A descoberta da carga se deu depois que uma balsa com documentação irregular foi encontrada em novembro, navegando no rio Mamuru, na área do município amazonense de Parintins. A partir daí, a Polícia Federal (PF) começou a investigar o movimento de madeireiros com a ajuda de imagens de satélite.
Na semana passada, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, esteve no Pará para fazer uma “verificação” da madeira apreendida. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, ele criticou a operação da PF e afirmou que houve falhas na ação e que as empresas proprietárias das toras teriam razão para contestar a investigação. Salles teria comprovado a origem de duas toras… Sim, duas!
“É o mesmo que um ministro do Trabalho se manifestar contrariamente a uma operação contra o trabalho escravo. A apuração do caso está sob meu comando”, rebateu Saraiva, em entrevista à Folha.
Segundo o chefe da PF, os proprietários da madeira apreendida ainda não entregaram a documentação solicitada pelos investigadores e ele realmente acredita que as toras são “produto de ação criminosa”.
Entre os crimes apontados pela Polícia Federal estão irregularidades no plano de manejo e no Cadastro Ambiental Rural (CAR) da área. Além disso, as empresas envolvidas na investigação já possuem mais de 20 autuações do Ibama.
“É uma organização criminosa. Não merecem nem a denominação de empresas. Têm a vida dedicada ao crime, ao furto de bens públicos, à fraude e à corrupção de servidores públicos”, garante Saraiva.
Imagem aérea das toras apreendidas no final de 2020
Ipê: a principal vítima da extração ilegal de madeira
A apreensão histórica feita no Pará em 2020 aconteceu semanas após os brasileiros ficarem sabendo que, em agosto do ano passado, o governo retirou o ipê da lista internacional de espécies ameaçadas de extinção. A espécie é uma das mais visadas por madeireiros na Amazônia porque sua madeira é uma das mais cobiçadas no mercado internacional.
A retirada do ipê da referida lista foi pedida pelo Ministério de Relações Exteriores, que atendia a uma solicitação do presidente do Ibama, Eduardo Bim, com total apoio do Ministério do Meio Ambiente.
Não é surpresa então que com o afrouxamento da “burocracia” para a exportação da madeira brasileira, o comércio ilegal tenha visto uma nova oportunidade para colocar a floresta no chão e destruir ainda mais a Amazônia.
Após vários dias bloqueando o Canal de Suez, no Egito, o navio de bandeira panamenha, Ever Given, precisou de uma complicada operação de resgate para ser desencalhado, e assim, poder liberar o tráfego de embarcações nessa rota, que concentra 12% do comércio marítimo mundial. Todavia, ainda está longe do fim o sofrimento de cerca de 200 mil animais confinados em outros navios que tiveram sua viagem atrasada e aguardavam passagem.
De acordo com informações da ONG Animals International, os cargueiros partiram da Espanha e da Romênia e têm como principal destino o Oriente Médio. A exportação de animais vivos para a região é comum porque o abate deles precisa ser feito conforme os preceitos da religião islâmica, conhecido como “halal”. Acredita-se que grande parte da “carga” seja deovelhas e gado.
Mas apesar do desbloqueio do Canal de Suez, as embarcações com os animais ainda estão distantes de seus destinos finais e provavelmente haverá falta de comida e água no caminho.
“Um navio que deixou a Romênia em 16 de março estava programado para chegar à Jordânia no dia 23, mas agora chegará ao porto em 1º de abril, no mínimo. Isso é um atraso de nove dias”, afirmou Gabrile Păun, diretor da Animals International para a Europa ao site EU Observer.
De acordo com a legislação europeia, navios que transportam animais vivos precisam carregar 25% mais comida do que o planejado para viagens em caso de atrasos, mas entidades de proteção animal revelam que isso raramente acontece.
A Romênia é um dos maiores exportadores de ovelhas vivas da Europa. Em 2019, cerca de 14 mil desses animais que foram enviadas desse país para a Arábia Saudita morreram quando um navio naufragou parcialmente. As equipes de resgate só conseguiram salvar pouco mais de 200 delas.
A crise da qualidade da água do Grande Rio se aprofunda e vai além do insucesso da Cedae para remover a geosmina. O tratamento usado pela empresa para supostamente combater a poluição do Rio Guandu não apenas não funcionou, como ainda lançou um novo poluente — o lantânio, um metal tóxico pesado — na água consumida por nove milhões de pessoas do Grande Rio, alertam cientistas.
Segundo dados da própria Cedae, 190 toneladas de Phoslock, uma espécie de argila modificada que contém o lantânio, foram lançadas na lagoa do Guandu desde janeiro do ano passado, quando ocorreu a primeira crise da geosmina. Ao todo, foram seis aplicações. A mais recente no último dia 23, quando 28 toneladas do produto foram pulverizadas por uma embarcação no corpo d’água.
Praga de gafanhotos assolou a África Oriental – combatê-la com agrotóxicos traz novos problemas
O uso intenso de agrotóxicos de amplo espectro
parece ter retardado a invasão de gafanhotos-do-deserto. Ainda não se
sabe ao certo quais são as repercussões dessa abordagem.
Nuvens de gafanhotos
são aterrorizantes e terríveis. Começam como uma mancha escura no
horizonte, depois uma enorme sombra escura. Um leve bater de asas
transforma-se em um barulho crescente conforme milhões de insetos
vorazes, amarelos-vivos e do tamanho de um dedo assolam a região. Desde o
fim de 2019, vastas nuvens de gafanhotos cobriram o Chifre da África,
devorando plantações e pastagens – e desencadeando uma operação de
proporções surpreendentes para rastreá-los e exterminá-los.
Até o momento, uma campanha de pulverização terrestre e aérea em oito
países da África Oriental, coordenada pela Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), evitou o
pior: a perspectiva muito provável de que os gafanhotos
destruiriam o suprimento de alimentos de milhões de pessoas. No ano
passado, a operação protegeu pastagens e estoques de alimentos
suficientes, segundo os cálculos da FAO, para alimentar 28 milhões de
pessoas no Grande Chifre da África e no Iêmen por um ano inteiro.
Mas os avanços trazem consequências ambientais ainda desconhecidas, e
os agentes vêm buscando encontrar o difícil equilíbrio entre erradicar
as pragas invasoras sem destruir a folhagem e prejudicar outros insetos,
animais silvestres e humanos. O norte do Quênia é conhecido
mundialmente por sua diversidade de abelhas, e produtores rurais e
conservacionistas temem que as abelhas estejam morrendo.
Até o momento, 2,3 milhões de litros de agrotóxicos foram
pulverizados sobre 1,9 milhão de hectares a um custo de US$ 195 milhões,
ou mais de R$ 1 bi, segundo a FAO. A pulverização deve prosseguir neste
ano.
As avaliações de eventuais danos ambientais são, na melhor das hipóteses, incompletas, embora os efeitos dos agrotóxicos
tenham sido bastante documentados por décadas em outros ambientes.
Agrotóxicos de amplo espectro são muito eficazes para matar gafanhotos,
mas também para matar abelhas e outros insetos. Eles contaminam os
sistemas hídricos e podem prejudicar a saúde humana.
“É evidente que há danos colaterais”, afirma Dino Martins,
entomologista e diretor executivo do Centro de Pesquisas Mpala, no
Quênia. “Todos esses produtos químicos são projetados para matar insetos
em grandes quantidades.”
Pego de surpresa
O Quênia não sofria uma grande invasão de gafanhotos há 70 anos.
Quando os primeiros enxames chegaram em 2019, o país estava extremamente
despreparado para o que havia sido considerado, razoavelmente, uma
ameaça remota.
“O país não dispunha de equipamentos, experiência, agrotóxicos,
aeronaves, nem conhecimento”, conta Keith Cressman, analista sênior de
gafanhotos da FAO.
Os enxames começaram a se formar em 2018 depois que ciclones
provocaram chuvas intensas nos desertos inóspitos da Arábia, permitindo
que os gafanhotos se reproduzissem nas areias úmidas. Os ventos intensos
em 2019 sopraram os enxames crescentes a zonas de conflito inacessíveis
do Iêmen e, em seguida, atravessaram o Mar Vermelho e chegaram à
Somália, Etiópia e Quênia.
Nos primeiros estágios da iniciativa para controlar os gafanhotos, o
Quênia recorreu a tudo que estava ao alcance para resolver o problema.
“Foi uma reação de pânico”, conta James Everts, ecotoxicologista
holandês especializado nos efeitos ambientais do uso de agrotóxicos.
A pulverização prosseguiu até mesmo com a propagação da pandemia de
covid-19 que isolou grande parte do mundo. Com máscaras faciais contra o
novo coronavírus, centenas de voluntários locais, bem como membros
do Serviço Nacional da Juventude do Quênia, equipados com pulverizadores
em mochilas nos ombros e com treinamento mínimo, borrifaram
agrotóxicos, quaisquer que estivessem em estoque, sobre os gafanhotos.
Pulverizaram milhares de litros de deltametrina, bem como centenas de
litros de fipronil, clorpirifós e outros inseticidas, muitos dos quais o
uso é proibido na Europa e em algumas regiões dos Estados Unidos.
Em um caso documentado na região norte de Turkana, uma equipe de
controle de campo pulverizou 34 vezes a dose recomendada de agrotóxico
em um terreno, matando abelhas e besouros enquanto os agrotóxicos caiam
sobre a equipe e plantações.
“No início, foi uma medida emergencial”, observa Thecla Mutia, líder
de uma equipe da FAO que monitora os efeitos ambientais das iniciativas
de controle de gafanhotos no Quênia. “O objetivo era aplicar os
agrotóxicos o quanto antes para garantir a segurança alimentar.”
Agrotóxicos proibidos na Europa e nos Estados Unidos
Feitos para matar, os agrotóxicos são tóxicos por definição, mas
também armas contundentes. Três dentre quatro produtos químicos
recomendados pela FAO e autorizados por governos regionais –
clorpirifós, fenitrotion e malation – são organofosforados de amplo
espectro, agrotóxicos amplamente empregados, às vezes chamados de
“agentes neurotóxicos de grau leve” devido a sua semelhança com o gás
sarin. A deltametrina, o último desses produtos recomendados, é um
piretroide sintético, especialmente tóxico a abelhas e peixes, embora
muito menos para mamíferos.
O Grupo de Avaliação de Agrotóxicos da FAO que analisa agrotóxicos
para uso no controle de gafanhotos, lista todos os quatro produtos
químicos como de alto risco para abelhas, risco baixo ou médio para aves
e risco médio ou alto para inimigos naturais de gafanhotos e insetos do
solo, como formigas e cupins.
A União Europeia proibiu o clorpirifós no início do ano passado e,
nos Estados Unidos, foram impostas proibições em Nova York, Califórnia e
Havaí. O fenitrotion também está proibido na Europa, mas é permitido
nos Estados Unidos e na Austrália, onde é utilizado como principal arma
do governo no combate aos gafanhotos.
“Não estamos ocultando que são agrotóxicos convencionais”, informa
Cyril Ferrand, líder da equipe de resiliência da FAO em Nairóbi, que
ressalta: fazer nada não era uma opção diante dos enxames em rápida
expansão. “Queremos reduzir a população de gafanhotos-do-deserto de
forma responsável.”
Alternativas não tóxicas
Alternativas biológicas não tóxicas que eliminam gafanhotos, mas não
causam danos colaterais, estão disponíveis há décadas. Ainda assim,
agrotóxicos continuam sendo a arma preferida, representando 90% da
pulverização na atual campanha da África Oriental.
O desenvolvimento do controle biológico começou no fim da década de
1980, após o fim de uma invasão de gafanhotos que durou anos e se
estendeu do Norte da África até a Índia.
“Quando os milhões de litros de agrotóxicos pulverizados foram
contabilizados, até a comunidade de doadores ficou horrorizada”, lembra
Christiaan Kooyman, cientista holandês que desenvolveu um biopesticida
usando o fungo Metarhizium acridum, que combate gafanhotos. “Perguntaram aos cientistas: ‘não existe mais nenhuma alternativa?’”
O Metarhizium, comercializado desde 1998, é recomendado pela FAO como o “método de controle mais adequado” para gafanhotos,
mas raramente é utilizado. Sua ação é lenta e possui uma baixa taxa de
“efeito de choque instantâneo” – o que significa que mata ao longo de
dias em vez de horas. Além de ser caro e de aplicação complexa, é mais
eficaz contra as formas imaturas, em vez de enxames de adultos – a maior
ameaça.
Sua melhor característica – matar exclusivamente gafanhotos – também o
torna um produto menos lucrativo. As empresas têm poucos incentivos
para produzir Metarhizium e passar pelo processo dispendioso e
burocrático de registrá-lo em um país antes de uma emergência como a que
acometeu a África Ocidental.
“Os gafanhotos não estão presentes com tanta frequência, e os
fabricantes não têm interesse em produzir algo que não seja amplamente
utilizado”, explica Graham Matthews, cientista britânico e presidente
fundador do Grupo de Avaliação de Agrotóxicos. Quando os enxames chegam,
“não tem como aguardar a produção, é necessário algo pronto para uso”,
acrescenta.
Assim, os governos buscam agrotóxicos de amplo espectro produzidos em massa por grandes empresas de produtos químicos agrícolas.
A extensão dos danos não é conhecida
O que torna a pulverização generalizada de agrotóxicos especialmente
preocupante a produtores rurais, pecuaristas, cientistas e
conservacionistas no Quênia é que se sabe muito pouco sobre os danos
causados pelos agrotóxicos, se existirem. Uma avaliação ambiental da
operação regional de gafanhotos conduzida pelo governo dos Estados
Unidos alertou sobre o “potencial para efeitos nocivos expressivos à
saúde humana e à natureza” e uma análise do Banco Mundial concluiu que o
risco ambiental era “substancial”.
Ainda assim, mais de um ano após o início da campanha de controle, a
avaliação da FAO sobre o impacto ambiental da pulverização ainda não foi
divulgada ao público.
“O uso excessivo de agrotóxicos é evidentemente prejudicial à
biodiversidade, mas seu nível de impacto não foi quantificado”,
afirma Sunday Ekesi, entomologista e diretor de pesquisas e parcerias do
Centro Internacional de Fisiologia e Ecologia de Insetos (Icipe, na
sigla em inglês) em Nairóbi, parte de uma força-tarefa do governo criada
para combater a invasão de gafanhotos-do-deserto.
“Nossa principal preocupação é o impacto sobre os polinizadores”,
ressalta Anne Maina, da Associação de Biodiversidade e Biossegurança do
Quênia. Os produtores rurais com quem ela trabalha atribuem a redução na
colheita de mel e da manga ao desaparecimento das abelhas. Martins
compartilha essas preocupações, mas reitera que a falta de dados de
monitoramento torna impossível saber o que de fato está ocorrendo.
“O norte do Quênia e o Grande Chifre da África são alguns dos
principais centros de diversidade de abelhas do mundo, com milhares de
espécies, sobre a maioria das quais não sabemos absolutamente nada”,
conta ele. “É preciso desenvolver ferramentas para controlar os
gafanhotos e proteger a frágil biodiversidade das terras áridas da
região.”
As diretrizes da FAO sobre precauções ambientais e de segurança de
2003 reconhecem que a pulverização aérea pode produzir menos impactos à
saúde humana do que a pulverização terrestre, mas muitas vezes cria
“mais preocupações ambientais” devido ao risco de contaminar áreas
ecologicamente sensíveis. A pulverização aérea aumenta a chance de
“difusão descontrolada”, em que produtos químicos – bem como os próprios
gafanhotos – são levados pelo vento.
Mutia, líder da equipe de monitoramento ambiental da Fao, reitera que
as equipes de pulverização terrestre agora estão mais bem treinadas e
as comunidades locais estão mais informadas sobre a pulverização e os
riscos para elas mesmas e para o gado. A operação geral de combate aos
gafanhotos no Quênia melhorou desde as primeiras semanas da invasão.
“Com os procedimentos corretos, o impacto ambiental é muito reduzido”, destaca Cressman.
Relatório importante ainda sob sigilo
Ainda assim, o relatório de monitoramento ambiental e de saúde
emitido por Mutia, concluído em setembro passado, ainda não foi
divulgado. E o motivo não está claro. A FAO afirma que o relatório
aguarda a liberação do Ministério da Agricultura do Quênia, mas uma
porta-voz do ministério afirma que a FAO ainda não o entregou.
Em entrevista, Mutia revela que não encontrou “nenhum motivo para preocupação”, em sua análise sobre a pulverização.
No entanto uma cópia do relatório obtida pela National Geographic apresenta
um retrato mais detalhado e problemático, com evidências de
superdosagem na região de Turkana e falta generalizada de comunicação
com moradores de áreas pulverizadas.
Em quatro dos 13 locais inspecionados, não havia nenhum sinal sequer
de morte de gafanhotos, sugerindo que a pulverização foi ineficaz ou que
as equipes de monitoramento não estiveram nos locais corretos. Segundo o
relatório, foram recebidas sucessivas informações de localização
incorretas e faltavam helicópteros e outros veículos para chegar
rapidamente a locais mais remotos.
“Nossa principal preocupação tem sido o controle dos gafanhotos e não
há um sistema paralelo de monitoramento dos efeitos indesejáveis”,
explica Raphael Wahome, cientista especializado em animais da
Universidade de Nairóbi. Ele afirma que as informações da FAO devem ser
disponibilizadas a pesquisadores e outros especialistas: “ninguém sabe
ao certo o que está ocorrendo onde quer que os agrotóxicos tenham sido
aplicados.”
Desde os humanos primitivos que esfregaram gravetos para
fazer fogo até os combustíveis fósseis que impulsionaram a revolução
industrial, a energia tem um papel central em nosso desenvolvimento como
espécie.
Mas a forma como abastecemos as nossas sociedades também criou o
maior desafio da humanidade — e vai exigir toda a nossa engenhosidade
para superá-lo.
A energia é a grande chave para o domínio da humanidade no planeta Terra.
Não apenas o combustível de aviação que nos permite atravessar
continentes inteiros em poucas horas, ou as bombas que construímos e que
podem explodir cidades em um piscar de olhos, mas também a vasta
quantidade de energia que usamos todos os dias.
Pense no seguinte: um ser humano em repouso requer aproximadamente a
mesma quantidade de energia que uma lâmpada incandescente antiga para
sustentar seu metabolismo — cerca de 90 watts (ou joules por segundo).
Mas o ser humano médio em um país desenvolvido usa cerca de 100 vezes
essa quantidade, se nesta conta entrarem a energia necessária para se
locomover, construir e aquecer casas, cultivar alimentos e todas as
outras coisas que nossa espécie faz.
Uma pessoa nos EUA, por exemplo, consome sozinha cerca de 10.000 watts.
Em comparação com outros animais, isso explica muito sobre nós — e
sobre nossa biologia, nossa civilização e o estilo de vida incrivelmente
próspero que levamos.
Isso porque, diferentemente de praticamente todas as outras criaturas
na Terra, nós, seres humanos, fazemos muito mais com a energia do que
apenas alimentar nosso próprio metabolismo.
Criaturas do fogo
A relação excepcional da humanidade com a energia começou há centenas de milhares de anos, com a descoberta do fogo.
O fogo fez muito mais do que apenas nos manter aquecidos: ele nos protegeu de predadores e nos deu uma nova ferramenta de caça.
Vários antropólogos acreditam que o fogo, na verdade, modificou nossa biologia.
“Qualquer coisa que permita a um organismo obter energia com mais
eficiência terá efeitos enormes na sua trajetória evolutiva”, explica
Rachel Carmody, professora da Universidade de Harvard, nos EUA.
Ela acredita que o desenvolvimento decisivo foi cozinhar. Cozinhar transforma a energia disponível nos alimentos, ela argumenta.
Os carboidratos, proteínas e lipídios que fornecem nutrientes ao nosso corpo são expostos quando são aquecidos.
Isso torna mais fácil para as enzimas digestivas fazerem seu trabalho
de maneira eficiente, extraindo mais calorias mais rápido do que se
comêssemos alimentos crus.
Pense nisso como uma forma de “pré-digerir” os alimentos.
Cérebros especiais
Carmody e seus colegas acreditam que a energia extra que isso nos
proporcionou permitiu que desenvolvêssemos cólons pequenos e cérebros
relativamente grandes, famintos por energia, que nos distinguem de
nossos “parentes” primatas.
E, à medida que nossos cérebros começaram a crescer, isso gerou um ciclo positivo.
Conforme os neurônios são adicionados ao cérebro dos mamíferos, a
inteligência aumenta exponencialmente, diz Suzana Herculano-Houzel,
neurocientista da Universidade Vanderbilt, nos EUA.
Com cérebros mais inteligentes, nos tornamos melhores na caça e na coleta.
E descobrimos mais maneiras de acessar as calorias em nossa comida —
socando o alimento com uma pedra, moendo até virar pó ou simplesmente
deixando-o apodrecer — e, claro, assando no fogo.
Ao fazer isso, nós aumentamos ainda mais o suprimento de energia para nossos corpos.
Isso nos permitiu desenvolver cérebros ainda mais inteligentes, e o
círculo virtuoso que se seguiu impulsionou nossos cérebros a serem os
melhores.
O início do cultivo
Ao longo de centenas de milhares de anos, o clima mudou
constantemente, com camadas de gelo avançando e recuando no hemisfério
norte.
A última Era do Gelo terminou há cerca de 12 mil anos. As
temperaturas globais aumentaram rapidamente e logo se estabilizaram, e a
humanidade embarcou em sua próxima transformação energética.
Uma revolução que veria o mundo atingir níveis sem precedentes de mudança tecnológica.
“Em 2 mil anos, em todo o mundo, na China, no Oriente Médio, na
América do Sul, na Mesoamérica, haveria povos domesticando plantações”,
explica Robert Bettinger, da Universidade da Califórnia Davis, nos EUA.
Cultivar plantações tinha sido praticamente impossível durante a Era
do Gelo, ele acredita, mas o novo clima mais quente, aliado ao grande
aumento nos níveis de dióxido de carbono (CO2), foi muito propício para a
vida vegetal.
O primata que cozinhava se tornou também um primata que cultivava.
Foi necessário um grande investimento de energia humana em forma de
trabalho duro e árduo. Mas, em troca, nossos ancestrais colheram
suprimentos de alimentos mais abundantes e confiáveis.
Energia armazenada
Pense por um momento no que o humano faz ao cultivar.
Os campos agem como uma espécie de painel solar mas, em vez de
produzir eletricidade, eles transformam os raios do Sol em pacotes de
energia química que pode ser digerida.
As safras de cereais — grãos domesticados como trigo, milho e arroz
que agem como uma espécie de moeda de energia armazenável — podem ser
guardadas em silos para consumo durante os meses de inverno. Ou pode-se
transportá-los até o mercado para negociar com terceiros. Ou investir no
plantio da próxima safra. Ou na engorda de animais, que poderiam
converter essa energia em carne, laticínios ou força de tração.
Com o passar dos séculos, animais e plantas domesticados em
diferentes lugares se fundiram em uma espécie de pacote agrícola, diz
Melinda Zeder, arqueóloga que estuda o desenvolvimento da agricultura
pastoril na Instituição Smithsonian.
As plantações alimentavam os animais. Os animais trabalhavam a terra.
Seu estrume alimentava as plantações. E, de acordo com Zeder, como uma
espécie de pacote, eles forneciam uma fonte de alimento muito mais
confiável e abundante.
Mais alimentos significavam mais pessoas — que poderiam então se
expandir para novos territórios e desenvolver novas tecnologias capazes
de produzir ainda mais alimentos.
Era outro círculo virtuoso, mas desta vez movido pela energia solar captada pela agricultura.
Relações de trabalho
O excedente de energia que ele criou mostrou que poderíamos sustentar
populações muito maiores e, além disso, que nem todos precisavam se
dedicar ao cultivo.
As pessoas poderiam se especializar em fazer ferramentas, construir
casas, fundir metais ou até mesmo dizer a outras pessoas o que fazer.
A civilização estava se desenvolvendo e com ela algumas mudanças fundamentais nas relações entre as pessoas.
As comunidades de caçadores-coletores, por exemplo, tendem a
compartilhar recursos de forma justa. Em comunidades agrícolas, por
outro lado, profundas desigualdades podem se desenvolver.
Aqueles que trabalhavam longas horas nos campos queriam naturalmente
armazenar seus grãos. Mas havia aqueles com armas de metal que tomavam
parte dos celeiros na forma de impostos.
Assim, por milhares de anos, o padrão de vida da grande maioria das
pessoas na Terra não melhorou significativamente, apesar da abundância
da agricultura.
“As sociedades de caçadores-coletores eram a sociedade afluente
original”, diz Claire Walton, arqueóloga residente do Butser Ancient
Farm, um museu a céu aberto em Hampshire, na Inglaterra.
“Eles gastavam cerca de 20 horas por semana no que se chamaria de trabalho adequado.”
Em comparação, um fazendeiro romano ou saxão, Neolítico, da Idade do Ferro, faria pelo menos o dobro disso, ela acredita.
Por outro lado, somente reis e nobres desfrutavam de um estilo de vida mais confortável como muitos têm hoje.
Carvão e petróleo
Uma mudança significativa no uso de energia seria necessária para expandir esse conforto. E essa mudança foi alimentada por combustíveis fósseis.
No século 18, nossas sociedades cada vez mais populosas começaram a
se deparar com as limitações da energia fornecida pelo fluxo diário dos
raios solares.
Um ajuste de contas se aproximava. Como poderíamos cultivar alimentos
rápido o suficiente para alimentar tantas bocas? Ou até mesmo madeira
suficiente para construir todas as casas e navios, ou carvão vegetal
para fundir todas as nossas ferramentas de metal?
Foi assim que começamos a nos voltar para uma rocha negra que podíamos escavar e queimar em quantidades quase ilimitadas.
O carvão mineral contém a energia solar capturada ao longo de milhões de anos pelas florestas fossilizadas.
No século 20, ele seria substituído por reservas geológicas ainda
mais ricas de energia fotossintética — o petróleo e o gás natural.
E, com eles, uma série de novas atividades começou a se tornar possível.
Não apenas os combustíveis fósseis eram abundantes. Eles também
forneciam fontes cada vez mais potentes de energia, nos libertando da
dependência dos animais.
Primeiro, vieram os motores a vapor, que convertiam o calor do carvão
em movimento. Em seguida, os motores de combustão interna. E, depois,
os motores a jato.
“Um cavalo pode fornecer apenas um cavalo de potência”, explica Paul
Warde, historiador ambiental da Universidade de Cambridge, no Reino
Unido.
“Agora temos máquinas industriais que podem fornecer dezenas de
milhares de cavalos de potência e, no limite, um foguete Saturno V: 160
milhões de cavalos de potência para lançar você para fora da superfície
da Terra.”
Os combustíveis fósseis impulsionam muito mais do que apenas os nossos veículos.
Cerca de 5% do suprimento de gás natural do mundo é usado para criar
fertilizantes à base de amônia, por exemplo, sem os quais metade da
população mundial morreria de fome.
Transformar ferro em aço consome 13% da produção global de carvão. E,
estima-se que 8% das emissões mundiais de CO2 sejam provenientes do
concreto, usado em nossas construções.
Mudanças climáticas
Mas a queima de combustíveis fósseis teve um efeito incrível em nosso padrão de vida.
Desde a Revolução Industrial, nos tornamos mais altos e saudáveis, nossa expectativa de vida aumentou enormemente.
Tudo isso aconteceu graças à revolução energética impulsionada por
combustíveis fósseis, argumenta Vaclav Smil, da Universidade de
Manitoba, no Canadá, um especialista no papel da energia em nossas
sociedades.
“Sem os combustíveis fósseis, não haveria transporte coletivo rápido,
voos, produção excedente de alimentos para consumo, telefone celular
feito na China, transportado para Southampton em um navio gigante com 20
mil contêineres. Tudo isso se deve aos combustíveis fósseis”.
Vivemos em uma sociedade de combustíveis fósseis, acredita Smil.
Mas, embora estes combustíveis tenham tirado de nós o peso da falta
de alimentos, além de criar nossa economia global e elevados padrões de
vida, eles também são responsáveis pelas mudanças climáticas catastróficas que agora ameaçam descarrilar essa sociedade.
Assim como há dois séculos nos deparamos com a limitação do que a
agricultura era capaz de fazer, agora o aquecimento global está impondo
um limite para o que o carvão, o petróleo e o gás podem fazer com
segurança.
Isso criou o maior desafio que a sociedade humana já enfrentou —
voltar a depender do fluxo diário de energia do Sol para suprir as
enormes demandas de energia de uma população de oito bilhões de
habitantes, que segue crescendo.
As "bolas de cristal" captam a luz e as envia para a escuridão por meio de fibras ópticas. [Imagem: NTU Singapore]
Sol sob demanda
É bem conhecido o uso de garrafas PET com água, instaladas no teto ou
nas paredes, para iluminar o interior de ambientes sem gastar
eletricidade.
Mas Charu Goel e Seongwoo Yoo, da Universidade Tecnológica Nanyang,
em Cingapura, queriam algo "mais tecnológico" - e, claro, mais versátil e
mais eficiente.
Eles então substituíram a garrafa PET por esferas de vidro ou de
acrílico, que funcionam como uma lente para concentrar a luz solar.
Mas aí acabam as similaridades com o sistema de baixo custo: A luz é
capturada da esfera e levada para onde será usada por meio de fibras
ópticas.
Além de permitir a instalação de tantas esferas quantas sejam
necessárias sem mexer na construção, a luz pode ser levada para longas
distâncias - os pesquisadores estão focando seu trabalho na iluminação
de espaços subterrâneos.
Coletor de luz solar
Assim como uma lupa, a bola de vidro funciona como concentrador
solar, permitindo que raios de sol paralelos formem um foco nítido em
seu lado oposto.
Essa luz solar focalizada é então coletada por cabos de fibra óptica,
que a transportam até o local a ser iluminado - a luz é emitida
diretamente pela extremidade do cabo de fibra.
Para otimizar a quantidade de luz solar que pode ser recebida e
transportada conforme o sol se move no céu, pequenos motores de passo
ajustam automaticamente a posição da extremidade de coleta das fibras.
Pode parecer high-tech demais, mas o sistema é mais simples e
mais barato do que os sistemas de movimentação dos grandes
concentradores parabólicos espelhados dos sistemas convencionais.
Esquema de funcionamento da esfera coletora de luz. [Imagem: Charu Goel/Seongwoo Yoo - 10.1016/j.solener.2020.12.071]
Melhor que LED
Em experimentos em um depósito totalmente escuro (para simular um
ambiente subterrâneo), a eficácia luminosa do dispositivo - a medida de
quão bem uma fonte de luz produz luz visível usando 1 Watt de energia
elétrica - é de 230 lumens/Watt.
Isso excede em muito a eficácia das lâmpadas LED disponíveis comercialmente, que têm uma saída típica de 90 lumens/Watt.
"Nossa inovação compreende materiais prontos para uso, disponíveis
comercialmente, tornando-a potencialmente muito fácil de fabricar em
escala. Devido às restrições de espaço em cidades densamente povoadas,
projetamos intencionalmente o sistema de colheita de luz natural para
ser leve e compacto. Isto o torna conveniente para ser incorporado na
infraestrutura existente no ambiente urbano," disse o professor Yoo.
Bibliografia:
Artigo: Hybrid daylight harvesting system using static ball lens concentrator and movable optical fiber Autores: Charu Goel, Seongwoo Yoo Revista: Solar Energy Vol.: 216, Pages 121-132 DOI: 10.1016/j.solener.2020.12.071