artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Publicado em março 16, 2016 por
Redação
Santos
Junior, Orlando A. Dossiê das Violações do Direito ao Esporte e à
Cidade. Cadê o legado esportivo da Olimpíada do Rio de Janeiro?
Observatório das Metrópoles, Rio de Janeiro, 2015
[
EcoDebate]
O sonho do Brasil grande faz parte da história brasileira. Como diz o
hino nacional, o Brasil é o gigante “deitado eternamente em berço
esplêndido”. Na época dos governos militares se falava do “Brasil
potência”. Mais recentemente, os últimos governos brasileiros retomaram o
“sonho do Brasil grande” e sem miséria.
Várias ilusões foram vendidas ao povo brasileiro. Uma ilusão que
dificilmente será realizada é o de participar, como membro permanente,
do Conselho de Segurança da ONU. Outro sonho que fica cada vez mais
distante é o de ser a 4ª economia do mundo, como almejava o ex-ministro
Guido Mantega. T
ambém está difícil acabar com a pobreza, a miséria, a
violência e a falta de saneamento básico. Mas dois sonhos menores foram
realizados na busca de grandes eventos midiáticos e espetaculosos: o
primeiro foi sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e o segundo foi
sediar as Olimpíadas de 2016. Incrível ter estas metas num momento em
que os escândalos de corrupção da FIFA e os escândalos dos dopings de
atletas olímpicos são coisas que desmistificam estes grandes eventos e
desvelam a face criminosa e mal cheirosa do esporte, que nada tem de
saudável nestes casos.
O legado da Copa do Mundo de futebol, além da derrota histórica de 7 x
1 para a Alemanha, se deu nas áreas das dívidas e dos “elefantes
brancos”. Os turistas que vieram ao Brasil em 2014 vieram em número
muito abaixo do esperado e os recursos gastos no país foram mínimos
(vieram muitos “mochileiros e farofeiros” deixando poucas divisas
durante o evento). O resultado é que a balança de turismo do Brasil foi
deficitária em US$ 20 bilhões, em 2014.
A maioria das obras de
infraestrutura não ficaram prontas. Muitas das arenas superfaturadas
deixaram uma dívida enorme e estão subutilizadas. As arenas de Brasília,
Manaus, Cuiabá e Natal possuem um custo muito alto de manutenção, mas
estão às moscas pois não há times locais nas principais divisões do
futebol brasileiro. Estas arenas funcionam como monumentos ao
desperdício e à irresponsabilidade com o dinheiro público. O legado da
copa é horrível e está relatado mais nas páginas policiais do que nos
anais dos eventos positivos.
Arlei Damo e Ruben Oliven (2013) dizem sobre a Copa 2014: “O governo
federal foi bastante criterioso na hora de liberar recursos via BNDES e
Caixa Econômica Federal, mas não impediu a consecução de certos projetos
faraônicos, como o Estádio Nacional Mané Garrincha, além de ter
fomentado, por razões eleitorais, a ampliação das cidades-sedes – a FIFA
considerava ideal um número entre 8 e 10, mas acabaram sendo 12.
As
críticas aos gastos públicos vieram um pouco tarde para impedir os
projetos inconsequentes, mas o fato de o futebol ser um tema popular e
os gastos abusivos serem fl agrantes universalizou o debate sobre a
marcação das fronteiras entre o público e o privado, tão cara à
constituição do Estado brasileiro. Em que pese o alto custo econômico, a
popularização desse debate talvez seja o maior legado dos megaeventos
para o Brasil” (p. 59).
O legado das olimpíadas não será muito diferente. Neste momento em
que o país vive as epidemias da Zika, Dengue e Chikungunya, a cidade do
Rio de Janeiro não consegue resolver os problemas de saneamento básico e
da poluição de suas águas e terras. Algumas competições serão
realizadas na Marina da Glória e as Praias do Flamengo e Botafogo,
locais com forte despejo de esgoto sem tratamento e de onde sairão os
barcos para as provas.
O rio Carioca que foi tão importante, durante
séculos para a oferta de água potável para a cidade maravilhosa se
tornou, hoje em dia, uma “lingua negra” que carrega o esgoto para o mar e
para a baia da Guanabara, que já foi muito cantada em prosa e verso e é
parte constitutiva da “Cidade Maravilhosa”.
Contudo, a baia tem sofrido
com o lixo e a poluição que recebe dos rios/esgotos e se tornou um
grande pinico, uma área de descarte da sujeira de toda a região
metropolitana do Rio de Janeiro. A baia, recebe em média 10 mil litros
por segundo de esgoto sem tratamento. Isto destrói a vida marinha e
espalha o odor fétido por toda a região.
O dinheiro das obras cai no “ralo” e o esgoto não chega às estações
de tratamento. As redes coletoras não foram construídas. Algumas
estações foram inauguradas diversas vezes, mas até hoje não funcionam.
Os lixões no entorno da baía só agravam a situação, com a liberação do
chorume.
O quadro não é diferente nas lagoas da Barra e de Jacarepaguá,
onde predominam Ilhas de lixo e lodo, mau cheiro, água preta e pastosa.
São lagoas tomadas de esgoto, ou verde florescente, coberta de
cianobactérias. Enquanto isso, garrafas PET e sacolas plásticas são o de
menos, pois há também sofás, pneus, para-choques de carros, etc.
Em entrevista ao site IHU, a economista Sandra Quintela faz uma
crítica aos grandes eventos da sociedade do espetáculo: “No caso das
Olimpíadas, a cidade do Rio de Janeiro quadruplicou seu orçamento nesse
último período, não a partir da arrecadação de impostos, mas por um
processo de endividamento do município. Agora os recursos estão chegando
para a realização das obras, há um incremento da construção civil e de
outras áreas, mas o impacto que isso vai gerar nas contas públicas em
médio e longo prazos ainda não temos condições de mensurar”.
Além do
desequilíbrio financeiro, a economista cita o processo de privatização
das cidades como sendo o resultado mais perverso do modo de conduzir a
promoção desses eventos no país. “A reorganização das metrópoles a
partir desses megaeventos esportivos visa exatamente privilegiar a
especulação imobiliária e a privatização da cidade em todas as
dimensões, por um processo brutal de exclusão e gentrificação em nome da
‘cidade produto’, da ‘cidade mercadoria’, que precisa ser vendida como
vitrine para esses eventos” (IHU, 2016).
As Olimpíadas atuais são muito diferentes dos jogos de Olímpia, há
2500 anos na Grécia. Naquela época existia o lema “corpo são, mente sã”.
Atualmente a realidade é corpo bombado e drogado e mente pirada atrás
de promoção e o dinheiro da sociedade do espetáculo. Hoje muitos atletas
de ponta usam drogas em busca de marcas para conseguir patrocínios de
empresas que buscam lucro. Assim, atletas e empresas se unem para
acumular capital pessoal e empresarial usando o nome do ideal olímpico.
A pesquisa “Jogos Olímpicos – percepção e engajamento”, da Hello
Research, divulgada no site HuffPost Brasil, mostra que a Olimpíada do
Rio de Janeiro parece não empolgar em nada o brasileiro. Faltando 150
dias para a abertura do maior evento esportivo do planeta, apenas 24% se
dizem animados com os Jogos.
Além da falta de ânimo, para 82% dos
entrevistados, o dinheiro investido nos Jogos Olímpicos deveria ser
empregado na solução de problemas reais para ajudar a população. E 75%
acredita em desvios de verba pública nas obras.
O Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro –
verificando as denúncias de violações do direito à cidade, vinculadas ao
legado esportivo da Olimpíada do Rio de Janeiro – visitou e analisou os
seguintes equipamentos esportivos: Estádio de Remo da Lagoa, Campo de
Golfe (Barra da Tijuca), Parque Olímpico (Barra da Tijuca), o Maracanã, o
Estádio de atletismo Célio de Barros, o Parque Aquático Júlio Delamare,
e a Marina da Glória (Aterro do Flamengo). A principal conclusão do
“Dossiê das Violações do Direito ao Esporte e à Cidade” pode ser assim
ser resumida em um parágrafo:
“É neste contexto que o Comitê Popular pretende, com este Dossiê,
denunciar o processo de privatização de diversos espaços públicos e de
violação dos direitos ao esporte e à cidade, o que se constitui um
elemento central do modelo elitista e desigual de cidade que vem sendo
implementado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, sob a “cortina de
fumaça” da Olimpíada 2016.
Este processo revela uma intrínseca relação
entre a violação do direito ao esporte e as violações dos direitos à
moradia, ao trabalho, ao meio ambiente, e à cidade, promovidas pela
Prefeitura do Rio. Ao olhar o processo de preparação da cidade para as
Olimpíadas, é possível afirmar, com decepção, Rio 2016: um legado de
violações!”
Finalizando e reforçando a conclusão do relatório – Rio 2016:
poluição, endividamento, imobilidade urbana e um legado de violações!
Referências:
ALVES, JED.
As Olim-piadas do Pinicão da Guanabara. Ecodebate, RJ, 25/04/2015
DAMO, Arlei, OLIVEN, Ruben.
O Brasil no horizonte dos megaeventos esportivos de 2014 e 2016. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 19, n. 40, p. 19-63, jul./dez. 2013
HuffPost Brasil.
Para 82% dos brasileiros, dinheiro da Olimpíada deveria ser investido de outra forma, aponta pesquisa, 11/03/2016
Santos Junior, Orlando A.
Dossiê das Violações do Direito ao Esporte e à Cidade. Cadê o legado esportivo da Olimpíada do Rio de Janeiro? Observatório das Metrópoles, Rio de Janeiro, 2015
Sandra Quintela.
Jogos Olímpicos no Brasil: A cidade na vitrine e os cidadãos do lado de fora, IHU, 22/02/2016
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
in
EcoDebate, 16/03/2016
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