quinta-feira, 5 de março de 2020

Prédios de luxo são demolidos na Índia por violação de leis ambientais


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Enquanto no Rio de Janeiro, construções irregulares avançam próximo à área onde prédios desabaram na Muzema, na Zona Oeste, neste mês, na Índia, autoridades indianas demoliram edifícios de apartamentos de luxo cuja construção violou “regras ambientais”. O Supremo Tribunal do país ordenou a demolição no ano passado, depois de um comitê de avaliação ter concluído que os complexos de luxo quebravam as regras de proteção da orla costeira.
Os moradores dos arranha-céus viram as suas habitações serem destruídas em segundos. No total, 343 apartamentos – onde habitavam cerca de duas mil pessoas – foram destruídos no que está a ser descrita como a maior demolição na Índia de edifícios residenciais.
A Kerala Coastal Zone Management Authority (KCZMA), criada para prevenir a degradação da Zona Costeira, explica que as permissões para a construção dos edifícios foram concedidas pelas autoridades locais sem a sua aprovação. Além disso, o local onde foram edificados, no município de Maradu, é uma área “criticamente vulnerável” onde não é permitida construção.
Entre os moradores destes edifícios estão banqueiros, executivos e aposentados.
 Vejam o video:

Fonte: SIC

Ararinhas-azuis: o retorno tão esperado é envolto em denúncias e falta de transparência

Ararinhas-azuis: o retorno tão esperado é envolto em denúncias e falta de transparência

Ararinhas-azuis: o retorno tão esperado é envolto em denúncias e falta de transparência
*Por Suzana Camargo
O dia 3 de março foi uma data histórica para a pequena cidade de Curaçá, na Caatinga baiana. Uma grande celebração marcou a chegada, depois de duas décadas, de 52 ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii). Foi a volta para casa dessa espécie endêmica da região, um dos símbolos da luta contra o extermínio da fauna no Brasil. Vítima do tráfico de animais silvestres, a ave havia sido declarada oficialmente extinta na natureza em 2000.

Os indivíduos trazidos para a Bahia (26 machos e 26 fêmeas) são resultado de um bem-sucedido programa de reprodução em cativeiro realizado por uma organização da Alemanha, a Association for the Conservation of Threatened Parrots e. V. (ACTP), que assinou uma parceria com o governo brasileiro. O evento foi considerado tão importante que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, esteve em Petrolina (PE) para receber as ararinhas, ao lado do proprietário da ACTP, o alemão Martin Guth, e outras autoridades brasileiras.

A repatriação das aves faz parte do Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-azul, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade – ICMBio, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Duas outras entidades estrangeiras integram também o programa, a Al Wabra Wildlife Preservation, do Catar, e a Pairi Daiza Foundation, da Bélgica. Esta última está ligada a um zoológico de mesmo nome onde estão expostas quatro ararinha-azuis, as únicas da Europa que podem ser vistas pelo público.

O destino das aves, por ora, é o centro de reintrodução construído especialmente para elas em Curaçá. De acordo com o ICMBio, a previsão é que as ararinhas “alemãs” só sejam soltas na natureza em 2021, após um processo de adaptação.

Quando isso acontecer, será nas duas unidades de conservação criadas em junho de 2018 pelo governo federal, dedicadas exclusivamente ao programa de reintrodução e proteção da espécie: o Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul, com uma área de 29,2 mil hectares, e a Área de Proteção Ambiental da Ararinha-Azul (90,6 mil hectares).
Ararinhas-azuis: o retorno tão esperado é envolto em denúncias e falta de transparência
Caixas com as 52 ararinhas-azuis que vieram para o Brasil passam
pela inspeção no aeroporto de Berlim

A origem do dinheiro

Todos os custos do programa de reintrodução e construção do Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul foram bancados pela Association for the Conservation of Threatened Parrots. Segundo Martin Guth, o valor da obra do centro foi de US$ 1,4 milhão e ele calcula que, anualmente, serão gastos US$ 180 mil para manter em operação o projeto, que será coordenado por Cromwell Purchase, diretor científico e zoológico da ACTP, juntamente com a equipe do ICMBio.

Na Alemanha, a associação fundada em 2006 tem o registro de uma organização não-governamental. Segundo informações obtidas junto à Bundesamt für Naturschutz (BfN), Agência Federal para a Conservação da Natureza da Alemanha, foi reconhecida pelas autoridades regionais competentes como um zoológico.

Todavia, na prática, a ACTP não funciona como um. Não existe visitação aberta ao público. No local, a pouco mais de uma hora de Berlim, não há estacionamento para visitantes e o acesso por transporte público é limitado.

Em uma reportagem publicada em julho de 2019, pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, intulada “A ararinha-azul é o papagaio mais valioso do mundo. Um criador alemão com reputação duvidosa quer trazê-lo de volta à natureza. Ele pode ser confiável?”, a jornalista, que esteve pessoalmente na sede da associação e entrevistou Guth e seu sócio, o corretor imobiliário Jürgen Dienst, afirma que a legislação alemã determina que, para ser considerado um zoológico, um estabelecimento precisa receber visitas no mínimo sete dias por ano – é o que acontece ali, geralmente em tours guiados com estudantes de escolas.

Para se manter financeiramente, a ACTP afirma, em seu site, que depende de doações. Entretanto, não há nenhuma menção na página a quem seriam essas pessoas físicas e jurídicas. A única empresa citada, como “parceira exclusiva”, é a companhia Deli Nature, da Bélgica, que comercializa ração animal.

Em entrevista por e-mail à Mongabay, perguntado sobre a identidade dos doadores, Martin Guth diz que “os nomes de todos os nossos grandes doadores e apoiadores podem ser encontrados em cada um dos nossos posts no Facebook. Eles não são apenas alemães”.

Entre o final de fevereiro e dezembro de 2019, só há uma menção a parceiros na timeline da ACTP. Estão ali a Deli Nature, mencionada acima, a Pairi Daiza e a Knutis Shop – Generalvertretung Roudybush-Pellets Deutschland, também do setor de rações.

No caso da fundação belga Pairi Daiza, por exemplo, em seu site aparecem como apoiadores companhias multinacionais como DHL e Unilever, entre outras.

Vale ressaltar que a ACTP possui uma das maiores coleções particulares de psitacídeos em risco de extinção no planeta. Até pouquíssimo tempo atrás, tinha em mãos mais de 90% das ararinhas-azuis em cativeiro do mundo, além de indivíduos da espécie de arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), também brasileira), o papagaio-de-são-vicente (Amazona guildingii) e o papagaio-de-santa-lúcia (Amazona versicolor).

Para Paul Reillo, fundador e presidente da Rare Species Conservatory Foundation e diretor da Tropical Conservation Institute, nos Estados Unidos, uma das regras de ouro para organizações não-governamentais é a transparência total. “De onde vem o dinheiro da ACTP? É preciso que fique claro quem são seus doares, como o dinheiro é investido, além de ser essencial que se tenha acesso a um inventário completo de suas aves – sexo, idade, número de nascimentos e mortes, e os processos de importação e exportação”.

No site também não há nenhuma referência sobre quem são seus profissionais e sua qualificações científicas, nem se há um conselho administrativo ou sequer o endereço da associação.
Biólogo, geneticista ecológico e engenheiro ambiental, Reillo tem sérias ressalvas ao trabalho da ACTP e de Martin Guth. E já externou isso diversas vezes em entrevistas  a diferentes publicações. Segundo ele, outros membros da comunidade de conservação internacional também vieram a público demonstrar suas críticas ao criatório alemão.
Ararinhas-azuis: o retorno tão esperado é envolto em denúncias e falta de transparência
A ararinha-azul é uma das aves mais raras do mundo: estima-se que existam apenas 177 indivíduos em cativeiro no mundo. Na natureza, a espécie está extinta desde 2000

Denúncias e acusações

Não é apenas a falta de clareza e transparência sobre a origem do dinheiro que financia a Association for the Conservation of Threatened Parrots e. V. que tem causado incômodo entre os especialistas da área.

Em dezembro de 2018, o jornal britânico The Guardian publicou uma minuciosa reportagem investigativa sobre Guth e a ACTP, com grande repercussão mundial. Durante seis meses os jornalistas Lisa Cox e Philip Oltermann fizeram um levantamento sobre a vida pregressa do alemão, com graves suspeitas sobre seu trabalho, entre elas o possível envolvimento com o tráfico de animais silvestres e o uso da associação para lavagem de dinheiro de máfias europeias.

Com o título de A legitimate zoo? How an obscure German group cornered global trade in endangered parrots ” (“Um zoológico legítimo? Como um obscuro grupo alemão encurralou o comércio mundial de papagaios ameaçados”), a matéria revela que, na década de 1990, quando tinha cerca de 25 anos, Guth ficou cinco anos na prisão por sequestro e extorsão.

Ainda segundo os jornalistas, pelo menos um dos funcionários que trabalhava na ACTP, naquela época, foi acusado de envolvimento com o tráfico ilegal de aves (estima-se que esse mercado movimente aproximadamente US$ 42,8 bilhões no mundo, perdendo apenas para o de drogas e de armas).

Não é só isso. As primeiras ararinhas-azuis que Guth comprou para a sua coleção foram adquiridas de um criador suíço, a quem ele teria pago 15 mil euros. O homem em questão estaria ligado a dois conhecidos membros de uma máfia de Berlim, conhecida por organizar assaltos, ter envolvimento com o tráfico de drogas, além de usar métodos como chantagem. Em uma foto que pode ser encontrada na internet, o criador alemão pode ser visto junto a Arafat Abou-Chaker, um dos chefes da quadrilha.

Guth afirma que não tinha conhecimento da ligação da pessoa que vendeu as aves a ele com a máfia. Mas não nega seus erros no passado. Na entrevista por e-mail à Mongabay, disse que prefere manter sua vida particular separada de seus projetos e assegura que sua ficha criminal está limpa.

“Uma versão traduzida desse documento foi fornecida imediatamente ao governo do Brasil e ao governo australiano após a publicação do artigo do The Guardian. O governo brasileiro solicitou uma prova de registros limpos como condição para continuar o programa e assinar um novo contrato com a ACTP. Ele foi assinado em 7 de junho de 2019”, revela.

O proprietário da ACTP menciona o governo da Austrália porque a associação também possui parcerias com outros países, além do Brasil – não sem polêmicas, acusações e denúncias.
Com autorização dos australianos e do Bundesamt für Naturschutz, Guth importou mais de 200 espécies de aves nativas, ameaçadas de extinção, desde 2015, alegando que seriam exibidas publicamente. Em 2018, o membro do parlamento Warren Entsch alertou sobre a exportação, demonstrando preocupação que a ACTP não agia como um zoológico e se comportava mais como uma coleção privada.

Segundo a reportagem do The Guardian, alguns dos papagaios australianos teriam sido colocados à venda na internet, por valores que variavam entre 95 mil e 180 mil euros por um casal.

A Austrália não foi o único país a enviar aves endêmicas e em risco de extinção para a Alemanha. Santa Lúcia e São Vicente, países insulares do Caribe, também fazem parte da lista, assim como Dominica, que em 2018 mandou dois papagaios-imperiais (Amazona imperialis) e dez papagaios-de-colar-vermelhos (Amazona arausiaca) para a sede da ACTP.

Poucos meses antes, em setembro de 2017, o furacão Maria tinha passado pela região e atingido a ilha. A alegação para a retirada dos papagaios foi de que eles não estavam mais seguros.

Em uma carta enviada a autoridades da área ambiental e à BfN, mais de 40 cientistas e pesquisadores internacionais afirmaram que a expatriação dos pássaros não havia sido permitida pelos representantes da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites), nem pelo Forestry, Wildlife and Parks Division da Dominica – que nem mesmo tinham sido consultados sobre a transferência.

“Não havia uma emergência para justificar a remoção dos papagaios da Dominica. Todas essas aves eram selvagens e já mantidas em segurança em cativeiro, portanto não havia justificativa razoável para agilizar essa transferência ou violar muitos requisitos legais básicos para tal ação. Todos haviam sobrevivido ao furacão Maria, estavam sendo atendidos por uma equipe de assistência veterinária reconhecida internacionalmente e eram considerados saudáveis”, escreveram os cientistas.
Até hoje, os papagaios-imperiais e os papagaios-de-colar-vermelhos não foram devolvidos a Dominica.

Há uma petição internacional no site Care2, que já conta com 55 mil assinaturas, pedindo que a Bundesamt für Naturschutz faça uma investigação sobre Martin Guth e todas as suspeitas em relação à ACTP. Entretanto, a agência federal alemã garantiu que a associação é fiscalizada regularmente pelas autoridades responsáveis.

“Essas verificações são direcionadas à prova da aquisição legal de aves protegidas, a criação e venda legal de tais aves, de acordo com os regulamentos internacionais relevantes para conservação de espécies”, afirmou Ruth Birkhölzer. “Não foi observada nenhuma irregularidade. Após a publicação de artigos no The Guardian e uma denúncia criminal, os procedimentos de investigação criminal foram conduzidos pela polícia. No entanto, esta investigação foi encerrada sem suspeita de ações ilegais da ACTP ou do Sr. Guth”.
Ararinhas-azuis: o retorno tão esperado é envolto em denúncias e falta de transparência
Martin Guth (primeiro à esquerda) e o então Ministro do Meio Ambiente, Edson Souza (de gravata) durante visita à sede da ACTP, na Alemanha

Medo de represálias

Paul Reillo é uma das poucas pessoas entrevistadas para esta reportagem que concordam em ter seu nome publicado. Outros criadores e biólogos do Brasil só falaram com a condição de se manterem no anonimato, alegando que o empresário alemão é perigoso, tem ligação com a máfia ou que podem sofrer represália do governo brasileiro, com cortes financeiros em seus projetos.

Um desses entrevistados afirmou que, nos últimos anos, alguns criadores científicos (autorizados pelo governo a ter projetos de reprodução em cativeiro de espécies em risco de extinção) sofreram pressão dos órgãos governamentais brasileiros para que as ararinhas-azuis fossem enviadas à ACTP, na Alemanha. A fonte disse ainda que havia um criador bem próximo de ter uma bem-sucedida reprodução de filhotes, mas que, mesmo assim, precisou mandar as aves para a Europa.

Questionado em 2018 sobre o envio desses indivíduos e a razão pela qual a reprodução em cativeiro não foi feita no Brasil, o ICMBio deu a seguinte resposta, através de e-mail de sua assessoria de imprensa:

A troca de espécimes para fins de reprodução e variação genética da população em cativeiro está prevista no programa de cativeiro e seguem protocolos e critérios técnicos para pareamento, e da mesma forma, animais foram enviados da Alemanha para o Brasil. Em ambos casos as trocas foram feitas atendendo as recomendações dos consultores de manejo.

Infelizmente os criadouros no Brasil até o momento não tiveram sucesso em reproduzir a espécie em números significativos. Desde o início do Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-azul, em 2012, apenas dois nascimentos foram registrados no Brasil em 2014, ao passo que os criadouros da Alemanha e Catar obtiveram taxas reprodutivas que permitiram o aumento da população de 79 para 158 indivíduos”.

Em maio de 2019, dois filhotes de Cyanopsitta spixii nasceram em Fazenda Cachoeira, em Minas Gerais, um criadouro certificado pelo governo.

O número exato de ararinhas-azuis existentes no Brasil e em poder da ACTP não é claro. Em outubro do ano passado, o ICMBio declarou que eram 177 Cyanopsitta spixii no mundo – 22 em solo brasileiro e as demais na Alemanha.

É preciso lembrar que, em 2014, o Sheikh Saud bin Mohammed al-Thani, que estava a frente da Al Wabra Wildlife Preservation, no Catar, uma das parcerias do programa brasileiro de reintrodução da espécie, morreu.

O bilionário, apaixonado por aves, possuia nada menos do que 120 ararinhas-azuis. Após seu falecimento, todas elas foram “emprestadas” para Guth. Durante esse tempo, até a volta das 52 aves ao Brasil, o alemão esteve em posse de quase todas as ararinhas-azuis existentes no mundo.
Investigação internacional questiona idoneidade de criador alemão que repatriará ararinhas-azuis ao Brasil
Até o retorno das aves ao Brasil, a Association for the Conservation of Threatened Parrots tinha em seu poder 90% das ararinhas-azuis
existentes no mundo 

Falta de transparência

Para Reillo, um dos principais problemas do criador alemão e da associação fundada por ele são suas credenciais. Ou melhor, a falta delas. “Onde está a ciência? Onde estão as publicações feitas pela ACTP? Quais ONGs internacionais e cientistas, organizações e agências credenciadas endossaram o projeto de reintrodução? Quais grupos científicos foram convidados a consultar sobre o projeto? Como eles estão envolvidos?”, questiona.

A opinião é a mesma de outro biólogo, brasileiro, que participou diretamente do programa do governo federal, mas preferiu deixar o projeto depois que percebeu que todas as decisões privilegiavam o envio das ararinhas-azuis ao criador alemão. “É uma temeridade ter esse alemão no Brasil. Ele só tem bichos raríssimos na Alemanha, que custam uma fortuna no mercado negro. Ninguém quer falar sobre o Guth porque todo mundo tem medo dele”.

Em janeiro de 2019, Cromwell Purchase, que será o responsável pela administração do centro de reintrodução das aves na Bahia, disse que o principal motivo para a onda de acusações sobre Martin Guth e a ACTP seria a inveja. “Há muitas pessoas invejosas no Brasil, todo mundo quer um pedaço do programa da ararinha-azul, agora que nós, parceiros do projeto, conseguimos chegar a esse ponto com tanto sucesso. Muitos parceiros foram removidos ao longo do caminho devido à política e à interrupção do programa, e tenho certeza de que muitos estão envolvidos nas acusações”, justificou.
“Você pergunta por que as organizações estrangeiras estão avançando com sucesso no programa da ararinha-azul. Porque nenhum criador brasileiro estava disposto a investir dinheiro para salvar essa espécie… Você preferiria que simplesmente deixássemos a espécie extinta?”

Reillo contra-argumenta: “É claro que todos queremos as ararinhas-azuis de volta à natureza, mas precisamos de respostas”.

Além da falta de transparência nas atividades da ACTP, o Ministério do Meio Ambiente tem se mantido calado diante de toda a polêmica e não fornece dados e informações sobre ações futuras ou quais são exatamente os termos da parceria entre Brasil e ACTP – as outras ararinhas-azuis existentes que ficaram na Alemanha também serão trazidas posteriormente para a Bahia?

No dia 26 de fevereiro, foi enviado um e-mail para a assessoria de imprensa do ICMBio com uma série de questionamentos, como a posição do governo brasileiro perante às denúncias feitas a Martin Guth, os custos do projeto, o número atual de ararinhas-azuis e onde estão localizadas, mas até o fechamento desta reportagem a resposta não foi enviada.

Duas perguntas, que têm sido feitas repetidamente, surgem novamente ao final da história que levará à reintrodução da Cyanopsitta spixii na natureza: pelo bem de uma espécie, deve-se fechar os olhos para como e com que dinheiro ocorreu o seu processo de reprodução? E a segunda: programas de reprodução em cativeiro de espécies ameaçadas de extinção devem ser realizados em países distantes do habitat original das mesmas?
De acordo com o ICMBio, a previsão é de que as 52 ararinhas-azuis que vieram da Europa sejam reintroduzidas na natureza até 2021, em duas unidades de conservação na Caatinga baiana
*Texto publicado originalmente em 04/03/20 no site do Mongabay Brasil
 

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Fotos: reprodução Facebook ACTP 

A crítica desleixada de Michael Shellenberger, da Forbes, conduz ao erro sobre os incêndios na Amazônia (comentário)

Mongabay Series:

A crítica desleixada de Michael Shellenberger, da Forbes, conduz ao erro sobre os incêndios na Amazônia (comentário)

  • O colunista da Forbes, Michael Shellenberger, faz algumas afirmações corretas sobre os incêndios na Amazônia, mas também divulga informações falsas que não têm base em fatos ou estudos científicos.
  • O que Shellenberger acerta: a Amazônia está sendo erroneamente descrita pela mídia como “os pulmões do planeta”; o número de incêndios foi maior no passado, e há uma necessidade de estimular fazendeiros e agricultores brasileiros para que eles ajudem a conter o desmatamento e as queimadas.
  • O que Shellenberger erra: Segundo os cientistas, a grande questão é que a Amazônia brasileira armazena uma enorme quantidade de carbono. O aumento do desmatamento, junto com as mudanças climáticas, está empurrando a Amazônia cada vez mais perto de um ponto de transformação da floresta em savana, o que provoca uma grande liberação de carbono e agrava o aquecimento global.
  • Também subestimado: o papel de Jair Bolsonaro na crise. Desde janeiro, ele desmantelou agências de fiscalização ambiental e usou linguagem incendiária para incitar fazendeiros e agricultores a derrubar ilegalmente a floresta. Este post é um comentário. As opiniões aqui expressas são do autor do texto e não necessariamente da Mongabay.
Eu entendo o desejo de corrigir informações errôneas que proliferam como resultado de notícias de última hora. E eu entendo a frustração das manchetes sensacionalistas que enganam os leitores. Mas a tentativa do colunista Michael Shellenberger, da revista Forbes, de corrigir o registro de incêndios na Amazônia brasileira foi, na melhor das hipóteses, descuidada, e enganosa, na pior das hipóteses.


Shellenberger está certo em vários pontos, incluindo a má escolha de “Pulmões da Terra” como um apelido para a floresta amazônica, o fato de tanto o desmatamento quanto os incêndios terem sido substancialmente em maior número no passado recente, o uso generalizado pela mídia dos velhos tempos ou fotos irrelevantes para ilustrar os incêndios atuais, a necessidade de envolver os fazendeiros e agricultores na preservação da Amazônia e a minimização do impacto dos incêndios nos sub-bosques.

No entanto, ele está errado sobre alguns outros pontos importantes, que são listados e refutados abaixo.
Cumulative fire hotspots in the Brazilian Amazon according to INPE. Note: August 2019 data is through August 24.
Focos cumulativos de incêndio na Amazônia brasileira, segundo o INPE. Nota: os dados são até o dia 24 de agosto.
Cumulative deforestation through July for each year from 2008 according to INPE's DETER system. Note that the chart switches from DETER to DETER-B in August 2016.
O desmatamento cumulativo ao longo do mês de julho a cada ano, desde 2008, segundo o sistema DETER do INPE. Repare que o gráfico muda de DETER para DETER-B em agosto de 2016.
E quanto ao The New York Times que afirma que “Se perdermos florestas tropicais o suficiente e elas não puderem ser restauradas, a área se tornará savana, logo, não armazenará tanto carbono, o que significa uma redução na capacidade “pulmonar do planeta”?

O declínio de oxigênio imaginado por Shellenberger engana e desorienta o leitor. Cientistas, incluindo Dan Nepstad, que é amplamente citado no artigo da Forbes, alertaram que a perda em larga escala de cobertura vegetal na floresta amazônica pode levar o ecossistema a um ecossistema mais seco, semelhante à savana, parecido com o Cerrado. Esse novo ecossistema armazenaria muito menos carbono do que uma floresta tropical, fazendo crescer as emissões e aumentando potencialmente a taxa global das mudanças climáticas.

“Como já escrevi extensivamente, a matança da floresta amazônica – a savanização, como às vezes é chamada – é a maior ameaça à floresta, na minha opinião”, disse Nepstad.

É importante ressaltar que alguns cientistas argumentam que uma transição de vegetação desta magnitude interromperia a transpiração local e poderia até mesmo deslocar a Zona de Convergência Intertropical, afetando os padrões regionais de precipitação e potencialmente impactando a produção de energia hidrelétrica, o abastecimento urbano de água e a produção agrícola em todo o Brasil – e até mesmo ameaçar a posição do país como potência global do agronegócio, provavelmente colocando em risco o suprimento de alimentos a milhões de pessoas na União Europeia e na China, que dependem do Brasil para o fornecimento de carne, soja e outras commodities essenciais.
Esta imagem, baseada em medições feitas pela Tropical Rainfall Measuring Mission (Missão de Medição da Precipitação Tropical, em português), mostra as áreas da bacia amazônica que foram afetadas pela grave seca de 2005. As áreas em amarelo, laranja e vermelho sofreram seca leve, moderada e severa, respectivamente. As áreas verdes não sofreram com a seca. Imagem cortesia da NASA / JPL-Caltech / Google
Um dos principais jornalistas ambientais do Brasil concorda que a cobertura da mídia sobre os incêndios tem sido enganosa. “Foi sob o governo de Lula e Marina Silva (2003-2008) que o Brasil teve a maior incidência de queimadas”, informou Leonardo Coutinho por e-mail. “Mas nem Lula nem Marina foram acusados de colocar a Amazônia em risco.”

Shellenberger cita Leonardo Coutinho, mas certamente não é verdade que o mundo fechou os olhos ao desmatamento e às queimadas sob a presidência de Lula. Uma simples pesquisa em qualquer arquivo de notícias resultará em centenas de reportagens sobre o assunto, indignação pública sobre o desmatamento da Amazônia na época, bem como estudos de Nepstad alertando sobre os perigos da transformação da Amazônia em savana. E, de fato, Marina Silva renunciou publicamente seu cargo de Ministra do Meio Ambiente em maio de 2008, uma história que atraiu bastante atenção da imprensa. Shellenberger não tomou o devido cuidado aqui.

Entrevistado pela Mongabay, Nepstad acrescentou que foi a atenção internacional que levou o governo Lula a continuar com seu bem-sucedido programa de redução do desmatamento, que resultou em reduções massivas de emissões de carbono que não foram devidamente reconhecidas pelo resto do mundo.

“O motivo pelo qual o presidente Lula priorizou a Amazônia foi o nível muito alto de indignação internacional expresso pela cobertura da mídia sobre as altas taxas de desmatamento no período 2002-2004”, disse Nepstad à Mongabay.

Os incêndios florestais na Amazônia são ocultados pelo dossel das árvores e aumentam apenas durante os anos de seca.

Embora os incêndios nos sub-bosques sejam muito mais predominantes nos anos de seca, especialmente sob a influência do Niño, as queimadas na floresta amazônica não aumentam apenas nessas épocas, como demonstrado pelas queimadas de agora, em uma estação que não é historicamente seca.

A sobreposição de dados de satélite da NASA com a recente perda de cobertura vegetal detectada pelo sistema GLAD da Global Forest Watch mostra que os incêndios estão acontecendo nas proximidades das florestas tropicais da Amazônia. Dado que os incêndios são mais quentes que o normal este ano, é quase certo que os incêndios sub-bosques estão queimando em áreas agrícolas e em áreas abertas nas florestas tropicais. Saberemos com certeza quando a fumaça desaparecer e os cientistas conseguirem avaliar a situação in loco. Shellenberger errou aqui.
CANDEIRAS DO JAMARI, RONDÔNIA, BRAZIL: Aerial view of a large burned area in the city of Candeiras do Jamari in the state of Rondônia. (Photo: Victor Moriyama / Greenpeace)
CANDEIRAS DO JAMARI, RONDÔNIA, BRASIL: vista aérea de uma grande área em chamas na cidade de Candeiras do Jamari, no estado de Rondônia. Foto tirada em 23 de agosto de 2019. (Victor Moriyama / Greenpeace)
O que aumentou em 7% em 2019 foram as queimadas de arbustos secos e árvores derrubadas para a pecuária como estratégia para ganhar a posse da terra.
Não há evidências que apoiem a afirmação de Shellenberger de que os arbustos secos e as “árvores derrubadas para a pecuária” representam 100% do aumento de incêndios em 2019.

Metade da Amazônia é protegida contra o desmatamento, segundo a lei federal.
Invasões a áreas protegidas e territórios indígenas, bem como o enfraquecimento e o desrespeito generalizado ao Código Florestal, significa que enquanto metade da Amazônia pode ser protegida no papel, ela não é protegida na prática. Invasões a áreas conservadas, extração ilegal de madeira e o terrorismo feito por madeireiros, garimpeiros e grileiros de terras às populações rurais, sob governos passados, e especialmente sob o governo de Jair Bolsonaro têm sido relatados regularmente.
Temos como exemplo a Floresta Nacional de Jamanxim, que perdeu 3% de sua cobertura florestal, 44.800 hectares, somente em maio. Enquanto isso, o amplamente divulgado projeto indígena de compensação de carbono Suruí Paiter, em Rondônia, foi invadido por garimpeiros ilegais, forçando a tribo a suspender a iniciativa.

E apenas 3% da Amazônia são adequados para a produção de soja.
O maior causador do desmatamento na Amazônia brasileira é a pecuária, não a plantação de soja.
Mas, mesmo assim, Nepstad disse que “3% das florestas fora das áreas protegidas são adequadas para o cultivo de soja”. Isso é muito diferente de toda a Amazônia.
Legenda do gráfico: Causas do desmatamento na Amazônia brasileira entre 2000 e 2005: 65 a 70% pasto para o gado; 20 a 25% agricultura em pequena escala; 5 a 10% agricultura em larga escala; 2 a 3% grilagem de terra; 1 a 2% outros fatores. Porções de terra desmatada que foram convertidas para a agricultura extensiva: 80% nos anos 1980 e 60% nos anos 1990. 1) Outros fatores incluem incêndios, mineração, urbanização, construção de estradas, barragens. 2) Grilagem geralmente resulta em degradação em vez de desmatamento, mas geralmente essa é uma prática seguida pela limpeza da área para a agricultura. 3) Dados de Holly Gibbs, 2009.
Tanto Nepstad quanto Coutinho afirmam que a ameaça real é de incêndios florestais acidentais em anos de seca, o que as mudanças climáticas só ajudariam a piorar.
Shellenberger é confuso aqui. “Incêndio acidental” faz parecer que os incêndios não estão sendo causados intencionalmente, mas esse não é o caso.

Nepstad: “Praticamente todos os incêndios na Amazônia são iniciados pelas pessoas. Eles muitas vezes escapam dos seus limites pré-estabelecidos para as florestas vizinhas”. Não há nada acidental sobre o desmatamento da Amazônia por meio do uso do fogo como ferramenta. É importante ressaltar que os especuladores de terra também provocam queimadas regularmente, e intencionalmente, na Amazônia brasileira como uma ferramenta inicial de desmatamento ilegal, como forma de preparação para vendas ilícitas de terras, a preços altamente inflacionados, para pecuaristas e agricultores.


Hoje, de 18 a 20% da floresta amazônica ainda corre o risco de ser desmatada.
Não há absolutamente nenhuma prova para apoiar a afirmação da Shellenberger sobre isso.
Nepstad disse que Shellenberger poderia estar fazendo referência a terras na Amazônia brasileira que ainda não foram demarcadas.

“Cerca de um quinto da floresta amazônica ainda não é demarcada – está em disputa, terra devoluta”, disse ele. “Esta certamente não é a única floresta que está sob ameaça de desmatamento ou fogo.”
CANDEIRAS DO JAMARI, RONDÔNIA, BRAZIL: Aerial view of a large burned area in the city of Candeiras do Jamari in the state of Rondônia. (Photo: Victor Moriyama / Greenpeace)
CANDEIRAS DO JAMARI, RONDÔNIA, BRASIL: vista aérea de uma grande área consumida pelo fogo na cidade de Candeiras do Jamari, no estado de Rondônia. Foto tirada em 23 de agosto de 2019. “Victor Moriyama / Greenpeace)

Desvio da visão geral

Em sua ânsia de criticar a mídia e censurar as celebridades, Shellenberger descarta as maiores preocupações sobre desenvolvimentos recentes na Amazônia. O temor é que o progresso passado do Brasil na redução do desmatamento e dos incêndios esteja sendo revertido como resultado da redução do quadro regulatório do governo Bolsonaro, das instituições, dos grupos da sociedade civil e da ciência, que permitiram ao país alcançar esses resultados.

Essa inversão também ocorre no momento em que um planeta em aquecimento torna a maior floresta tropical do mundo mais vulnerável à seca e ao fogo. Um retorno ao pico do desmatamento de meados dos anos 90 até meados dos anos 2000 seria ainda mais prejudicial hoje, dada a maior frequência de secas e temperaturas elevadas na Amazônia, bem como as maiores concentrações de CO2 na atmosfera, o que nos dá ainda menos tempo para reduzir as emissões.

E, embora os comentários de Nepstad sobre o artigo de Shellenberger pareçam também desconsiderar a atenção global atualmente dedicada à situação no Brasil, o cientista reiterou que agora é um momento muito importante para a Amazônia. Em suas próprias palavras:

“O fogo é um problema enorme na região amazônica. Incêndios em grande escala em florestas ainda em pé durante períodos de seca extrema são a maior ameaça para essas florestas em um mundo em aquecimento. Depois de queimadas, as florestas se tornam mais vulneráveis a novos incêndios. E como o desmatamento e os incêndios reincidentes reduzem a cobertura florestal, as chuvas ficam mais escassas”.
A deforestation and forest loss scenario for 2030 developed by Dan Nepstad and colleagues at the Woods Hole Research Institute in 2008.
Um cenário de desmatamento e perda de floresta projetado para 2030, desenvolvido por Dan Nepstad e seus colegas do Instituto de Pesquisa Woods Hole, em 2008.
“Em 2019, esse problema está recebendo a atenção que merece. O número de incêndios e a quantidade de fumaça que eles estão produzindo aumentou, provavelmente devido ao grande número de florestas derrubadas que ficaram secas e agora estão queimando. A boa notícia é que não há evidências de que a área de florestas em pé pegando fogo seja significativamente maior do que a área de floresta que normalmente queima nesta época do ano. Ainda é cedo, no entanto. A má notícia é que as previsões meteorológicas indicam que a estação seca em que a Amazônia está atualmente pode se tornar bastante severa. As florestas podem começar a queimar em grandes áreas.

“O Brasil tem uma rara oportunidade de se concentrar nos incêndios agora e projetar algumas soluções sistêmicas para as queimadas, incluindo propostas de curto e longo prazos, conforme descrito no blog. Essas soluções começam no solo – há uma enorme expertise em prevenção de incêndios e controle de incêndios entre os agricultores, comunidades, brigadas de incêndio e governos locais da Amazônia. No longo prazo, uma mudança para mais plantações de árvores, sistemas agroflorestais, aquicultura e produção pecuária mais intensiva poderiam reduzir bastante o uso de fogo e aumentar os investimentos em controle de incêndios”.

Chart showing deforestation in the Brazilian Amazon, 1988-2018
Gráfico que mostra o desmatamento na Amazônia brasileira entre 1988 e 2018
Chart showing deforestation alerts in the Brazilian Amazon since 2010
Gráfico que mostra os alertas de desmatamento na Amazônia Brasileira desde 2010.
Andrew Revkin, ex-repórter do The New York Times e atual diretor fundador da Iniciativa de Comunicação e Sustentabilidade do The Earth Institute, na Universidade de Columbia, que também foi citado na coluna de Shellenberger, concordou que as reportagens atuais sobre os incêndios na Amazônia feitas pela mídia tradicional são problemáticas, que falham ao não mencionarem aspectos importantes. Mas ele informou à Mongabay que não ficou muito feliz com a perspectiva de Shellenberger.

“Eu não endosso a visão do artigo e não concordo, absolutamente, com a referência caricaturada da situação”, escreveu Revkin por e-mail. “As ameaças e soluções para a Amazônia são tão variadas e difundidas quanto a própria bacia. Caracterizações simples da catástrofe, como são feitas em muitas coberturas da mídia, perdem oportunidades substanciais para reduzir a perda e até mesmo virar a maré rumo à restauração e à sustentabilidade”.

“Assim como o pessimismo em torno das mudanças climáticas, eles podem provocar paralisia e desencorajamento quando o oposto é necessário. Mas interpretações simplistas dos motivos daqueles que desafiam a atual liderança do Brasil são inúteis”.
PORTO VELHO, RONDÔNIA, BRAZIL. Aerial view of burned areas in the Amazon rainforest, in the city of Porto Velho, Rondônia state. (Photo: Victor Moriyama / Greenpeace)
PORTO VELHO, RONDÔNIA, BRASIL. Vista aérea de áreas em chamadas na floresta amazônica, na cidade de Porto Velho, estado de Rondônia. Foto tirada em 23 de agosto de 2019. (Victor Moriyama / Greenpeace)
Imagem da capa: Vista aérea de áreas em chamadas na floresta amazônica, na cidade de Porto Velho, estado de Rondônia. Foto tirada em 23 de agosto de 2019. (Victor Moriyama / Greenpeace)
Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/08/michael-shellenbergers-sloppy-forbes-diatribe-on-amazon-fires-commentary/

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Setor privado poderia desempenhar um papel importante na conservação do Cerrado, aponta estudo

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Setor privado poderia desempenhar um papel importante na conservação do Cerrado, aponta estudo

  • Um estudo recente avalia os impactos da implementação de uma moratória da soja no Cerrado, o segundo maior bioma do Brasil, que já perdeu metade de sua vegetação nativa para o agronegócio, em grande parte devido à expansão da soja e do gado.

  • A Moratória da Soja da Amazônia, vista como um dos acordos de conservação corporativos voluntários mais bem-sucedidos de todos os tempos, foi implantada em 2006 e ajudou a reduzir de forma significativa o desmatamento provocado pela soja no local.

  • Agora, ONGs ambientais e varejistas internacionais pedem por uma moratória semelhante no Cerrado.

  • Pesquisadores avaliaram que a participação do setor privado em uma possível moratória da soja no Cerrado – incluindo empresas relutantes como a Cargill – poderia impedir que 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa fossem perdidos para a expansão da leguminosa, uma área próxima à do estado do Rio de Janeiro.
O Cerrado brasileiro está sendo rapidamente convertido em soja e outras culturas. Muitos ambientalistas pensam que uma solução seria uma moratória da soja, como a que foi implementada na Amazônia em 2006. Foto: Visualhunt.com
Em 2006, o desmatamento provocado pela expansão da produção de soja na Amazônia brasileira estava causando grande consternação na população e em grupos ambientalistas. Lideradas pelo Greenpeace, ONGs então se uniram a varejistas como McDonald’s e produtores de soja como Cargill e Bunge, além de agricultores e Governo Federal, para criar a Moratória da Soja. Nela, os comerciantes concordaram em não comprar de nenhum produtor que estivesse desmatando terras para o cultivo da leguminosa. O acordo resultante é considerado por muitos como uma das iniciativas corporativas de conservação voluntária de maior sucesso de todos os tempos.

O avanço da soja está de volta ao debate, mas desta vez aplicado ao Cerrado, bioma onde é cultivada metade da produção brasileirada leguminosa. Esse fato levou ONGs ambientais e varejistas internacionais como Walmart e McDonald’s a propor, em 2017, o Manifesto do Cerrado, inspirado na bem-sucedida Moratória da Soja amazônica. Mas a implementação deste novo acordo depende da cooperação de comerciantes transnacionais como a Cargill, que demonstraram relutância em assinar o manifesto, mesmo reconhecendo a situação precária em que o Cerrado se encontra.

Recentemente, um novo estudo, o primeiro do gênero, conduzido por um grupo internacional de pesquisadores liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e publicado na revista Science Advances, utilizou simulações para indicar exatamente quanto da conversão de vegetação nativa em área de cultivo poderia ser evitada por meio da aplicação de uma moratória da soja no Cerrado.
Conversão direta de vegetação nativa em cultivo de soja potencialmente evitada em A) um cenário em que apenas o Código Florestal Brasileiro é aplicado e B) com uma moratória da soja aplicada ao Cerrado. A região de Matopiba está demarcada em verde; os valores das barras de cores estão em milhares de hectares por célula. Republicado com permissão da revista Science Advances.

3,6 milhões de hectares a salvo da soja

“A Moratória da Soja foi eficaz na Amazônia. Com este estudo, queríamos avaliar quais seriam os impactos da expansão desse [acordo] para o Cerrado, um bioma que, além de um hotspot de biodiversidade e um importante produtor de alimentos, é uma área que também se encontra sob ameaça de extinção”, diz Aline Soterroni, uma das principais autoras do estudo.

A nova pesquisa simulou o impacto de uma possível extensão da moratória para o Cerrado, analisando a expansão da soja no Brasil em cenários com e sem a medida. Os pesquisadores também estimaram quais seriam, no futuro, os seis produtores com maior chance de transformar vegetação nativa em lavoura.

Nas simulações, a equipe descobriu que uma área equivalente à metade do estado de São Paulo pode ser transformada em soja no Brasil até 2050. Menos de 10% dessa conversão aconteceria na Amazônia; todo o restante avançaria sobre o Cerrado – em torno de 10,8 milhões de hectares de novos campos de soja.

No entanto, se uma moratória da soja fosse aplicada ao Cerrado ainda em 2021, os pesquisadores sugerem que ela poderia evitar que 3,6 milhões de hectares de vegetação sejam perdidos para a leguminosa – uma área quase do tamanho do estado do Rio de Janeiro.

Se alcançada, uma conquista dessa envergadura faria mais do que preservar um importante núcleo de biodiversidade: o Cerrado também abriga algumas das bacias hidrográficas mais importantes do Brasil e armazena uma quantidade significativa de carbono em seu complexo sistema de raízes subterrâneas, o que ajuda a conter as mudanças climáticas.

Expansão da soja pelo tipo de uso de solo. O cenário FC considera a implentação total do Código Florestal Brasileiro, enquanto o cenário SoyM considera a expansão da moratória da soja para o Cerrado. Republicado com permissão da revista Science Advances.

Matopiba em risco

Carlos Antonio da Silva Junior, professor de sensoriamento remoto da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), disse à Mongabay que os dados de desmatamento destacados pelo novo estudo abordam pontos críticos relacionados à conservação da biodiversidade no Cerrado.
Estimativas sugerem que cerca da metade do bioma já foi convertida em agropecuária. Do que resta da vegetação nativa, menos de 20% ainda está intacta – sua conversão para a soja poderia levar à extinção mais de 4.800 espécies de plantas e vertebrados.

Grande parte da vegetação nativa intacta restante está localizada em Matopiba, uma área composta por 337 municípios de quatro estados: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (o nome é um acrônimo que resulta da união das siglas). Entre 2000 e 2014, a conversão de terras para lavouras de soja em Matopiba aumentou 253%. E, de acordo com o estudo, esse ritmo não deve diminuir tão cedo. Sem uma moratória da soja, 86% da expansão da leguminosa no Cerrado deve ocorrer na região de Matopiba.

Os pesquisadores também descobriram que, embora a China seja o maior mercado comprador de soja do mundo, o risco relativo de futura conversão de vegetação nativa impulsionada pela China ou pela União Europeia é praticamente o mesmo. “Isso ocorre porque a UE compra mais da região de Matopiba, enquanto a China compra de qualquer lugar”, diz Soterroni. “Com o acordo comercial entre a UE e o Mercosul em discussão, esse ponto se torna especialmente relevante.” Os níveis crescentes de desmatamento no Brasil poderiam emperrar a ratificação do acordo.
Tratores em ação no Cerrado. Imagem de Rhett A. Butler / Mongabay.

Moratória da soja é apenas parte da solução

Os autores do estudo apontam que, embora uma moratória da soja no Cerrado possa conservar uma quantidade significativa de vegetação nativa, ela sozinha não evitaria o desmatamento e a conversão da vegetação nativa em lavouras.

“A expansão da [moratória] para o Cerrado é necessária, mas não é, por si só, suficiente para proteger a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos desse bioma”, apontaram os cientistas. A conformidade com o Código Florestal brasileiro, que determina quanto da vegetação nativa deve ser legalmente conservada, juntamente com a implementação de outras políticas públicas que regem as lavouras e as pastagens, são extremamente relevantes para o sucesso da conservação. No entanto, sob a administração do presidente Jair Bolsonaro, amigo do agronegócio e hostil ao meio ambiente, a possibilidade de implantação de políticas ecologicamente corretas parece remota.

Especialistas como Silva concordam, e estudos anteriores mostraram que há pastos degradados suficientes no Brasil para absorver a demanda de ampliação da soja, sem prejudicar a vegetação nativa. “As áreas de produção de grãos no Brasil deveriam ser expandidas para áreas que já estão degradadas por pastagens”, ele diz, acrescentando que já existem técnicas inovadoras como a integração lavoura-pecuária-floresta – uma forma de produção sustentável e ao mesmo tempo lucrativa.

Para os autores do artigo, o maior argumento de seu estudo é o grande papel que o setor privado poderia desempenhar na proteção do que resta intacto do Cerrado, caso as empresas transnacionais de commodities se comprometam com uma moratória.

“Quando a governança é fraca, as cadeias de fornecimento e os acordos voluntários se tornam mais importantes”, diz Soterroni. “Temos uma moratória eficaz da soja na Amazônia que já está desenvolvida e em pleno funcionamento. Dada a situação política [atual], expandi-la é a ação mais indicada para conservar o Cerrado”.


Citação:
Soterroni, Aline C., et al. “Expanding the Soy Moratorium to Brazil’s Cerrado.” Science advances 5.7 (2019): eaav7336.
Vista aérea de uma área de Cerrado recém desmatada. Foto de Rhett A. Butler.
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Cientistas alertam: devastação da Amazônia está próxima de um ponto irreversível