planeta.


(4) Por iminente, enfim, deve-se entender um horizonte de tempo não posterior à segunda metade do século, sem excluir mudanças decisivas já nos próximos dois decênios.


A proposição de que estamos numa trajetória de colapso socioambiental iminente alicerça-se em conhecimento cumulativo. Dados, monitoramentos conduzidos ao longo de decênios, modelos estatísticos e projeções confirmadas pela observação convergem para conferir a essa proposição uma incerteza cada vez menor e constituem hoje, por certo, um dos mais consolidados consensos científicos da história do saber sobre a natureza e sobre nossa interação destrutiva e autodestrutiva com ela.


A respeito dessa proposição gravíssima, a comunidade científica tem lançado “alertas vermelhos” recorrentes, cuja linguagem não pode ser acusada de eufemismo. Lembremos os mais recentes em ordem cronológica. Em 1992, por ocasião da ECO-92 no Rio de Janeiro, 1.700 cientistas publicaram a “Advertência dos Cientistas do Mundo à Humanidade”, na qual reafirmavam claramente a iminência desse colapso:

“Não mais que uma ou poucas décadas restam antes que a chance de evitar as ameaças atuais seja perdida, diminuindo incomensuravelmente as perspectivas da humanidade”. 

Em 2007, essa iminência era reiterada pelo quarto relatório do IPCC, o mais importante coletivo de pesquisadores das mudanças climáticas [VI]:

“Qualquer meta de estabilização das concentrações de CO2 acima de 450 ppm [partes por milhão] tem uma probabilidade significativa de desencadear um evento climático de larga escala”.  

Note-se que em 2013 ultrapassamos 400 ppm e em abril de 2017 [VII] o Observatório de Mauna Loa, no Havaí, registrou pela primeira vez concentrações atmosféricas de 410 ppm de CO2, como mostra a Figura 1

Foto: Reprodução
Figura 1: Concentrações atmosféricas de CO2 em partes por milhão (ppm) de 1700 a abril de 2017.  A linha mais grossa indica as mensurações no topo do monte Mauna Loa, Havaí, iniciadas em 1958 (Curva de Keeling) | Fonte: National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA)

No período mostrado por esse gráfico (1700 – 2017), houve aumento de quase 50% nessas concentrações, com uma inequívoca aceleração desse processo no século XXI, como mostra detalhadamente a Figura 2.


Foto: Reprodução
Figura 2 – Taxas de crescimento das concentrações atmosféricas de CO2 em Mauna Loa, Havaí (1960 – 2016). Fonte: National Oceanic and Atmospherica Administration, NOAA, EUA.

Entre 1960 e 1997, houve apenas quatro aumentos anuais superiores a 2 ppm e nenhum superior a 2,5 ppm. Mas entre 1998 e 2016 registraram-se onze aumentos anuais superiores a 2 ppm e seis aumentos anuais superiores a 2,5 ppm, com três recordes batidos desde 1998: 2,93 ppm (1998); 3,03 ppm (2015) e 2,77 ppm (2016). E desde 2010, enfim, registrou-se apenas um aumento anual inferior a 2 ppm. Mantido um aumento médio futuro de 2,5 ppm/ano, atingiremos os temidos 450 ppm já em 2033, após os quais, como afirma o IPCC, aumentam as probabilidades de “se desencadear um evento climático de larga escala”.


Em 2013, outro alerta, intitulado “Consenso Científico sobre a Manutenção dos Sistemas de Suporte da Vida da Humanidade no século XXI”, assinado por mais de três mil cientistas, alertava mais uma vez para a iminência de um colapso socioambiental [VIII]:


“A Terra está rapidamente se aproximando de um ponto crítico. Os impactos humanos estão causando níveis alarmantes de dano ao nosso planeta. Como cientistas que estudamos a interação dos humanos com o resto da biosfera, usando uma ampla gama de abordagens, concordamos ser esmagadora a evidência de que os humanos estão degradando os sistemas de sustentação da vida. (…) 

Quando as crianças de hoje atingirem a meia-idade é extremamente provável que os sistemas de sustentação da vida terão sido irremediavelmente danificados pela magnitude, extensão global e combinação desses estressores causados pelos humanos [desequilíbrios climáticos, extinções, perda generalizada de diversos ecossistemas, poluição, crescimento populacional e padrões de consumo], a menos que tomemos ações imediatas para assegurar um futuro sustentável e de alta qualidade. Como membros da comunidade científica ativamente envolvidos em avaliar os impactos biológicos e sociais das mudanças globais, estamos disparando esse alarme”.


Há dois meses, enfim, oito cientistas reavaliaram o apelo de 1992 e lançaram a “Advertência dos Cientistas do Mundo à Humanidade – Segundo Aviso” [IX]:
Desde 1992, com exceção da estabilização da camada de ozônio estratosférico, a humanidade fracassou em fazer progressos suficientes na resolução geral desses desafios ambientais anunciados, sendo que a maioria deles está piorando de forma alarmante. 

Especialmente perturbadora é a trajetória atual das mudanças climáticas potencialmente catastróficas, devidas ao aumento dos gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis, desmatamento e produção agropecuária – particularmente do gado ruminante para consumo de carne. Além disso, desencadeamos um evento de extinção em massa, o sexto em cerca de 540 milhões de anos, no âmbito do qual muitas formas de vida atuais podem ser aniquiladas ou, ao menos, condenadas à extinção até o final deste século.


A resposta da comunidade científica a esse “Segundo Aviso” foi extraordinariamente vigorosa. Ele conta hoje com mais de 15 mil assinaturas de pesquisadores e cientistas de 180 países, entre as quais as de James Hansen, ex-diretor do Goddard Institute for Space Studies (NASA – GISS, Columbia University); de Matthew Hansen, do MODIS Land Science Team (NASA); de Will Steffen e Thomas Hahn (IPBES), ambos do Stockholm Resilience Centre; de Stefan Rahmstorf, diretor do Potsdam Institute for Climate Impact Research; de Daniel Pauly, diretor do The Sea Around Us (British Columbia University); de Jan Zalasiewicz, do Anthropocene Working Group (Subcomissão da Estratigrafia do Quaternário); e de Paul Ehrlich e Edward O. Wilson, de sete laureados com o Prêmio Nobel e de pesquisadores de todas as áreas das principais universidades brasileiras e do mundo todo.


É claro que há ainda muitas incertezas acerca da evolução do sistema Terra, mas essas incertezas estão diminuindo e são, sobretudo, de segunda ordem. A proposição central da ciência de que o aumento da interferência antrópica no sistema Terra está nos conduzindo a um colapso socioambiental iminente constitui o conteúdo comum de todos os alertas emitidos pelos coletivos de cientistas acima citados. A menos que se negue frontalmente esse consenso ou que se avancem elementos contrários quantitativamente relevantes, essa proposição mostra-se incontestável e as atuais tentativas de contestá-la não pertencem ao âmbito da ciência.


Bloqueio psicológico e bloqueio epistemológico
Isso posto, os fatos e alertas científicos chocam-se contra a barreira do negacionismo fomentado pelas corporações ou são metabolizados e neutralizados por um bloqueio ao mesmo tempo psicológico e epistemológico da maior parte das pessoas, inclusive entre as mais escolarizadas. O bloqueio psicológico oferece o último refúgio a um otimismo não substanciado por dados relevantes. Ele é bem compreensível, haja vista o teor da mensagem. O bloqueio epistemológico radica na necessidade de sustentar a hipótese de que o capitalismo global pode avançar, inclusive rapidamente, nas duas direções básicas requeridas pela ciência:

(1) reduzir a zero as emissões de carbono nos próximos dois decênios através de mecanismos indutores próprios do mercado (fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, taxa carbono etc);

(2) honrar os compromissos assumidos nos acordos diplomáticos, tais como o Protocolo de Kyoto, as 20 Metas de Aichi (Aichi Biodiversity Targets) [X], o Acordo de Paris etc.
As evidências contra essa hipótese de um capitalismo tendente ao “sustentável” são acachapantes. As emissões e concentrações atmosféricas de carbono não estão se estabilizando e não devem parar de aumentar nos dois próximos decênios. O Protocolo de Kyoto e as Metas de Aichi para 2020 fracassaram e os prognósticos para o Acordo de Paris são os piores possíveis, como demonstrado por um artigo publicado na Nature em agosto último, e já comentado nesta coluna [XI].

As emissões de GEE continuam aumentando
Uma viga mestra desse bloqueio epistemológico é a afirmação de que as emissões globais de GEE estão se estabilizando. Há de fato tendência à estabilização nas emissões relativas à produção de energia, por causa, sobretudo, da maior disponibilidade e competitividade do gás natural, o que gerou em 2016 diminuição de 1,7% no consumo global de carvão (-53 mtoe) em relação ao ano anterior, e isso pelo segundo ano consecutivo [XII]. Eis os últimos dados de consumo de combustíveis fósseis em milhões de toneladas de energia equivalente ao petróleo (mtoe):

Foto: Reprodução
Fonte: BP Statistical Review of World Energy. Junho de 2017 (em rede).
Mas os últimos dados da Emission Database for Global Atmospheric Research (EDGAR) mostram que as emissões de GEE como um todo continuam a aumentar, atingindo 53,4 GtCO2-eq em 2016, como certifica a Figura 3

Foto: Reprodução
Figura 3 – Emissões globais de Gases de Efeito Estufa (GEE) entre 1990 e 2016. | Fonte: Emission Database for Global Atmospheric Research (EDGAR)
É significativo que um eminente representante desse bloqueio epistemológico, Lord Nicholas Stern, Presidente da British Academy, tenha visto na figura acima motivo para comemorar: “Esses resultados são uma bem-vinda indicação de que estamos nos aproximando do pico das emissões anuais de gases de efeito estufa” [XIII]. Esse comentário de Stern lembra as peripécias pré-copernicanas do geocentrismo ptolomaico. Lá se tratava de “salvar” a hipótese geocêntrica. Aqui, de “salvar” a hipótese de que o capitalismo pode no limite nos desviar do colapso socioambiental. Pois esse gráfico simplesmente não mostra estabilização. Ele diz alto e bom som que em 2010 o mundo emitiu 50 GtCO2-eq e que houve em 2016 aumento dessas emissões da ordem de 7%. Definitivamente não há motivo para considerar tal aumento bem-vindo. Ele diz ainda, para concluir, três coisas extremamente importantes:

(1) Dados os esforços de Trump para reabilitar o carvão, é ainda prematuro afirmar que a tendente estabilização das emissões de CO2 relacionadas à produção de energia anuncie uma sucessiva diminuição. Aqui há motivo para alguma esperança, mas o maior problema é que essas emissões ligadas à produção de energia correspondem a apenas 60% dos GEE (~32 GtCO2-eq).

(2) 19% das emissões de GEE em 2016 provieram do metano, com grande contribuição da atividade entérica e dos resíduos dos ruminantes, cujo rebanho aumentou 20,5% entre 1992 e 2016, atingindo agora quase quatro bilhões de cabeças [XIV].

(3) O fator que mais empurrou a curva das emissões para cima (mancha cinza no topo do gráfico) foi a liberação de GEE pela agricultura, pelo desmatamento e pelos incêndios das florestas e das turfeiras (Land Use, Land Use change and Forestry, LULUCF).

Os pontos 2 e 3 mostram, mais uma vez, que o irmão gêmeo do Big Oil é o Big Food (inclusive para alimentar os animais que comemos) e que não nos desviaremos da trajetória de colapso ambiental sem uma profunda revisão do nosso sistema alimentar, transformado em commodities,  baseado no comércio global e em proteínas animais.

[I] Cf. Bernard Berenson, The sense of quality. Study and Criticism of Italian Art (1901), Nova York, 1962.

[II] Roberto Longhi, “Proposte per una critica d’arte”. Paragone, 1, 1950: “L’opera d’arte, dal vaso dell’artigiano greco alla volta Sistina, è sempre un capolavoro squisitamente relativo. L’opera non sta mai da sola. È sempre un rapporto. Per cominciare: almeno un rapporto con un’altra opera d’arte”. Em 1923, num pequeno texto provocador, Le Problème des Musées, Paul Valéry antecipava esse paradoxo longhiano entre a singularidade do termo “obra-prima” e seu caráter relativo. Para Valéry, as obras de arte dispostas nas galerias de um museu: “quanto mais belas, quanto mais efeitos excepcionais da ambição humana, mais devem ser distintas. São objetos raros e seus autores bem gostariam que fossem únicas”.

[III] Cf. Alexandre Koyré, “Galilée et Platon” (1943). Études d’histoire de la pensée scientifique, Paris, 1973, pp. 166-195.
[IV] Cf. S. Vitali, J. B. Glattfelder, S. Battiston, “The Network of Global Corporate Control” Plos One, 26/X/2011: “We find that only 737 top holders accumulate 80% of the control over the value of all TNCs (Transnational Corporations) (…). A large portion of control flows to a small tightly-knit core of financial institutions. This core can be seen as an economic ‘super-entity’”. 

[V] A ciência que estuda o comportamento desse conjunto extremamente complexo de interações, chamada ciência do sistema Terra (Earth system science), não se concebe como uma disciplina a mais entre outras, mas como uma nova relação entre ciências humanas e ciências da natureza, de resto impreterível na nova época geológico-cultural a que se dá o nome Antropoceno.

[VI] IPCC AR4 (2007) Working Group II: Impacts, Adaptation and Vulnerability: “Any CO2 stabilisation target above 450 ppm is associated with a significant probability of triggering a large-scale climatic event”. 

[VII] Cf. Brian Kahn, “We Just Breached the 410 PPM Threshold for CO2. Carbon dioxide has not reached this height in millions of years”. Scientific American, 21/IV/2017.
[VIII] Scientific Consensus on Maintaining Humanity’s Life Support Systems in the 21st Century: “Earth is rapidly approaching a tipping point. Human impacts are causing alarming levels of harm to our planet. As scientists who study the interaction of people with the rest of the biosphere using a wide range of approaches, we agree that the evidence that humans are damaging their ecological life-support systems is overwhelming. We further agree that, based on the best scientific information available, human quality of life will suffer substantial degradation by the year 2050 if we continue on our current path. By the time today’s children reach middle age, it is extremely likely that Earth’s life-support systems, critical for human prosperity and existence, will be irretrievably damaged by the magnitude, global extent, and combination of these human-caused environmental stressors [, unless we take concrete, immediate actions to ensure a sustainable, high-quality future. As members of the scientific community actively involved in assessing the biological and societal impacts of global change, we are sounding this alarm to the world”.


[X] Essas 20 metas subdividem-se em 56 objetivos e são agrupadas em 5 grandes estratégias para a conservação da biodiversidade entre 2011 e 2020. Veja-se http://www.cbd.int/sp/targets/.

[XI] Cf. David G. Victo, Keigo Akimoto, Yoichi Kaya, Mitsutsune Yamaguchi, Danny Cullenward & Cameron Hepburn, “Prove Paris was more than paper promises”, Nature, 548, 1/VIII/2017:  “No major advanced industrialized country is on track to meet its pledges to control the greenhouse-gas emissions that cause climate change. Wishful thinking and bravado are eclipsing reality”. Veja-se “Esperanças científicas e fatos políticos básicos sobre o Acordo de Paris”. Jornal da Unicamp, 25/IX/2017

[XII] Cf. BP Statistical Review of World Energy. Junho de 2017 (em rede).

[XIII] Citado por Damian Carrington, “Global carbon emissions stood still in 2016, offering climate hope”. The Guardian, 28/IX/2017: “These results are a welcome indication that we are nearing the peak in global annual emissions of greenhouse gases”.

[XIV] Veja-se esse dado em William J. Ripple, Christopher Wolf, Mauro Galetti, Thomas M Newsome, Mohammed Alamgir, Eileen Crist, Mahmoud I. Mahmoud, William F. Laurance, “World Scientists’ Warning to Humanity: A Second Notice”.

Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 2a edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização (crisalida.eco.br).

Do Jornal da UNICAMP, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017

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Impacto dos pássaros nas edificações, como diminuir? Artigo de Adriana Noya


Impacto dos pássaros nas edificações, como diminuir? Artigo de Adriana Noya


artigo

[EcoDebate] O uso do vidro nas fachadas dos edifícios está cada vez mais em alta. Grandes torres ou até mesmo residências quase que totalmente envidraçadas nos atraem, pois proporcionam sensação de amplitude, de infinito, dando a impressão de que os espaços internos são maiores, prolongando-se pelas vistas.


Sem dúvida, fica lindo. Mas há alguns fatores que devem ser levados em consideração. O primeiro é o conforto térmico, pois caso não sejam um dos chamados “vidros inteligentes ou de alta performance”, eles podem aquecer demais no verão, aumentando a necessidade do uso de condicionadores de ar e esfriar demais no inverno.


Mas, hoje, o foco deste artigo está nos pássaros. Eles enxergam estas grandes fachadas envidraçadas, ainda mais quando espelhadas, como a continuação do céu para voar e para onde mergulham e acabam sofrendo o impacto, muitas vezes, resultando em morte. Outras vezes, ao enxergarem o próprio reflexo nas grandes superfícies espelhadas, atacam a superfície, como se fosse um inimigo, também resultando em danos graves.


Estima-se que até um bilhão de pássaros morrem por ano nos Estados Unidos ao impactarem em janelas e paredes de vidro, tornando os edifícios a maior ameaça existente a eles. O dano é tão grande que hoje já consta na certificação LEED, como crédito piloto 55, a diminuição dos impactos dos pássaros nas edificações, criado para tentar reduzir esta mortalidade.

Para este crédito existem algumas exigências, como a seguir:

Atender as solicitações referentes à fachada e estruturas do terreno, iluminação externa e um plano de monitoramento contínuo, como abaixo:

Fachada do prédio e estruturas do terreno

Desenvolver uma estratégia de desenho da fachada do prédio e estruturas do terreno que se tornem visíveis e barreiras físicas para os pássaros.

Se todos os materiais das fachadas do prédio tiverem um fator de ameaça 15 ou menor, o prédio está isento dos requerimentos para as fachadas do prédio e os cálculos de ameaça para colisão não são necessários. Se qualquer material das fachadas do prédio tiver um fator de ameaça à colisão de pássaros acima de 15, então os cálculos são requeridos.
As demais estruturas no terreno, incluindo, mas não se limitando a guarda corpos, telas de vento, gazebos, cercas de proteção das piscinas, abrigos de ônibus, devem ser construídos com materiais com um fator de ameaça menor do que 15.

E na sequência fornece os passos para estes cálculos:

Primeiro, dividir cada fachada do prédio em fachada zona 1 e fachada zona 2.
Fachada zona 1 inclui os primeiros 11 metros acima do nível do terreno em todos os pontos do PNT e também 3,7m acima de qualquer telhado vegetado. A zona 2 inclui todas as áreas acima de 11m do PNT.

Depois identificar cada material e a área total de cada material para cada zona.
Não mais do que 15% da área de fachada da zona 1 pode ter um fator de ameaça maior que 75. Esta área é quantificada separadamente como fator de perigo de área envidraçada na calculadora. No entanto, mais de 15% da área envidraçada da zona 2 pode ter um fator maior que 75. Todos os cantos envidraçados ou em zona de voo devem ter um fator de ameaça menor ou igual a 25.

Tipos Gerais de Material: potencial de ameaça em ordem decrescente:

Tipos de Materiais

Maior potencial de ameaça
Vidro: Vidro altamente refletivo ou completamente transparente
Vidro: Estrutura refletiva ou transparente interrompida por um padrão baseada na regra 2×4
Vidro: Superfícies refletivas ou transparentes protegidas por telas, persianas ou brises, em que o vidro exposto resultante satisfaça a regra de 2×4
Vidro: Translúcido com superfícies opacas ou texturizadas


Menor potencial de ameaça
Superfícies opacas
• A regra 2 x 4 é definida no módulo de dissuasão de colisão baseado no perfil físico de um pássaro em voo. Uma pesquisa recente definiu um módulo máximo de 5 cm de altura por 10 cm de largura.
Iluminação exterior
Luzes externas do prédio que não sejam para segurança, entrada do prédio e circulação, devem ser automaticamente desligadas da meia noite às 6 da manhã. Caso seja necessário usar estas áreas fora destes períodos, estes sistemas devem poder ser ligados manualmente.

Mas mesmo sem optar por certificar a edificação como LEED nem optar por atender este crédito mesmo se estiver certificando LEED, existem algumas soluções que podem diminuir este problema, como por exemplo, plantar árvores altas para que o pássaro as enxergue como barreiras, não voando em direção à edificação.

Há, ainda, no mercado algumas soluções consideradas amigáveis aos pássaros pelo American Bird Conservancy (Órgão de proteção dos pássaros). Já foram desenvolvidos vidros comum tratamento invisível aos nossos olhos, mas que os pássaros enxergam como se fosse uma teia e, consequentemente, tornam-se um obstáculo. Algumas películas aplicadas da forma correta podem ter o mesmo papel, caso o vidro esteja fora de questão. Hoje em dia é importado da Alemanha.

Outra técnica que pode funcionar é aplicar adesivos com sombras simulando pássaros grandes em voo. Os pássaros menores temem o ataque e evitam o percurso.
Estas medidas podem diminuir as fatalidades, mas não garantem que parem totalmente. Qualquer barreira visual, seja película, jateamento, tratamento com ácido, pode ajudar na diminuição destes impactos, mas não garante que pare totalmente, depende da localização, espécies de pássaros, orientação, reflexos do sol, local onde os pássaros buscam alimentos, rotas de voo, etc.

Sempre que um edifício é projetado é importante pensar nisto também: sustentabilidade não é só conservar água, energia e materiais, mas é também interferir o mínimo possível na natureza, e se possível ainda deixando um impacto positivo.

Adriana Noya, Arquiteta e LEED AP BD+C – Arquiteta, Urbanista e Designer de interiores ,com ampla experiência em projetos residenciais, comerciais e corporativos.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017
"Impacto dos pássaros nas edificações, como diminuir? Artigo de Adriana Noya," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/10/20/impacto-dos-passaros-nas-edificacoes-como-diminuir-artigo-de-adriana-noya/.

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De cara com o lixo do Programa Nuclear Brasileiro, por Zoraide Vilasboas Artigo


De cara com o lixo do Programa Nuclear Brasileiro, por Zoraide Vilasboas


Lixo nuclear da primeira mineração de urânio ocupa uma área correspondente a 100 Maracanãs, em Poços de Caldas (MG)!



Por Zoraide Vilasboas
Pela primeira vez, com imagens inéditas e surpreendentes, reportagem em cadeia nacional de TV colocou a sociedade brasileira frente a frente com a assustadora questão do lixo nuclear. A produção de resíduos radioativos em toda cadeia de geração de energia nuclear é o principal impacto ambiental do uso desta tecnologia. O grande desafio global hoje é justamente como lidar com o “beco sem saída” do lixo atômico para o qual, em mais de 70 anos, nenhum cientista –entre os “gênios” que povoam o mundo nuclear– encontrou solução definitiva, e ameaça a Vida no planeta. Por esta razão, a tendência mundial é abandonar a fonte nuclear por fontes renováveis de energia, como a solar, eólica e biomassa. No Brasil ocorre o oposto. Apesar de todos os senões, o governo segue tentando impor a conclusão da usina atômica Angra 3 (RJ). A obra está no epicentro das investigações de corrupção e lavagem de dinheiro na Eletronuclear e, por sua própria essência, envolve riscos enormes e sérios para a natureza e a humanidade. https://globoplay.globo.com/v/6154036/


Foi em 1982, em Minas Gerais, que o Brasil começou a extrair urânio. Em 13 anos a atividade ficou inviável economicamente, deixando em Poços de Caldas: lama radioativa na cava da mina; bacias de contenção lotadas de rejeito; galpões e uma fábrica de beneficiamento de minério desativada. São mais de 12 mil toneladas de resíduos, que contem urânio, tório, rádio, radônio e outros contaminantes. Passaram-se 22 anos, e a área degradada não foi recuperada. Neste tempo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) foi apontando irregularidades, determinando medidas corretivas, nunca efetivadas, e tolerando a incompetência, irresponsabilidade e erros reincidentes das Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A CNEN é proprietária e fiscal da INB, estatal responsável por todas as atividades do “ciclo do combustível nuclear”, desde a mineração até a fabricação do combustível que abastece as usinas atômicas de Angra dos Reis (RJ).
 



Segundo a reportagem, a INB teria apresentado o projeto de recuperação da área em 2012, calculando que precisará de US$500 milhões para fazer a descontaminação, durante 40 anos. Mas afirma não ter orçamento para isto. Ainda assim, apesar da grave situação evidenciada pela TV, a INB descartou o risco de contaminação do solo e da água na região. Mais uma prova que a mentira institucionalizada, a falta de transparência, a insegurança em radioproteção e a violação dos direitos humanos caracterizam o setor nuclear brasileiro. E por parte do Ministério do Meio Ambiente,  viu-se mais uma prova da omissão e conivência com os crimes socioambientais do Programa Nuclear. O IBAMA limitou-se a informar que o projeto está em fase de estudo, mas sem prazo de conclusão! 


A TV não disse uma palavra sobre as pesquisas que indicam altos índices de mortes por câncer na região! Imagine o impacto que teria sobre a opinião pública, se além das toneladas de lixo, tivesse mostrado a dor das vítimas do Programa Nuclear em Minas Gerais, onde é alto o índice de adoecimento e morte por doenças causadas por radiação ionizante, segundo pesquisas sobre o assunto. E se tivesse revelado que as más condições da armazenagem do lixo nuclear não é privilégio de Poços de Caldas pois a precariedade é geral nos locais vinculados à CNEN?
 
Certamente, o impacto seria mais forte ainda, se ouvisse que a legislação brasileira sobre a seleção de locais e construção dos depósitos de lixo é caótica. Pois é! A Lei 10.309/2001, que dispõe sobre a seleção dos locais, construção, licenciamento, operação e fiscalização dos depósitos de rejeitos radioativos outorga à CNEN, funções antagônicas e inconciliáveis. Ela projeta, constrói, instala depósitos de rejeitos e, ao mesmo tempo, licencia e fiscaliza essas unidades, ferindo duas Convenções internacionais assinadas pelo Brasil: a Convenção Comum sobre a Segurança do Combustível Usado e a Convenção sobre a Segurança da Gestão dos Rejeitos Radioativos. Sobram desmandos, mas faltam transparência e respeito ao princípio da precaução, muito embora a sociedade tenha o direito de opinar e decidir sobre  a instalação de equipamentos radiológicos e nucleares, que representam incontestável ameaça às suas vidas. 

Mesmo assim, a TV desencadeou críticas severas sobre a política nuclear na Bahia, onde o Programa Nuclear passou a explorar urânio, desde o ano 2000, após a exaustão da mina de Poços de Caldas. Em Caetité, no sudoeste baiano, funciona a única mina em exploração na América Latina. Curiosamente, as críticas mais ferozes vieram de pessoas e grupos que até passado recente davam o sangue pela INB. Gente que se aliou aos poderes públicos e empresa, condenando os movimentos populares e sociais, que denunciam os acidentes e vazamentos de urânio para o meio ambiente e a incompetência técnico-operacional dos gestores da mineradora. Pessoas que, há cerca de três anos, perseguiram implacavelmente o então pároco da Diocese de Caetité, padre Osvaldino, que defendia as vítimas do Programa Nuclear Brasileiro.



Mesmo sem saber quantas toneladas de lixo a mineração já produziu na Bahia, após a reportagem sobre Poços de Caldas, aliados da INB passaram a enxergar o caos da unidade de Caetité. Infelizmente, só por um olho. Por ele, estariam preocupados com o futuro da região e dispostos a combater os atuais gestores, chamados “contraventores nucleares” e vistos como o maior perigo nuclear, pelo “descaso total com o meio ambiente, a comunidade e seus empregados”. Com o outro olho, semiaberto, não veem que o perigo nuclear é intrínseco à tecnologia atômica e não aos homens que a manipulam. E que nenhuma tecnologia nuclear, por mais avançada que seja é capaz de evitar falhas humanas, consideradas incontroláveis e que têm causado catástrofes brutais mundo afora.
Zoraide Vilasboas

Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017
"De cara com o lixo do Programa Nuclear Brasileiro, por Zoraide Vilasboas," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/10/20/de-cara-com-o-lixo-do-programa-nuclear-brasileiro-por-zoraide-vilasboas/.

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Dívida das famílias e perda de patrimônio pela elevação do nível do mar nos EUA, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Dívida das famílias e perda de patrimônio pela elevação do nível do mar nos EUA, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“É triste pensar que a natureza fala e que o ser humano não a ouve”
Victor Hugo



[EcoDebate] Os Estados Unidos (EUA) são o país mais rico do mundo (quando medido em dólares de mercado) com Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 19,4 trilhões e renda per capita de US$ 52,3 mil, em 2017. A China (o primeiro país quando medido em poder de paridade de compra é o segundo quando medido em dólar de mercado) tem um PIB de US$ 11,8 trilhões e renda per capita de US$ 8,5 mil, em 2017. Portanto, a renda per capita americana é mais de 6 vezes a renda per capita chinesa em dólares de mercado e cerca de 4 vezes em poder de paridade de compra.

Porém, toda essa riqueza americana e de suas famílias está ameaçada pelo aumento da dívida e pela elevação do nível do mar.

A dívida total dos EUA (governamental e privada) é de US 41 trilhões, o que significa que cada família deve, em média, US$ 330 mil, segundo artigo de Snyder (26/07/2017). Segundo o autor, vivemos na maior bolha da dívida na história. Em 1980, a dívida total do governo e do setor privado nos Estados Unidos estava pouco acima da marca de US$ 3 trilhões, mas hoje ultrapassou os US$ 41 trilhões de dólares. Isso significa que aumentou quase 14 vezes desde que Ronald Reagan foi eleito presidente pela primeira vez. Isso representava US$ 38,5 mil por família e esse número representava 79% da renda familiar média em 1980. Hoje, a dívida média das famílias já representa 584% do rendimento familiar médio. Ou seja, a dívida é muito maior do que o patrimônio.

Para piorar a situação, milhões de pessoas que possuem domicílios na orla litorânea estão ameaçadas pela elevação do nível do mar. Vão ficar com suas hipotecas, mas sem um teto para morar. Evidentemente, isto vai gerar uma grande crise no setor privado que vai rebater no setor público. Acontece que os EUA já são o país mais endividado do mundo, com uma dívida total de mais de 200% do PIB. Ou seja, milhões de famílias vão perder suas casas mas vão ficar com as suas dívidas e sem poder contar com um governo endividado que terá poucas condições de ajudar.

A imobiliária americana Zillow publicou recentemente uma análise com base na estimativa de que o aumento do nível do mar poderia subir 1,8 metro. Neste cenário, cerca de 2 milhões de lares americanos seriam inundados até 2100, um fato que deslocaria milhões de pessoas e resultaria em perdas de propriedades na casa das centenas de bilhões de dólares. Cerca de 300 cidades dos EUA perderiam pelo menos metade de suas casas, e 36 cidades dos EUA seriam completamente perdidas.

Uma em cada oito casas na Flórida ficaria subaquática, sendo responsável por quase a metade do valor da habitação perdido todo o país. A Flórida perderia quase um milhão de residências e seria o estado mais afetado dos EUA. O valor médio de uma casa em risco de ser debaixo d’água é de US$ 296.296. O valor da casa média dos EUA é de US$ 187.000.

Portanto, o valor médio do patrimônio está abaixo do valor médio da dívida das famílias.

Reportagem de Anne Mulkern (21/07/2017) mostra que a elevação do nível do mar já está afetando a maioria das cidades litorâneas da Califórnia. Mostrando uma cidade ao norte de San Diego, a jornalista constata que a faixa de areia da praia está encolhendo, e a maré alta está se aproximando. Ela entrevistou Kim Fletcher, um morador que testemunhou a transformação do local, pois seu avô materno comprou mais de 10 hectares de propriedade à beira-mar em 1946 e construiu casas e vendeu lotes. Naquela época a areia seca da praia era abundante. Fletcher diz que existiam vários equipamentos na praia, mas agora não há mais espaço, pois trata-se de uma praia diferente. Na maré alta já não existe a praia e as ondas chegam no paredão da casa, agora protegido por pedras que tiram espaço da praia. Em alguns momentos de ressaca, a água salgada já invade a propriedade.



A prefeitura discute alternativas com os moradores da cidade. Mas não há consenso, pois enquanto os proprietários litorâneos tentam salvar seus patrimônios a população tenta salvar a praia e as áreas públicas comuns. Mas o fato inexorável é que não há dinheiro suficiente para conter o avanço do mar e o prejuízo será socializado.

A Flórida será um dos estados mais afetados pelo aumento da temperatura e pelas inundações causadas pelo aumento do nível do mar. Na tarde do dia 03/08/2017, uma chuva torrencial encharcou partes de Miami e Miami Beach. De quatro a sete centímetros de chuva, em poucas horas, provocaram inundações e engarrafamentos extensivos. Os carros flutuavam nas calhas, e os vizinhos ajudaram a empurrar motoristas encalhados pela rua.

Os carros estacionados em estradas inundadas passaram na vigília enquanto caminhões maiores e SUVs passaram. A água não tinha para onde ir quando a chuva mais pesada surgiu enquanto a maré estava subindo. Não conseguiu drenar até que as marés começassem a diminuir as horas depois. Este problema se agrava nas luas cheias, conhecido coloquialmente como “King Tides”.

Mas, à medida que o nível do mar continua se elevando, a linha de base aumenta e as inundações (tanto de água doce como de água salgada) tornam-se cada vez mais comuns. E os prejuízos patrimoniais sobem. Essa é a nova realidade da área litorânea dos Estados Unidos.

Os prejuízos com os furacões Harvey, Irma, Maria e Nate (além de Kátia, José, Lee, Ophelia, e os tufões Talim e Doksuri na China) são mais um capítulo da desvalorização patrimonial de várias localidades americanas. O nível de emprego nos EUA caiu no mês de setembro 2017 (a primeira queda em anos), em decorrência do menor nível de atividade provocado pelos eventos climáticos danosos. A cidade de Nova Orleans, que foi duramente castigada pelo furacão Katrina, em 2005, voltou a ser abalada, em menor proporção, nos dias 08 e 09 de outubro de 2017 (50 anos da morte de Che Guevara) pela tempestade tropical Nate.

Artigo de E. Rush (15/09/2017), mostra que as mudanças climáticas estão transformando terras idílicas em terrenos inóspitos para a vida, especialmente nas regiões costeiras. Porto Rico, por exemplo, que já sofria com a crise econômica, está se tornando um território inabitável depois dos estragos provocados pelos eventos climáticos extremos de setembro de 2017.

No dia 20 de janeiro de 1961, quando os EUA eram uma potência global cada vez mais forte, o presidente John F. Kennedy, do alto de sua estatura política, disse a famosa frase: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”. Mas famílias endividadas e sem patrimônio não poderão ajudar ao país. Os EUA são uma nação em declínio relativo e têm um presidente controverso, de estatura política rasa, de linguajar medíocre e que é contra o Acordo de Paris. Neste quadro, parece que a única alternativa à vista é: “salve-se quem puder”!

Referências:
Michael Snyder. Total Government and Personal Debt in The U.S. Has Hit 41 Trillion Dollars (US $329,961 per household), 26/07/2017

http://theeconomiccollapseblog.com/archives/total-government-and-personal-debt-in-the-u-s-has-hit-41-trillion-dollars-329961-34-per-household
Krishna Rao. Climate Change and Housing: Will a Rising Tide Sink all Homes? Zillow, 02/08/2016

http://www.zillow.com/research/climate-change-underwater-homes-12890/
Anne C. Mulkern. A rich town’s choice: Protect its homes or save the beach? E&E News, 21/07/2017

https://www.eenews.net/stories/1060057722
Elizabeth Rush. Harvey and Irma are the new normal. It’s time to move away from the coasts. Washington Post, 15/09/2017
https://www.washingtonpost.com/outlook/irma-and-harvey-are-the-new-normal-its-time-to-move-away-from-the-coasts/2017/09/15/4ff2a61e-9971-11e7-87fc-c3f7ee4035c9_story.html?tid=ss_tw&utm_term=.6178acc40854

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017
"Dívida das famílias e perda de patrimônio pela elevação do nível do mar nos EUA, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/10/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/10/20/divida-das-familias-e-perda-de-patrimonio-pela-elevacao-do-nivel-do-mar-nos-eua-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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Contaminações dos lençóis freáticos, artigo de Roberto Naime

Contaminações dos lençóis freáticos, artigo de Roberto Naime


artigo

[EcoDebate] Lençóis de águas podem ser freáticos ou superficiais quando controlados pela topografia e assentados em controles topográficos ou de solos e subterrâneos quando a água é armazenada em rochas e não depende de situação geomórfica local.


Além das atividades do homem, poluindo o meio ambiente, causas naturais afetam as águas subterrâneas, como a presença de teores de elementos químicos nocivos, oriundos de solos ou rochas armazenadoras chamadas aquíferos. A despoluição de um lençol freático ou subterrâneo demanda grande intervalo de tempo.


O professor Aldo da Cunha Rebouças, do Centro de Pesquisas em Águas Subterrâneas (CEPAS), da Universidade de São Paulo (USP), descobriu que e elevado flúor contido nas águas do Nordeste do Paraná e na região paulista de Águas da Prata, produz uma doença chamada fluorose, que provoca a destruição dos dentes em crianças e adultos, ao invés de protegê-los.


Também em São Paulo, em Ibirá, a presença de vanádio foi identificada pelo professor Nelson Elert nas águas da região. Trata-se de um mineral cuja absorção causa má formação congênita em crianças.


Os técnicos chamam de “causas antrópicas”, quando as atividades humanas é que provocam a contaminação das águas. São diversas as formas de contaminação, envolvendo desde organismos patogênicos, até elementos químicos como os metais pesados, caso do mercúrio e moléculas orgânicas e inorgânicas.


Conforme assinala o geólogo Luiz Amore, consultor técnico da Organização dos Estados Pan-Americanos (OEA) e da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, a possibilidade dos contaminantes atingirem os poços perfurados vai depender das características dos aqüíferos, particularmente as estruturas geológicas, a permeabilidade do solo, da transmissividade dos estratos e outros fatores.


Amore sustenta que várias fontes poluidoras já foram estudadas, e alguns casos são clássicos, “que longe de serem fenômenos isolados podem estar ocorrendo em diversas regiões do país e com intensidades diversas, infelizmente ainda pouco conhecidas”.
As águas subterrâneas localizadas nas proximidades dos grandes lixões registram a presença de bactérias do grupo coliformes totais, fecais e estreptococos.


Segundo o professor Alberto Pacheco, do CEPAS, são componentes orgânicos oriundos do chorume, que são substâncias sulfloradas, nitrogenadas e cloradas, com elevado teor de metais pesados, que fluem do lixo, se infiltram na terra e chegam aos aquíferos.


As águas subterrâneas situadas nas vizinhanças dos cemitérios são ainda mais atacadas. Águas coletadas podem revelar a presença de índices elevados de coliformes fecais, estreptococos fecais, bactérias de diversas categorias, salmonela e elevados teores de nitratos ou metais como alumínio, cromo, cádmio, manganês, bário e chumbo.


Os cemitérios, que recebem continuamente milhares de corpos que se decompõem com o tempo, são autênticos fornecedores de contaminantes de largo espectro das águas subterrâneas das proximidades. Águas que podem ser consumidas pelas populações da periferia das cidades.


Estudo de autoria do professor Aldo da Cunha Rebouças, também da equipe do CEPAS, mostra a contaminação oriunda do vazamento de tanques de armazenamento subterrâneo de gasolina em poços de abastecimento de água em residências vizinhas.


A água recolhida desses poços revelou elevados teores de benzeno e demais compostos orgânicos presentes na gasolina, como tolueno, xileno, etilbenzeno, benzeno e naftaleno.
O professor adverte para o fato de que a combustão da gasolina é autodetonante a 400 ppm (partes por milhão). Se esse combustível se infiltrar em redes de esgoto e túneis de obras de engenharia, haverá risco real de explosões de grandes proporções.


A construção e operação de poços de abastecimento d’água, próximos a fossas em zonas urbanas e rurais, pode levar à contaminação da água por patogênicos gerais e substâncias orgânicas diversas, transmitindo doenças a quem utiliza e consome a água.


Resíduos de agrotóxicos foram encontrados em animais domésticos e seres humanos que utilizaram águas subterrâneas contaminadas por agrotóxicos em Campinas, São Paulo.
O professor Ricardo Hirata, da equipe do CEPAS, autor da descoberta, diz que a contaminação resultou tanto de substâncias aplicadas incorretamente na plantação, como oriunda de embalagens enterradas com resíduos de defensivos agrícolas.


Em ambos os casos houve a infiltração e o acesso dos agrotóxicos aos aquíferos. O uso indevido de fertilizantes também afeta as águas subterrâneas.


Segundo o professor Aldo Rebouças, substâncias fosforadas e nitrogenadas, que provocam a doenças em crianças, podem acessar os sistemas aquíferos, com a desvantagem de que são de difícil remoção.


Na região de Novo Horizonte, em São Paulo, centro produtor de cana-de-açúcar, a aplicação de vinhaça resultante da destilação do álcool, como fertilizante, provocou a elevação do pH e consequente remoção do alumínio e ferro do solo, que foram se misturar às águas subterrâneas.


Os aquíferos também são contaminados pela disposição irregular de efluentes de curtumes no solo, fato observado pelo professor Nelson Elert nos centros produtores de calçados.
Segundo ele, os resíduos de curtume dispostos no solo provocam a entrada de cromo, valência +6 e de organoclorados, afetando a qualidade dos lençóis subterrâneos.


As águas subterrâneas de Cubatão, em São Paulo, que já foi considerada a cidade mais poluída do Brasil, não podiam escapar à ação dos contaminantes.


A técnica Dorothy Casarini, da CETESB, a agência ambiental do governo paulista, diz que aterros não controlados por indústrias químicas da região resultaram em mortes e contaminação carcinogênica, inclusive no leite materno.


No caso de Cubatão, o agente contaminante foram Bifenilas Policloradas (PCB), cujos rejeitos, depositados no solo sem qualquer tratamento, se infiltraram e danificaram as águas subterrâneas.


Em Minas Gerais, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e em Campinas, São Paulo, a proximidade de aterros industriais clandestinos está contaminando as águas por resíduos industriais ou pela presença de atividades mineradoras.

Referência:
http://www.fernandosantiago.com.br/freatico.htm

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/10/2017

"Contaminações dos lençóis freáticos, artigo de Roberto Naime," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/10/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/10/19/contaminacoes-dos-lencois-freaticos-artigo-de-roberto-naime/.

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