Em fevereiro de 2020, o mundo parou por causa do novo coronavírus
SARS-CoV-2 e da doença que ele provoca, a COVID-19, que até o fechamento
desta matéria já havia ceifado a vida de mais de 72 mil pessoas no
Brasil. O vírus chegou em onda e foi tomando a Terra de assalto.
Três Conselheiros do CRBio-02 – Cristina Nassar, Christiane Leal
Corrêa e Anderson Mendes Augusto – se unem para abordar a inter-relação
do SARS-CoV-2 com o meio ambiente.
Integrantes da Organização Americana de Saúde (Opas), braço regional
nas Américas da Organização Mundial de Saúde (OMS), dizem que o pico da
epidemia no Brasil deve acontecer em agosto, quando o país talvez
registre mais de 80 mil mortes. Para conter a letalidade da doença, em
praticamente todos os países do mundo, foi promovido o afastamento
social, com objetivo de diminuir a disseminação do vírus.
A suspensão de grande parte das atividades humanas reduziu
significativamente os níveis de poluição do ar. Imagens de satélites
demonstraram uma queda considerável nos níveis de dióxido de nitrogênio
(NO2) e das emissões de dióxido de carbono (CO2). Só na China as
emissões caíram cerca de 25%, de acordo com o site Carbon Brief.
Mas tais mudanças são apenas temporárias, circunstanciais, como diz a
Conselheira do CRBio-02, Cristina Nassar (12.653/02-D), coordenadora do
Programa de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
“Quando tudo isso passar – e vai passar – a produção irá voltar com
força total, em uma tentativa de recuperação econômica. Não me
espantaria que, pontualmente, a poluição se elevasse a níveis maiores
que os de antes da pandemia”, afirma.
A Bióloga ressalta que, se estamos falando de redução da produção
humana, os impactos positivos não se restringem apenas à diminuição da
poluição atmosférica. “Imagine que, com menos pessoas ativas, ocorre uma
diminuição do desmatamento, da caça e pesca predatórias, do uso de
agrotóxicos, da poluição de corpos d’água, etc. Mas é assim que queremos
melhorar nosso meio ambiente? Acredito fortemente que não! Menos
atividade humana, significa menos produção de alimentos, fármacos,
tecnologia, inovação e tantas outras coisas que necessitamos”.
“Por outro lado – continua a Bióloga Cristina -, pessoas
inescrupulosas podem ver esse momento de distanciamento social como uma
oportunidade de burlar a fiscalização e causar danos irreparáveis ao
meio ambiente, como temos visto os noticiários sobre queimadas em
unidades de conservação e invasão de terras indígenas”.
Para Cristina, a espécie humana tem um impacto no planeta, bom ou
ruim, que nenhuma outra tem. “Nós possuímos a capacidade de atuar nos
mais remotos cantos da Terra. No entanto, apesar de muitas vezes vermos o
ambiente como algo a ser explorado por nós, em detrimento de outras
espécies, os humanos são mais um elo na teia trófica que integra os
organismos vivos que interagem em nosso mundo. Como muitos dizem: ‘Nós
precisamos do planeta, mas ele não precisa de nós'”.
Cristina acha surpreendente como o planeta poderia dar conta da
ausência do ser humano, obviamente, com grandes mudanças: “Sem o homem,
em poucos dias não haverá energia. Quem irá operar as hidroelétricas,
termoelétricas e as usinas nucleares? Essas plantas de geração de
energia entrarão em colapso em dias. A partir daí, começarão alguns
desastres… diferentes instalações industriais vão parar, explodir e
vazar substâncias tóxicas. Estamos falando de anos? Não! Falamos de
dias. Mas, entre 100 e 300 anos as represas, prédios e pontes vão ruir.
Pode ser chocante imaginarmos que ícones de nossa sociedade, tais como
grandes edificações e monumentos, irão corroer e desabar em poucos
séculos. Sabe uma coisa que ainda estará lá em cerca de 5 séculos? As
pirâmides e demais monumentos em pedra. E o Cristo Redentor, no Rio de
Janeiro? Apesar do monumento parecer ser uma estrutura sólida, ele não
é. Logo a falta de manutenção e as intempéries (chuvas e raios)
afetariam sua estrutura que começaria a ruir. Triste não?”.
Na verdade, o discurso da Bióloga Cristina nos leva a crer que assim
que a pandemia diminuir seu ritmo, tudo voltará a ser como era antes.
Pelo menos em termos de meio ambiente, não haverá um “novo normal”.
Então, teríamos de dar tchau aos peixinhos dos canais de Veneza (Itália)
e aos tucanos pendurados na rede elétrica de Belo Horizonte (Brasil).
Descarte de máscaras e luvas gera problema ambiental
Se retirar os seres humanos das ruas e dos seus locais de trabalho
promoveu uma série de melhorias ao meio ambiente, colocá-los de volta,
mas protegidos de uma segunda onda dessa pandemia, está preocupando
ambientalistas e profissionais da área de saúde. Dentre os vários
motivos está o descarte de milhares de máscaras respiratórias, o que vem
acontecendo por conta da obrigatoriedade do uso em vários países do
mundo, principalmente os mais afetados pela pandemia, como Brasil,
Estados Unidos, países da Europa Meridional, China, Japão, entre outros.
É que esses bilhões de máscaras respiratórias, que estão sendo
produzidas por diversos países para atender a uma população mundial de
7,7 bilhões de pessoas, serão usadas e descartadas. É aí que mora o
perigo. Com o uso de EPIs pela população mundial, principalmente
máscaras respiratórias e luvas (produzidas em TNT, algodão, látex, vinil
e outros materiais), a preocupação fica voltada para o correto descarte
desses produtos depois de utilizados.
De acordo com a Conselheira do CRBio-02, Christiane Leal Corrêa
(29.635/02-D), professora adjunta do Departamento de Patologia da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj) e doutora em Fisiopatologia Clínica Experimental, as
máscaras descartáveis e as luvas utilizadas para uso contra a
contaminação do SARS CoV-2 estão se tornando um problema ambiental que
pode ter consequências mundiais.
“Inundaram o mercado com um equipamento de proteção individual de
baixo custo, leve, de aspecto inofensivo, mas que agora está gerando
reflexos na natureza. Muitos desses materiais são feitos de
polipropileno e podem levar anos para serem degradados. O uso mensal
estimado de 129 bilhões de máscaras e 65 bilhões de luvas em todo o
mundo, está resultando em contaminação ambiental generalizada (PRATA et
al., 2020)”.
“Assim – diz Christiane Corrêa -, as máscaras descartáveis (uso
único) que chegam ao meio ambiente por meio de lixões, descarte em
aterros, lixo em espaços públicos, água doce, oceanos, podem estar
contribuindo para o surgimento de uma nova fonte de fibras
microplásticas, que podem degradar, fragmentar ou decompor-se em
pequenos tamanhos e pedaços de partículas com menos de 5mm, conhecidas
como microplásticos em condições ambientais. O tempo que a natureza
precisa para absorver os materiais dessas máscaras respiratórias e luvas
pode ser bastante variado. Alguns trabalhos falam em 450 anos”.
“As máscaras descartáveis são produzidas a partir de polímeros como
polipropileno, poliuretano, poliacrilonitrila, poliestireno,
policarbonato, polietileno ou poliéster. Com o aumento da produção e do
consumo de máscaras em todo o mundo estamos diante de um novo desafio
ambiental, aumentando o vasto desperdício de plástico e partículas de
plástico no meio ambiente”, informa a Bióloga.
Dessa forma, o descarte incorreto de máscaras e luvas utilizadas para
proteção contra o SARS-CoV-2, no lixo público ou doméstico, está se
tornando um problema. E Christiane Corrêa orienta:
“Para a higienização após o uso, deve-se deixar as máscaras
respiratórias de molho na água sanitária ou hipoclorito por 10 minutos,
assim como as luvas. Esse procedimento visa inativar o vírus, antes de
expor o material ao contato com outros indivíduos. Assim sendo, é de
fundamental importância descontaminar todo o material descartável antes
de ser embalado para descarte. Para o descarte, deve-se embalar máscaras
e luvas usadas em sacos impermeáveis e resistentes e identificar de
forma clara e de fácil visualização, fechando por mais de 24 horas. Com
isso, esses resíduos poderão ser conduzidos para uma unidade de
tratamento e destinação final”.
A preocupação com a embalagem e identificação tem como objetivo
minimizar os prejuízos coletivos, incluindo os do meio ambiente
terrestre e marinho. Christiane informa ainda que a Agência de
Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou legislação pertinente RDC Anvisa
306 de 2004 e a Resolução Conama 358 de 2005, que define como os
resíduos de serviços de saúde (RSS) devem ser tratados. “Essa legislação
pode ser um ótimo orientador para o correto descarte das máscaras
respiratórias e das luvas utilizadas para proteção do SARS CoV-2”,
finaliza Christiane Leal.
Ainda pensam que o culpado é o morcego
Perguntamos ao Conselheiro do CRBio-02, Anderson Mendes Augusto
(24.653/02-D), como seria possível evitar que novos vírus, até mais
letais que o SARS-CoV-2, surjam ameaçando a humanidade? Ele foi
categórico:
“É inevitável, enquanto houver o desmatamento de áreas naturais e a
caça de animais silvestres, isso pode acontecer, pois tais fatos
aumentam o convívio do homem e dos animais de produção e domésticos com
animais infectados naturalmente com vírus ainda desconhecidos, ampliando
a probabilidade de transmissão. É em função dessa proximidade, que
novos vírus ‘saltam’ da vida selvagem para os seres humanos”, finaliza
Anderson.
Biólogo, tendo passado 28 anos na Fundação RIOZOO e RioZOO/SA e
mestre em Gestão Ambiental, ele diz que a família do novo coronavírus, o
SARS-CoV-2, infecta mamíferos e aves: “Em geral podem causar problemas
respiratórios e entéricos, porém, podem afetar outros sistemas”.
Anderson informa que os vírus desta família infectam naturalmente
diversas famílias de quirópteros (morcegos) localizadas na Ásia, África e
Américas. E, tem-se a hipótese, que estes vírus e morcegos coevoluem há
milhares de anos:
“Existe um tripé, onde uma terceira espécie propicia o ‘salto’ do
vírus para os humanos. Esse tripé é formado pelos quirópteros e uma
outra espécie que pode ser doméstica, de criação ou silvestre, que por
sua proximidade com seres humanos facilita a infecção pelo vírus”,
informa Anderson.
Tais saltos geralmente ocorrem nas bordas das florestas, onde o
desmatamento coloca as pessoas em contato com os habitats naturais dos
animais, em zonas rurais nas quais ações antrópicas (caça, desmatamento)
aproximam o homem das espécies naturalmente infectadas, podendo haver a
transferência para animais domésticos ou de produção e destes para o
homem.
Anderson ressalta que “Dengue, febre amarela e zika são exemplos de
doenças que nos acometem há séculos e por terem os mosquitos como seus
transmissores são de difícil erradicação, mas passíveis de controle.
Outros exemplos que têm como hospedeiros os quirópteros são a raiva e o
ebola, ambas com alta letalidade. Esses são somente alguns exemplos mais
conhecidos”.
“
Mais da metade do desmatamento tropical do mundo é impulsionado por quatro commodities: carne
bovina, soja, óleo de palma e produtos de madeira. Eles substituem
florestas tropicais maduras e com biodiversidade por monoculturas e
pastagens. Como a floresta é degradada aos poucos, os animais que ainda
vivem em fragmentos isolados da vegetação natural lutam para existir.
Quando os assentamentos humanos invadem essas florestas, o contato
humano-vida selvagem pode aumentar e novos animais oportunistas também
podem migrar”. *
* Trecho de um artigo escrito a seis mãos por Amy Y. Vittor,
professora assistente de Medicina da Universidade da Flórida (EUA);
Gabriel Zorello Laporta, professor de Biologia e Doenças Infecciosas da
Faculdade de Medicina do ABC (Brasil), Maria Anice Mureb Sallum,
professora de Epidemiologia da Universidade de São Paulo (Brasil).
Do CRBio-02, in
EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/07/2020
Nota da redação: Em relação ao tema “Covid-19/Coronavírus e Meio Ambiente” sugerimos que leia, também:
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