terça-feira, 25 de outubro de 2016
As mudanças climáticas de origem antrópica têm apresentado seus efeitos
em extremos climatológicos no Brasil, como a intensificação severas
tempestades e tornados no Sul, secas prolongadas no Sudeste e a mudança
do ciclo das chuvas na Amazônia, diminuição no número de rios perenes e
em seus volumes hídricos. Os riscos são imensos de um colapso ambiental.
O que era alarmismo para setores da sociedade e, inclusive no universo
científico, se revela uma triste realidade que vagarosamente se instala
em muito pela morosidade aflitiva das ações governamentais em mitigar a
situação já preestabelecida, com seus infindáveis acordos do clima e
quase nenhuma atividade prática e permanente.
As florestas foram surgindo dentro do cenário científico como biomas
complexos e fundamentais para a manutenção da vida planetária. O que foi
entendido durante séculos como algo a ser explorado e mesmo erradicado,
pois se tinha como nociva ao desenvolvimento econômico, as matas são
hoje compreendidas com a redenção planetária.
O conceito místico de “árvore da vida”, que precede a alegoria bíblica
com a visão de ‘paraíso’, é encontrado entre os babilônicos e egípcios
antigos entre outros povos. Ou seja, o simbolismo da árvore sempre
esteve ligado a algo sagrado e íntimo à vida, a existência de todas as
espécies.
Como ramos distintos de uma mesma árvore, a ciência comprova o
religioso. As primeiras plantas que surgiram no ambiente terrestre há
470 milhões de anos e passaram a mudar o clima terrestre ao sequestrar
dióxido de carbono da atmosfera e depositar uma quantidade imensa de
oxigênio na atmosfera.
O fóssil de árvore mais antigo já encontrado data de 385 milhões de
anos, de uma provável floresta tropical estabelecida na latitude da
Inglaterra. A espécie não tinha folhas, era basicamente o tronco e
galhos. Contudo absorvia dióxido de carbono e ajudava a esfriar o
planeta. Uma coisa é dada com certa pela ciência, entre 251 milhões e
199 milhões de anos atrás a Terra estava coberta de árvores e plantas
com flores.
Os primeiros vegetais terrestres são ancestrais do musgo moderno, que se
espalharam pelas encostas rochosas e úmidas. O alimento era extraído
dessas superfícies, como o cálcio, magnésio, fósforo e essas criaturas
geravam reações químicas.
Essa pesquisa feita pelas universidades de Exeter e Oxford, ambas
sediadas no Reino Unido, essas atividades químicas, em larga escala,
levaram ao surgimento da vida como existe hoje.
“Esse estudo demonstra o poder que as plantas têm no clima. Mas, apesar
de elas continuarem esfriando a Terra até hoje ao reduzir os níveis de
dióxido de carbono, elas não conseguem acompanhar a velocidade com que o
ser humano produz o CO2. Na verdade, seriam necessários milhões de anos
para que o CO2 que nós produzimos fosse processado pelas plantas”,
afirmou Tim Lenton, um dos autores da pesquisa ‘First plants cooled the
Ordovician’, publicada na revista Nature Geoscience em 2012.
Conflito homem versus natureza
O conflito entre homem e natureza foi se agravando ao longo dos milênios
até alcançar os dias atuais. Os extremos climáticos, um dos efeitos do
aquecimento global, criou uma nova realidade mundial que exige uma
resposta dos governos numa realidade incompatível com o cipoal
burocrático e de interesses diversos aos quais estão envolvidos.
Entretanto, a iniciativa privada se antecipou na aplicação de soluções
exibidas para o problema e hoje consegue dar exemplos a todo o planeta
de como o conceito de sustentabilidade, de preservação e conservação
podem acompanhar harmoniosamente o desenvolvimento econômico e
produtivo.
O cuidado com o meio ambiente natural atraí valores que acabam agregados
às empresas, marcas e produtos. Dentro de seus projetos de
sustentabilidade passaram a ações decisivas, como áreas preservadas
intocadas, restaurar outras degradadas na recomposição de biomas
nativos, criação de núcleos de estudos sobre a flora, fauna, atendimento
às populações nativas entre uma infinidade de outras atividades.
O empresariado teve a sensibilidade para compreender que o mundo clama
por atitudes neste sentido e o mercado reage positivamente quando essas
novas interferências restauradoras e de harmonização são apresentadas.
“No passado a gente deixou aos políticos e trabalhadores sociais a
solução dos problemas do mundo, e os negócios somente criavam empregos e
riqueza. Penso que agora muitos líderes de negócios tem se dado conta
de que todas as empresas devem tornar-se uma força para o bem”, como
salientou o fundador e CEO do Grupo Virgin, o megaempresário britânico
Richard Branson.
Metade das florestas destruídas
Desde o início do processo civilizatório humano se devastou algo em
torno de 46% de todas as árvores existentes. Os níveis de destruição não
desaceleraram mesmo com os alertas mundiais e as consequências das
mudanças no clima já sentidas. O desflorestamento e outras práticas
ilegais contribuem por ano para a perda de 15 bilhões de árvores. Só na
Amazônia brasileira são 3 milhões por dia.
O apelo de Branson parece ter surtido efeito. Atualmente, o melhor
exemplo vem do setor privado e das empresas engajadas no objetivo de
constituir um planeta melhor, onde a vida prospere sob alicerces
científicos e responsabilidade socioambiental.
O cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e uma das maiores autoridades
mundiais em ciências da terra, Antonio Donato Nobre, é dos que tem
alertado para a necessidade de se preparar para o novo modelo de clima
na região e sobre a necessidade urgente de ações mitigadoras.
“Existe uma vasta literatura sobre o assunto, os eventos extremos vão
aumentar de frequência e intensidade com as mudanças climáticas globais.
Temos pelo menos 20 anos de alertas dados. Não era mais fácil termos
cuidado do clima planetário, termos preservado nossas florestas, termos
replantado o que foi destruído?”, questionou Nobre.
Um remanescente que se traduz em esperança
A resposta ao questionamento do cientista está sendo dada pela
Votorantim. Ela tomava forma desde os anos 50, quando o empresário
Antonio Ermírio de Moraes, resolveu comprar cerca de 250 títulos de
propriedade na bacia do rio Juquiá, no Vale da Ribeira. Nesta época, a
economia do pós-guerra avançava sobre os recursos naturais com a mesma
voracidade que bombas e tanques variam cidades e país do mapa mundial.
Conservacionismo era a antítese da nova ordem global, voltada à
reconstrução e o estabelecimento de um novo ciclo industrial.
No entanto, ele construiu as sete hidrelétricas que necessitava dentro
da área para abastecer a Companhia Brasileira de Alumínio. E surpreendeu
ao deixar a floresta intocada em seus 310 quilômetros quadrados –
atualmente o maior segmento contínuo de Mata Atlântica existente.
Surgia então, localizada entre a Serra de Paranapiacaba e os Parques
Estaduais da Serra do Mar e do Jurupará, uma das mais ousadas ações
ambientais do Brasil e exemplo hoje a ser exportado para o mundo. Surgia
ali o que mais tarde seria denominado de reserva ambiental particular.
Estabelecida oficialmente em 2011, num acordo com o governo de São Paulo
a Reserva Votoratim-Legado das Águas será aberta para visitação pública
em 2017 e turismo científico, num leque imenso de possibilidades ainda
estudadas e projetadas. Entretanto, houve um caminho a ser percorrido
até se alcançar esse estágio.
Em 2012, teve inicio no local os primeiros estudos científicos e por
meio de uma parceria com o governo paulista houve a condições de
combinar a proteção ambiental e a utilização dos recursos naturais de
forma sustentável. Desta maneira serão possíveis ações de geração de
renda, trazendo desenvolvimento as comunidades e melhorias na qualidade
de vida dos habitantes da região, onde se encontram os três municípios
abrangidos pela reserva, Juquiá, Miracatu e Tapiraí. Todos eles possuem
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo da média nacional.
Interesse científico
O Legado das Águas corresponde atualmente a 1,5% de toda a Mata
Atlântica residual no território de São Paulo. Por ter sido preservada
por mais de meio século, sua biodiversidade guarda espécies raras e
endêmicas de animais, flores, árvores dentro da mata com um dos biomas
mais complexos e ricos do planeta.
O interesse científico por esse trecho da Mata Atlântica é hoje
proporcional à importância de sua preservação. A reserva Legado das
Águas tem um plano estratégico de gestão, no qual as pesquisas
científicas sobre flora possibilitaram a publicação do primeiro guia de
espécies de Mata Atlântica e o mapeamento genético de 50 espécies do
lugar.
A fauna é alvo de pesquisas como o mapeamento de carnívoros, além de
estudar exclusivamente o macaco muriqui, uma espécie endêmica da Mata
Atlântica e em risco de extinção. Desde o inicio em 2011 mais de 45
pesquisadores, contando turmas de graduação, mestrado e doutorado
produziram trabalhos junto à reserva. Alguns estudos mostraram que 75%
da área estão em excelente estado de conservação e os outros 25% se
encontram em regeneração.
A empresa Votorantim mantém uma infraestrutura para pesquisadores
interessados em conduzir projetos de conservação ambiental. Entre eles
se encontra a pesquisa sobre Conservação dos Carnívoros Neotropicais,
que contempla as onças-pintadas e pardas. Também são estudadas espécies
da flora nativa, que possibilitou a criação de um viveiro de mudas e
avanços em estudos sobre as orquídeas. Outro aspecto científico
importante é o mapeamento genético da biodiversidade local.
Além de ser o ambiente propício para a realização de estudos e pesquisas
permanentes sobre a fauna e a flora, essa reserva deve ter ainda
atividades nas áreas de educação ambiental, compensações florestais,
biotecnologia, turismo ecológico e científico.
A direção da reserva já colocou em prática os primeiros ensaios sobre o
potencial turístico da região, que busca estabelecer uma estreita
integração com as prefeituras dos municípios com territórios integrados
na área de reserva. Para essa proposta se concretizar, tem auxiliado na
aplicação de programas de melhoria da gestão pública e trabalhos com a
comunidade.
Em dezembro do ano passado foi revalidado o protocolo de intenções
assinado em 2012 com o governo de São Paulo. Entre as novidades está o
foco no viveiro de mudas, no qual serão multiplicadas espécies a partir
de matrizes selecionadas dentro da floresta da reserva.
Essa será a primeira experiência que envolverá as comunidades locais. E
um de seus objetivos é contribuir na eliminação da coleta clandestina de
espécies muito visadas comercialmente, como palmitos-juçara e
orquídeas.
Outra proposta no uso comercial da reserva com incrementos no meio
ambiente natural é o arrendamento de áreas para compensação ambiental,
atualmente prevista na nova composição do Código Florestal. A proposta é
oferecer 1 mil hectares da área da reserva para empresas com demandas
voltadas a compensação ambiental. Esse segmento ainda é insipiente no
país, mas tende a crescer e tornar-se um modelo para a conservação
florestal.
Aporte de recursos
Em 2015, a Reserva Votorantim – Legado das Águas recebeu investimentos
na ordem de R$ 7 milhões. No entanto, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou financiamento no
valor de R$ 43 milhões à Votorantim S.A. para projeto pioneiro de gestão
com sustentabilidade econômica e ambiental.
O investimento total do projeto é de R$ 52 milhões, o qual possibilitará
desenvolver pesquisas científicas sobre a flora e a fauna com
universidades, implementar o Plano de Manejo da Reserva, criar
infraestrutura para visitação, gerar emprego e renda para a comunidade
da região e instalar uma Estação de Tratamento de Esgotos e outra de
Tratamento de Água.
Uma das principais atividades do projeto será a restauração de áreas com
espécies nativas em 810 hectares, com técnicas de plantio total, de
enriquecimento da flora e sistemas agroflorestais. Para o fortalecimento
desta nova cadeia produtiva, voltada para restauração do ambiente
natural, parte dos investimentos será voltada aos viveiros de mudas.
No financiamento concedido à Votorantim S.A. serão utilizados recursos
ordinários do Banco e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC),
no âmbito do Programa Fundo Clima.
Na Reserva Votorantim – Legado das Águas foi constatado a presença de
animais como a jaguatirica, onça parda, anta-albina, lagarto teiú,
macacos muriquis do sul, diversas espécies de aves, todos considerados
raros e importantes para o equilíbrio ecológico local.
O projeto apoiado pelo BNDES i contribuirá tanto para a proteção da
biodiversidade e dos recursos hídricos, como na formação de um corredor
ecológico na Mata Atlântica entre parques estaduais e áreas de proteção
ambiental.
A direção da reserva espera que o projeto inove no segmento de gestão de
reservas ambientais, podendo ser adotado como modelo em outros biomas
existentes no território nacional. (#Envolverde)
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós-graduado em jornalismo
científico com especializações em Águas Atmosféricas, Geomagnetismo,
Astrofísica e tem mais de 30 anos de profissão.
Fonte: Envolverde