Eduardo Kattah, Ricardo Brandt, Valmar Hupsel Filho
Estadão
A defesa de Marcos Valério Fernandes de Souza propôs aos procuradores
da Operação Lava Jato, em Curitiba, um acordo de delação premiada em
troca de benefícios em eventuais novos processos e mesmo redução da pena
de 37 anos de prisão que cumpre por participação no esquema do
mensalão. Valério, por meio de seu advogado Marcelo Leonardo, afirma que
está disposto a revelar elos entre os dois escândalos.
Leonardo levou a proposta aos procuradores do Paraná nos últimos dias
do ano passado, mas o caso terá de ser analisado pelo procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, pois todos os réus do mensalão foram
julgados pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive os que não possuíam
foro privilegiado.
Ao pedir a prisão do pecuarista José Carlos Bumlai, a força-tarefa da
Lava Jato citou um trecho do depoimento prestado por Valério em
setembro de 2012 à Procuradoria-Geral da República. Na ocasião, na reta
final do julgamento no STF, o empresário mineiro tentou, sem sucesso, um
acordo de delação premiada – um mês depois a Corte o condenou a 40 anos
de prisão, pena que foi reduzida posteriormente com a anulação da
sentença pelo crime de quadrilha.
CASO CELSO DANIEL
Valério afirmou na época que foi informado pelo ex-secretário-geral
do PT Silvio Pereira que o pecuarista havia captado empréstimo de R$ 6
milhões no Banco Schahin e depois ficou sabendo que esse montante foi
transferido para Ronan Maria Pinto, empresário de Santo André (SP) que
estaria chantageando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os
ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho no episódio envolvendo o
assassinato do ex-prefeito da cidade Celso Daniel (PT), em 2002.
Após ser preso, em novembro do ano passado, Bumlai admitiu em
depoimento que o empréstimo de R$ 12 milhões captado em 2004 no Banco
Schahin foi repassado para o caixa 2 do PT e metade desse valor
transferido para Ronan Maria Pinto.
OUTRA CONFIRMAÇÃO
Valério havia relatado também que a “dívida” com o Banco Schahin
teria sido viabilizada por meio da aquisição de sondas de petróleo
alugadas pela Petrobrás.
Em dezembro, o Ministério Público Federal denunciou Bumlai e outros
10 investigados – incluindo a cúpula do grupo Schahin, o ex-tesoureiro
do PT João Vaccari, os ex-diretores da Petrobrás – por corrupção,
lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. Eles foram acusados de
participar de um esquema de propinas na contratação da Schahin
Engenharia, em 2009, como operadora do navio-sonda Vitória 10000.
“Ele de fato fez um depoimento que coincide com coisas que agora
foram apuradas e que já poderiam ter sido apuradas desde 2012 porque ele
já tinha narrado”, disse Leonardo, garantindo que seu cliente – que
cumpre pena em regime fechado na Penitenciária Nelson Hungria, em
Contagem (MG) – pode “avançar” nas informações já prestadas. “Agora só
se tiver efetiva disposição do Ministério Público de fazer acordo de
colaboração. Se não tiver, ele não tem interesse em colaborar com nada.”
EFEITO MARCOS VALÉRIO
A Lava Jato já contabiliza ao menos cinco dezenas de contribuições
premiadas entre as já homologadas e em processo. O procurador Deltan
Dallagnol, coordenador da força-tarefa em Curitiba, atribuiu o alto
número de delações ao que chamou de “efeito Marcos Valério”.
O ex-sócio
das agências de publicidade SMPB e DNA, apontado durante as
investigações como o principal operador do mensalão, recebeu a maior
pena ao final do processo.
“As pessoas viram que um caso de repercussão gerou punição severa ao
Marcos Valério e nós obtivemos o efeito Marcos Valério. Ninguém quer ser
um segundo Marcos Valério”, disse o procurador em setembro, durante
evento em São Paulo.
Para Dallagnol, mensalão e Lava Jato são parte de um mesmo esquema de
corrupção sistematizado no governo federal a partir de 2004, durante a
gestão Lula.
DELAÇÃO A QUALQUER MOMENTO
Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP especialista na área
constitucional, afirma que há previsão legal para Valério firmar acordo
de delação premiada na Operação Lava Jato, ainda que julgado e condenado
em outro processo.
A lei que define as organizações criminosas (12.850, de 2013)
estabelece que a colaboração com a Justiça pode ser feita a qualquer
tempo e independe de uma condenação anterior, desde que a colaboração
resulte em resultados como a identificação de coautores e partícipes da
organização criminosa e dos crimes; revelação da estrutura hierárquica e
da divisão de tarefas da organização, entre outros.
“Ele pode fazer a
delação tanto depois de ser condenado quanto tratar de um processo que
não tenha sido dele, desde que, sendo uma delação, ele fale sobre a
organização criminosa”, disse Glezer.
“Eu já conversei sobre isso (contribuição premiada) com membros da
força-tarefa em Curitiba. Eles se interessaram pelo depoimento e eu
disse que eles tinham de conversar com o procurador-geral (da
República). Isso foi na virada do ano”, afirmou o advogado de Valério.