Quero ser defensora pública dos bichos
Por Maria Tereza Jorge Pádua
- quarta-feira, 03 janeiro 2018 22:31
O majestoso Urubu-rei passeia por Canastra. Foto: Mariceia Pádua.
Estes dias voltei com amigos ao Parque Nacional da Serra da Canastra,
em Minas Gerais. Que passeio maravilhoso. Região belíssima onde, em
teoria, poderíamos apreciar a natureza com seus belos animais
silvestres. Infelizmente, a passagem de bandos de motoqueiros
atrapalhava a aproximação de qualquer bicho, além de provocarem erosões
abrindo novas trilhas a ferro e fogo. Os motoqueiros em si eram gentis,
mas a passagem de suas máquinas dava medo e tirava a paz da visita.
Após três dias passeando pelo Serra da Canastra, não vimos qualquer
dos animais típicos do Cerrado. Não avistamos bichos grandes como
tatu-canastra, lobo-guará, onça-parda e tamanduá-bandeira. Será que eles
se refugiaram em outras áreas da mata atlântica, já antecipando mais
barulho ainda nos feriados de Carnaval que se avizinham? Pôxa. Ao fim
do passeio, vislumbrar algumas aves nos consolou, em especial o notável
urubu-rei ou
Sarcoramphus papa.
Esse vazio de animais silvestres justifica o crescente uso do termo
“florestas vazias”, fenômeno que está se tornando comum em áreas
protegidas tropicais, inclusive no magnífico bioma do Cerrado.
Quase cinquentão
Estabelecido em 1972, o
Parque Nacional da Serra da Canastra foi proposto e delimitado sob a batuta de
José Cândido de Melo Carvalho, penta-atleta e ilustre professor doutor, especialista em
mirídeos,
bichos que não são vistos em passeios rápidos. Entre outros cargos, ele
foi diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro e presidente da
Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, no Brasil, a primeira ONG dedicada à conservação, criada em 1958.
Foto: Mariceia Pádua.
Quando criado, há 45 anos, a maior atração e valor ambiental do Serra
da Canastra era conter as nascentes do rio São Francisco e do rio
Grande, entre outros menores, além da sua beleza cênica como sói
acontecer.
A atividade econômica mais expressiva e destruidora dos recursos
naturais na região era a mineração, embora a pecuária fosse importante.
Querido por uns e detestado por outros, o Serra da Canastra resiste,
a despeito dos sérios problemas de regularização fundiária -- apenas
30% de sua extensão foi regularizada --, dos incêndios, da caça e pesca
ilegais, falta de pessoal, etc., mazelas comuns aos nossos parques.
Sou candidata
Por isso, neste ano de eleição, quero lançar minha candidatura a um
novo cargo: super protetora dos animais do Parque Nacional da Serra da
Canastra. Aproveito desde já para pedir apoio a amigos leais, de
cientistas e de especialistas em manejo, pois de achismos estamos
fartos. Gostaria ainda do apoio de minha norinha, que é defensora
pública e ama os bichos. Se eu for eleita, prometo usar os superpoderes
que esse cargo imaginário vai me outorgar. Sobrevoarei o parque todos os
dias para proteger os animais e impedir toda a sorte de irregularidades
que encontrar dentro dele.
Nesta ambição, respondo a um apelo que me fez Paulo Nogueira Neto há
uns 40 anos, quando virou-se para um tucano e um cágado que perambulavam
pela sua fazenda: "eis aqui a defensora de vocês”. Aceitei o termo no
ato, pois defender bichos silvestres de áreas de Paulo Nogueira Neto é
tarefa fácil.
Proteger ou perder
“Criar unidades de conservação é sempre um
processo caro, doloroso e antipático. Ninguém quer. Mantê-las, tampouco é
popular ou simples. Ao menor descuido, são usadas para construir
hidroelétricas, estradas, assentar populações ditas tradicionais, e até
mesmo para turismo predatório”.
Brincadeiras à parte, o país precisa decidir: quer ou não proteger
sua fauna silvestre? Ou quer preservar somente cães e gatos de
estimação?
Criar
unidades de conservação
é sempre um processo caro, doloroso e antipático. Ninguém quer.
Mantê-las, tampouco é popular ou simples. Ao menor descuido, são usadas
para construir hidroelétricas, estradas, assentar populações ditas
tradicionais, e até mesmo para turismo predatório. São terras de
ninguém, com raras exceções.
Entretanto, sem elas, no mundo de hoje a fauna não poderia sequer
existir, pois faltariam aos animais desde comida até local para manter
populações razoáveis e estáveis. Sem áreas protegidas a fauna se
extinguiria, como ocorre em ambientes alterados ou mesmo, para espécies
mais exigentes, em ambientes que começam a ser prejudicados.
É frustrante visitar um Parque Nacional espetacular, como o Serra da
Canastra, e não lograr avistar animais típicos do Cerrado, enquanto, por
exemplo, no
Parque Nacional das Emas, eles ainda são fáceis de encontrar.
As razões desses desaparecimentos são ainda mais frustrantes e não resisto a colocar uma série de perguntas urgentes.
Décadas depois de sua criação, por que até hoje este parque mineiro
não foi regularizado, mesmo contendo as nascentes do São Francisco, rio
da integridade nacional?
Por que as pesquisas lá realizadas, como as do lobo-guará, do
tatu-canastra ou do pato-mergulhão, espécies ameaçadas de extinção,
foram ignoradas pelos seus guardiões públicos e não influíram em seu
adequado manejo?
Foto: Mariceia Pádua.
Por que não se guarda adequadamente este tesouro natural, se a
economia de pequenas cidades vizinhas já depende do turismo que o Serra
da Canastra gera, como é o caso de Delfinópolis e São Roque de Minas?
Por que é tão raro ver um guarda, um aviso, uma trilha
interpretativa? Fácil de encontrar são os motoqueiros abrindo novas
rotas e provocando erosões.
Por que até pousadas razoáveis não sabem a razão da existência do parque e de suas regras?
Por que pousadas não são chamadas a colaborar com o manejo adequado e a administração do Serra da Canastra?
Penso que todos essas questões ficam bem resumidas em uma só
resposta: falta educação ambiental porque falta educação em geral.
Gastam-se bilhões de reais na construção de estádios para se hospedar
uma Copa do Mundo de futebol, e, após o evento, eles ficam vazios.
Enquanto isso, as áreas protegidas estão abandonadas à própria sorte,
alguma já próximas do seu fim.
Foto: Mariceia Pádua.
Foto: Mariceia Pádua.
Foto: Mariceia Pádua.