Independentemente
de gostos ou de afinidade, fico realmente estarrecido com a inabilidade
política da presidente Dilma Rousseff e de muitos dos que a cercam.
Chega a ser, para empregar uma palavra a que recorro com frequência,
estupefaciente. Já tratei aqui, por exemplo, da questão da maioridade
penal. Por que ela tem de ter uma opinião? Por que não deixa isso para a
sociedade debater? Por que não deixa que o Congresso exerça a sua
vocação? Afinal, não faltam nas duas Casas pessoas que pensam como
Dilma, que têm o seu mesmo viés ideológico. Mas quê… Ela tem de se
meter. É um desgaste inútil. Nesta terça, na questão da Lei de
Responsabilidade das Estatais, voltou a errar.
Como se
sabe, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), presidentes,
respectivamente, da Câmara e do Senado, apresentaram um anteprojeto que,
entre outras coisas, submete a indicação dos nomes de presidentes de
estatais à aprovação do Senado. Não seria a única mudança É
claro que isso encurta as prerrogativas de um presidente da República.
Vamos ver. O PT dispõe de bancadas robustas nas duas Casas; conta com um
líder do governo na Câmara, com um no Senado e com outro no Congresso;
pode, portanto, fazer valer o seu ponto de vista.
Eis que
Dilma, em vez de se calar e deixar que flua o debate político, sai por
aí a falar. Depois da cerimônia em que lançou o Plano Safra 2015/2016, a
presidente afirmou que é preciso “respeitar a autonomia e independência
dos Poderes no Brasil” e acrescentou: “Nós consideramos que a nomeação
de estatais, de ministérios e de autarquias são prerrogativas do
Executivo”.
Deus do céu!
A coordenação política está a cargo de Michel Temer, vice-presidente da
República e presidente do PMDB. Não é ele, certamente, que aconselha a
presidente a se pronunciar sobre o assunto. Não fosse prudente e
comedido, certamente não estaria mais no comando de uma máquina
complicada como é o PMDB. Ô diacho! É
evidente que, nesta terça, haveria o risco de a presidente ter de se
pronunciar a respeito. Ninguém recomendou a ela que lesse o Artigo 84 da
Constituição, que define as atribuições e funções do presidente da
República? Com efeito, o Inciso II diz que cabe ao chefe do Executivo
“exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da
administração federal”. Muito bem! Ainda que se partisse do princípio de
que os comandantes das estatais aí estão incluídos, não se trata de uma
cláusula pétrea. O Artigo 84 está entre aqueles que podem ser
emendados.
Mas há mais do que isso. Leiam o que estabelece o Artigo XIV:
É atribuição do presidente: “nomear, após
aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e
dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o
Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco
central e outros servidores, quando determinado em lei”.
Fim de papo.
A rigor, nem seria necessário emendar o Inciso XIV; bastaria uma lei,
aprovada por maioria simples na Câmara e no Senado. Mas o Congresso
certamente fará a coisa certa e emendará esse Inciso XIV, acrescentando,
entre os cargos submetidos à apreciação prévia do Senado, a presidência
das estatais. E uma lei, depois, se encarregará do resto.
Dilma
deveria saber, a esta altura, que as funções de um presidente da
República não são Tábuas da Lei, gravadas por Deus num pedra, depois de
se manifestar na sarça ardente. Não! As funções de um presidente da
República serão aquelas que uma Constituição definir que serão.
As cláusulas pétreas da Constituição, não custa lembrar ainda uma vez, estão previstas no Parágrafo 4º do Artigo 60, a saber:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Submeter a
chefia das estatais à prévia aprovação do Senado não fere a Federação,
não altera a universidade do voto, não ameaça a independência entre os
Poderes — ao contrário: harmoniza-os — nem fere direitos individuais,
que estão previstos no Artigo 5º.
Há mais: a
crise política aguda por que passa o Brasil deriva, entre outros
fatores, do fato óbvio de que as estatais acabam se organizando como
estados dentro do estado. Pior: tal absurdo se dá em estreita ligação
com mecanismos de financiamento de campanha. Eu diria que isso, sim,
potencialmente ao menos, ameaça a Federação, macula a universalidade do
voto, põe em risco a harmonia entre os Poderes e, no limite, agride
direitos e garantias individuais.