Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT
Certo, "tal como anda o mundo, o direito só existe entre os iguais no poder; os fortes fazem o que querem e os fracos sofrem o que têm de sofrer". Esta frase da "História da Guerra do Peloponeso", de Tucídides, é a filosofia do governo de Donald Trump. Assim, dois de seus assessores, o general Herbert Raymond McMaster e Gary Cohn, escreveram em maio que: "O mundo não é uma 'comunidade global', e sim uma arena na qual países, atores não governamentais e empresas lutam e concorrem por vantagens". Esse ponto de vista amoral tem implicações graves. Em nenhuma outra área os contágios são mais significativos e a cooperação mais vital do que na climática. A inação garante, efetivamente, o sofrimento dos pobres.
Esta é a conclusão de um dos capítulos sobre o impacto econômico dos choques climáticos da mais recente edição do Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os maiores impactos negativos dos choques tornados mais frequentes pelo aquecimento global ocorrem nos países tropicais. Quase todos os países de baixa renda são tropicais. Mas esses países são os menos capazes de se proteger. São, portanto, vítimas inocentes de mudanças sobre as quais não têm qualquer responsabilidade.
Ao avaliar esses riscos, tem–se de partir da premissa de que o aquecimento global antropogênico é uma realidade. Os setores intelectuais dedicados a negar isto são bem–financiados e ruidosos. Mas seus argumentos são pouco convincentes. As leis naturais subjacentes são inegáveis. Além disso, a conexão empírica entre as crescentes concentrações de gases–estufa e a temperatura é inequívoca. Se pouco ou nada for feito, as temperaturas médias poderão subir 4°C, ou mais, em relação aos patamares pré–industriais, até o fim do século. Conscientes dos longos tempos de implementação necessários caso se adotem medidas efetivas, tanto para mitigar a mudança climática quanto para se adaptar a ela (quando inescapável), pessoas racionais tomariam providências agora.
Há três principais obstáculos a essas providências. Em primeiro lugar, interesses econômicos específicos, notadamente na indústria de combustíveis fósseis, são compreensivelmente contrários à ação e, não raro, à ciência que sugere que ela é necessária. Em segundo lugar, os defensores do livre mercado, que desprezam tanto os governos quanto os ambientalistas, rejeitam a ciência devido às suas implicações odiosas (para eles) sobre a política pública.
Em terceiro lugar, poucos querem dificultar suas vidas, menos ainda ameaçar seu padrão de vida, em prol do futuro ou das populações dos países mais pobres.
Quais são as provas do impacto da inação sobre os mais pobres? Os autores do relatório do Fundo Monetário Internacional começam a partir do nosso conhecimento de que temperaturas mais altas elevam a probabilidade da ocorrência de catástrofes naturais ligadas ao clima, porque haverá mais energia no sistema climático. Entre esses efeitos estará uma maior frequência da ocorrência – com prejuízos maiores – de ciclones, enchentes, ondas de calor e incêndios espontâneos.
Além disso, a maior frequência de eventos extremos também prejudicará mais os países mais pobres. Por dois motivos: esses países se localizam nas regiões do mundo em que a probabilidade de ocorrências adversas é maior; e elas são as dotadas da menor capacidade de se proteger do impacto, ou de administrá–lo. Para um país em desenvolvimento de baixa renda médio, com uma temperatura média de 25°C, o efeito de um aumento de 1°C na temperatura é diminuir o crescimento anual em 1,2 ponto percentual.
Além disso, o impacto é de alta duração. Esses custos provêm dos efeitos nocivos do calor sobre a produtividade, a produção agrícola, a saúde e até os conflitos. O calor extremo é oneroso. A adaptação a climas extremos continua sendo muito mais difícil para os países pobres. Testemunhamos neste quarto trimestre o impacto muito mais pernicioso que as intensas tempestades tiveram sobre os países mais pobres, como os do Caribe, do que sobre os Estados Unidos, muito mais rico.
Para países bem–administrados a redução desses impactos negativos é possível. Países com infraestrutura de categoria superior, mercados de capitais mais bem regulados, taxas de câmbio flexíveis e instituições mais transparentes e mais democráticas se recuperam mais rapidamente dos choques de temperatura do que outros. As regiões quentes situadas em países de alta renda também lidam melhor com esse fator do que as mais pobres. Tudo isso embasa a tese de que os países mais pobres tendem a ser os mais prejudicados pela elevação das temperaturas. As populações desses países são mais vulneráveis por estarem mais próximas do nível de subsistência.
Com os aumentos das temperaturas projetados até o ano 2100 para a mudança climática não mitigada, as rendas reais anuais per capita de um país de baixa renda representativo seriam 9% inferiores às registradas sob condições normais. Isso imporia grandes custos sobre seus grupos vulneráveis. Além disso, uma previsão como essa ignora os riscos e incertezas que cercam qualquer estimativa desse tipo. Um planeta 4°C mais quente do que a média da era pré–industrial seria tão diferente do país com que estamos acostumados que as implicações são significativamente incognoscíveis.
A análise do Fundo Monetário Internacional tem uma série de implicações graves. A primeira e mais importante: os países de baixa renda têm de se desenvolver depressa, a fim de ter mais capacidade de administrar os choques climáticos. Em segundo lugar, seu desenvolvimento tem de ser compatível com a mitigação do aumento das temperaturas globais. Em terceiro lugar, precisamos de melhorias aceleradas das tecnologias relacionadas e de sua rápida propagação. Em quarto, temos também de ajudar os países pobres a se adaptar às mudanças climáticas cuja incidência já é certa. Em quinto lugar, temos de desenvolver seguros contra os choques relacionados ao clima sofridos pelos países pobres. Finalmente, existe também um argumento moral em favor de indenizar os perdedores pelos custos das mudanças climáticas não mitigadas impostas pelos países mais ricos.
Não devemos permitir que o urgente nos leve a deixar de pensar no importante. Os desafios correlatos do clima e do desenvolvimento moldarão o futuro da humanidade. (Tradução de Rachel Warszawski)