quarta-feira, 24 de maio de 2023

Terra receberá mensagem extraterrestre nesta quarta-feira. Participe

 

Terra receberá mensagem extraterrestre nesta quarta-feira, dia 24. Participe

Redação do Site Inovação Tecnológica - 22/05/2023

Primeiro Contato: Terra receberá mensagem extraterrestre nesta quarta-feira
O projeto quer que o público participe não apenas na decodificação da mensagem, mas também com contribuições artísticas e de ideias.
[Imagem: A Sign in Space/Divulgação]

Primeiro contato

No próximo dia 24 de maio, a sonda espacial ExoMars, que está em órbita ao redor de Marte desde 2016, transmitirá uma mensagem codificada para a Terra.

O objetivo do projeto, batizado de Um Sinal no Espaço, é simular o recebimento de um sinal de uma inteligência extraterrestre - ainda não sabemos bem o que fazer quando os ETs chegarem.

Será como uma simulação, em que a comunidade SETI (Busca por Inteligência Extraterrestre) mundial, profissionais de diferentes áreas e o público em geral deverão se engajar no processo de recebimento, decodificação e interpretação de uma mensagem extraterrestre.

Este processo requer cooperação global, estabelecendo uma ponte sobre o SETI, a pesquisa espacial e a sociedade em várias culturas e áreas de especialização. Há anos a comunidade SETI vem propondo a criação de um protocolo para o primeiro contato alienígena.

"Ao longo da história, a humanidade buscou significado em fenômenos poderosos e transformadores," disse Daniela de Paulis, a idealizadora do projeto. "Receber uma mensagem de uma civilização extraterrestre seria uma experiência profundamente transformadora para toda a humanidade. Um Sinal no Espaço oferece a oportunidade sem precedentes de ensaiar e se preparar de forma tangível para esse cenário por meio da colaboração global, promovendo uma busca aberta por significado em todas as culturas e disciplinas".

Primeiro Contato: Terra receberá mensagem extraterrestre nesta quarta-feira
Três radiotelescópios receberão a mensagem: ATA, Green Bank e Medecina.
[Imagem: ATA:Joe Marfia;Green Bank Telescope:Jay Young;Medecina:Medecina Radio Astronomical Station]

Interpretando um sinal alienígena

A sonda ExoMars, da Agência Espacial Europeia, transmitirá a mensagem codificada em 24 de maio às 19:00 UTC - 16:00 no horário de Brasília. Ela chegará à Terra 16 minutos depois.

Três observatórios de radioastronomia de classe mundial detectarão a mensagem codificada: o ATA (Allen Telescope Array), do Instituto SETI, o radiotelescópio Green Bank (GBO) e o observatório da Estação Astronômica de Rádio Medecina, do Instituto Italiano de Astrofísica (INAF).

As equipes de cada telescópio irão processar a mensagem e disponibilizá-la ao público.

O conteúdo específico da mensagem codificada, desenvolvido por Daniela e sua equipe, não foi divulgado, permitindo que o público contribua para decodificar e interpretar o conteúdo.

Qualquer pessoa trabalhando para decodificar e interpretar a mensagem pode discutir o processo no servidor Discord A Sign in Space. As submissões de descobertas, comentários e contribuições artísticas e científicas poderão ser feitas através do formulário de submissão dedicado no site do projeto: https://asignin.space/decode-the-message/.

Após a transmissão, a equipe do projeto realizará uma série de discussões pelo Zoom, abertas ao público, sobre as implicações sociais da detecção de um sinal de uma civilização extraterrestre. As discussões ocorrerão ao longo de 6 a 8 semanas após a transmissão. Uma lista de eventos com links de inscrição está disponível no endereço https://www.seti.org/event/sign-space.

Outras informações podem ser obtidas no site do projeto, no endereço https://asignin.space/.

Tela flexível para realidade aumentada pode ser colada em qualquer superfície

 

Tela flexível para realidade aumentada pode ser colada em qualquer superfície

Redação do Site Inovação Tecnológica - 23/05/2023

Tela flexível para realidade aumentada pode ser colada em qualquer superfície
Isto é o que um motociclista deverá ver ao usar um capacete que incorpore a nova tela de realidade aumentada.
[Imagem: KDH Design]

Tela flexível

Pesquisadores australianos apresentaram o que eles afirmam ser "a primeira tela de exibição de realidade aumentada flexível e transparente do mundo, feita usando impressão 3D e materiais de baixo custo".

tecnologia de realidade aumentada (RA) sobrepõe o conteúdo digital ao mundo real, aprimorando a percepção do usuário em tempo real e a interação com seu ambiente.

Vinha sendo difícil criar uma tecnologia RA flexível, que possa se ajustar a diferentes ângulos de fontes de luz e ser colada em materiais transparentes, já que a fabricação convencional usa substratos de vidro, que precisam passar por fotomascaramento, laminação, corte e gravação dos micropadrões necessários para criar a tela.

Esses processos demorados são caros, têm uma baixa taxa de rendimento e são difíceis de integrar perfeitamente com a aparência dos produtos sobre os quais devem ser instalados.

A equipe do professor Ranjith Unnithan, da Universidade de Melbourne, superou essas dificuldades usando polímeros e plásticos de qualidade óptica e montou a tela usando manufatura aditiva, ou impressão 3D.

Foram quatro anos de trabalho, durante os quais a equipe aprimorou as técnicas que viabilizaram a criação de uma tela na forma de um filme fino, que pode ser aplicado como um revestimento, sobre superfícies transparentes ou não. Outra vantagem foi a otimização do brilho e da resolução, para viabilizar telas colocadas junto ao olho, como em óculos e capacetes.

A tela resultante é flexível e versátil e pode dobrar e se ajustar a diferentes formatos, como superfícies curvas ou irregulares, dando mais liberdade para ajustar o fator de forma de um produto. Como a tela é transparente, ela proporciona uma visão natural e desobstruída, sobrepondo o conteúdo digital à visão do mundo natural em volta.

Tela flexível para realidade aumentada pode ser colada em qualquer superfície
As imagens são geradas por LEDs acionados por um sistema microeletromecânico (MEMS).
[Imagem: KDH Design]

Aplicações

A equipe já lançou uma empresa emergente, a KDH Design, para colocar no mercado versões da nova tela adequadas para instalação em capacetes para motociclistas, óculos e para-brisas de automóveis.

"Na indústria de jogos, telas RA flexíveis e transparentes podem ser integradas a acessórios de jogos, como óculos ou visores, proporcionando uma experiência de jogo mais imersiva e realista. Na educação, os monitores RA podem ser incorporados a ferramentas e simulações educacionais, permitindo experiências de aprendizado interativas e envolventes.

"Na área da saúde, os monitores RA podem ser usados no treinamento médico, auxiliando os cirurgiões com informações em tempo real durante as operações, mas existem muitas outras aplicações potenciais, desde transporte até turismo," disse o professor Unnithan.


Na esteira do desmatamento que avança sobre a Amazônia, cresce no sul do Pará a cultura dos rodeios

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Na esteira do desmatamento que avança sobre a Amazônia, cresce no sul do Pará a cultura dos rodeios

Na esteira do desmatamento que avança sobre a Amazônia, cresce no sul do Pará a cultura dos rodeios

*Por Heinar Maracy

Nem bem o sol desponta por trás dos montes, a cavalgada já está a mil no Parque de Exposição Agropecuária. Cavaleiros montando potentes zebus ou mulas enfeitadas de argolas de ferro. Mulheres desfilando em roupas de cores festivas, carregadas de lantejoulas. A moda é sincrética: biquínis com chapéu de caubóis ou cocares de indígenas norte-americanos. A música sertaneja bomba nas alturas, enquanto locutores saúdam autoridades e animam o público. A carne é distribuída generosamente entre a população local.

Podia ser Barretos, capital paulista dos rodeios. Podia ser o Texas. Mas é Canaã dos Carajás, no sudeste do Pará, nas bordas da Amazônia. O município nasceu há 40 anos, com a regularização de terras de grileiros, mas teve seu boom no início deste milênio, após a descoberta de enormes jazidas de minério de ferro. Em três anos, de 2010 a 2013, sua população triplicou. Hoje são quase 40 mil habitantes.

Depois da mineração (legal e ilegal), veio a pecuária, que contribuiu para o aumento exponencial do desmatamento não só em Canaã dos Carajás como  em toda Amazônia paraense, sobretudo ao longo do chamado do Arco do Desmatamento – a grande franja de pastagem que vem comendo a Floresta Amazônica pelas bordas.

“Isso aqui tudo ao redor era mata”, lembra Manoel dos Santos, que está na região desde os tempos da corrida do ouro de Serra Pelada. “Parauapebas não existia, Curionópolis não existia”, diz, citando algumas das muitas cidades que cresceram naquela parte do Pará. “Era caititu, anta, tatu, paca, veado-mateiro. No começo, as pessoas se sustentavam só com carne de caça.”

Na esteira do desmatamento que avança sobre a Amazônia, cresce no sul do Pará a cultura dos rodeios

Reza durante cavalgada em Canaã dos Carajás, Pará
(Foto: Ricardo Teles)

Na esteira do desmatamento que avança sobre a Amazônia, cresce no sul do Pará a cultura dos rodeios

Queimada para fazer pasto no município de Tucumã (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Desmatamento exponencial

Segundo o MapBiomas, nas últimas quatro décadas de exploração e colonização intensivas, a Amazônia Legal brasileira perdeu 46 milhões de hectares de floresta, a maior parte convertidos em pastagens para gado.

No início, nos anos 1970 e 1980, a expansão da criação de gado na região amazônica brasileira era limitada a grandes fazendeiros que se estabeleceram na Amazônia Oriental, nos estados de Pará e Mato Grosso, graças à especulação fundiária, crédito e incentivos governamentais. Atualmente, são os filhos e netos dessa geração de fazendeiros e seus funcionários que estão envolvidos na pecuária, uma das poucas opções de trabalho na região.

São esses descendentes que agora se transformam em caubóis, criando uma subcultura que funde a imagem tradicional dos vaqueiros norte-americanos com a música sertaneja brasileira e normaliza o desmatamento como uma forma de exploração da terra.

Inicialmente, a criação de gado na Amazônia era altamente rentável, devido aos generosos incentivos e subsídios governamentais que estimulavam essa atividade. Embora muitos desses incentivos tenham sido cortados posteriormente, novos estímulos surgiram, o que impulsionou a expansão por toda a Amazônia.

Em 2004, o Brasil se tornou o principal exportador global de carne, com o crescimento impulsionado pela produção amazônica, que aumentou dez vezes mais rápido do que a média nacional nos anos 1990.

A erradicação da febre aftosa e as condições climáticas favoráveis tornaram a Amazônia uma região viável para a pecuária, que antes ocorria em regiões produtoras mais próximas de grandes centros urbanos, onde a terra era mais cara. Em 2021, segundo o IBGE, a região Norte já detinha 25% do rebanho bovino nacional.

Na esteira do desmatamento que avança sobre a Amazônia, cresce no sul do Pará a cultura dos rodeios

Tropeiros em Rio Verde (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Na esteira do desmatamento que avança sobre a Amazônia, cresce no sul do Pará a cultura dos rodeios

Fazenda Umuarama, de pecuária de ponta, em Canaã dos Carajás (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Ocupação especulativa

E quem está na linha de frente do desmatamento na Amazônia é justamente o peão de boiadeiro, chamado na região de tropeiro, cujas habilidades no manejo do gado são celebradas anualmente em rodeios como o de Canaã dos Carajás.  Para Paulo Barreto, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), o tropeiro amazônico é o principal agente do chamado “desmatamento prematuro”.

Segundo Barreto, “existem três fatores para se entender o desmatamento por razões econômicas. O primeiro é o interesse pela área de mata, se ela tem alguma atração agropecuária ou para a mineração. O segundo é se existem leis que protegem aquela área e se essas leis são realmente cumpridas. O terceiro é se o acesso à área é fácil. Se existe estrada ou rio que facilite a pessoa a chegar na área a ser desmatada. Na Amazônia, o desmatamento ocorre mesmo quando esses fatores não estão presentes. É um desmatamento prematuro onde áreas bem distantes são ocupadas por pessoas que acreditam que um dia a estrada vai chegar lá, as terras serão regularizadas e o terreno irá valorizar”.

Nessa estratégia de ocupação especulativa, a pecuária é a ferramenta ideal, pois prescinde da necessidade de infraestrutura de apoio, como silos no caso da produção de grãos.

“Se um fazendeiro decide plantar soja, ele vai precisar estar perto de uma certa infraestrutura para conseguir armazenar a produção na hora da colheita, ter uma estrada perto para transporte, etc. O gado não precisa dessa infraestrutura”, diz Barreto.

Para os produtores, a criação de gado apresenta diversas vantagens em relação a outras formas de uso da terra, especialmente para grupos pobres e isolados. É uma atividade menos arriscada e requer menos investimento inicial, além de demandar menos trabalhadores em comparação à agricultura. Além disso, o gado é um ativo líquido que preserva seu valor e pode ser facilmente transportado para mercados próximos.

Os tropeiros são fundamentais nesse processo: abrem picadas na floresta e tocam o gado por ela, andando por vezes até dias, sem precisar de estradas. Chegam até a região distante a ser desmatada e colocam novilhas por lá, que logo vão virar vacas e gerar bezerros. Entre a ocupação e a retirada do gado gordo para vender, podem demorar seis ou sete anos.

“Para o fazendeiro, isso é um ativo biológico semelhante a uma aplicação bancária”, explica Barreto. “Se, no pior cenário, a estrada não aparecer, ele tira o gado de lá e vende. Se tiver pressa, vende os bezerros para engorda a uma fazenda mais próxima de um frigorífico”.

Resumindo: é uma ocupação especulativa resultante em uma pecuária ineficiente, de baixa produtividade e um desmatamento muito além do necessário, em termos econômicos.

Queimada criminosa em Área de Proteção Ambiental do município de Anapu (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Lida de gado em propriedade de produção extensiva em Curionópolis (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Baixos salários e o sonho de ser campeão

O objetivo desse modelo de pecuária não é ampliar a produtividade por hectare, mas desmatar a maior área possível, se apropriando de terras que são públicas ou protegidas pelo Estado. Em termos de desenvolvimento regional, ele soma um desastre social ao desastre ecológico.

“Eles abrem áreas imensas, com baixíssima produtividade. Consequentemente, a geração de emprego é pequena e a qualidade do emprego é ruim”, diz Barreto. Mesmo dentro da Amazônia, quando a pecuária é comparada com outros setores, ela apresenta níveis maiores de informalidade e salários menores. “São trabalhadores espalhados em uma área gigante, que geram uma demanda por energia, saúde, educação e muito pouca arrecadação de impostos.”

Os baixos salários tornam o sonho do peão de rodeio ainda mais atraente, quando se sabe que um campeão pode ganhar até R$ 30 mil caso consiga ficar montado no touro por pelo menos 8 segundos, além da fama e oportunidades de patrocínio.

“Todo peão quer vir pro rodeio, quer ser campeão. A adrenalina que passa na cabeça quando a gente tá em cima de um boi, mete o pé na porteira e solta aquele trem pra fora… o cara que passa por isso não larga mais. Você quebra uma junta, um pé, mas não sai fora. Se o braço tá esfolado, a gente amarra e vai pra cima do boi”, diz Mateus de Assis Pereira, que trabalha em uma fazenda de gado no sul do Pará.

São dois os pontos altos da cultura country-amazônica: o rodeio e a cavalgada. Relembrando as picadas que desbravaram o centro e o sul do país desde os tempos do Brasil colonial, a cavalgada é formada por grupos distintos de cavaleiros, as comitivas, cada ums com seu patrocinador — em geral fazendas de gado, marcas de tabaco e rapé e lojas de roupas, selas ou componentes para montaria. Os cavaleiros partem de um extremo da cidade e a atravessam até chegar ao local da exposição local.

Peões rezam antes da competição de montar em touros durante rodeio em Canaã dos Carajás (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Os rodeios norte- americanos exercem influência direta nos da Amazônia; na foto, detalhe de peão em. Curionópolis (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Rainhas e princesas de comitivas de peões durante o rodeio em Canaã dos Carajás (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

Trailers e caminhões seguem na frente, tocando música sertaneja, muitas vezes com artistas ao vivo. Após marchar pela cidade por horas, todos se reúnem em um acampamento ou em um centro de exposições para beber e comer churrasco, com carne doada por fazendeiros e comerciantes da região. Em 2022, mais de 9 toneladas de carne foram servidas durante a Expocanaã, em Canaã dos Carajás.

Até poucos anos atrás, quem quisesse participar de um rodeio precisaria se deslocar para o Sudeste ou Centro-oeste, locais tradicionais de grandes shows agropecuários. Na Amazônia, o crescimento explosivo decorrente da pecuária trouxe dinheiro e investimento em exposições de gado, cujo ápice é o rodeio. Os eventos são anuais, mas como se multiplicaram pelas cidades da região, praticamente não se passa um mês sem uma cavalgada ou rodeio.

E, assim, a cultura country-amazônica avança junto com o desmatamento, comendo a floresta pelas bordas ao som de música sertaneja, com cheiro de churrasco.

Como diz Leandro Santos, que, além de tropeiro, construiu um verdadeiro centro de treinamento para os peões que almejam participar de rodeios no Brasil e, sonho máximo, nos Estados Unidos: “Antes a cidade era pequena, tinha pouca gente. Aí foi expandindo e os trem foram valorizando. A cavalgada de Canaã é uma das mais bonitas da região e o povo começou a apoiar os rodeios. Antes, para ver um rodeio bonito, você precisava ir a Rio Verde ou Barretos. Agora tem aqui e vai crescer ainda mais, se Deus quiser.”

Desfile durante a cavalgada em Canaã dos Carajás (PA)
(Foto: Ricardo Teles)

O pasto toma o lugar da floresta. Canaã dos Carajás, Pará
(Foto: Ricardo Teles)

*Texto publicado em 22/05/23 no site do Mongabay Brasil
Todas as informações contidas na reportagens e autorizações para uso de fotos e seus devidos créditos são de inteira reponsabilidade do Mongabay Brasil

Foto de abertura: Ricardo Telles (garoto toca o berrante em cavalgada na cidade de Paragominas, Pará)

As bobagens ditas por políticos que defendem a exploração da foz do Amazonas: como confundir a Guiana com a Guiana Francesa…

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Amazônia Energia  


As bobagens ditas por políticos que defendem a exploração da foz do Amazonas: como confundir a Guiana com a Guiana Francesa…

As bobagens ditas por políticos que defendem a exploração da foz do Amazonas: como confundir a Guiana com a Guiana Francesa...

negativa da licença para a Petrobras perfurar um poço de petróleo na bacia da foz do Amazonas, em 17 de maio, mostrou que não são só os desmatadores da Amazônia que odeiam o Ibama. Políticos do Amapá e do Pará, à esquerda e à direita, uniram-se nas críticas ao órgão ambiental e na defesa da produção de óleo na região.

Candidato a anfitrião da conferência do clima da ONU em 2025, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), já propôs até mesmo discutir a transição energética “daqui a 50 anos”, prazo muito maior do que o que a ciência dá para o mundo zerar emissões líquidas de gases de efeito estufa.

O senador David Alcolumbre (União Brasil) chamou a decisão de “um desrespeito ao povo amapaense” e prometeu “lutar” para revertê-la. O também senador Randolfe Rodrigues (sem partido), conhecido por sua defesa das pautas ambientais e por embates com o ex-ministro do Desmatamento Ricardo Salles, queixou-se de que o povo do Amapá “não foi ouvido” pelo Ibama (como se decisões técnicas ocorressem por plebiscito). Acabou ganhando um elogio de Salles nas redes sociais.

Fakebook.eco coligiu e verificou dez afirmações recentes feitas por Helder, Randolfe e pelo governador do Amapá, Clécio Luís (SDD), em entrevistas sobre o caso da foz. As declarações contêm desinformaçãodesconhecimento, violações semânticas e ao menos uma confusão geográfica. Leia a seguir:


1. “O que o presidente do Ibama fez foi assinar uma decisão irresponsável, absurda, uma decisão que parece muito mais ser baseada numa ideologia pessoal.” (Clécio Luís)

FALSO

A decisão de Rodrigo Agostinho se baseou em parecer técnico da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama, que recomendou o indeferimento da licença em razão de inconsistências no estudo ambiental apresentado pela Petrobras. O parecer técnico apontou que o estudo apresentado pela PetrobrAs não constatou todos os impactos ambientais do empreendimento, não listou medidas de mitigação que pudessem ter sua efetividade verificada, não apresentou medidas específicas para as comunidades indígenas no Plano de Comunicação Social e tinha “deficiências significativas no Plano de Proteção à Fauna”. Quanto ao último item, destaca que o pedido de licenciamento não contemplava a mitigacão adequada de possíveis impactos do vazamento de óleo sobre a fauna marinha e, entre outras lacunas, não previa ações de monitoramento da costa — o que representaria grande risco de perda de biodiversidade e uma remota possibilidade de resgate e reabilitação da fauna  em caso de acidente com vazamento de óleo.

O despacho do presidente do Ibama seguiu ainda o entendimento da equipe técnica do órgão quanto à necessidade de realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), tipo de avaliação estratégica instituída há mais de uma década e considerada fundamental para esse tipo de empreendimento. A Petrobras baseou-se em uma exceção prevista na portaria interministerial que a instituiu: a possibilidade de admissão de atividades exploratórias por meio da manifestação conjunta do Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente, sem necessidade de AAAS, uma disposição transitória que seria utilizada enquanto não havia tempo hábil para conclusão da avaliação estratégica. “Na perspectiva da política ambiental, é inaceitável que a AAAS, instituída há mais de uma década, ainda não tenha sido implementada em bacias sedimentares consideradas novas fronteiras exploratórias”, diz o parecer.

2. “Esse leilão foi feito há 11 anos, um dos mais concorridos, as duas empresas internacionais que tentaram não conseguiram vencer a burocracia estatal. Entrou a Petrobras, que é a maior especialista do mundo em exploração em águas profundas.” (Clécio Luís)

NÃO É BEM ASSIM 

A inglesa BP, em consórcio com a Petrobras, arrematou o bloco FZA-M-59 em 2013, na 11ª Rodada da ANP. Na ocasião, nove blocos foram licitados, a maioria para a francesa Total. Em 2018, o Ibama negou licença à Total para cinco perfurações na foz do Amazonas por falta de estudos adequados sobre impactos e medidas de resposta a desastres. A BP iniciou em 2015 os estudos de impacto ambiental para o bloco 59, mas um parecer do Ibama de 2019 concluiu que “a falta de definição da estrutura de atendimento à fauna, da unidade de perfuração e das embarcações de apoio que seriam utilizadas para realização da Avaliação Pré-Operacional (APO) e aprovação do Plano de Emergência Individual (PEI) inviabilizavam a emissão de uma Licença de Operação”. Em 2020 o Ibama deu prazo à BP para apresentar novas informações que sanassem os problemas apontados, mas a empresa britânica devolveu o bloco para a ANP naquele mesmo ano. Em seguida a Petrobras o arrematou.

3. “(…) A 540 km da foz do rio Amazonas. Porque do jeito como falam eles desinformam, passam como se fosse explorar petróleo na boca do rio Amazonas. As bacias estão localizadas a 174 km da ponta do Cabo Orange.”

“Essas possíveis bacias não estão na bacia sedimentar do rio Amazonas, estão quase no final da nossa plataforma [continental].”(Clécio Luís)

VERDADE, MAS

O governador se utiliza de uma confusão semântica para desinformar. A bacia sedimentar onde a Petrobras quer procurar petróleo é chamada de Foz do Amazonas pela própria ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) por estar sob a influência da pluma de sedimentos do rio, que se estende Atlântico adentro por até 300 mil quilômetros quadrados, não por estar na boca do rio Amazonas. Assim como outras bacias oceânicas (Campos, Santos, Barreirinhas, Jequitinhonha), ela está na plataforma continental, uma extensão submarina da América do Sul.

4. “O que o Ibama está fazendo de forma irresponsável é impedir que a gente pesquise. Em qualquer outro lugar teria que ser tomada uma providência mais enérgica. Uma coisa é o Estado brasileiro que colocou à disposição do mercado através de leilão esses lotes que esse mesmo Estado disse depois que não podemos nem pesquisar. A fase que nós estamos, a fase exploratória, é de pesquisa. O Ibama está impedindo que a gente faça pesquisa.” (Clécio Luís)

ENGANOSO 

O governador comete mais um abuso semântico, ao chamar de “pesquisa” a prospecção de petróleo. O que o Ibama recomendou foi justamente que se faça pesquisa  — a Avaliação Ambiental da Bacia Sedimentar  — para que, em caso de viabilidade ambiental, os poços de petróleo sejam licenciados no atacado, como já ocorre em outras regiões do país, e não mais um a um. Os riscos ambientais só poderão ser dimensionados após esses estudos. O Ibama não impediu a pesquisa mesmo na acepção usada pelo governador: desde 2013 a Petrobras vem fazendo pesquisa sísmica com autorização do órgão ambiental, e antes de 2011 dezenas de poços exploratórios foram perfurados na parte rasa da Foz do Amazonas – sem indícios comerciais de óleo.

5. “Nós somos dependentes de petróleo do resto do mundo, produzimos um petróleo insuficiente para o Brasil por isso nosso combustível é tão caro.” (Clécio Luís)

FALSO

O Brasil é mais do que autossuficiente em petróleo: na verdade é um grande exportador de óleo cru, que foi o segundo item da nossa pauta de exportações em 2022, abaixo apenas da soja. O Brasil é o 15º maior exportador de petróleo do mundo, à frente até mesmo de países da Opep, como a Venezuela. Se computados os derivados que o país também exporta, combustíveis fósseis são o primeiro item da nossa balança comercial. O petróleo extraído em águas brasileiras não fica no país. O que não há no Brasil é capacidade instalada de refino, portanto nós exportamos petróleo e importamos gasolina e diesel. Esse é um dos motivos — mas nem de longe o único — para o alto preço dos combustíveis no Brasil.

6. “Não existe nenhuma comprovação rigorosa da existência dos corais.” (Clécio Luís)

FALSO 

banco de recifes da foz do Amazonas foi descrito pelos cientistas em 2016 e apresentado como uma surpresa, já que plumas de sedimento de grandes rios costumam atrapalhar o desenvolvimento de corais. O caso gerou controvérsia, com alguns pesquisadores questionando a existência e a vitalidade dos recifes. Em 2022, um grupo de cientistas liderados por Thomás Banha, do Instituto de Biociências da USP, publicou um artigo no periódico Frontiers in Marine Science afirmando, com base em revisão da literatura, que a existência do banco de recifes na região da foz do Amazonas é “um fato”. Além de rodólitos (algas calcárias), há corais e peixes típicos do Caribe. A extensão total do sistema de recifes ultrapassa 13 mil quilômetros quadrados.

7. “Essa perfuração é em águas profundas. A profundidade lá é 2.880 metros. Esse tipo de operação a Petrobras já fez mais de mil vezes com zero acidente.” (Clécio Luís)

NÃO É BEM ASSIM 

Não existe “zero acidente” em nenhuma atividade de produção de petróleo. Dados da ANP mostram que apenas em 2022 houve 62 incidentes em atividades de petróleo offshore, com o derramamento de 217 mil litros de óleo no mar. A Petrobras tem um histórico notável de segurança nesse tipo de operação e até hoje não aconteceu no Brasil nenhum acidente grave como o do poço de Macondo, explorado pela BP no Golfo do México, que explodiu em 2010. Daí não decorre, porém, que problemas não possam acontecer na Foz do Amazonas, região de correnteza forte e muita chuva. Segundo o parecer do Ibama, as correntes de superfície na região são de três a cinco vezes mais velozes que as do Sudeste. Em 2011, a correnteza arrastou um navio-sonda e obrigou a Petrobras a abandonar um poço perfurado no bloco FZA-M-252.

8. “Sou a favor da transição energética, acho necessário, ocorre que essa transição vai demorar pelo menos 50 anos e não podemos ser proibidos de pesquisar e até de explorar petróleo para nosso povo, para gerar emprego, gerar renda.” (Clécio Luís)

FALSO

O IPCC, o painel do clima da ONU, deixou claríssimo em seu Sexto Relatório de Avaliação, em 2021, que a humanidade precisa alcançar emissão líquida zero em 2050 se quiser ter 66% de chance ou mais de limitar o aquecimento global em 1,5ºC, como preconiza o Acordo de Paris. A transição energética, portanto, precisará acontecer em metade do tempo previsto pelos governadores do Amapá e do Pará (Helder Barbalho, candidato a anfitrião da COP30, também tem falado em 50 anos). A Agência Internacional de Energia, em seu relatório de 2021 que estabeleceu a trajetória para a estabilização em 1,5ºC, afirmou que nenhum campo novo de petróleo poderia ser licenciado no mundo a partir de 2021 se a humanidade estivesse falando sério sobre estancar a crise climática. Isso exigirá zerar as vendas de novos carros a combustão interna em 2035 e reduzir a demanda por petróleo de 93 milhões para menos de 25 milhões de barris por dia.

9. “Não tem nenhuma ameaça ambiental. O mesmo risco ambiental que tem nesse lugar tem na exploração da costa fluminense, tem na costa de Sergipe ou na costa do Rio Grande do Norte” (Randolfe Rodrigues)

INVERIFICÁVEL

Não é possível medir risco (entendido como probabilidade x consequência) numa área pouco estudada. Além disso, o que se sabe até agora sobre a Foz do Amazonas é que ela é ambientalmente sensível e que os planos de contingência são muito mais difíceis de operar ali do que em outras áreas — o porto que atenderia a resposta a emergências é o de Belém, a 850 km do bloco 59, e o tempo de navegação até o local, segundo o parecer do Ibama, seria de 43 horas, contra 10 a 15 horas que o óleo levaria para atingir a Guiana Francesa. Além da dificuldade de acesso, a existência de mangues e áreas protegidas no litoral do Pará, do Amapá e da Guiana Francesa aumenta, em tese, o impacto de um vazamento com óleo chegando à costa.

10. “Posso admitir que a França explore petróleo nessa mesma bacia há dez anos e o Brasil não se permita a pesquisar a oportunidade para que uma empresa da dimensão da Petrobras faça o mesmo?” (Helder Barbalho)

FALSO

A França não explora petróleo na região; o país veda a exploração de óleo em suas águas territoriais desde 2017, e isso inclui a Guiana Francesa. Quem explora petróleo no litoral norte da América do Sul é a Guiana, a 700 km da costa do Oiapoque e a 1.200 km da boca do Amazonas em linha reta. É uma distância comparável à que separa a bacia de Santos do Uruguai.

*Texto publicado originalmente em 23/05/23 no site Fakebook.com
Todas as informações contidas nele são de inteira responsabilidade de seu autor

Foto de abertura: divulgação Greenpeace