Em 2007, o estudante de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Róber Bachinski, decidiu entrar na justiça para que ele conquistasse o direito de não ser obrigado a participar de aulas em que houvesse sacrifício ou dissecação de animais. No processo contra a instituição, que ganhou atenção nacional, ele alegava ser inconstitucional a obrigação de assistir às aulas que contrariem seus princípios éticos. O termo jurídico usado para isso é “objeção de consciência“. Sete anos depois, em 2014, ele se tornou o primeiro brasileiro a ganhar o prêmio internacional Lush, por suas pesquisa para o desenvolvimento de métodos alternativos ao uso de animais em testes.
Quase 15 anos após a batalha judicial de Bachinski, numa decisão histórica, outra universidade brasileira, a Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), decidiu reconhecer o direito dos estudantes à objeção de consciência. No texto aprovado no dia 30 de julho, a instituição reconhece que esse é um “direito fundamental, garantido constitucionalmente, de uma pessoa não se ver obrigada a fazer algo que lhe fira a consciência. No caso dessa norma, a objeção de consciência consiste no direito de discentes não se submeterem a processos educativos que se utilizam de animais vivos por métodos não curativos ou mortos e suas partes, a não ser os de origem ética com sua respectiva documentação que assim os comprove”.
Ainda de acordo o regulamento aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRRJ, coordenações de cursos, chefias de departamento e demais instâncias acadêmicas são estimuladas a fazer uma divulgação ampla desse direito dos estudantes, sobretudo, para aqueles que estão entrando na universidade agora. Para quem tiver interesse em requisitar este direito, é necessário preencher um formulário, no semestre anterior ao que irá cursar a disciplina, e entregá-lo na secretaria da coordenação do curso.
A UFRRJ garante que irá incentivar a produção e eventual compra de sistemas e métodos substitutivos ao uso de animais.
“A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro incorporou essa possibilidade à sua rotina didática. É inédita essa normatização, ainda mais numa instituição federal, e isso é um precedente maravilhoso que estimula outras universidades a criarem essa sistemática”, afirma Maurício Varallo, diretor da ONG Olhar Animal.
Ele acredita também que a decisão fará com que estudantes também exijam o direito perante as suas instituições de ensino. “É o sinal dos tempos, uma mudança muito importante. Vale destacar que ela foi resultado do ativismo e dos esforços de defensores dos direitos humanos e animais”.
No começo deste ano, como mostramos nesta outra reportagem, cientistas israelenses criaram um medicamento contra o câncer sem usar animais em testes. Os pesquisadores da Hebrew University de Jerusalém usaram uma tecnologia com um chip contendo tecido humano com sensores microscópicos, que permite o monitoramento preciso da resposta do sistema imune ao tratamento.
Por Fernanda Wenzel* – O bioma do Cerrado, um dos hotspots de biodiversidade do mundo e fonte vital para grande parte da água no Brasil, pode entrar em colapso em menos de 30 anos se o agronegócio continuar avançando no ritmo atual. Esta é a descoberta fundamental de um artigo baseado em pesquisas primárias apresentado por 12 cientistas brasileiros e publicado recentemente na revista Global Change Biology.
“Estamos falando de linhagens inteiras de vida que desaparecerão, sem mencionar vários insetos que existem apenas no Cerrado”, alerta Gabriel Hofmann, doutor em Ecologia e estudante de pós-graduação em Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Hofmann é o autor principal de um novo estudo que analisa como a transformação da vegetação nativa em lavouras está acelerando as mudanças climáticas em um bioma que já teve quase metade de sua área convertida em plantações de soja, milho e algodão e pastos para gado.
A maior parte da rápida escalada do desmatamento aconteceu após os anos 1990, quando produtores do agronegócio se concentraram numa parte do bioma que apelidaram de Matopiba – acrônimo que reúne as sílabas iniciais de quatro estados: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Hoje, a região é o coração da nova fronteira agrícola brasileira.
Uma savana mais quente e mais seca
O Cerrado de hoje é bem mais quente e seco do que no passado, conclui o artigo a partir de análises de temperatura e mudanças na precipitação ao longo de seis décadas. Aumentos de 2,24 °C em média nas temperaturas máximas mensais foram observados entre 1961 e 2019, com picos de 4 °C no mês de outubro. Se esta tendência persistir, a temperatura será 6 °C mais alta em 2050 em comparação com 1961, afirma o artigo.
“As mudanças climáticas por si só já têm este efeito (quente e seco) sobre a região. O que estamos fazendo é ampliar este efeito expandindo as áreas de plantações, como a soja, e reduzindo a cobertura de vegetação nativa”, diz Francisco Aquino, professor de Geografia da UFRGS e um dos autores do estudo.
No artigo, os pesquisadores argumentam que a interferência humana está perturbando uma estratégia eficiente da natureza, em que, durante os meses de pouca ou nenhuma chuva, as árvores do Cerrado usam suas raízes profundas para buscar água em aquíferos a até 15 metros de profundidade no subsolo.
Isso permite que as plantas continuem realizando fotossíntese e soltando água na atmosfera através da transpiração e da evaporação, mesmo na estação seca.
Esse mecanismo, explica Hofmann, desaparece com o avanço do agronegócio e a substituição da vegetação por grandes lavouras: “Na estação seca, os fazendeiros não plantam nada no Cerrado. Eles deixam o solo nu ou (coberto) com matéria orgânica morta. Como não há plantas para absorver a energia do sol e fazer fotossíntese, toda essa energia é usada para aquecer o ar, e a temperatura aumenta”.
Esse processo de esquentar e secar desencadeia um efeito cascata que pode acabar com a maior parte da biodiversidade do Cerrado. Plantas menores, que não têm raízes longas, dependem do orvalhocomo sua única fonte de água na estação seca.
O orvalho costuma se formar à noite, quando as temperaturas mais baixas condensam a umidade atmosférica (que passa para o ar através da transpiração e evaporação das árvores de raízes profundas). Mas agora, com menos árvores e menos vapor de água no ar, além de temperaturas mais altas durante o dia e a noite, o orvalho é um fenômeno cada vez mais raro. “Essas plantas vão simplesmente torrar ao sol”, diz Hofmann.
Insetos, incluindo abelhas e formigas e aranhas também são muito dependentes do orvalho como fonte de água. “Se tirarmos os insetos polinizadores, o ecossistema entra em colapso”, conclui Hofmann, que prevê grandes impactos na biodiversidade do Cerrado nos próximos 30 anos.
“Poderemos ver o Cerrado se transformar em algo muito parecido com um deserto”, alerta Tércio Ambrizzi, professor do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, que não esteve envolvido no estudo. Ambrizzi, que estuda as mudanças climáticas na América do Sul, diz que as descobertas da equipe de pesquisadores de Hofmann confirmam as previsões que ele e outros pesquisadores fizeram oito anos atrás para o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
“Essas descobertas mostram que teremos menos chuvas no Norte e no Nordeste, portanto o Cerrado será mais quente e seco e mais vulnerável a incêndios”, diz Ambrizzi. Em 2019, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrou 63.874 focos de incêndio no Cerrado – um aumento de 61,92% em relação ao ano anterior. O número de incêndios permaneceu alto em 2020.
Em 2017, Bernardo Strassburg, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, alertou para o que chamou de “tempestade perfeita”: o encontro dos impactos da expansão do agronegócio, o desenvolvimento de infraestrutura, a fraca proteção legal da terra e incentivos limitados à conservação.
De acordo com o artigo que publicou na época, as áreas públicas protegidas cobriam apenas 7,5% do bioma (em comparação com 46% na Amazônia).
Além disso, a moratória da soja, acordo segundo o qual as companhias de commodities se comprometem a não comprar soja de terras recentemente desmatadas na Amazônia Legal, não se aplica ao Cerrado. Tentativas de fazer com que as empresas concordem com uma moratória semelhante para a savana, conhecida como o Manifesto do Cerrado, fracassaram em grande parte.
“O quadro que vemos é bem pior”, escreveu Strassburg. Se nada mudar, ele estima que mais de 30% da vegetação nativa remanescente do Cerrado seja removida para dar lugar à agricultura até 2050, resultando possivelmente na extinção de 480 espécies endêmicas de plantas; isso equivale a mais de três vezes todas as extinções de plantas documentadas desde o ano 1500”.
Fontes de recursos hídricos em risco
No fim de junho, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, falou em rede nacional de televisão para pedir o uso “consciente e responsável” de água e energia no país, que enfrenta a pior seca em quase um século.
Essa seca é uma péssima notícia para um país que gera 65% de sua eletricidade a partir de hidrelétricas. No nível individual, ela já significa um aumento nas contas de energia e até o risco de blecautes. A seca e os danos que ela traz à agricultura também representam uma ameaça à economia do país, que luta para se recuperar da pandemia de covid-19, na qual mais de meio milhão de brasileiros já morreram (579.330 óbitos, em 29/8/2021, segundo o Consórcio de Veículos de Imprensa, com dados das secretarias de saúde dos estados).
De acordo com cientistas, uma parte substancial da crise se deve à interferência humana. Em primeiro lugar, existem as mudanças climáticas causadas pelo homem, que tornam o país bem mais quente e seco. Além disso, outra parte importante do problema é que o Brasil está ameaçando gravemente suas duas principais fontes de recursos hídricos.
“Se preservarmos a Amazônia e o Cerrado, preservaremos as fontes de água em geral. Estamos falando de duas áreas extremamente importantes, e ambas têm sido desmatadas, queimadas ou alteradas”, explica Aquino.
A Amazônia é onde os chamados “rios aéreos” da América do Sul se originam: correntes atmosféricas de umidade que partem das florestas tropicais e se dirigem ao sul e sudeste do país, onde se transformam em precipitação. Essas regiões, por sua vez, abrigam até um terço da população do país, e são as maiores vítimas da seca recorde de 2021.
Assim como o Cerrado, a Amazônia também vê sua vegetação nativa encolher ano após ano com o desmatamento, que reduz o fluxo dos rios aéreos. Entre janeiro e julho de 2021, um total de 5.100 quilômetros quadrados de floresta foram perdidos, de acordo com o Inpe – uma área maior que três vezes a extensão do município de São Paulo.
O desmatamento tem crescido em velocidade acelerada sob o governo do presidente Jair Bolsonaro.
Já o Cerrado é fonte de oito das doze bacias hidrográficas do país. Isso se deve em parte à topografia da savana, que se estende sobre o Planalto Brasileiro: a chuva que cai sobre o platô alimenta rios que fluem a jusante para as regiões de menor altitude, incluindo o Pantanal, a maior planície alagada do mundo.
“Se houver menos umidade e chuva no Cerrado, não haverá água para os rios e não teremos fornecimento de água para a população (do país). É catastrófico”, alerta Hofmann.
Os problemas hidrológicos do Cerrado também pressagiam tempos difíceis para o agronegócio brasileiro, e também para o fornecimento de alimento para humanos e animais do planeta.
O Brasil é hoje o maior produtor de soja do mundo, ultrapassando recentemente os Estados Unidos. O país fornece soja para países do mundo inteiro, incluindo a China, outras partes da Ásia e a União Europeia. Assim, o Cerrado é a região brasileira fundamental e insubstituível para a produção de soja.
De acordo com estudo publicado recentemente na revista científica World Development e assinado por cientistas do Brasil, Estados Unidos e Áustria, o aumento das temperaturas no Cerrado pode reduzir a produtividade da soja a um custo de US$ 4,5 bilhões por ano.
Os impactos mais devastadores, dizem os especialistas, podem não ser sentidos pelo agronegócio, mas por aqueles que não têm dinheiro para se adaptar às mudanças climáticas.
“Os grandes produtores de soja podem reduzir o ciclo de suas plantações para evitar a estação seca, ou podem investir em caros sistemas de irrigação. Os mais afetados, contudo, serão as comunidades tradicionais e agricultores familiares, que são aqueles que produzem alimentos para a sociedade”, diz Hofmann.
Dois anos depois, uma nova boa notícia chega da região. Um censo realizado em dezembro de 2020, com a ajuda de 150 voluntários, revelou um aumento na população de kiwis em North Island, uma das últimas áreas onde esses animais podem ser observados livres, na natureza. Coordenado pela organização Kiwi Coast, o monitoramento é auditivo, ou seja, registra-se a vocalização da ave. E notou-se que, em muitos lugares onde não era ouvido o som delas, em 2016, agora estavam cheios dos gritos agudos dos machos e dos rosnados mais baixos das fêmeas.
Batizado de “Kiwi Call Count”, o censo apontou um crescimento de 50% no número de locais onde atualmente os kiwis podem ser ouvidos.
Um kiwi adulto
Nativo da Nova Zelândia, o kiwi é peludo, tem um bico longo, não possui asas e por essa razão, não voa, e tem os sensos do tato, audição e olfato extremamente apurados.
Antes dos exploradores desembarcarem no país, estima-se que havia milhões dessas aves. Todavia, em 1998, a população já tinha caído para menos de 100 mil, e em 2008, esse número diminuiu ainda mais, cerca de 70 mil. Hoje acredita-se que restem 68 mil kiwis e há um perda, anual, de 3% de indivíduos.
Um dos principais problemas enfrentados pela espécie é que, de cada 100 ovos de kiwi depositados em tocas na floresta, apenas cinco filhotes chegarão à idade adulta. Seu principal predador é o furão, mas nos dias atuais, cães e gatos domésticos também se tornaram ameaças. Em média, 27 kiwis são mortos por predadores toda semana, com essa taxa, especialistas temem que a ave pode ser extinta ainda em nossa geração.
Por isso, o trabalho realizado por centros de conservação, como o National Kiwi Hatchery Aotearoa, é tão importante. Nesses locais, com o cuidado de especialistas, a taxa de sobrevivência dos filhotes aumenta em 65%.
Quem é o kiwi?
Existem cinco espécies de kiwi: Great Spotted, Okarito Brown (Rowi), Tokoeka, Little Spotted e North Island Brown. Todas elas estão em risco de extinção – uma mais do que outra. A mais rara é a Rowi, encontrada apenas em uma pequena área da Ilha Sul, que conta com menos de 400 indivíduos.
Kiwis são aves muito especiais. Os biólogos explicam que elas têm hábitos tão diferentes porque, durante milhões de anos, viveram em um ambiente sem mamíferos, como em nenhum outro lugar da Terra.
Talvez por não ter disputado espaço com eles, puderam se adaptar livremente no chão e desenvolver características inusitadas para outras aves, como por exemplo, ter pernas pesadas e musculosas, que compõem quase um terço do seu peso: perfeito para uma vida passada no solo.
Os kiwis cavam tocas para seus ninhos, algo que associamos mais a ratos e outros mamíferos terrestres do que a aves. E os ovos que eles depositam são enormes, quase 20% do seu peso corporal, proporcionalmente um dos maiores de todos os pássaros.
Confira abaixo outras curiosidades sobre a ave símbolo da Nova Zelândia:
Os kiwis já nascem com todas as penas e se alimentando sozinhos, incomum para aves;
Dormem em pé;
Correm tão rápido quanto um humano se são ameaçados;
Possuem quatro dedos em um pé grande e acolchoado parecido com dinossauro, perfeito para andar sem fazer muito barulho;
As penas são bagunçadas, parecem com um fio de cabelo grosso, e possuem bigode como os gatos;
A temperatura corporal é maior que da maioria das aves, se aproximando mais dos mamíferos;
As mães trabalham muito, colocando mais de 100 ovos ao longo da vida – cada um equivalendo a 20% do peso corporal dela (comparando aos humanos, o bebê nasce com apenas 5% do peso da mãe).