quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

As paisagens e o meio ambiente, artigo de Roberto Naime

Publicado em dezembro 16, 2014 por


paisagem

[EcoDebate] As paisagens são as imagens que mais nos emocionam da natureza. Quando a gente vê uma paisagem lembra daquelas folhinhas ou calendários antigos. Os solos que sustentam o meio florístico das paisagens são resultantes da decomposição intempérica (chuva e calor) das rochas. Intemperismo é o conjunto de condições físicas e químicas do meio ambiente como clima, temperatura, pluviosidade e demais variáveis desta natureza.


Os solos são formados pela ação dos fatores intempéricos e dos organismos vivos (minhocas, bactérias, etc.), que agem sobre os materiais rochosos ao longo do tempo. O tipo de vegetação que se desenvolve depende dos solos e o tipo de fauna presente no bioma vai depender de uma série de fatores como clima, umidade e outros, mas também da vegetação que é a alimentação primária disponível.


Os solos podem se encontrar no próprio local onde se formaram, quando são denominador solos residuais ou de alteração de rocha, nos casos onde é possível observar texturas e estruturas relictas da rocha original, e são denominados solos transportador quando se encontram fora do local que se formaram, como os solos transportados para planícies de rios.


Os solos transportados se denominam aluviões quando são carregados pela água e colúvios ou elúvios quando o agente de maior influência na transposição são as reptações gravitacionais. Sua composição química e constituição são profundamente influenciadas pela rocha que origina o terreno, e pelos processos intempéricos e orgânicos que atuam na formação do solo.


A interação permanente entre o meio físico e os ecossistemas terrestre e aquático precisa ser analisada através de um enfoque interdisciplinar. Os solos representam a expressão mais visível do meio físico. Resultam da decomposição dos substratos rochosos através dos processos de intemperismo.


As modernas técnicas de avaliação dos terrenos que sustentam as paisagens utilizam as classificações pedológicas (a mais importante é da EMBRAPA) e climáticas disponíveis, associando ainda fatores como declividade, cobertura vegetal e ocupação e ação antrópica.


A associação destes elementos e o uso das técnicas de sensoriamento remoto e tratamento digital de imagens de satélite, dentro de um contexto multidisciplinar, permitiu a transferência e a evolução de conceitos.


Hoje, é hegemônica tanto no meio acadêmico quanto no meio rural, a concepção do conceito de “paisagem” como expressão do agenciamento dinâmico e superficial dos conjuntos territoriais.
Ou seja, não é apenas o solo como face mais visível do meio físico, e sim a paisagem integradora do solo com os demais fatores, a expressão conjunta das interações compreendidas ou ainda difusas.


Este agrupamento capaz de expressar homogeneidades ou realças diferenciações físicas espaciais e temporais no meio terrestre, origina a conceituação de “geobiossistemas”. Geos significa terra, bio, vida (flora e fauna) e sistemas vem da teoria geral dos sistemas, do biólogo alemão Ludwig Von Bertallanfy, usada da biologia até a informática, passando pela medicina.

Geobiossistemas são as unidades territoriais, geográficas ou cartográficas de mesma paisagem, definidas por características estatísticas do meio natural, físico, químico ou biológico, hierarquizadas por um mesmo sistema de relações.

É partindo deste significado amplo que devem ser entendidas as paisagens, que expressam ecossistemas e cadeias de relações entre meios físico, biológico e antrópico, que não podem ser dominadas ou apenas utilizadas pelo homem conforme seu próprio interesse.


É necessário respeitar e compatibilizar as características da paisagem para que se obtenham incrementos na qualidade ambiental e na qualidade de vida geral de populações de determinada região considerada.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.


Publicado no Portal EcoDebate, 16/12/2014

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Carajás - Famílias atingidas pela Vale ocupam Ferrovia

dia 8/12/2014



Desde o ano de 2011, por conta da duplicação da Estrada de Ferro Carajás, a Vale vem ampliando o aterro que ficou mais próximo das residências de famílias moradoras do bairro Km 07, em Marabá. Com estes serviços a empresa aterrou parte de uma grota e desviou seu percurso para bem perto das residências.

No período chuvoso as famílias sofrem com alagamento de suas residências que causam grandes prejuízos tanto no que se refere as estruturas como a perda de eletrodomésticos, móveis, colchões e roupas.

Com inicio das chuvas, no mês de novembro, as famílias já acumulam grandes prejuízos, sem ter a quem recorrer, mesmo sabendo que a maior causadora destes transtornos é a empresa Vale. Os representantes da defesa civil da Prefeitura Municipal e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente já estiveram no local mas nem uma providência foi tomada no sentido de resolver o problema.

Diante da situação várias famílias resolveram ocupar os trilhos neste ultimo dia 07(domingo). Com a promessa de que suas reivindicações fossem atendidas desocuparam a Estrada de Ferro. Como neste dia 08(segunda) nenhuma das promessas foi cumprida as famílias tornaram a ocupar. Dizem que desta vez só desocupam quando suas reivindicações forem cumpridas.

As famílias reivindicam, principalmente: agilidade no processo de remoção, que inclui a atualização dos laudos, custos sociais, remuneração por perda na renda, e outros; a imediata limpeza da grota; pagamento imediato dos prejuízos que as famílias tiveram; e inclusão das famílias da rua E no programa de remoção assistida.

Marabá 08 de dezembro de 2014.
Coletivo das Familias dos Bairros Km 07 e Alzira Atingidas pela Vale.
Comissão Pastoral da Terra
Movimento Debate e Ação
Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular  
 

Reservas Particulares do Patrimônio Nacional: O potencial desperdiçado, artigo de Bruno Versiani


Publicado em dezembro 1, 2014 por


RPPN
Foto: Fundação Florestal, SP

[EcoDebate] Em relação às Reserva Particulares do Patrimônio Natural, o primeiro esboço de algum mecanismo semelhante para proteção ambiental veio com o reconhecimento de áreas particulares protegidas começou a ser previsto na legislação brasileira no Código Florestal de 1934. Naquela época, essas áreas eram chamadas de “florestas protetoras”. Em 1965, foi instituído o novo Código Florestal e a categoria “florestas protetoras” desapareceu.



Em 1977, alguns proprietários procuraram o extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF- desejando transformar parte de seus imóveis em reservas particulares. Visando atender a essa demanda foi editada a Portaria IBDF n° 327/77, criando os Refúgios Particulares de Animais Nativos – REPAN. Essa Portaria foi substituída mais tarde pela de nº 217/88 que instituía as Reservas Particulares de Fauna e Flora.



Devido à grande procura e à necessidade de se estabelecer um mecanismo mais bem definido, com regulamentação mais detalhada para as áreas protegidas privadas, em 1990, a partir de proposta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, foi publicado o Decreto Federal nº 98.914, criando as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN. Em 1996, esse decreto foi substituído pelo Decreto nº 1.922, de 05/06/1996. Posteriormente, com a publicação da Lei n° 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC) em 2000, as RPPNs passaram a ser uma das categorias de Unidade de Conservação do grupo de uso sustentável.



Em função da necessidade de adequar os procedimentos de criação e gestão da categoria com relação à Lei do SNUC foi publicado o Decreto Federal nº 5.746, de 05/04/2006, que atualmente regulamenta as RPPNs. Na esfera federal o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio é o órgão ambiental do governo brasileiro responsável pela criação, gestão, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação federais.


Em fins de 2012, o Brasil possuía 1081 RPPNs (Drummond, 2014). Destacadamente no estado do Mato Grosso do Sul são quase 100 mil hectares protegidos por PPPNs Federais e Estaduais, distribuídos em 15 municípios, sendo que quase 90% destas áreas estão dentro do Pantanal. A iniciativa da sociedade civil, fato notório a todos, é comprovadamente muito mais ágil e eficiente do que o Poder Público quando há interesse voluntário, sem contendas ou maiores dispêndios, favorecendo o binômio possibilidade/necessidade.



No entanto, tal medida particular não descabe necessariamente dos incentivos relevantes por parte do Poder Público, uma vez que as RPPNs, ao contrário das demais Unidades de Conservação, não acarretam despesas pelo Governo ( Fernandes&Sarmento, 2013).



Infelizmente, as RPPNs não possuem a ampla difusão que deveriam ter, sendo ainda (em percentual relativo) uma minoria absoluta de proprietários que opta por esse mecanismo. Ou seja, conforme visto acima, entre as milhões de propriedades rurais do país, pouco mais de mil optou por esse mecanismo, e a área coberta por RPPN no Brasil está muito aquém de 1% da superfície territorial. Atualmente, os incentivos legais previstos no Decreto 1992/96 são os seguintes (Little, 2003):
a)Isenção do Imposto Territorial Rural (ITR): o governo propicia a isenção do ITR sobre a área averbada como RPPN. É considerado um mecanismo não muito estimulante, dados os baixos valores de ITR (Little, 2003).



b)Prioridade na análise da concessão de recursos pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente: o artigo 12 do Decreto 1922/96 garante prioridade na análise da concessão de recursos do FNMA aos projetos destinados à implantação e gestão das RPPNs . Na prática, percebe-se que a mera existência do instrumento legal que dispõe sobre a prioridade de acesso aos recursos do FNMA não é suficiente para garantir seu propósito.



c)Preferência na análise do pedido de concessão de crédito agrícola: o artigo 13 do referido Decreto garante a preferência na análise do pedido de concessão de crédito agrícola a instituições oficiais. No entanto, o crédito agrícola tem normatização própria e específica, seguindo as normas estipuladas pelo Banco Central, não contemplando em sua linha geral financiamentos preferenciais em propriedades com RPPN averbada (Little, 2003).


De todo o exposto acima em relação às RPPNs, nota-se que o efetivamente criado e implementado – sobretudo em termos de área protegida- está muitíssimo aquém do que poderia ser. Os mecanismos fiscais e de estímulo são tímidos, a difusão é limitada, impera a burocracia, e muitas propriedades possuem problemas fundiários – como títulos provisórios de posse, sem documentação definitiva.



Ou seja, um mecanismo que teoricamente, seria uma ferramenta de excelência em se aumentar a área protegida de ecossistemas em nosso país, fica muito aquém das expectativas. Outro fator a ser analisado é o fato de que os lugares ou municípios que possuem grande número ou área de RPPNs são aqueles de grande potencial turístico, enquanto praticamente não se criam RPPNs em grandes porções de Cerrado ou Amazônia em locais desconhecidos do grande público.



Para reverter esse quadro, uma abordagem seria a criação de mecanismos fiscais realmente mais eficazes e difundidos. Uma abordagem (já adotada em alguns municípios) seria o repasse de parte do ICMS ecológico para proprietários de RPPNs. Outra idéia seria desconto real no imposto de renda (como acontece no caso de incentivos para a cultura com a Lei Rouanet).



Uma terceira abordagem – e bastante interessante – seria, no caso de compensação ambiental de grandes empreendimentos, em que a Lei prega que 0,5% do valor do empreendimento sejam repassados aos órgãos ambientais, a criação de um mecanismo alternativo: ou seja, ao invés de pagar os 0,5% (que no caso de empreendimentos na casa dos bilhões de reais gera um valor significativo) a empresa criaria e manteria uma RPPN de preferência na mesma região ou bacia hidrográfica do empreendimento potencialmente poluidor.



Obviamente, deveria deveria haver regulamentações que garantissem que o porte da RPPN coadunasse com o porte do empreendimento ou seu potencial poluidor. Ou seja, a empresa, além de sua obrigação legal, ainda poderia associar sua imagem a uma área protegida, gerando o efeito positivo de marketing. Acreditamos ser essa terceira abordagem muito interessante, pois saem ganhando o meio ambiente, o empreendedor e a sociedade como um todo.



Enfim, idéias não faltam para alavancar a criação de RPPNs, para que elas se tornem um real e efetivo mecanismo de proteção de grandes parcelas de nossos ecossistemas. Falta a sociedade e os setores políticos se mobilizarem.


Bibliografia:
Drummond, José Augusto. Proteção e produção: biodiversidade e agricultura no Brasil -1 ed. Rio de Janeiro. Garamond, 2014. P: 32–35.
Fernandes, D.; Sarmento, V. L .G. RPPN: A proteção ambiental pela iniciativa privada. Revista científica da Escola de Direito. Universidade Potiguar. Ano 6, número 1. 2012. P:
Little P. E., org.(2003) Políticas Ambientais no Brasil: análises, instrumentos e experiências. IIEB, São Paulo, Peirópolis, Brasília. P: 186-196.


Bruno Versiani – Analista Ambiental IBAMA / MsC Ecologia

Publicado no Portal EcoDebate, 01/12/2014

PEC 215 ou "Os deputados vão decretar a morte de 900.000 indígenas desse país?”

PEC 215: Terras indígenas podem ficar nas mãos de um Congresso ruralista

Publicado em dezembro 17, 2014 por



Câmara dos Deputados, 16/12/2014. Indígenas protestam contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/00) que submete ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil. Foto: Agência Câmara de Notícias.

“Eu só quero perguntar: vocês vão decretar hoje aqui a morte de 900.000 indígenas desse país?”. O questionamento foi feito a deputados na quarta-feira da semana passada por uma das poucas índias que conseguiu furar o bloqueio de segurança que resguardava a votação da PEC-215, uma Proposta de Emenda à Constituição que pode mudar radicalmente a forma como as terras indígenas são demarcadas e utilizadas no país. E nesta terça-feira, ela pode ser aprovada pela comissão criada para apreciar o texto, o que significa estar a um passo de ser aprovada também pela Câmara e se transformar em lei.


A reportagem é de Marina Rossi e Talita Bedinelli, publicada pelo jornal El País, 15-12-2014.
A proposta, alvo de discussões que chegaram a acabar em troca de empurrões e puxões de cabelo, estava para ser aprovada em uma comissão especial da Câmara dos Deputados na semana passada e corria o risco de seguir para a aprovação no plenário, o que pode, segundo os índios, levar o “caos” ao país.


Ela tira das mãos da Fundação Nacional do Índio (Funai) a prerrogativa de pedir ao Executivo a demarcação de terras, que passaria a ser decidida pelo Congresso. Para as entidades indígenas, isso paralisaria as demarcações, que não são de interesse do grande bloco de deputados ligados aos grandes produtores rurais. Atualmente, os índios reivindicam 1.000 novas aldeias, diz o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).



Proposta no ano 2000, a PEC debuta no Congresso, mas, sob pressão dos parlamentares ruralistas, avançou rapidamente desde o ano passado, com a criação de uma comissão para discutir o texto. E neste período seu teor só piorou. No mês passado, o relator da comissão, deputado Osmar Serraglio (PMDB), incluiu novas propostas em um substitutivo: além de passar a atribuição das demarcações para o Congresso, o texto afirma que os Parlamentares poderão autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e minerais nas aldeias sem que os índios sejam, necessariamente, consultados. Também veta a demarcação de áreas ocupadas por pequenas propriedades rurais, mesmo que as que forem reivindicadas pelos índios por terem sido ocupadas por seus ancestrais.



“Se ela for aprovada, ocorrerá o extermínio das populações indígenas e quilombolas do Brasil”, disse Dinama Tuxá, da comunidade de Rodelas, na Bahia, na semana passada em Brasília. A cada indício de votação, grupos de índios se aglomeram no Congresso, para pressionar os Parlamentares pela rejeição da proposta. “É um grupo de baderneiro, esse povo que é trazido pra cá para protelar a discussão”, reclama o deputado Luís Carlos Heinze, membro da comissão e presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, favorável à aprovação da PEC. Ele chegou a ter os cabelos puxados na última terça-feira, durante uma das sessões da comissão, que acabou adiada novamente.


Para os ruralistas, que são 14 dos 21 deputados que fazem parte da comissão especial, a aprovação do projeto traria mais transparência ao processo de demarcação das terras. “A Funai começou a demarcar terras de forma exacerbada e com laudos fraudulentos”, acusa o deputado Nilson Leitão (PSDB). Procurada, a Funai não se pronunciou a respeito. Para os que se opõem à mudança, ela seria um retrocesso aos direitos indígenas. “A comissão especial foi criada majoritariamente por representantes desse segmento do agronegócio atrasado”, disse o deputado Sarney Filho, do PV, membro da comissão. “E essa é uma proposta reacionária, atrasada e que vai seguramente contra os interesses do Brasil e da sociedade”, disse.



Ao longo dos últimos anos, a votação da Proposta entrou e saiu da agenda dezenas de vezes. E na semana passada, mais um capítulo dessa novela será escrito em Brasília. Agendada para ser votada pela comissão na terça-feira, dia 9, o segundo agendamento só no mês de dezembro, a votação foi cancelada pela manhã. Na parte da tarde, Leitão, que é o vice-presidente da comissão, convocou novamente os parlamentares para debaterem o texto. Mas a votação foi obstruída por diversos pedidos dos parlamentares contrários à PEC, como a exigência da leitura de atas de reuniões. Nesta terça-feira, dia 16, a novela seguirá.


A estratégia desse grupo de deputados é tentar empurrar a discussão para o ano que vem. Caso isso aconteça, uma nova comissão deverá ser montada na próxima legislatura. “Aí vamos trabalhar para disputar mais espaço na composição da próxima comissão”, explica o deputado Jean Wyllys (PSOL).




O Governo federal já se manifestou algumas vezes contra a aprovação da PEC-215. No ano passado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que ela é inconstitucional. “Expressamos, em nome do Governo, a posição contrária à aprovação da PEC-215, por entender que ela é inconstitucional. Ela fere cláusulas pétreas da Constituição”, disse Cardozo. “Não resolve o problema [das demarcações] e gera situações de conflitos que precisam ser resolvidas. Demonstramos que, se o Congresso aprovar a PEC, ela não sobreviverá no Supremo Tribunal Federal.”




Em outubro do ano passado, a presidenta Dilma Rousseff reforçou a posição do Governo em sua conta no Twitter: “Orientei a base do Governo a votar contra a PEC”, escreveu, antes de mais uma das sessões de votação agendadas. O deputado Sarney Filho diz que, do lado dele, é feito o possível.



“Usamos todos os meios para que a votação não ocorra, porque se ela ocorrer, podemos perder”, disse. Faltam menos de duas semanas para o Congresso entrar no recesso de fim de ano.



A estratégia de adiar a votação para o ano que vem, porém pode levar a um resultado desastroso para os defensores dos direitos indígenas. A bancada dos deputados ruralistas deve aumentar de 191 para 257 parlamentares.

(EcoDebate, 17/12/2014) publicado pela IHU On-line, parceira editorial do EcoDebate na socialização da informação.


[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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Crise hídrica? A Sabesp vai muito bem, obrigado! artigo de Heitor Scalambrini Costa


Publicado em dezembro 17, 2014 por


escassez de água

[EcoDebate] O que acontece com o Estado de São Paulo na questão da água é um exemplo do que pode acontecer em outros estados e cidades brasileiras, segundo dados recentes publicados pela ANA (Agência Nacional de Águas). Portanto, aprender e tirar lições deste episódio poderá ajudar gestores públicos e a sociedade a não repetir os erros que foram cometidos, e conviver melhor com uma situação que veio para ficar.


A crise hídrica, como ficou conhecida, não ocorreu por uma única causa, ou por um único erro cometido, nem tampouco pela falta de chuvas – mesmo considerando que esta seca é uma das piores dos últimos 84 anos. Na verdade foi um conjunto de fatores que levou a maior cidade brasileira, sua região metropolitana e várias cidades importantes do interior do Estado a sofrerem o desabastecimento de água.


A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), empresa que administra a coleta, o tratamento, a distribuição de água, e também o tratamento dos esgotos, é uma das maiores empresas de saneamento do mundo, e uma das mais preparadas do Brasil – com um corpo técnico altamente qualificado, e dispondo de uma boa infraestrutura. Assim pode-se afirmar sem dúvida que a causa principal de tamanha incompetência foi a sua administração voltada ao mercado, voltada ao lucro, que trata a água, um bem essencial à vida, como uma mera mercadoria.


Em 1994, a Sabesp se tornou uma empresa de capital misto, com a justificativa de que vendendo parte de suas ações conseguiria mais recursos financeiros para investir nos sistemas de abastecimento de água e de saneamento. Depois de 20 anos, o controle acionário se encontra nas mãos do Estado, que detém 50,3% das ações (metade negociada na BMF/ Bovespa, e a outra metade na Bolsa de NY), ficando os 49,7% restantes com investidores brasileiros (25,5%) e estrangeiros (24,2%).


A Sabesp é a empresa outorgada para utilizar e gerir o Sistema Alto Tietê, Guarapiranga e Cantareira, destinando em tempos normais 33 m³/s para Região Metropolitana de SP. Com a persistência da falta de chuvas e clima adverso, foi obrigada a reduzir pela metade a captação (pouco mais de 16 m³/s), apesar de fazê-lo tardiamente. Assim, o que era considerado um risco remoto tornou-se uma grande incerteza. A situação chegou a um ponto tal de dramaticidade que foi perdido o controle do sistema hídrico e, agora, além da captação do volume morto dos reservatórios, em curto prazo, a população fica na dependência das chuvas.


Em 2012, em documento elaborado pela própria Sabesp para a Comissão de Valores dos EUA, era admitido que pudesse ocorrer diminuição das receitas da empresa, devido a condições climáticas adversas. Assim sendo seria obrigada a captar água de outras fontes para suprir a demanda de seus usuários. Portanto, se conhecia e se antevia uma situação que acabou acontecendo. Porém nada foi feito pela Sabesp para diminuir este risco previsível.


Por outro lado, a gestão da crise não visou resolver os problemas da população, mas sim apenas amenizar a responsabilidade da própria Sabesp, blindando o governo do Estado, cujo mandatário estava em plena campanha eleitoral para sua reeleição. Em nenhum momento a gestão da Sabesp ou o governo do Estado admitiram a gravidade da situação. Muito menos a necessidade do racionamento, da diminuição da vazão, sendo ainda negadas pelas autoridades paulistas as interrupções que se tornaram cada vez mais constantes no fornecimento da água.


Por isso, o que mais abalou a credibilidade do governo foi a divulgação pela imprensa de uma gravação onde a presidente da Sabesp admitia que uma “orientação superior” impediu, durante a campanha eleitoral, que a empresa tornasse pública a real situação hídrica do Estado.


Todavia, mesmo com a tragédia anunciada, penalizando a população, a empresa e seus acionistas vão muito bem. Basta acompanhar os lucros extraordinários nos relatórios de administração dos últimos anos, que geraram dividendos generosos para os acionistas da Sabesp, ao passo que o investimento necessário não acompanhou a mesma intensidade dos lucros obtidos pela empresa.


Esta situação por que passa a população paulista e paulistana poderá se estender a outras regiões do país nos próximos anos, caso persistam a má gestão, o desperdício e a devastação de nossas florestas.


É um alerta à questão da privatização dos nossos bens naturais, em particular da gestão da água, do seu controle e distribuição. Daí a premente e essencial participação da sociedade nas políticas públicas para que a gestão das águas alcance resultados positivos, e não simplesmente siga a lógica da maximização dos lucros.


Heitor Scalambrini Costa, Articulista do Portal EcoDebate, é Professor da Universidade Federal de Pernambuco


Publicado no Portal EcoDebate, 17/12/2014

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O colapso da civilização urbano-industrial? artigo de José Eustáquio Diniz Alves


Publicado em dezembro 17, 2014 por


“Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia”
Caetano Veloso (Janelas Abertas Nº 2)

forma típica do



[EcoDebate] O ciclo de ascensão, plenitude e declínio acompanha o processo de evolução das espécies e o ciclo de desenvolvimento das civilizações. Todo ciclo ascendente atinge um zênite antes do colapso. Os dinossauros dominaram o Planeta, antes de serem extintos. Os Impérios Persa, Egípcio, Romano, Maia, Austro-Húngaro, Soviético, dentre outros, colapsaram depois de atingirem o auge civilizacional.


A civilização urbano-industrial, energizada pelos combustíveis fósseis, vive sua fase de plenitude após 250 anos do início do seu ciclo ascendente. Nunca na história da humanidade o progresso econômico e social foi tão grande. Como enaltece um colunista arquiconservador (e provocador) do jornal Folha de São Paulo:


“Em números relativos ou absolutos, nunca antes na história deste mundo, tantos homens viveram sob regime democrático, os seres humanos tiveram vida tão longa, houve tanta comida e tão barata, tivemos tantos remédios para nossos males, houve tantas crianças com acesso à educação, houve tantos humanos com saneamento básico… O repertório, em suma, nunca foi tão grande para responder aos desafios que nos propõem a natureza e a civilização” (Azevedo, FSP, 22/08/2014).



De fato, segundo Angus Maddison, a esperança de vida ao nascer do mundo era de apenas 24 anos no ano 1000 da Era Cristã. Nos países ocidentais (Europa Ocidental e Estados Unidos) a esperança de vida passou para 36 anos em 1820, 46 anos em 1900 e 79 anos em 2006. No resto do mundo a esperança de vida ao nascer chegou a 26 anos em 1900, 44 anos em 1950 e 64 anos em 2006. Na média mundial a esperança de vida ao nascer está em torno de 70 anos, o que é um fato absolutamente extraordinário.



De fato, segundo o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a humanidade avançou muito nos últimos 250 anos, especialmente nos últimos 30 anos, possibilitando a redução da pobreza e o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).



O número de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza (com menos de US$ 1,25 ao dia) era de 1,938 bilhão (representando 43% da população mundial) em 1981 e caiu para 1,2 bilhão em 2010 (17,6% do total). O IDH mundial era de 0,561 en 1980, passou para 0,639 em 2000 e chegou a 0,694 em 2012. Isto significa que houve aumento da renda, da educação e da esperança de vida da população global.


Ou seja, a média mundial já ultrapassou dois terços do caminho para chegar ao IDH de valor máximo.


Concomitantemente ao processo de redução da pobreza e crescimento do IDH, houve um processo de crescimento das camadas médias da sociedade. O Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, apresentado pelo PNUD mostra que, até 2030, o mundo deve conseguir um rápido aumento da classe média (pessoas com renda entre 10 e 100 dólares por dia, em poder de paridade de compra).



E o maior crescimento deve ocorrer nos países do Sul Global (emergentes). Em 2009, a classe média global era de 1,845 bilhão de indivíduos, o que representava 27% da população mundial de 6,8 bilhões de habitantes. As projeções do PNUD indicam uma classe média global de 3,2 bilhões de pessoas em 2020, representando 42% da população mundial de 7,7 bilhões de habitantes. Para 2030, as projeções indicam uma classe média global de 4,88 bilhões de pessoas, representando 59% da população mundial de 8,3 bilhões de habitantes. Ou seja, em meados da década de 2020, a classe média global poderá ser maioria da população mundial.


Contudo, esse quadro otimista traçado pelos organismos internacionais e pelos defensores do modelo capitalista de produção tem como base as tendências do passado e podem não se repetir no futuro. Além da tendência à “Estagnação secular” à redução das taxas de crescimento econômico, há duas grandes fraquezas que tornam todo o sistema vulnerável, como o calcanhar de Aquiles. Pequenos pontos frágeis podem derrubar sólidas construções.



As desigualdades sociais, regionais e nacionais são a primeira grande fragilidade do sistema. Como mostrou Thomas Piketty, professor na Escola de Economia de Paris, no recente e já famoso livro “Capital in the Twenty-First Century” (2014), a renda do minúsculo grupo dos “1%” mais ricos da sociedade continua crescendo acima daquela dos demais grupos sociais e demonstra a verdadeira história da ascensão da desigualdade. De acordo com a Oxfam, as 85 pessoas mais ricas do globo têm propriedades no valor de US$ 1,7 trilhão, o que equivale ao patrimônio das 3,5 bilhões de pessoas mais pobres do mundo, sendo que a riqueza do 1% dos mais ricos equivale a um total de US$ 110 trilhões, 65 vezes a riqueza da metade mais pobre da população e quase metade da riqueza total do Planeta.


O relatório sobre a riqueza global, em 2014, do banco Credit Suisse (The Credit Suisse Global Wealth Report 2014) mostra um quadro bastante amplo e esclarecedor da má distribuição da riqueza (patrimônio) das pessoas adultas do mundo. A riqueza global foi estimada em USD$ 263 trilhões em 2014. O número de pessoas adultas no mundo estava em 4,7 bilhões em 2014.



Na base da pirâmide da desigualdade, em 2014 estão 3,28 bilhões de pessoas com a riqueza abaixo de 10 mil dólares (69,8%). O montante da “riqueza” deste enorme contingente foi de USD$ 7,6 trilhões, o que representava somente 2,9% da riqueza total. Ou seja, pouco mais de dois terços (2/3) dos adultos do mundo possuiam somente 2,9% do patrimônio global da riqueza em 2014.



No grupo de riqueza entre USD$ 10.000,00 e USD$ 100.000,00 havia 1,010 bilhão de adultos em 2014, o que representava 21,5% do total de pessoas na maioridade no mundo. O montante de toda a riqueza deste contingente intermediário foi de USD$ 31,1 trilhões, o que representava 11,8% da riqueza global. No grupo de riqueza entre USD$ 100.000,00 (cem mil dólares) e USD$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares) havia 373 milhões de adultos em 2014, o que representava 7,9% do total de pessoas na maioridade no mundo.



O montante de toda a riqueza deste contingente intermediário foi de USD$ 108,6 trilhões, o que representava 41,3% da riqueza global. O grau de concentração da riqueza fica claro quando somamos os dois grupos superiores da pirâmide, aqueles com riqueza acima de 100 mil dólares, pois havia um total de 408 milhões de adultos (8,7%), com patrimônio total de USD$ 224,5 trilhões, representando 84,7% da riqueza global em 2014. Na parte de baixo da pirâmide, os 4,3 bilhões de adultos, representando 92,3% das pessoas, detinham somente 15,3% da riqueza mundial em 2014.



Essa profunda desigualdade de renda e de riqueza é uma bomba-relógio que só não explode na medida em que o crescimento econômico mundial consegue reduzir a pobreza absoluta e manter uma chama de esperança na possibilidade de inclusão no mercado de consumo. Mas, no longo prazo, é impossível se manter um crescimento infinito num planeta finito. Não sem motivo, é cada vez maior a literatura que trata do “fim do crescimento econômico” e do processo de “estagnação secular”.



O modelo atual, assim como uma bicicleta, só se mantém de pé em movimento. Movimento de expansão que é incompatível com os limites naturais do Planeta e com a 2ª Lei da Termodinâmica (“a quantidade de trabalho útil que se pode obter a partir da energia do universo está constantemente diminuindo”). O pico do petróleo e o abismo energético são duas realidades que colocam em xeque o contínuo crescimento demoeconômico da modernidade. Na plenitude do ciclo de expansão, a sinergia se transforma em entropia. Sem crescimento econômico, o desemprego, a perda do poder aquisitivo, a favelização e a insegurança alimentar tendem a elevar os conflitos sociais e as revoluções populares.



A segunda grande fragilidade do atual sistema de produção e consumo (quer seja capitalista ou socialista) advém da insustentabilidade ecológica da civilização urbano-industrial.
Nos últimos dois séculos, enquanto os indicadores humanos melhoravam (a despeito das desigualdades sociais), a situação ambiental na Terra piorava. Na medida em que o número de indivíduos da espécie crescia e as atividades antrópicas aumentavam, o grau de dominação e exploração da natureza, a biodiversidade e as áreas selvagens do mundo caminhavam em sentido contrário, perdendo espaço e direitos enquanto a civilização urbano-industrial se tornava onipresente em meio a um ambiente natural degradado.



As áreas de florestas foram as primeiras a sofrerem os efeitos da produção industrial em massa. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o ritmo do desmatamento, devido ao uso de áreas florestais para fins agrícolas, foi de 14,5 milhões de hectares por ano entre 1990 e 2005. Entre 2005 e 2010 o ritmo de destruição foi um pouco menor, mas o planeta perdeu, em média, 4,9 milhões de hectares de floresta por ano no período. Isso significou 10 hectares de desmatamento por minuto.



A destruição dos habitates tem provocado a extinção de algo entre 10 a 30 mil espécies por ano. O ser humano está provocando, em um curto espaço de tempo, a sexta extinção em massa no planeta. Isto acontece em função dos impactos da perda da fauna devido ao empobrecimento da cobertura vegetal, à falta de polinizadores, ao aumento de doenças, à erosão do solo, aos impactos na qualidade da água, etc. Os Tigres, os Leões, as Onças, os Gorilas e tanto outros animais que vivem na Terra muito antes do homo sapiens estão ameaçados de extinção.



Para alimentar uma população crescente de seres humanos mais de 60 bilhões de animais terrestres são mortos todos os anos e a escravidão animal é responsável pelo confinamento de 19 bilhões de galinhas, 1,4 bilhão de bovinos, 1 bilhão de porcos, 1 bilhão de ovelhas e um número considerável de outros animais. O sofrimento imposto às outras espécies é imenso. Além disto, o boi e a vaca, por exemplo, são animais ruminantes cujo processo digestivo provoca uma fermentação que faz o animal liberar muito gás metano. O metano é o segundo gás que mais contribui para o efeito estufa, sendo 21 vezes mais poluente do que o gás carbônico (CO2).



Enquanto a pecuária amplia o domínio sobre a vida animal, a agricultura também desmata e revolve as terras, ampliando o uso de fertilizantes e agrotóxicos. Especies invasoras substituem a vegetação original. O CO2, o nitrogênio, o fósforo, o potássio e o zinco, além de diversos produtos químicos, são importantes elementos utilizados para aumentar a produtividade agrícola, mas criam uma rede de poluição que provoca a degradação do solo, a perda de qualidade do ar e da água e a extinção de espécies.



Os rios foram desviados, represados, assoreados e degradados. A poluição dos rios reduz a disponibilidade de água doce, diminui o oxigênio e provoca a mortandade de peixes. Aquíferos fósseis estão desaparecendo e os aquíferos renováveis não estão conseguindo manter os níveis de reposição dos estoques, reduzindo a capacidade de carga. A maioria da sujeira dos solos e dos rios corre para o mar.


Assim, os oceanos do mundo estão se tornando mais ácidos em consequência da poluição dos rios e da absorção de 26% do dióxido de carbono emitido na atmosfera, afetando tanto as cadeias alimentares marinhas quanto a resiliência dos recifes de corais. Se a acidificação dos oceanos continuar, é provável que haja alterações nas cadeias alimentares bem como impactos diretos e indiretos sobre diversas espécies. A sobrepesca fez com que 85% de todos os estoques de peixes fossem atualmente classificados como sobre-explorados, esgotados, em recuperação ou totalmente explorados.


O aumento das emissões de gases de efeito estufa tem provocando o aquecimento global, tendo como consequência o derretimento das geleiras e das camadas de gelo, provocando escassez de água potável e o aumento do nível dos oceanos. Os últimos dados mostram que a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera ficou durante todo o mês de abril de 2014 acima das 400 partes por milhão (ppm), algo que não acontecia há pelo menos 800 mil anos. Como consequência, a elevação do nível do mar ameaça a existência de países como Tuvalu e pode alagar áreas densamente povoadas.


A elevação do nível do mar já prejudica os deltas dos principais rios do mundo. Artigo de James Syvitski e co-autores, “Naufrágio dos deltas devido às atividades humanas” (Sinking deltas due to human activities), publicado na Revista Nature Geoscience, em 2009, mostra como o delta de vários rios importantes do mundo estão afundando devido às atividades antrópicas, com perdas de áreas férteis.



Ou seja, a sociedade urbano-industrial tem possibilitado a expansão da produção e do consumo, mas às custas de uma crescente desigualdade social e da degradação continua dos ecossistemas. Essas duas grandes vulnerabilidades podem provocar o colapso do sistema. A vulnerabilidade interna decorre das desigualdades sociais (de classe, gênero, raça, geração e de distribuição espaço-geográfica).


A arquitetura social pode desmoronar quando as camadas de baixo se recusarem a sustentar a elite do alto da pirâmide da riqueza global. A vulnerabilidade externa decorre da falta de bases ecológicas para manter o modelo “Extrai-Produz-Descarta” que caracteriza o “fluxo metabólico entrópico”, provocado pelas atividades antrópicas da sociedade urbano-industrial.



O rumo atual de crescimento da civilização urbano-industrial é insustentável e a complexidade do atual modelo está aumentando os custos e reduzindo os benefícios, jogando a economia em uma grande armadilha sem bases sociais e ambientais de sustentação. Em um mundo globalizado e profundamente marcado pela injustiça social, a possibilidade de um colapso atual, ao contrário daqueles ocorridos no passado, deixaria de ser localizado e poderia abarcar todas as atividades humanas que não estiverem em equilíbrio homeostático e simbiótico com a natureza.



Referências:
ALVES, JED. O crescimento da classe média no mundo segundo o PNUD. EcoDebate, RJ, 28/03/2013
ALVES, JED. “Agequake”: um bilhão de idosos até 2020 e 3 bilhões até 2100. EcoDebate, RJ, 24/01/2014
ALVES, JED. Dia Mundial do Meio Ambiente: vergonha de ser humano. EcoDebate, RJ, 04/06/2014
ALVES, JED. O colapso das sociedades complexas. EcoDebate, RJ, 24/09/2014
ALVES, JED. A pirâmide global da riqueza e o aumento da desigualdade. EcoDebate, RJ, 22/10/2014
Ron Patterson, Collapse is Inevitable. Peak Oil. July 19, 2014



José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br



Publicado no Portal EcoDebate, 17/12/2014

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STF avaliza atos de Sérgio Moro na ‘Lava Jato’


Josias de Souza

Bruno Stuckert/STF
Em decisão unânime, a 2ª turma do STF indeferiu nesta terça-feira duas tentativas de retirar das mãos do juiz Sérgio Moro, do Paraná, o processo da Operação Lava Jato. Foram ao arquivo reclamações de dois suspeitos que questionavam a competência do magistrado para conduzir o caso.



As duas reclamações foram protocoladas pelas defesas de Murilo Tena Barrios, sócio da empresa Sanko-Sider, e Waldomiro de Oliveira, funcionário de uma empresa de fachada do doleiro Alberto Youssef, a MO Consultoria.


Eles alegaram que os delatores do escândalo da Petrobras citaram em seus depoimentos congressistas e ministros, autoridades que só podem ser julgados no STF. Por isso, caberia ao Supremo, não ao juiz Moro, decidir quais os réus que podem ser processados na 13ª Vara Federal de Curitiba.


Instado a manifestar-se, o procurador-geral da República Rodrigo Janot defendeu a correção dos atos de Moro, que remeteu a Brasília tudo o que diz respeito às autoridades que não estão submetidas à sua jurisdição. Presidente da 2ª turma e relator da Lava Jato no STF, o minsitro Teori Zavascki também avalizou as decisões do magistrado paranaense.


Zavascki realçou que o eventual surgimento de indícios do envolvimento de detentores de prerrogativa de foro durante uma investigação não resultam numa violação automática da competência do STF. Anotou que, em respeito a essa competência, Moro vem vetando a formulação de questionamentos sobre eventual envolvimento de pessoas que só podem ser processadas no Supremo.


Além das duas reclamações indeferidas nesta terça, correm no Supremo pelo menos outras três. Todas têm os mesmos propósitos: trazer o processo para Brasília e anular os atos praticados por Sérgio Moro. Por ora, não colou. Empresários corruptores, ex-diretores da Petrobras corrompidos e operadores de propinas serão jugados no Paraná.



Na mesma sessão, a 2ª turma do STF indeferiu o pedido de liberdade do vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite. Ele está preso desde 14 de novembro. Prevaleceu o etendimento segundo o qual o Supremo não pode analisar o pedido antes de um pronunciamento do TRF-4 e do STJ.

Em votação relâmpago, Congresso aprova LDO, ou Como tudo passou a significar nada em matéria orçamentária.


Josias de Souza


Reunidos em sessão unicameral do Congresso, deputados e senadores aprovaram nesta quarta-feira (17) a LDO, Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015. Conduzida pelo senador Romero Jucá, vice-presidente do Congresso, a votação foi simbólica. Durou menos de um minuto.


Como o nome indica, a LDO fixa diretrizes para a elaboração do Orçamento Geral da União. Foi enviada por Dilma ao Legislativo em abril. Deveria ter sido aprovada até julho.


Trava-se agora uma corrida contra o relógio para aprovar o Orçamento de 2015 até a próxima segunda-feira (22), dia em que os parlamentares irão ao recesso. Não são negligenciáveis as chances de o Executivo entrar no Ano Novo sem orçamento.


Além de atrasar, a LDO sofreu ajustes de última hora. Na principal alteração, a meta de economia que o governo terá de fazer para pagar os juros de sua dívida (o chamado superávit primário) caiu de R$ 86 bilhões para R$ 55,3 bilhões.


A oposição cogitou obstruir a votação desta quarta-feira. O DEM exigiu que o ministro indicado da Fazenda, Joaquim Levy, fosse à Comissão de Orçamento do Congresso. Para não correr riscos, o Planalto aquiesceu. A portas fechadas, Levy comprometeu-se, na terça-feira, com o cumprimento da meta fiscal.


Na prática, a palavra do ministro tem peso relativo. O governo descumpriu todas as metas que se autofixara para este ano de 2014. Para resolver a pendência, Dilma enviou ao Parlamento a proposta que alterou a LDO para permitir que o governo feche suas contas no vermelho neste ano. Com manobras desse tipo, tudo passou a significar nada em matéria orçamentária.

FHC não quebrou o Brasil, mas o PT quebrou a Petrobras. Ou: Perda de valor de mercado corresponde a mais de 25 anos de Bolsa Família. Dilma, no entanto, brinca com Graça de Clube das Luluzinhas Enfezadas

7/12/2014 às 4:52


Graça Foster escarnece dos fatos, e Dilma Rousseff escarnece da razão. Em seis anos, o valor de mercado da Petrobras foi reduzido a quase um sexto: de R$ 737 bilhões em 2008 para R$ 135 bilhões agora e dívida de R$ 330 bilhões. Ou seja: quebrou! O patrimônio público está evaporando. É a incompetência alimentando a roubalheira, e a roubalheira alimentando a incompetência. Quando nos lembramos de que o PT fez terrorismo com a suposta intenção dos tucanos de privatizar a estatal em 2002, 2006 e 2010, nos damos conta da obra desses vigaristas. Se Dilma insistir em não fazer nada, daqui a pouco ninguém aceita a Petrobras nem de graça. A gente não precisa fazer muitos malabarismos: houvesse um regime parlamentarista, o gabinete já teria sido dissolvido, e Dilma não se elegeria mais nem vereadora.


Não dá! As evidências de que Venina Velosa da Fonseca advertiu Graça para os procedimentos heterodoxos vigentes na Petrobras são inquestionáveis. E ela o fez em 2009, 2011 e 2014. Observem que não entro no mérito das motivações da denunciante. Se há algo contra ela, que se investigue. Que Graça dispunha de elementos para agir, que lhe foram fornecidos por uma alta executiva, isso é inquestionável. E ela não fez nada. Como não fez em fevereiro deste ano, quando VEJA trouxe à luz o escândalo envolvendo a empresa holandesa SBM Offshore. Ou melhor, fez: negou que houvesse irregularidades.


As ações da Petrobras despencaram outra vez. Há uma conjunção de fatores externos negativos, sim, mas isso não justifica a pindaíba em que se encontra. A estatal brasileira é hoje sinônimo mundial do que não se deve fazer, de má governança. É preciso ser um rematado idiota ou dotado de incrível má-fé para ignorar o que se passou por lá. E a sangria está longe do fim, uma vez que a empresa é agora investigada nos EUA, na Holanda e na Suíça. Se o descalabro continua, sem uma resposta efetiva do governo, a Petrobras, prestes a perder a classificação de “grau de investimento”, pode até ser proibida de operar na Bolsa de Nova York. Aí, meus caros, é o fim da linha.



Mas não há horror que faça o comando da empresa descer de seu pedestal de arrogância. Nesta terça, em comunicado à dócil Comissão de Valores Mobiliários, a direção da estatal veio com a história de que Graça fora advertida por Venina para eventuais desvios de conduta apenas em novembro, como se isso fizesse alguma diferença a esta altura do jogo.



Dilma está vivendo um processo de alienação da realidade. Decidiu proteger sua “amiga” Graça Foster. Deve achar que há espaço para brincar de Clube das Luluzinhas Enfezadas. Não há. A Petrobras beija a lona, e a presidente da estatal brinca de desqualificar uma funcionária. Dilma não se deu conta de que o desastre decorrente da herança maldita do lulo-petismo na estatal está só no começo. O pior ainda está por vir.


E está mesmo. Com o preço do barril de petróleo no atual patamar, a exploração do pré-sal já é antieconômica. Pior: as regras de partilha definidas pelo petismo, com o seu nacionalismo de fancaria, impõem à Petrobras um desembolso de recursos de que ela não dispõe. Dilma estuda agora mudar as regras, que eram consideradas cláusulas pétreas da visão petista de mundo. Mas como? A turma ainda não sabe.


E já que o patético não tem limites, os petralhas deram início a uma corrente na Internet estimulando a companheirada a comprar ações da Petrobras. Ocorre que não se deve confundir mau-caratismo com burrice. Parece que a campanha não vai emplacar.


É fácil Dilma fazer a Petrobras voltar a valer R$ 700 bilhões no mercado. Basta anunciar que, depois de saneada, a empresa será privatizada. O mercado lerá nisso o sinal de que os ladrões e os petistas — e também os petistas ladrões — serão definitivamente chutados de lá. Os brasileiros não mais serão roubados — não na estatal ao menos —, e o Brasil efetivamente sairá ganhando.


FHC não quebrou o Brasil nem uma, nem duas, nem três vezes, à diferença do que disse Dilma na campanha eleitoral. Mas o PT quebrou a Petrobras.


Para encerrar: em 2013, o Bolsa Família repassou aos miseráveis R$ 24,5 bilhões. De fato, é uma merreca. Só o que a Petrobras perdeu em valor de mercado em seis anos corresponde a mais de 24 anos de Bolsa Família. Se a gente acrescentar o valor roubado com superfaturamento, chega-se perto da eternidade. Abreu e Lima, por exemplo, estava orçada em US$ 2,5 bilhões e, hoje, já está custando US$ 20 bilhões.

Os ladrões no Brasil perderam a modéstia e o senso de proporção.


Por Reinaldo Azevedo

Cuba e EUA – Bloqueio só fornece munição ideológica ao Coma Andante e ao Anão Tarado

17/12/2014
às 15:20


Em que o chamado “bloqueio” dos EUA a Cuba enfraquece o regime dos Irmãos Castro? Em nada. Na verdade, fortalece porque lhe dá munição retórica para afirmar que as dificuldades econômicas da ilha decorrem desse bloqueio, não do modelo econômico, se assim se pode chamar, vigente na ilha. Acaba criando algumas dificuldades adicionais para a população — poucas — sem qualquer ganho político.


De todo modo, acho que a normalização das relações com Cuba não pode depender exclusivamente da troca de prisioneiros. Os EUA precisam tentar tirar algumas concessões a mais do regime. Quais? A ver. Sempre que o governo Obama negocia alguma coisa, ligo o desconfiômetro. A política externa dos EUA, sob Obama, é uma das mais incompetentes da história. O homem veio para que Jimmy Carter passasse da condição de pateta a grande estrategista, se é que entendem a piada.


Caso se tomem as medidas que estão em estudo — abertura de respectivas embaixadas, menos restrições para a exportação de equipamentos, mais liberalidade para a transferência de recursos —, ainda não se pode falar no fim do bloqueio, não estará caracterizada a plena normalização das relações, mas terá havido uma mudança substancial.


De resto, sejamos lógicos: quanto mais cubanos e americanos puderem manter relações de proximidade, melhor para os… cubanos, não é mesmo? Não há como os valores cubanos contaminarem os americanos, mas o contrário é possível.


A diminuição das restrições fará bem ao povo cubano. A manutenção do bloqueio só serve de munição ideológica ao Coma Andante e ao Anão Tarado.


Por Reinaldo Azevedo

Justiça aceita denúncia contra Cerveró e Fernando Baiano

17/12/2014 às 15:46


Por Laryssa Borges, na VEJA.com:

O juiz federal Sergio Moro aceitou nesta quarta-feira a denúncia apresentada pelo Ministério Público contra o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, o empresário e lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, o doleiro Alberto Youssef e contra o executivo Julio Camargo, da empresa Toyo Setal. Eles são acusados de crimes contra o sistema financeiro nacional, corrupção e lavagem de capitais.



De acordo com a acusação, Cerveró recebeu 15 milhões de dólares, a partir da mediação de Fernando Baiano, para a consolidação do contrato com a Samsung. Depois de ter embolsado a propina, Cerveró, na condição de diretor da Área Internacional da Petrobras, recomendou à Diretoria Executiva da estatal a contratação da empresa sul-coreana por 586 milhões de dólares. Em uma segunda etapa, por meio de Fernando Baiano, Nestor Cerveró teria recebido mais 25 milhões de dólares para que a Samsung conseguisse um contrato para o fornecimento de outro navio sonda para perfuração de águas profundas ao custo de 616 milhões de dólares. O total de 40 milhões de dólares em vantagens indevidas, que o empresário Julio Camargo afirma ter sido destinado a Fernando Baiano, terminou, segundo apuração do Ministério Público, nas mãos de Cerveró.


As revelações de Julio Camargo, que firmou um acordo de delação premiada, foram cruciais, na avaliação do juiz Sergio Moro, para que houvesse evidências suficientes contra o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras. “No que se refere à justa causa para a denúncia, a acusação baseia-se em larga medida em depoimentos prestados pelo criminoso colaborador Julio Gerin de Almeida Camargo [que] narrou em riqueza de detalhes os episódios do pagamento de propina”, afirma Moro. Para conseguir que a Justiça aceitasse denúncia contra Nestor Cerveró e contra Fernando Baiano, o Ministério Público elencou, conforme relata o juiz, “um número significativo de documentos que amparam as afirmações constantes nas denúncias” e “as dezenas de transações financeiras relatadas pelo criminoso colaborador e que representariam atos de pagamento de propinas e de lavagem de dinheiro”.


Na peça de acusação apresentada à Justiça, Nestor Cerveró foi denunciado duas vezes por corrupção passiva e 64 vezes por lavagem de dinheiro; Fernando Baiano, duas vezes por corrupção passiva e 64 vezes por lavagem; Julio Camargo, duas vezes por corrupção ativa, 64 vezes por lavagem e sete por crimes financeiros; e Alberto Youssef foi denunciado dezessete vezes por lavagem de dinheiro.
 


Por Reinaldo Azevedo

A Coca-Cola não quer que voce veja esse vídeo...

Pena que ele não seja defensor do meio ambiente...


Para os Deputados que se venderam...

Ibope: Saúde e não combate à corrupção são piores aspectos do governo


Por Bruno Peres | Valor
 
 
BRASÍLIA  -  (Atualizada às 11h37) Pesquisa do Ibope divulgada nesta quarta-feira pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que houve poucas mudanças significativas na avaliação da população por áreas de atuação do governo. Com relação a setembro, o percentual da população que desaprova a política de juros se manteve em 68%, igual percentual a setembro. Nesse aspecto, a aprovação é de 25% em dezembro ante 23% em setembro.


A política de combate à inflação é desaprovada por 69% ante 68% em setembro. Nesse item a aprovação é de 27% ante 25%.  Já a política tributária do governo é desaprovada por 72% ante 73% em setembro. A aprovação é de 24% ante 20% em igual período até dezembro.


“Poucos investimentos na área de saúde” foi citado espontaneamente como um dos três principais aspectos negativos do primeiro governo Dilma por 30% dos entrevistados. Em segundo lugar, 26% citam o “não combate à corrupção”, seguido por “pouco investimento na segurança pública” por 21%. Em terceiro e quarto lugares têm-se “poucos investimentos na área de educação” e “baixo crescimento econômico”, com respectivamente 13% e 12%.


Já o “combate à fome e à pobreza” é considerado espontaneamente o principal aspecto positivo do primeiro mandato do governo Dilma, citado como um dos três principais por 24% da população. Em segundo lugar aparece “investimento em programas sociais” com 17%, seguido por “investimento na área da educação” (15%) e “priorização da população mais carente” (13%).


Para 19% da população não houve ponto positivo no primeiro mandato da presidente Dilma e 21% não souberam ou não quiseram responder. Para 13% da população não houve ponto negativo no primeiro governo Dilma e 21% não souberam ou não quiseram responder.



Corrupção na Petrobras
A pesquisa mostra percepção negativa do noticiário sobre o governo aumento para 44% em dezembro ante 32% em setembro. As notícias sobre corrupção na Petrobras dominam a memória da população com relação ao noticiário sobre o governo.


Esse tema foi citado espontaneamente por 45% dos entrevistados, sendo que 31% se lembram de notícias referentes à Operação Lava-Jato da Polícia Federal, 19% se lembram de notícias referentes às prisões de diretores da Petrobras e 6% das prisões de diretores de empreiteiras.


As notícias sobre inflação estão na memória de 13% da população, sendo que 8% citaram alguma notícia relativa ao aumento dos preços de uma maneira geral, 3% sobre o aumento no preço da gasolina e 2% sobre a redução dos preços e/ou o recuo da inflação.


A pesquisa foi feita entre os dias 5 e 8 de dezembro com 2002 eleitores em 142 municipios. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Dilma é presidente reeleita com pior avaliação ao fim do 1º mandato


Por Bruno Peres | Valor
Rafael Andrade/Folhapress



BRASÍLIA  -  Pesquisa do Ibope divulgada nesta quarta-feira pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a presidente reeleita Dilma Rousseff termina o seu primeiro mandato com percentual de aprovação à sua maneira de governar de 52%, inferior aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 71%, e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com 61%, ao término das respectivas gestões em primeiro mandato.


Na avaliação do governo, Dilma Rousseff e Fernando Henrique concluíram os respectivos primeiros mandatos com igual percentual de avaliação positiva (bom ou ótimo), com 40% cada um. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva registrou avaliação positiva de 57% ao terminar seu primeiro mandato.


Dilma Rousseff termina seu primeiro mandato com a confiança de 51% da população, enquanto seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, registrou percentual de 68% nesse aspecto. Ao terminar seu primeiro mandato Fernando Henrique Cardoso tinha a confiança de 60% da população.
(Bruno Peres | Valor)

Belo Monte: a anatomia de um etnocídio


A procuradora da República Thais Santi conta como a terceira maior hidrelétrica do mundo vai se tornando fato consumado numa operação de suspensão da ordem jurídica, misturando o público e o privado e causando uma catástrofe indígena e ambiental de proporções amazônicas


Quando alguém passa num concurso do Ministério Público Federal, costuma estrear no que se considera os piores postos, aqueles para onde os procuradores em geral não levam a família e saem na primeira oportunidade. Um destes que são descritos como um “inferno na Terra” nos corredores da instituição é Altamira, no Pará, uma coleção de conflitos amazônicos à beira do monumental rio Xingu.



Em 2012, Thais Santi – nascida em São Bernardo do Campo e criada em Curitiba, com breve passagem por Brasília nos primeiros anos de vida – foi despachada para Altamira. Ao ver o nome da cidade, ela sorriu. Estava tão encantada com a possibilidade de atuar na região que, no meio do curso de formação, pegou um avião e foi garantir apartamento, já que as obras da hidrelétrica de Belo Monte tinham inflacionado o mercado e sumido com as poucas opções existentes. Thais iniciava ali a sua inscrição na tradição dos grandes procuradores da República que atuaram na Amazônia e fizeram História.


Ela já teve a oportunidade de deixar Altamira três vezes, a primeira antes mesmo de chegar lá. Recusou todas. Junto com outros procuradores do MPF, Thais Santi está escrevendo a narrativa de Belo Monte. Ou melhor: a narrativa de como a mais controversa obra do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento dos governos Lula-Dilma, um empreendimento com custo em torno de R$ 30 bilhões, poderá ser julgada pela História como uma operação em que a Lei foi suspensa. E também como o símbolo da mistura explosiva entre o público e o privado, dada pela confusão sobre o que é o Estado e o que é a Norte Energia S.A., a empresa que ganhou o polêmico leilão da hidrelétrica. Fascinante do ponto de vista teórico, uma catástrofe na concretude da vida humana e de um dos patrimônios estratégicos para o futuro do planeta, a floresta amazônica.


A jovem procuradora, hoje com 36 anos, conta que levou quase um ano para ver e compreender o que viu – e outro ano para saber o que fazer diante da enormidade do que viu e compreendeu. Ela se prepara agora para entrar com uma ação denunciando que Belo Monte, antes mesmo de sua conclusão, já causou o pior: um etnocídio indígena.


Nesta entrevista, Thais Santi revela a anatomia de Belo Monte. Desvelamos o ovo da serpente junto com ela. Ao acompanhar seu olhar e suas descobertas, roçamos as franjas de uma obra que ainda precisa ser desnudada em todo o seu significado, uma operação que talvez seja o símbolo do momento histórico vivido pelo Brasil. Compreendemos também por que a maioria dos brasileiros prefere se omitir do debate sobre a intervenção nos rios da Amazônia, assumindo como natural a destruição da floresta e a morte cultural de povos inteiros, apenas porque são diferentes. O testemunho da procuradora ganha ainda uma outra dimensão no momento em que o atual governo, reeleito para mais um mandato, já viola os direitos indígenas previstos na Constituição para implantar usinas em mais uma bacia hidrográfica da Amazônia, desta vez a do Tapajós.


Thais Santi, que antes de se tornar procuradora da República era professora universitária de filosofia do Direito, descobriu em Belo Monte a expressão concreta, prática, do que estudou na obra da filósofa alemã Hannah Arendt sobre os totalitarismos. O que ela chama de “um mundo em que tudo é possível”. Um mundo aterrorizante em que, à margem da legalidade, Belo Monte vai se tornando um fato consumado. E a morte cultural dos indígenas é naturalizada por parte dos brasileiros como foi o genocídio judeu por parte da sociedade alemã.


A entrevista a seguir foi feita em duas etapas. As primeiras três horas no gabinete da procuradora no prédio do Ministério Público Federal de Altamira. Sua sala é decorada com peças de artesanato trazidas de suas andanças por aldeias indígenas e reservas extrativistas. Na mesa, vários livros sobre a temática de sua atuação: índios e populações tradicionais. Entre eles, autores como os antropólogos Eduardo Viveiros de Castro e Manuela Carneiro da Cunha.


A sala é cheirosa, porque as funcionárias do MPF costumam tratar Thais com mimos. Carismática, ela costuma produzir esse efeito nas pessoas ao redor. Dias antes da entrevista, participou da comemoração dos 10 anos da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, na Terra do Meio. Thais dormiu numa rede na porta do posto de saúde que sua ação ajudou a implantar, a alguns metros de onde acontecia um forró que durou a noite inteira. O sono era interrompido ora por casais mais animados em sua ênfase amorosa, ora por um atendimento de emergência no posto de saúde. Impassível, Thais acordou no dia seguinte parecendo tão encantada com todos, como todos com ela. “Noite interessante”, limitou-se a comentar.


A entrevista é interrompida pela chegada afetuosa de uma funcionária trazendo primeiro café e água, depois peras. É bastante notável, nas respostas de Thais, o conhecimento teórico e a consistência de seus argumentos jurídicos. Embora visivelmente apaixonada pelo que faz, em sua atuação ela se destaca por ser conceitualmente rigorosa e cerebral.


 Mas, na medida em que Thais vai explicando Belo Monte, sua voz vai ganhando um tom indignado. “Como ousam?”, ela às vezes esboça, referindo-se ou à Norte Energia ou ao governo. Como ao contar que, ao votar na última eleição, deparou-se com uma escola com paredes de contêiner, piso de chão batido, as janelas de ferro enferrujado, as pontas para fora, a porta sem pintura, nenhum espaço de recreação e nem sequer uma árvore em plena Amazônia. Uma escola construída para não durar, quando o que deveria ter sido feito era ampliar o acesso à educação na região de impacto da hidrelétrica.



A segunda parte da entrevista, outras três horas, foi feita por Skype. Reservada na sua vida pessoal, quando Thais deixa escapar alguma informação sobre seu cotidiano, suas relações e seus gostos, de imediato pede off. “Não tenho nem Facebook”, justifica-se. Dela me limito a dizer que acorda por volta das 5h30 da manhã, que faz yoga e que todo dia vai admirar o Xingu. Em seu celular, há uma sequência de fotos do rio. Uma a cada dia.

A procuradora Thais Santi, em sua sala no Ministério Público Federal de Altamira, no Pará / Lilo Clareto (Divulgação)


A senhora chegou em Altamira no processo de implantação de Belo Monte. O que encontrou?
Thais Santi – Encontrei aqui a continuação do que eu estudei no meu mestrado a partir da (filósofa alemã) Hannah Arendt. Belo Monte é o caso perfeito para se estudar o mundo em que tudo é possível. A Hannah Arendt lia os estados totalitários. Ela lia o mundo do genocídio judeu. E eu acho que é possível ler Belo Monte da mesma maneira.


O que significa um mundo em que tudo é possível?
Santi – Existem duas compreensões de Belo Monte. De um lado você tem uma opção governamental, uma opção política do governo por construir grandes empreendimentos, enormes, brutais, na Amazônia. Uma opção do governo por usar os rios amazônicos, o recurso mais precioso, aquele que estará escasso no futuro, para produzir energia. Essa opção pode ser questionada pela academia, pela população, pelos movimentos sociais. Mas é uma opção que se sustenta na legitimidade do governo. Podemos discutir longamente sobre se essa legitimidade se constrói a partir do medo, a partir de um falso debate. Quanto a esta escolha, existe um espaço político de discussão.


Mas, de qualquer maneira, ela se sustenta na legitimidade. Pelo apoio popular, pelo suposto apoio democrático que esse governo tem, embora tenha sido reeleito com uma diferença muito pequena de votos. Agora, uma vez adotada essa política, feita essa escolha governamental, o respeito à Lei não é mais uma opção do governo. O que aconteceu e está acontecendo em Belo Monte é que, feita a escolha governamental, que já é questionável, o caminho para se implementar essa opção é trilhado pelo governo como se também fosse uma escolha, como se o governo pudesse optar entre respeitar ou não as regras do licenciamento. Isso é brutal.



O Ministério Público Federal já entrou com 22 ações nesse sentido. Por que a Justiça Federal não barra essa sequência de ilegalidades?
O Governo pode escolher fazer Belo Monte, mas não pode escolher desrespeitar a Lei no processo de implantação da hidrelétrica
Santi – Lembro que, quando eu trabalhava com meus alunos, discutíamos que há um conflito entre dois discursos. De um lado, há um discurso fundado na Lei, preso à Lei, e do outro lado o discurso de um Direito mais flexível, mais volátil, em que o operador tem a possibilidade de às vezes não aplicar a Lei. Eu dizia a eles que esses discursos têm de estar equilibrados, nem para o extremo de um legalismo completo, nem para o outro, a ponto de o Direito perder a função, de a Lei perder a função.


Hoje, se eu desse aula, Belo Monte é o exemplo perfeito. Perfeito. Eu nunca imaginei que eu viria para o Pará, para Altamira, e encontraria aqui o exemplo perfeito. Por quê? Quando eu peço para o juiz aplicar regra, digo a ele que essa regra sustenta a anuência e a autorização para a obra e que, se a regra não foi cumprida, o empreendimento não tem sustentação jurídica. E o juiz me diz: “Eu não posso interferir nas opções governamentais” ou “Eu não posso interferir nas escolhas políticas”. É isso o que os juízes têm dito. Portanto, ele está falando da Belo Monte da legitimidade e não da Belo Monte que se sustenta na legalidade.



Assim, Belo Monte é o extremo de um Direito flexível. É o mundo em que a obra se sustenta nela mesma. Porque a defesa do empreendedor é: o quanto já foi gasto, o tanto de trabalhadores que não podem perder o emprego. Mas, isso tudo não é Direito, isso tudo é Fato. A gente se depara com a realidade de uma obra que caminha, a cada dia com mais força, se autoalimentando. A sustentação de Belo Monte não é jurídica. É no Fato, que a cada dia se consuma mais. O mundo do tudo é possível é um mundo aterrorizante, em que o Direito não põe limite. O mundo do tudo possível é Belo Monte.
O mundo do tudo é possível é um mundo aterrorizante, onde o Direito não põe limites
E como a senhora chegou a essa conclusão?
Santi – Eu levei quase um ano para entender o que estava acontecendo com os indígenas no processo de Belo Monte. Só fui entender quando compreendi o que era o Plano Emergencial de Belo Monte. Eu cheguei em Altamira em julho de 2012 e fui para uma aldeia dos Arara em março, quase abril, de 2013. Eu sabia que lideranças indígenas pegavam a gasolina que ganhavam aqui e vendiam ali, trocavam por bebida, isso eu já sabia. Mas só fui sentir o impacto de Belo Monte numa aldeia que fica a quase 300 quilômetros daqui. Brutal. Só compreendi quando fui até as aldeias, porque isso não se compreende recebendo as lideranças indígenas no gabinete. Eu vi.


O que a senhora viu?
Santi – O Plano Emergencial tinha como objetivo criar programas específicos para cada etnia, para que os indígenas estivessem fortalecidos na relação com Belo Monte. A ideia é que os índios se empoderassem, para não ficar vulneráveis diante do empreendimento. E posso falar com toda a tranquilidade: houve um desvio de recursos nesse Plano Emergencial. Eu vi os índios fazendo fila num balcão da Norte Energia, um balcão imaginário, quando no plano estava dito que eles deveriam permanecer nas aldeias. Comecei a perceber o que estava acontecendo quando fiz essa visita à terra indígena de Cachoeira Seca e conheci os Arara, um grupo de recente contato. E foi um choque. Eu vi a quantidade de lixo que tinha naquela aldeia, eu vi as casas destruídas, com os telhados furados, chovendo dentro. E eles dormiam ali. As índias, na beira do rio, as crianças, as meninas, totalmente vulneráveis diante do pescador que passava.


Quando Belo Monte começou, esse povo de recente contato ficou sem chefe do posto. Então, os índios não só se depararam com Belo Monte, como eles estavam sem a Funai dentro da aldeia. De um dia para o outro ficaram sozinhos. Os Arara estavam revoltados, porque eles tinham pedido 60 bolas de futebol, e só tinham recebido uma. Eles tinham pedido colchão boxe para colocar naquelas casas que estavam com telhado furado e eles não conseguiram. Esse grupo de recente contato estava comendo bolachas e tomando refrigerantes, estava com problemas de diabetes e hipertensão. Mas o meu impacto mais brutal foi quando eu estava tentando fazer uma reunião com os Arara, e uma senhora, talvez das mais antigas, me trouxe uma batata-doce para eu comer. Na verdade, era uma mini batata-doce. Parecia um feijão. Eu a peguei, olhei para a menina da Funai, e ela falou: “É só isso que eles têm plantado. Eles não têm nada além disso”. Esse era o grau de atropelo e de desestruturação que aquele plano tinha gerado. Era estarrecedor.


Qual era a cena?
Santi – Era como se fosse um pós-guerra, um holocausto. Os índios não se mexiam. Ficavam parados, esperando, querendo bolacha, pedindo comida, pedindo para construir as casas. Não existia mais medicina tradicional. Eles ficavam pedindo. E eles não conversavam mais entre si, não se reuniam. O único momento em que eles se reuniam era à noite para assistir à novela numa TV de plasma. Então foi brutal. E o lixo na aldeia, a quantidade de lixo era impressionante. Era cabeça de boneca, carrinho de brinquedo jogado, pacote de bolacha, garrafa pet de refrigerante.
A cena na aldeia dos Arara de Cachoeira Seca, índios de recente contato, era a de um pós-guerra, um holocausto, com lixo para todo lado
Isso foi o que eles ganharam da Norte Energia?
Santi – Tudo o que eles tinham recebido do Plano Emergencial.


Era esse o Plano Emergencial, o que deveria fortalecer os indígenas para que pudessem resistir ao impacto de Belo Monte?
Santi – Tudo o que eles tinham recebido do Plano Emergencial. O Plano Emergencial gerou uma dependência absoluta do empreendedor. Absoluta. E o empreendedor se posicionou nesse processo como provedor universal de bens infinitos, o que só seria tolhido se a Funai dissesse não. A Norte Energia criou essa dependência, e isso foi proposital. E se somou à incapacidade da Funai de estar presente, porque o órgão deveria ter sido fortalecido para esse processo e, em vez disso, se enfraqueceu cada vez mais. Os índios desacreditavam da Funai e criavam uma dependência do empreendedor. Virou um assistencialismo.



Como a senhora voltou dessa experiência?
Santi – Eu dizia: “Gente, o que é isso? E o que fazer?”. Eu estava com a perspectiva de ir embora de Altamira, mas me dei conta que, se fosse, o próximo procurador ia demorar mais um ano para entender o que acontecia. Então fiquei.
O Plano Emergencial foi usado para silenciar os indígenas, únicos agentes que ainda tinham voz e visibilidade na resistência à hidrelétrica
E o que a senhora fez?
Santi – Eu não sabia entender o que estava acontecendo. Pedi apoio na 6ª Câmara (do Ministério Público Federal, que atua com povos indígenas e populações tradicionais), e fizemos uma reunião em Brasília. Chamamos os antropólogos que tinham participado do processo de Belo Monte na época de elaboração do EIA (Estudo de Impacto Ambiental), para que pudessem falar sobre como esses índios viviam antes, porque eu só sei como eles vivem hoje. Um antropólogo que trabalha com os Araweté contou como esse grupo via Belo Monte e não teve ninguém sem nó na garganta. Os Araweté receberam muitos barcos, mas muitos mesmo.


O Plano Emergencial foi isso. Ganharam um monte de voadeiras (o barco a motor mais rápido da Amazônia), e eles continuavam fazendo canoas. Para os Araweté eles teriam de sobreviver naqueles barcos, esta era a sua visão do fim do mundo. E até agora eles não sabem o que é Belo Monte, ainda acham que vai alagar suas aldeias. A Norte Energia é um provedor de bens que eles não sabem para que serve. Outra antropóloga contou que estava nos Araweté quando o Plano Emergencial chegou. Todas as aldeias mandavam suas listas, pedindo o que elas queriam, e os Araweté não tinham feito isso, porque não havia coisas que eles quisessem. Eles ficavam confusos, porque podiam querer tudo, mas não sabiam o que querer. E aí as coisas começaram a chegar. Houve até um cacique Xikrin que contou para mim como foi. Ligaram para ele de Altamira dizendo: “Pode pedir tudo o que você quiser”. Ele respondeu: “Como assim? Tudo o que me der na telha?”. E a resposta foi: “Tudo”. O cacique contou que pediram tudo, mas não estavam acreditando que iriam receber. De repente, chegou. Ele fazia gestos largos ao contar: “Chegou aquele mooonte de quinquilharias”. Tonéis de refrigerante, açúcar em quantidade. Foi assim que aconteceu. Este era o Plano Emergencial.


E o que aconteceu com os índios depois dessa intervenção?
Santi – As aldeias se fragmentaram. Primeiro, você coloca na mão de uma liderança, que não foi preparada para isso, o poder de dividir recursos com a comunidade. A casa do cacique com uma TV de plasma, as lideranças se deslegitimando perante a comunidade. Ganhava uma voadeira que valia 30, vendia por oito. Fora o mercado negro que se criou em Altamira com as próprias empresas. O índio ficou com dinheiro na mão e trocou por bebida. O alcoolismo, que já era um problema em muitas aldeias, que era algo para se precaver, aumentou muito. Acabou iniciando um conflito de índios com índios, e aumentando o preconceito na cidade entre os não índios. O pescador, para conseguir uma voadeira, precisa trabalhar muito. E a comunidade passou a ver o índio andando de carro zero, de caminhonetes caríssimas, bebendo, houve casos de acidentes de trânsito e atropelamento. Então, como é possível? Acho que nem se a gente se sentasse para fazer exatamente isso conseguiria obter um efeito tão contrário. Os índios se enfraqueceram, se fragmentaram socialmente, a capacidade produtiva deles chegou a zero, os conflitos e o preconceito aumentaram.
Belo Monte é um etnocídio indígena
A senhora acha que essa condução do processo, por parte da Norte Energia, com a omissão do governo, foi proposital?
Santi – Um dos antropólogos da 6ª Câmara tem uma conclusão muito interessante. No contexto de Belo Monte, o Plano Emergencial foi estratégico para silenciar os únicos que tinham voz e visibilidade: os indígenas. Porque houve um processo de silenciamento da sociedade civil. Tenho muito respeito pelos movimentos sociais de Altamira. Eles são uma marca que faz Altamira única e Belo Monte um caso paradigmático. Mas hoje os movimentos sociais não podem nem se aproximar do canteiro de Belo Monte. Há uma ordem judicial para não chegar perto. Naquele momento, os indígenas surgiram como talvez a única voz que ainda tinha condição de ser ouvida e que tinha alguma possibilidade de interferência, já que qualquer não índio receberia ordem de prisão. E o Plano Emergencial foi uma maneira de silenciar essa voz. A cada momento que os indígenas vinham se manifestar contra Belo Monte, com ocupação de canteiro, essa organização era, de maneira muito rápida, desconstituída pela prática de oferecer para as lideranças uma série de benefícios e de bens de consumo. Porque os indígenas têm uma visibilidade que a sociedade civil não consegue ter. Vou dar um exemplo. Houve uma ocupação em que os pescadores ficaram 40 dias no rio, na frente do canteiro, debaixo de chuva, e não tiveram uma resposta. Aquele sofrimento passava despercebido. E de repente os indígenas resolvem apoiar a reivindicação dos pescadores, trazendo as suas demandas também. E, de um dia para o outro, a imprensa apareceu. Os indígenas eram a voz que ainda poderia ser ouvida e foram silenciados.


Com as listas de voadeiras, TV de plasma, bolachas, Coca-Cola?
Santi – No caso das ocupações de canteiro não eram nem as listas. No caso da ocupação que aconteceu em 2012, até hoje eu não entendo qual é o lastro legal que justificou o acordo feito. As lideranças saíram da ocupação e vieram para Altamira, onde negociaram a portas fechadas com a Norte Energia. Cada uma voltou com um carro, com uma caminhonete. E isso também para aldeias que sequer têm acesso por via terrestre. Então eu acho que não tem como entender o Plano Emergencial sem dizer que foi um empreendimento estratégico no sentido de afastar o agente que tinha capacidade de organização e condições de ser ouvido. É preciso deixar clara essa marca do Plano Emergencial de silenciar os indígenas.
A mistura entre o empreendedor e o Estado é uma das marcas de Belo Monte
O que é Belo Monte para os povos indígenas do Xingu?
Santi – Um etnocício. Essa é a conclusão a que cheguei com o Inquérito Civil que investigou o Plano Emergencial. Belo Monte é um etnocídio num mundo em que tudo é possível.


E o Ministério Público Federal vai levar à Justiça o etnocídio indígena perpetrado por Belo Monte?
Santi – Certamente. É necessário reavaliar a viabilidade da usina no contexto gerado pelo Plano Emergencial e pelas condicionantes não cumpridas.



A ditadura militar massacrou vários povos indígenas, na década de 70 do século 20, para tirá-los do caminho de obras megalômanas, como a Transamazônica. Aquilo que a História chama de “os elefantes brancos da ditadura”. Agora, como é possível acontecer um etnocídio em pleno século 21 e na democracia? Por que não se consegue fazer com que a lei se aplique em Belo Monte?
Thais – Eu virei uma leitora dos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs). E os estudos mostraram uma região historicamente negligenciada pelo Estado, com povos indígenas extremamente vulneráveis por conta de abertura de estradas e de povoamentos. Então, Belo Monte não iria se instalar num mundo perfeito, mas num mundo de conflitos agrários, na região em que foi assassinada a Irmã Dorothy Stang, com povos indígenas violentados pela política estatal e com diagnóstico de vulnerabilidade crescente. É isso o que os estudos dizem.



O diagnóstico, então, mostra que Belo Monte seria um acelerador, Belo Monte aceleraria esse processo a um ritmo insuportável e os indígenas não poderiam mais se adaptar. Ou seja, Belo Monte foi diagnosticado para os indígenas como uma obra de altíssimo risco. Isso no EIA. Não é de alto impacto, é de altíssimo risco à sua sobrevivência étnica. Com base nesse diagnóstico, os estudos indicam uma série de medidas mitigatórias indispensáveis para a viabilidade de Belo Monte. A Funai avaliou esses estudos, fez um parecer e falou a mesma coisa: Belo Monte é viável desde que aquelas condições sejam implementadas.



E o que aconteceu?
Santi – Para explicar, precisamos falar daquela que talvez seja a questão mais grave de Belo Monte. Para Belo Monte se instalar numa região dessas, o Estado teve que assumir um compromisso. Você não pode transferir para o empreendedor toda a responsabilidade de um empreendimento que vai se instalar numa região em que está constatada a ausência histórica do Estado. Existe um parecer do Tribunal de Contas dizendo que a obra só seria viável se, no mínimo, a Funai, os órgãos de controle ambiental, o Estado, se fizessem presentes na região. Belo Monte é uma obra prioritária do governo federal. Se o Ministério Público Federal entra com ações para cobrar a implementação de alguma condicionante ou para questionar o processo, mesmo que seja contra a Norte Energia, a União participa ao lado do empreendedor. A Advocacia Geral da União defende Belo Monte como uma obra governamental. Só que Belo Monte se apresentou como uma empresa com formação de S.A., como empresa privada. E na hora de cobrar a aplicação de políticas públicas que surgem como condicionantes do licenciamento? De quem é a responsabilidade? Então, na hora de desapropriar, a Norte Energia se apresenta como uma empresa concessionária, que tem essa autorização, e litiga na Justiça Federal. Na hora de implementar uma condicionante, ela se apresenta como uma empresa privada e transfere a responsabilidade para o Estado. Essa mistura entre o empreendedor e o Estado é uma das marcas mais interessantes de Belo Monte. E não só isso. Há as instâncias de decisão. O Ministério do Meio Ambiente define a presidência do Ibama. A presidência da República define o Ministério do Meio Ambiente. Da Funai, a mesma coisa. Então é muito difícil entender Belo Monte, porque a gente tem um empreendimento que é prioritário e ao mesmo tempo a empresa é privada. Ser privada significa contratar o Consórcio Construtor Belo Monte (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e outras construtoras com participações menores) sem licitar. Ela diz que não vai fazer, que não cabe a ela fazer. E ninguém manda fazer. Então, a gente tem uma situação em que o empreendedor se coloca como soberano, reescrevendo a sua obrigação. Por exemplo: entre as condicionantes, estava a compra de terra, pela Norte Energia, para ampliação da área dos Juruna do KM 17, porque eles ficariam muito expostos com a obra. A Norte Energia fez a escolha da área. Mas quando a Funai disse para a Norte Energia que comprasse a área, a empresa respondeu: “Não, já cumpri a condicionante. Já fiz a escolha da área, é responsabilidade do governo comprar a área”. E a Funai silenciou. E o Ibama nem tomou conhecimento. Houve uma reunião, e eu perguntei à Funai: “Vocês não cobraram a Norte Energia para que cumprisse a condicionante? Quem tem que dizer o que está escrito é a Funai e não a Norte Energia”. E se a Norte Energia diz “não”, a Funai tem que dizer “faça”, porque existem regras. Conseguimos que a Norte Energia comprasse a área por ação judicial. Mas este é um exemplo do processo de Belo Monte, marcado por uma inversão de papéis. A Norte Energia reescreve as obrigações se eximindo do que está previsto no licenciamento. Quem dá as regras em Belo Monte? O empreendedor tem poder para dizer “não faço”? Veja, até tem. Todo mundo pode se negar a cumprir uma obrigação, desde que use os mecanismos legais para isso. Se você não quer pagar pelo aluguel, porque o considera indevido, e eu quero que você pague, o que você faz? Você vai conseguir lá em juízo, você vai recorrer da decisão. Mas não aqui. Aqui a Norte Energia diz: “Não faço”.
As empreiteiras que fizeram os estudos de viabilidade são hoje meras contratadas da Norte Energia, sem nenhuma responsabilidade socioambiental
E o governo se omite por quê?
Santi – Não cabe a mim dizer. Há em Belo Monte questões difíceis de entender. O que justifica uma prioridade tão grande do governo para uma obra com impacto gigantesco e com um potencial de gerar energia nada extraordinário, já que o rio não tem vazão em parte do ano? O que que justifica Belo Monte? É inegável que há uma zona nebulosa. Veja o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte, veja quem assina. (Aponta os nomes das empresas: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht...). E, na hora do leilão, eles não participaram do leilão. Surge uma empresa criada às pressas para disputar o leilão. Essa empresa, a Norte Energia, constituída como S.A., portanto uma empresa privada, é que ganha o leilão, que ganha a concessão. E as empreiteiras que participaram dos estudos de viabilidade? Formaram o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), que é um contratado da Norte Energia. E a Norte Energia, por sua vez, mudou totalmente a composição que ela tinha na época do leilão. Hoje, com muito mais aporte de capital público. Então, as empreiteiras que fizeram os estudos de viabilidade e de impacto ambiental hoje são meras contratadas, sem nenhuma responsabilidade socioambiental no licenciamento. Os ofícios que enviamos para a CCBM nunca são para cobrar nada, porque não há nenhuma condicionante para elas, nenhuma responsabilidade socioambiental. Com essa estrutura, os recursos de Belo Monte não passam por licitação. O que é Belo Monte? Eu realmente não sei. Não é fácil entender Belo Monte. É a História que vai nos mostrar. E, quem sabe, as operações já em curso (da “Lava Jato”, pela Polícia Federal, que investigam a atuação das empreiteiras no escândalo de corrupção da Petrobrás) tragam algo para esclarecer essa nebulosidade.



No caso dos indígenas, estava previsto o fortalecimento da Funai, para que o órgão pudesse acompanhar o processo. Em vez disso, a Funai passou por um processo de enfraquecimento, articulado também no Congresso, pela bancada ruralista, que continua até hoje....
O Plano Emergencial foi transformado num balcão de negócios em que os indígenas foram jogados no consumismo dos piores bens
Santi – Eu visitei a aldeia Parakanã, na terra indígena Apyterewa. Quando eu cheguei lá, eu não acreditei nas casas que estavam sendo construídas. Meia-água, de telha de Brasilit. Uma do lado da outra, naquele calor. Eu perguntei para o funcionário da Funai como eles permitiram, porque os Parakanã também são índios de recente contato. E eles não ficavam nas casas, ficavam num canto da aldeia. Aí a gente foi para os Araweté, também construindo. A aldeia estava cheio de trabalhadores. Aquelas meninas andando nuas. Os pedreiros ouvindo música naqueles radinhos de celular. Eu perguntei à Funai: “Como que vocês permitem?”. A Funai não estava acompanhando as obras, não sabia quem estava na aldeia nem de onde tinha vindo aquele projeto de casa. A Funai tinha que acompanhar os programas e ela não está acompanhando. Estava previsto o fortalecimento da Funai e aconteceu o contrário. No Plano de Proteção Territorial estava prevista uma espécie de orquestra para proteger as terras indígenas. Haveria 32 bases, se não me engano, em locais estratégicos, já que proteger o território é condição para proteger os indígenas. Esse plano é uma das condicionantes mais importantes de Belo Monte.



Na verdade, Belo Monte seria impensável sem a proteção dos territórios indígenas. E protegeria também as unidades de conservação, freando o desmatamento, porque teria ali Polícia Federal, Ibama, ICMBio, Funai, todos juntos. E isso com previsão de contratação de 120 funcionários para atuar nessa proteção. E isso tinha que anteceder a obra. Daí, em 2011 vem o pedido de Licença de Instalação, já, e o plano não tinha começado. A Funai anuiu com a Licença de Instalação desde que o plano fosse implementado em 40 dias.



E diz: “Enfatizamos que o descumprimento das condicionantes expressas nesse ofício implicará a suspensão compulsória da anuência da Funai para o licenciamento ambiental do empreendimento”. É com isso que eu me deparo. No final de 2012, os indígenas cobraram a implementação desse plano em uma ocupação dos canteiros de obra, e ficou claro que sequer havia iniciado a construção das bases. A partir daí, a Norte Energia passou a simplificar e reescrever o plano. A Funai não tinha força para cobrar a implantação da condicionante, mas não anui com o que a Norte Energia passa a fazer. Propusemos uma ação no dia 19 de abril de 2013, que era Dia do Índio, para que cumprissem a condicionante.



E que se aplicasse o que estava escrito: que o não cumprimento implicará a suspensão compulsória da anuência da Funai para o licenciamento. O juiz deferiu a liminar quase um ano depois, já em 2014. Mas qual a resposta do Judiciário? Que suspender a anuência da Funai ao licenciamento seria interferir nas opções políticas do governo. Resultado: hoje a gente está virando 2014 para 2015 e a Proteção Territorial não está em execução. Foi a última informação que eu recebi da Funai. O plano ainda não iniciou.


Essa é a situação hoje?
Santi – O Plano Emergencial era um conjunto de medidas antecipatórias indispensáveis à viabilidade de Belo Monte. Envolvia o fortalecimento da Funai, um plano robusto de proteção territorial e o programa de etnodesenvolvimento. O fortalecimento da Funai não foi feito. O plano de proteção não iniciou. E o plano de etnodesenvolvimento? Foi substituído por ações do empreendedor à margem do licenciamento, por meio das quais os indígenas foram atraídos para Altamira, para disputar nos balcões da Norte Energia toda a sorte de mercadoria, com os recursos destinados aos programas de fortalecimento.



Como é possível?
Santi – Eu realmente acho que existe uma tragédia acontecendo aqui, que é a invasão das terras indígenas, é a desproteção. A gente vê a madeira saindo. As denúncias que recebemos aqui de extração de madeira na terra indígena Cachoeira Seca, na terra indígena Trincheira Bacajá, elas são assustadoras. E eu realmente me pergunto: como? A pergunta que eu tinha feito para o juiz nesse processo era isso: “Belo Monte se sustenta no quê, se essa condicionante, que era a primeira, não foi implementada?”. Belo Monte se sustenta no fato consumado. E numa visão equivocada de que, em política, não se interfere. Como se aquela opção política fosse também uma opção por desrespeitar a Lei. O fato é que Belo Monte, hoje, às vésperas da Licença de Operação, caminha sem a primeira condicionante indígena. Eu te digo: é estarrecedor.



Belo Monte caminha, portanto, à margem da Lei?
Santi – Essa ação da Norte Energia se deu à margem do licenciamento. Se os estudos previram que Belo Monte seria de altíssimo risco, e trouxeram uma série de medidas necessárias, e o que o empreendedor fez foi isso... A que conclusão podemos chegar? Se existiam medidas para mitigar o altíssimo risco que Belo Monte trazia para os indígenas, e essas políticas não foram feitas, e em substituição a elas o que foi feito foi uma política marginal de instigação de consumo, de ruptura de vínculo social, de desprezo à tradição, de forma que os indígenas fossem atraídos para o núcleo urbano pelo empreendedor e jogados no pior da nossa cultura, que é o consumismo.



E no consumismo dos piores bens, que é a Coca-Cola, que é o óleo... Ou seja: todos os estudos foram feitos para quê? Tanto antropólogo participando para, na hora de implementar a política, o empreendedor criar um balcão direto com o indígena, fornecendo o que lhe der na telha? O que aconteceu em Belo Monte: o impacto do Plano Emergencial, que ainda não foi avaliado, até esse momento, foi maior do que o próprio impacto do empreendimento. A ação do empreendedor foi avassaladora. Então, de novo, qual é o impacto de Belo Monte? O etnocídio indígena.



E o que fazer agora?
A Defensoria Pública da União não estava presente em Altamira, enquanto milhares de atingidos eram reassentados sem nenhuma assistência jurídica
Santi – Hoje Belo Monte é uma catástrofe. Eu demorei um ano para ver, um ano para conseguir compreender e agora eu vou te dizer o que eu acho. Se a Lei se aplicasse em Belo Monte, teria que ser suspensa qualquer anuência de viabilidade desse empreendimento até que se realizasse um novo estudo e fosse feito um novo atestado de viabilidade, com novas ações mitigatórias, para um novo contexto, em que aconteceu tudo o que não podia acontecer.



É possível afirmar que a Norte Energia agiu e age como se estivesse acima do Estado?
Santi – A empresa se comporta como se ela fosse soberana. E é por isso que eu acho que a ideia aqui é como se a Lei estivesse suspensa. É uma prioridade tão grande do governo, uma obra que tem que ser feita a qualquer custo, que a ordem jurídica foi suspensa. E você não consegue frear isso no poder judiciário, porque o Judiciário já tem essa interpretação de que não cabe a ele interferir nas políticas governamentais. Só que o poder judiciário está confundindo legitimidade com legalidade. Política se sustenta na legitimidade e, feita uma opção, o respeito à Lei não é mais uma escolha, não é opcional. E aqui virou. E quem vai dizer para o empreendedor o que ele tem que fazer?



Além da questão indígena, há também a questão dos reassentamentos. Em novembro, o Ministério Público Federal de Altamira fez uma audiência pública para discutir o reassentamento de moradores da cidade, que foi muito impactante. Qual é a situação dessa população urbana com relação à Belo Monte?
Santi – De novo, como no caso dos indígenas, nós temos uma obra de um impacto enorme, numa região historicamente negligenciada, e o Estado tinha que estar instrumentalizado para que Belo Monte acontecesse. E quando nós nos demos conta, a obra está no seu pico – e sem a presença de Defensoria Pública em Altamira. Até 2013, havia uma pessoa na Defensoria Pública do Estado, que acompanhava a questão agrária, uma defensora atuante com relação à Belo Monte, mas que precisava construir uma teoria jurídica para atuar, porque ela era uma defensora pública do Estado e as ações de Belo Monte eram na Justiça Federal. Depois, todos foram removidos e não veio ninguém substituir.



Isso na Defensoria Pública Estadual. Mas e a federal?
Santi – A Defensoria Pública da União nunca esteve presente em Altamira.


Nunca? Em nenhum momento?
Santi – Não. E a Defensoria Pública do Estado também não estava mais.


A população estava sendo removida por Belo Monte sem nenhuma assistência jurídica? As pessoas estavam sozinhas?
Estamos assistindo diariamente ao impacto brutal de Belo Monte no Xingu, e o governo já se lança numa nova empreitada no Tapajós
Santi – Sim. É incompreensível que, em uma obra que cause um impacto socioambiental como Belo Monte, a população esteja desassistida. Num mundo responsável, isso é impensável. E acho que para qualquer pessoa com um raciocínio médio isso é impensável. Então fizemos uma audiência pública para que todos pudessem realmente ser escutados. Porque um dia chegou na minha sala uma senhora muito humilde. Poucas vezes eu tinha me deparado com uma pessoa assim, por que ela veio sozinha e já era uma senhora de idade. E eu não conseguia entender o que ela falava.



Eu não conseguia. Ela estava desacompanhada, desesperada, e eu falei pra ela assim: “A senhora espera lá fora, que eu vou resolver algumas coisas aqui, e eu vou com a senhora pessoalmente na empresa”. Porque o reassentamento, como ele é feito? A Norte Energia contratou uma empresa que faz o papel de intermediária entre a Norte Energia e as pessoas. Chama-se Diagonal. Então cheguei na empresa com ela.



É uma casa, as pessoas ficam do lado de fora, naquele calor de 40 graus, esperando para entrar. E, uma a uma, vão sendo chamada para negociar. Essa senhora foi lá negociar a situação dela. E ofereceram para ela uma indenização. E ela não queria uma indenização, ela queria uma casa. E ela diz: “Eu não quero a indenização, eu quero uma casa!”. Neste momento, ela está falando com um assistente social da empresa. E aí, se ela não concorda com o que está sendo oferecido, o advogado da empresa vai explicar a ela por que ela não tem direito a uma casa. E se ela continuar não concordando, esse processo vai para a Norte Energia. Para mim, isso já foi uma coisa completamente estranha.



 A palavra não é estranha... Eu diria, foi uma coisa interessante. Porque a Norte Energia funciona como uma instância recursal, da indignação da pessoa contra uma empresa que é uma empresa contratada por ela. Então a revolta das pessoas é contra a empresa Diagonal. Aí o caso da pessoa vai para a Norte Energia, e a Norte Energia vai com seu corpo de advogados – 26 advogados contratados só para esse programa – fazer uma avaliação e explicar para a pessoa as regras que são aplicadas. E que, se essa pessoa não aceitar, ela tem um prazo para se manifestar. E, se ela não se manifestar nesse prazo, ou se ela não concordar, o processo vai ser levado para a Justiça, e a Norte Energia vai pedir a emissão da posse.



A senhora vai ter que sair de qualquer jeito e discutir em juízo esses valores. Veja a situação com que eu me deparei. Primeiro: a senhora não tinha nenhuma condição nem de explicar a história dela, ela tinha dificuldades de falar. Porque o tempo deles é outro, a compreensão de tudo é outra. A gente está falando de pessoas desse mundo aqui, que não é o mundo de lá, é o mundo de cá. E que eu mesma não tinha capacidade de entender.



Então, essa pessoa, que tem dificuldade para se expressar, como ela vai dialogar sozinha, na mesa do empreendedor, com advogados e pessoas que estão do lado de lá? Naquele momento eu tive a compreensão de que, primeiro, existia uma confusão de papéis ali, porque a Norte Energia se apresentava como instância recursal, mas fazia o papel dela. A outra empresa também fazia o papel dela. Quem estava ausente era o Estado. Quem estava ausente era quem tinha que acompanhar essa pessoa.



Então, quem estava se omitindo ali era o Estado. Para mim era inadmissível que aquela senhora estivesse sozinha negociando na mesa do empreendedor. Na audiência pública apareceu outra senhora que assinou, mas contou chorando que não sabia ler. Assinou com o dedo. Assinou uma indenização, mas queria uma casa. Isso resume a violência desse processo. Há muitos casos. Muitos. E tudo isso estava acontecendo porque a Defensoria Pública da União não estava aqui. Uma das funções da audiência pública foi chamar o Estado. A Defensoria Pública é uma instituição que está crescendo, que se fortalece, e eu acho que ela não pode deixar à margem uma realidade com risco de grande violação de direitos humanos, como é Belo Monte.



Como se explica um empreendimento desse tamanho, com milhares de remoções, sem a presença da Defensoria Pública da União?
Santi – Como você imagina uma obra com o impacto de Belo Monte sobre 11 terras indígenas, com o impacto que já ficou claro, com alto risco de destruição cultural, sem a Funai estruturada? Como a Funai está em Altamira com o mesmo número de servidores que ela tinha em 2009? Como não foi feita uma nova sede da Funai? Como não foi contratado um servidor para a Funai? E o ICMBio? Temos aqui seis unidades de conservação na área de impacto do empreendimento. Entre essas unidades, só a Estação Ecológica da Terra do Meio tem três milhões de hectares. Se você me perguntar hoje quantos gestores o ICMBio tem nessas unidades eu vou te dizer: a unidade da (Reserva Extrativista) Verde para Sempre está sem gestor.



A unidade do Iriri está sem gestor, foi contratado um cargo em comissão. Ou seja, não existe servidor do ICMBio pra cuidar dessa unidade do Iriri. Para a resex Riozinho do Anfrísio também foi contratado um servidor extraquadro. Para o Parque Nacional da Serra do Padre também. A gente tem Belo Monte com um impacto no seu ápice, no momento da maior pressão antrópica já prevista, com as unidades de conservação sem gestor. E o impacto, o desmatamento, é uma prova disso. Na Resex Riozinho do Anfrísio a extração ilegal de madeira já atravessou a unidade e chegou nos ribeirinhos. É uma região que está numa efervescência de impacto.



E o concurso público realizado para o ICMBio só previu a contratação de analistas para o Tapajós, onde o ICMBio precisa hoje fazer uma avaliação positiva para que sejam autorizados os empreendimentos das hidrelétricas lá. Eu não consigo entender como o Estado se lança a outro empreendimento sem responder pelo que está acontecendo aqui. Eu te falo isso porque você me pergunta como é possível a Defensoria Pública não estar aqui. Para mim, isso não é um susto, porque eu estou acompanhando outras instituições absolutamente indispensáveis no licenciamento de Belo Monte e totalmente defasadas. E o ICMBio é uma prova disso.


E os gestores que têm aqui do ICMBio são extremamente atuantes. Mas, sozinhos, eles não dão conta. Como é possível uma pessoa responder pelos três milhões de hectares da estação ecológica? E sem nenhum apoio? O que eu posso dizer é que, nas investigações que fizemos aqui com relação à Belo Monte, a realidade é a ausência do Estado. Num mundo em que tudo é possível, a gente consegue viver com uma realidade em que 8 mil famílias vão ser reassentadas sem que a Defensoria Pública da União tivesse sido acionada para vir para Altamira. Belo Monte é o mundo em que o inacreditável é possível.



Voltando ao início dessa entrevista, qual é a analogia que a senhora faz entre os estudos de Hannah Arendt sobre os totalitarismos e essa descrição que a senhora fez até aqui sobre o processo de Belo Monte?
A mineradora canadense Belo Sun prenuncia um ciclo de exploração dos recursos naturais da Amazônia em escala industrial, sobrepondo impactos na região
Santi – Vai ficando mais claro, né? Quando eu coloquei para você que a Lei está suspensa, ou seja, as regras, os compromissos assumidos, as obrigações do licenciamento, na verdade eu pensava no Estado de Exceção. Eu entendo que essa realidade que eu descrevo é a realidade de um Estado de Exceção.



Mas, como é possível que tudo seja possível?
Santi – Quando você assiste ao governo se lançar a um novo empreendimento, desta vez no Tapajós, com outro impacto brutal, sem responder pelo passivo de Belo Monte, o que vem à mente? E a gente, nesse dia a dia de Belo Monte, assistindo a esse impacto, assistindo ao desmatamento, assistindo à questão dos indígenas, ao sofrimento da população local, assistindo às pessoas morrendo porque o hospital está superlotado, assistindo aos indígenas completamente perdidos... E então a gente vê o governo se lançar a um novo empreendimento. A pergunta que vem é essa: como é possível? Belo Monte não acabou.



 Quando, um ano atrás, a então presidente da Funai (Maria Augusta Assirati) deu uma entrevista (à BBC Brasil) falando de Belo Monte, ela disse a seguinte frase: "Nenhum dos atores envolvidos estava preparado para a complexidade social, étnica e de relações públicas que foi Belo Monte”. Quando eu leio uma frase como essa, e a gente assiste ao governo brasileiro usar Belo Monte como campanha política na época das eleições, e se lançar a um novo empreendimento, eu me pergunto: o que dizer a um governo que diz que não estava preparado para Belo Monte? Belo Monte não acabou. Se você tem responsabilidade, a sua responsabilidade não acaba porque a tragédia aconteceu. Ou seja, o passivo de Belo Monte, no Xingu, fica, e o governo vai começar uma nova empreitada no Tapajós? E qual é a prova de que essa nova empreitada não vai causar um passivo como este? A prova tem que ser feita aqui em Belo Monte.



 A Funai tem que estar estruturada aqui. As terras têm que estar protegidas aqui. A população tem que ter sido removida com dignidade aqui. Então, quando você me pergunta de Hannah Arendt, eu lembro dessa frase da presidente da Funai. Quando Arendt conclui o julgamento do nazista (em seu livro “Eichmann em Jerusalém”), ela diz o seguinte: “Política não é um jardim de infância”. E ela estava analisando o genocídio. Eu não tenho dúvida de dizer que aqui a gente está analisando um etnocídio, e política não é um jardim de infância. Então, a ação do Ministério Público aqui é a de responsabilizar, até onde for possível. Um dia essas ações vão ser julgadas. Belo Monte um dia será julgada.


A maioria das ações que o Ministério Público Federal está propondo, há anos, esbarram nos presidentes dos tribunais. Por quê? Qual é a sua hipótese?
Santi – Belo Monte é uma obra “sub judice”. Vai ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. São 22 ações, com conteúdos extremamente diversificados. A postura do Poder Judiciário de que o fundamento jurídico, o mérito da ação, fique suspenso de análise com base na decisão política, que é a suspensão de segurança, é uma decisão que não precisa de respaldo na Lei, ela busca respaldo nos fatos. A suspensão de segurança é um mecanismo extremamente complicado, porque ele abre o Direito.
Acho que é importante aqui fazer um parêntese para explicar aos leitores que o mecanismo jurídico de “suspensão de segurança” é um resquício da ditadura. Ele impede qualquer julgamento antecipado de uma ação, que poderia ser pedido por conta da urgência, da relevância e da qualidade das provas apresentadas. É concedido pela presidência de um tribunal, que não analisa o mérito da questão, apenas se limita a mencionar razões como “segurança nacional”. Assim, quando o mérito da ação é finalmente julgado, o que em geral leva anos, uma obra como Belo Monte já se tornou fato consumado. Quais são as justificativas para o uso de suspensão de segurança em Belo Monte?
Numa sociedade de consumo, desde que se preserve o eu hegemônico de cada um, a morte cultural de um povo não dói
Santi – Em Belo Monte as justificativas são a necessidade da obra, o prazo, o cronograma, os valores, o quanto custa um dia de obra parada ou a quantidade de trabalhadores que dependem do empreendimento. Com esses fundamentos muito mais fáticos, empíricos e políticos, o mecanismo da suspensão de segurança permite a suspensão da decisão jurídica liminar que se obtém nas ações judiciais. E, com isso, as decisões acabam perdendo a capacidade de transformação. Com uma ressalva com relação à Belo Monte: as pessoas de direito privado não podem requerer a suspensão de segurança. A Norte Energia não poderia pedir. Quem faz isso, então, é a Advocacia Geral da União, que atua ao lado da Norte Energia nas ações judiciais. Ainda, a interpretação desse mecanismo vem permitindo que ele se sobreponha a todas as decisões – e não apenas as liminares – até o julgamento pela instância final. É um mecanismo que tem previsão legal, mas é um mecanismo extremamente complicado, porque pode se sustentar em fatos. E o Direito que se sustenta em fatos é o Direito que se abre ao mundo em que tudo é possível.



O Ministério Público Federal não questiona a opção política do governo por Belo Monte, mas questiona o devido processo de licenciamento. A gente questiona a legalidade, não a legitimidade dessa opção. Mas o fato é que essa legitimidade é obtida sem o espaço de diálogo. E hoje eu realmente acho que a sociedade deveria refletir e discutir essa opção de interferência nos rios da Amazônia. Nós já sabemos o impacto que o desmatamento vem causando, a gente sabe o valor da água, a gente sabe o valor da Amazônia. Por isso, entendo que essas decisões que podem se sustentar em fatos são perigosas para o Estado democrático de Direito, já que os fatos nem sempre têm respaldo democrático.


Na sua opinião, com tudo o que a senhora tem testemunhado, qual será o julgamento de Belo Monte no futuro?
Santi – Ah, eu acho que essa pergunta é um pouco complicada. Sinceramente, eu acho que essa questão da legitimidade de Belo Monte tem que ser discutida num debate público. Eu me coloco como procuradora da República. Estou falando da minha leitura jurídica desse processo. Agora, se perguntar para a Thais, pessoa, o que ela acha que vai acontecer com Belo Monte, eu te diria que há perguntas que precisam ser feitas. Será que o modo de vida dessa região poderia ser suportado por outras fontes de energia?



Eu não tenho dúvida que sim. Na região, quem precisa de Belo Monte são as indústrias siderúrgicas, e uma mineradora canadense (Belo Sun) que vai se instalar e extrair ouro em escala industrial, na região de maior impacto de Belo Monte. Então, quem depende dessa energia é essa empresa e outras que virão. E isso é uma coisa que tem me assustado muito com relação à Belo Monte. Uma das consequências de Belo Monte é essa possibilidade de extração de recursos minerais em escala industrial na Amazônia. E a disputa por esses recursos já começou. Fico extremamente preocupada com a possibilidade de instalação de um empreendimento minerário desse porte na região do epicentro de impacto de Belo Monte, sem que tenha sido feito o estudo do componente indígena e sem a avaliação do Ibama. Vai haver ali uma sobreposição de impactos.




É bem séria e controversa, para dizer o mínimo, a instalação dessa grande mineradora canadense, Belo Sun. Qual é a situação hoje?
Santi – Esse projeto minerário prenuncia um ciclo de exploração dos recursos naturais da Amazônia em escala industrial, que se tornará viável com Belo Monte. É também o prenúncio de um grave risco. De que grandes empreendimentos venham sobrepor seus impactos aos da hidrelétrica, sem a devida e competente avaliação. Com isso, os impactos de Belo Monte acabam por se potencializar a uma dimensão extraordinária. E o pior, as ações mitigatórias indispensáveis ao atestado de viabilidade da hidrelétrica perigam perder a eficácia, caso não haja um cauteloso controle de sobreposição de impactos. Se a geração de energia por Belo Monte depende do desvio do curso do rio Xingu, e a viabilidade da hidrelétrica para os povos indígenas da região depende de um robusto monitoramento para que se garanta a reprodução da vida no local, como um projeto de alto impacto localizado no coração do trecho de vazão reduzida do rio Xingu pode obter atestado de viabilidade sem estudos de impacto sobre os povos indígenas?


E, se quem licencia Belo Monte é o Ibama, que é o órgão federal, e quem tem atribuição constitucional de proteger os povos indígenas é a União, como esse licenciamento poderia tramitar perante o órgão estadual? São essas questões que o Ministério Público Federal levou ao Poder Judiciário, sendo que hoje há uma sentença anulando a licença emitida, até que se concluam os estudos sobre os indígenas. Decisão que está suspensa até que seja julgado o recurso da Belo Sun pelo Tribunal Regional Federal em Brasília. Há também uma decisão recente impondo ao Ibama que participe de todos os atos desse licenciamento perante o órgão estadual. Mas, quando você me pergunta o que vai ser Belo Monte no futuro, acho que a grande questão de Belo Monte vai ser: para quem Belo Monte? Por que Belo Monte?



Há uma caixa preta em Belo Monte?
Hannah Arendt lia os estados totalitários. Ela lia o mundo do genocídio judeu. É possível ler Belo Monte da mesma maneira
Santi – As questões nebulosas de Belo Monte, o fato de a obra ser uma prioridade absoluta, são questões que a História vai contar, e eu espero que conte rápido.



Como é viver em Altamira, no meio de todos esses superlativos?
Santi – Na verdade, a realidade me encanta. Mesmo trágica. Entende? Por mais que a gente tenha vontade de chorar, ela é impressionante. Eu me surpreendo a cada dia com as coisas que acontecem aqui, seja pelo tamanho das áreas, já que estamos falando de milhões de hectares, de grilagem de terra de 200 mil hectares, de desmatamento de 1 mil hectares. Tudo é da ordem do inimaginável. Então eu acabo tendo muito essa posição de uma intérprete da realidade. Quando eu decidi ficar em Altamira, algumas pessoas falaram: “Nossa, parabéns pelo ato de desprendimento!”. Mas, para mim, ficar em Altamira é um privilégio. Conhecer as populações tradicionais é um privilégio. Poder receber um cacique, aqui, é um privilégio.




Então, a minha relação com Altamira é de que cada dia eu me curvo mais. Quando eu falo "eu me curvo mais" é no sentido de ficar mais humilde diante das pessoas daqui. Há um momento do dia em que o sol provoca uma espécie de aura dourada na Volta Grande do Xingu. Eu vou ao rio porque eu quero ver isso. E cada dia é diferente. Ele nunca está igual. Quando eu vejo o rio, eu só tenho a agradecer a possibilidade de ele existir. É como esses índios, como esses ribeirinhos. Obrigada por serem diferentes, por me mostrar um mundo diferente do que eu estava acostumada em Curitiba. Eu acho tão bonito o menino que toma banho no barril, aí a mãe penteia o cabelinho dele pro lado, coloca ele na garupa da bicicleta, e leva ele na bicicleta. Eu adoro ver...



Eu adoro observar. No meu dia a dia eu vivo esse encantamento pela região, sabendo que daqui pra lá a gente tem uma floresta que atravessa a fronteira do Brasil e que é maravilhosa. E que é o que, no futuro, vai ser a coisa mais valiosa. Como eu trabalho com a questão de Belo Monte, me vem no fundo esse sentimento de tristeza por conhecer a audácia do homem de mexer naquilo, de desviar esse rio.


Quando a encontrei numa reserva extrativista, dias atrás, a senhora brincou que sentia um pouco de inveja dos ribeirinhos. Como é isso?
Santi – É que eu acho que o trabalho deles é mais importante do que o meu. Eu realmente acho. Se você tem um olhar para o outro como se ele fosse um pobre, como se fosse um desprovido, a nossa atuação é muito limitada. Hoje eu tenho um olhar para eles de que eu tenho o direito de que eles continuem vivendo assim. Porque eles conhecem uma alternativa. Então, eu hoje sinto que é um direito nosso, do mundo de cá, e não só deles.


É essa a dimensão que eu te falo. Eu agora reescrevo e recompreendo o meu trabalho, porque ele ganha uma outra dimensão sob essa perspectiva. Ou seja: o Ministério Público protege as populações indígenas e tradicionais não só porque elas têm direitos, mas também porque é importante para o conjunto da sociedade que o modo de vida delas continue existindo. Elas têm o direito de se desenvolver a partir delas mesmas, e não segundo o que a gente acha que é bonito. E nós, nossos filhos, precisamos desse outro modo de vida, precisamos que vivam assim. Por isso, também, o processo de Belo Monte com relação aos indígenas é tão doloroso.




A senhora mencionou que seria importante que a sociedade fizesse um debate público sobre a interferência do Estado nos rios da Amazônia. Por que a senhora acha que a sociedade não está fazendo? Ou, dito de outro modo: por que as pessoas não se importam?
Santi – Essa é a pergunta mais difícil. Acho que a Amazônia não interessa só ao Brasil, interessa para o mundo todo. E esse impacto tem que ser discutido até a última possibilidade das fontes alternativas. O que eu quero dizer é: se a política do governo se sustenta numa legitimidade que depende da aceitação popular com relação à utilização dos rios da Amazônia como fonte geradora de energia, esse debate tem que ser feito. E hoje eu acredito que é um momento importante, porque o Brasil está vivendo a falta de água. E essa falta de água está sendo relacionada ao desmatamento da Amazônia. E o desmatamento da Amazônia aumentou, a gente sabe disso.


As pessoas vêm aqui relatar o que está saindo de caminhão com madeira. É um relato que já é público, e o Brasil tem hoje, talvez, o bem mais precioso do mundo, que é a Amazônia. É por isso que esse debate é importante, porque tem que ser dada à população o espaço mais livre possível de debate, de diálogo, sobre o que se pretende fazer com seu bem mais precioso. Com o risco, inclusive, de que seja tirado dela. Por isso que é realmente importante que se discuta isso. Acho que quando eu não vivia aqui, eu não tinha a dimensão. A gente sabe de longe, mas eu não tinha a dimensão do que estava acontecendo. É muito grande. Primeiro tira a madeira mais nobre, aí desmata, aí vem o gado. Inclusive a carne...



Eu não como carne há muitos anos. Eu já tinha uma opção por ser vegetariana. Mas, agora, depois que eu vejo o que precisa para criar um boi, e o quanto isso interfere na região amazônica, eu não tenho coragem de comer carne. Carne, para mim, vem com a imagem daquele tronco que está saindo daqui. Eu sofro por ver o tamanho das toras de madeira que saem daqui. Sofro. Dói ver. Eu sofro de deixar o meu lixo aqui. Porque eu sei que Altamira não tem reciclagem. Eu levo meu lixo embora, eu não deixo o meu lixo aqui.


Leva de avião?
Santi – Eu levo meu lixo para ser reciclado em Curitiba. Porque a gente vive na fronteira da Amazônia, numa região em que a questão do lixo é extremamente complicada, e realmente tem que ter coragem para jogar, eu não consigo. Uma vez eu li um livro que se chama "Os Cidadãos Servos", de Juan Ramón Capella. E eu lembro que esse livro falava o seguinte: que as pessoas apertam a descarga do banheiro e têm a sensação de que estão limpando a sua casa. E, quando você aperta a descarga, na verdade você está sujando o mundo.



Então, eu tenho essa sensação muito forte de que, quando eu coloco o meu saco de lixo na rua, em vez de fazer uma composteira, eu estou sujando o mundo, eu estou sujando a minha casa, porque a minha casa é o mundo. Acho que o debate em torno da Amazônia passa por isso. Por um debate em torno desse individualismo, da forma como as pessoas vivem centradas no consumismo, no que as pessoas buscam, que está desconectado do outro e está desconectado do mundo.



Para mim é muito claro que a minha casa não acaba na porta da minha casa, a minha responsabilidade pelo mundo não acaba na porta do meu universo individual. Não é razão, é um sentimento de que a casa das pessoas está aqui, também. Nesse contexto em que a gente vive, as pessoas têm uma preocupação com o eu, com a beleza, com a estética, com o consumo. Então é muito difícil ter um debate público em torno das questões ambientais. É uma marca de uma época, mesmo. E há outra questão que eu acho mais forte ainda, e que me assusta mais em Belo Monte. Daí eu vou te explicar com um pouquinho de calma... Não vai acabar nunca a entrevista!

Fica tranquila...

Santi – Eu acho o seguinte. Eu já falei que vejo Belo Monte como um etnocídio. Quando a Hannah Arendt estuda os regimes totalitários, ela faz uma descrição do nazismo, ela faz uma descrição da política de Hitler que é muito interessante. O Hitler afirmava que tinha descoberto uma lei natural, e que essa lei natural era uma lei da sobreposição de uma raça, de um povo sobre o outro. Os judeus seriam um obstáculo que naturalmente seria superado por essa lei natural.



Quando eu digo que os estudos de Belo Monte identificaram um processo de desestruturação dos povos indígenas da região, que já tinha começado com a Transamazônica, e que Belo Monte só acelera esse processo, me vem essa imagem de Hannah Arendt dizendo que Hitler apenas descobriu uma forma de acelerar o processo de uma lei natural que ele afirmava ter descoberto. E aqui, o que Belo Monte faz a esse processo de desestruturação iniciado com a Transamazônica é acelerá-lo a um ritmo insustentável para os indígenas. E talvez seja essa a justificativa para as suspensões das decisões judiciais, e de a Lei não se aplicar aqui.


O que me assusta é a forma como a sociedade naturaliza esse processo com uma visão de que é inevitável que os indígenas venham a ser assimilados pela sociedade circundante, pela sociedade hegemônica. E aceitar que Belo Monte vai gerar a perda de referências e conhecimentos tradicionais com relação à Amazônia, a perda de outras formas de ver o mundo que poderiam ser formas de salvação, mesmo, do futuro. Então, esse processo de etnocídio é naturalizado e, por ser naturalizado, não dói para as pessoas. Não dói o fato de os índios estarem morrendo. Numa sociedade de consumo, desde que não se perca o eu hegemônico de cada um, a morte cultural de um povo não dói. Então, o que eu sinto é isso: é extremamente assustador a forma como a sociedade aceita esse processo.



É por isso, afinal, porque a maioria da população brasileira não se importa com a morte cultural dos povos indígenas, e mesmo com a morte física, nem se importa com a morte da floresta, que Belo Monte é possível apesar de atropelar a Lei?
Santi – Em última instância, as decisões judiciais também têm o respaldo da sociedade. Se essas suspensões de segurança causassem uma reação muito forte, elas não teriam legitimidade. Por que o silêncio? Como a sociedade aceita a não garantia dos direitos dos povos indígenas? Aceita porque naturaliza esse processo, que é um processo totalitário. É um processo em que o eu único, o todo, prevalece sobre o diferente. E que você não é capaz de olhar o diferente com respeito, como algo que é diferente de você, do seu eu. Isso é uma realidade, mesmo, que a gente está vivendo, de dificuldade para os povos indígenas, para as populações tradicionais, para essas culturas diferentes se manterem. Mesmo que hoje exista uma série de garantias fundamentais, de ordem internacional, na Constituição Federal, é muito difícil. E é por isso que aqui, no Brasil, quem dá a palavra sobre isso é o Supremo Tribunal Federal. E o Supremo tem que fazer isso, pela leitura da Constituição. Então um dia isso vai ser julgado. Um dia o Plano Emergencial vai ser julgado pelo Supremo. Um dia a forma como os índios não foram ouvidos nesse processo vai ser julgada pelo Supremo.



Mas aí o fato já está consumado.
Santi – É, esse é o problema. É o fato que a cada dia se consuma.



A senhora se sente impotente diante de Belo Monte, desse fato que se consuma apesar de todo o esforço, de todas as ações, e sem o apoio da sociedade, que se omite?
Santi – Acho que o Ministério Público Federal não é impotente. Mas eu penso que hoje, sozinho, apenas pela via do poder judiciário, o Ministério Público Federal não consegue fazer com que a Lei se aplique aqui. Belo Monte é um desafio ao Estado de Direito. Acima de tudo, acredito que a história tem que ser contada. E o que o Ministério Público Federal vem fazendo aqui em Altamira é a história viva de Belo Monte. E aí, eu diria: o Ministério Público não silencia. Não sei o que a História vai dizer de Belo Monte. Mas, o que eu posso dizer é que o Ministério Público Federal não silenciou.




Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com  Email: