Estrada ameaça Parque Nacional do Iguaçu
PROJETO DE LEI TENTA REABRIR ESTRADA QUE ATRAVESSA O PATRIMÔNIO NATURAL E ÚLTIMA RESERVA DE MATA ATLÂNTICA NO SUL DO PAÍS. SE APROVADA, PROPOSTA TAMBÉM PODERIA COLOCAR EM RISCO OUTRAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO.
Uma disputa já decidida na Justiça há 35 anos corre o risco de sofrer uma reviravolta em Brasília. Um projeto de lei (PL984/2019) tenta reabrir a Estrada do Colono, fechada em 1986 pelos danos ambientais que causava ao atravessar o Parque Nacional do Iguaçu, a segunda unidade de conservação mais visitada do país e declarado Patrimônio Mundial Natural pela Unesco.
De autoria do deputado Nelsi Conguetto Maria (PSD-PR), mais conhecido como Vermelho, a proposta atual pede a criação de uma nova categoria de unidade de conservação, a Estrada-Parque. Dessa maneira, seria possível reativar a via, de 18 quilômetros de extensão, entre os municípios de Serranópolis do Iguaçu e Capanema, no Paraná.
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O episódio mais recente no longo histórico de tentativas de restabelecimento da Estrada do Colono, que inclui invasão do trecho por moradores e até ameaça de perda do título dado pela Unesco, gerou uma onda de protestos.
“O projeto de lei não impacta só o Iguaçu. Ele pretende permitir a abertura de estradas em todos os parques [nacionais], ou seja, coloca em risco todas as unidades de conservação do Brasil. Por isso é tão grave”, argumenta Angela Kuczach, bióloga e diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação há sete anos.
Estrada da discórdia
Criado oficialmente em 1939, o Parque Nacional do Iguaçu, onde ficam as famosas cataratas, é o último remanescente contínuo de Mata Atlântica no Sul do país. O bioma brasileiro é o mais ameaçado, especialmente no Paraná, onde restou pouco mais de 2% da área original dessa vegetação nativa, em unidades de conservação.
No mapa rodoviário do estado, os primeiros registros da Estrada do Colono são da década de 1950. Antes disso, o percurso era uma picada no meio da floresta, usada no passado por indígenas e, posteriormente, por migrantes na época da expansão rumo ao oeste.
Em 1986, uma primeira decisão judicial determinou o fechamento da via. Diversas iniciativas tentaram reabri-la, o que chegou a ocorrer depois da ocupação do trajeto por moradores locais e liminares obtidas na Justiça. O último episódio foi em 2003, quando as Polícias Federal e Militar atuaram na região para garantir a decisão judicial.
Desde então, o leito da antiga estrada sumiu com a recuperação da Mata Atlântica. Uma eventual reativação do percurso provocaria um desmatamento de pelo menos 50 campos de futebol. “Isso atingiria centenas de espécies da flora e da fauna, inclusive ameaçadas de extinção”, alerta uma nota técnica sobre o tema redigida pelo Ministério Público (MP).
“Já imaginou a imagem rodando o mundo do primeiro trator derrubando a primeira árvore do Parque Nacional do Iguaçu, que é um dos mais emblemáticos do Brasil e do mundo? [Seria] um absurdo, um escândalo, um estrago inestimável para a imagem da região”, comenta Kuczach.
Asfalto x parque
O deputado Vermelho é o terceiro a tentar a manobra legislativa. No início dos anos 2000, Irineu Colombo (PT-PR) iniciou a discussão que, mais tarde, virou um projeto assinado por Assis do Couto (PDT-PR). Nenhum dos dois últimos foi reeleito.
A justificativa atual de Vermelho na Câmara é que a proposta resolveria um problema de logística no estado e dinamizaria os municípios. Ele argumenta que as cidades sofrem com estagnação na economia e queda populacional devido à falta de conexão rodoviária com centros maiores.
Os dados sobre a economia das cidades, segundo nota técnica do MP, “não corroboram o discurso político em defesa da abertura da estrada”.
Serranópolis do Iguaçu, município com 4.500 habitantes, recebe ICMS Ecológico, que, aponta a nota, corresponde a mais de 20% da receita do município. O Plano Diretor, inclusive, não aponta para a reativação da via, mas destaca os aspectos positivos do parque, como turismo rural, vida pacata e belas paisagens.
Já Capanema, com 19 mil habitantes, registrou aumento da população acima da expectativa do seu Plano Diretor e já conta com uma rede de estradas que liga a cidade a outras regiões mais desenvolvidas, rebate a nota.
Por estar perto da tríplice fronteira, a via representa ainda ameaça à segurança pública nacional, pontua o documento do MP. No passado, o trajeto por dentro do parque era usado para transporte de mercadorias contrabandeadas, drogas e até armas.
Onças e Mata Atlântica
O Parque Nacional do Iguaçu, que recebeu 2 milhões de visitantes só em 2019, é como a última ilha verde cercada por grandes lavouras, principalmente soja. “Quando a estrada foi aberta, a gente ainda tinha um Oeste do Paraná cheio de floresta. Hoje, tudo o que sobrou foi o Iguaçu”, lembra Kuczach.
A conservação possibilitou o aumento da população de onças-pintadas, maior felino das Américas, em perigo de extinção. O último censo divulgado pelo projeto Onças do Iguaçu, em 2019, apontou um aumento de 27% no número desses animais nos dois anos anteriores.
Para Mario Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica, “há todas as justificativas do mundo para não reativar a estrada”. Além da história bem-sucedida de preservação do parque, os municípios do entorno têm a possibilidade de explorar o turismo ecológico, afirma Mantovani, que participou de debates sobre o assunto em audiências públicas locais.
As chances de aprovação do projeto de lei, por outro lado, são grandes, avalia. “Agora, com o atual governo, o meio ambiente passou a ser odiado. É uma escalada de violência contra qualquer que seja o patrimônio natural e coletivo”, afirma sobre o governo de Jair Bolsonaro.
Fonte: Deutsche Welle