Dois terços do continente africano já são deserto ou estão secos.
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 12/8/2016 – Esse vasto território, o segundo maior do
mundo depois da Ásia, é “vital” para a agricultura e a produção de
alimentos, mas quase três quartas partes de sua área sofrem diversos
graus de degradação. O impactante diagnóstico de um continente com mais
de 30 milhões de quilômetros quadrados, onde vivem 1,2 bilhão de pessoas
dispersas em 54 países, foi dado pelo maior fórum dedicado a esse
problema, a Convenção das Nações Unidas para a Luta Contra a
Desertificação (UNCCD).
De fato, em seu informe Atendendo a Desertificação, a Degradação de
Terras e a Seca na África, a UNCCD, com sede em Bonn, na Alemanha,
explica que esse continente sofre frequentes secas severas, que foram
particularmente graves nos últimos anos no Chifre da África e na região
do Sahel. “A pobreza e a difícil situação socioeconômica estão
generalizadas, e como resultado muitas pessoas sobrevivem recorrendo aos
recursos naturais”, aponta o documento.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
alertou, no dia 28 de julho, que, “na África austral, afetada pela
seca, existe uma corrida contra o tempo para garantir que 23 milhões de
pessoas recebam assistência agrícola”. Para evitar que em 2018 dependam
da assistência humanitária, são necessários, com urgência, US$ 109
milhões para distribuir sementes e outros insumos e serviços para
plantar.
A FAO informou que seu plano de resposta procura garantir que sejam
entregues sementes, fertilizantes, ferramentas e outros insumos e
serviços para que os pequenos agricultores e pastores possam enfrentar
as devastadoras consequências da seca derivada do fenômeno El Niño.“Os
agricultores precisam poder plantar em outubro, do contrário, em março
de 2017 a colheita voltará a ser deficiente, o que terá grave impacto na
segurança nutricional e alimentar e na subsistência da região”,
destacou a FAO.
O futuro próximo e de médio prazo não é nada promissor para a África:
até 2020, entre 75 milhões e 250 milhões de pessoas poderão ficar
expostas a estresse hídrico devido à mudança climática. Além disso, em
alguns países, a produção que depende das chuvas poderá cair 50%. A
situação é tão grave que a União Africana (UA), junto com a UNCCD e
outros sócios,organizou a Conferência para a Seca na África, que
acontecerá entre os dias 15 e 19 deste mês, em Windhoek, na Namíbia.
Do encontro participarão cerca de 700 pessoas, que debaterão sobre como
frear e evitar o rápido avanço do deserto nesse continente, e, em
particular, se concentrarão na mitigação do impacto das secas e no
desenvolvimento de políticas nacionais para enfrentá-lo. A conferência
acontecerá em um momento em que a África oriental e austral sofrem uma
das piores secas dos últimos 50 anos.
A Namíbia parece ser uma sede adequada para esse encontro, porque, entre
outras razões, figurou em 51º lugar entre os 120 países listados no
Índice Global da Fome, de 2014.A situação nesse país melhorou, mas ainda
sofre um “grave problema de alimentação”, segundo o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
“Os contínuos episódios de seca ameaçam os êxitos obtidos no alívio da
pobreza, e é necessário que a resposta seja coletiva”, ressaltaessa
agência da ONU.No ano passado a seca reduziu a produção agrícola
nacional em 46% abaixo da média de 16 anos, por isso estima-se que cerca
de 370.300 pessoas correm o risco de passar fome, afirma o documento do
Pnud.
As três agências que atendem questões de alimentação – FAO, Fundo
Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e Programa Mundial de
Alimentos (PMA) – indicam em seu informe conjunto O Estado da
Insegurança Alimentar no Mundo, de 2015, que 42,7% da população da
Namíbia está subalimentada. Além disso, diversas organizações de
desenvolvimento estimam que mais de 52 milhões de pessoas sofrem
insegurança alimentar na África oriental e austral, e que o número pode
ser maior.
Quatro dos 15 Estados membros da Comunidade de Desenvolvimento da África
Austral (SADC) já declararam uma situação de desastre nacional por
causa da seca, e outros dois denunciaram uma emergência parcial.A
propósito, o primeiro-ministro da Namíbia, Saara Kuugongelwa-Amadhila,
afirmou que “os recursos hídricos têm um papel decisivo no
desenvolvimento econômico de todos os setores. Investir em garantir a
disponibilidade de água não protege só a sociedade de riscos concretos,
como também permite o crescimento econômico”.
As últimas temporadas seguidas de seca, com o fato de a de 2016 ser a
pior dos últimos 35 anos, atingiram particularmente as famílias mais
vulneráveis das zonas rurais devido ao aumento do preço do milho e de
outros cultivos básicos, pontuou a FAO.“O resultado é que quase 40
milhões de pessoas na região poderão sofrer insegurança alimentar no
pico de escassez que se registrará no começo de 2017. Todos os países da
África austral serão afetados”, prosseguiu a FAO.
“O elevado desemprego e as economias paralisadas fazem com que a
principal forma de conseguir alimentos seja a produção própria.
Ajudá-las a conseguir isso representa um apoio vital na região, onde
pelo menos 70% da população depende da agricultura para sobreviver”,
observou David Phiri, coordenador da FAO para a África austral.Além
disso, a generalizada perda de cultivos exacerbou a má nutrição crônica.
Há denúncias de mais de 640 mil animais mortos pela seca em Botsuana,
Suazilândia, África do Sul, Namíbia e Zimbábue em razão da falta de
pastagem, água e pelo foco de enfermidades.
A FAO pede investimentos que ofereçam às comunidades a capacidade de
produzir sementes tolerantes à seca e forragem, além de tecnologias para
praticar uma agricultura climaticamente inteligente, como a agricultura
de conservação. O objetivo é permitir que as famílias rurais construam
resiliência e se preparem para futuros golpes, especialmente porque
aparecerão novos desafios.
“La Niña, fenômeno oposto ao El Niño-Oscilação do Sul, provavelmente
ocorrerá mais adiante este ano e, embora possa trazer boas chuvas, o que
é bom para a agricultura, é preciso adotar medidas para mitigar o risco
de inundações, que podem destruir os cultivos e colocar em risco o
gado, deixando-o mais vulnerável às doenças”, alertou Phiri.
Fonte: Envolverde