Envolvida em
disputa de terras, família do procurador da Lava Jato responde também
por crimes ambientais na região de Nova Bandeirantes, em região
conhecida como “portal da Amazônia”; eles são acusados de fazer
loteamentos ilegais
Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho
Dois tios e uma tia do procurador da República
Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, foram
flagrados por desmatamento ilegal na Amazônia. Os três casos ocorreram
em Nova Bandeirantes, município em que membros do clã Dallagnol são
proprietários de vários latifúndios, entre eles os pais de Deltan: o
procurador de Justiça aposentado do Paraná Agenor Dallagnol e Vilse
Salete Matinazzo Dallagnol. Um dos flagrados por infração contra a flora
é Xavier Dallagnol, peça importante para se entender a
territorialização da família na região. Outro é Leonar Dallagnol,
conhecido como Tenente. Saiba mais sobre ele aqui: “Conhecido como Tenente, Leonar Dallagnol foi acusado de invadir terras ao lado de Pedro Doido”.
No noroeste do Mato Grosso, quase na fronteira com Amazonas, Nova
Bandeirantes está localizada no Portal da Amazônia, região da Amazônia
Legal, que marca a entrada para a floresta pelo estado. A área concentra
um dos principais focos do desmatamento do país nos últimos anos. Por
essa razão, foi incluída no chamado arco do desmatamento. O município,
emancipado de Alta Floresta no início dos anos 1990, começou a ser
formado a partir de 1982, em um processo de ocupação iniciado ainda
durante a ditadura militar. Foi o período em que os Dallagnol chegaram à
região.
Os negócios da família em Nova Bandeirantes são geridos
principalmente pelos irmãos Xavier Leonidas Dallagnol e Leonar
Dallagnol, o Tenente. Os dois irmãos, Xavier e Tenente, já foram
flagrados em desmatamento irregular. Em 2010, Tenente assinou um termo
de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual do Mato
Grosso por degradação do ambiente. Ele foi acusado de destruir a
vegetação da área de reserva legal da Fazenda Aruanã.
Xavier e a mulher, Maria das Graças, foram autuados pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
por desmatamento ilegal, ambos em 2017. Xavier foi multado pelo
desmatamento de uma região de 276,5 hectares. Maria das Graças Prestes
recebeu autuação pela devastação na Fazenda Iassã, na região de
Japuranã, também em Nova Bandeirantes. Essas duas multas ainda não foram
pagas, porque há recursos pendentes de julgamento.
XAVIER DALLAGNOL E ‘TENENTE’ SÃO ACUSADOS DE LOTEAR TERRAS ILEGALMENTE
Além de desmatar, os dois tios de Deltan – o procurador tem mais
quatro tios com latifúndios na região – são acusados de lotear terras
ilegalmente: Leonar, o Tenente, e Xavier Dallagnol foram alvos de um
inquérito em Nova Monte Verde, município próximo de Nova Bandeirantes.
Tenente confirmou ao Ministério Público, em 2016, que era o
proprietário do loteamento Estrela Dalva e que o irmão Xavier era o
responsável pelo loteamento Jupuranã, também no município. A empresa
Estrela Dalva Empreendimentos Imobiliários, criada naquele ano e
localizada na gleba Japuranã, epicentro dos latifúndios da família,
está, de fato, em nome de Leonar Dallagnol, conforme apurou o De Olho
nos Ruralistas. Ele é o único sócio.
A investigação do Ministério Público continua em andamento. Em outro
inquérito por loteamento ilegal, Xavier Dallagnol – defensor de acusados
por grilagem – foi beneficiado pela prescrição da pena, segundo o Portal da Transparência do MP-MT.
‘EXTRAÇÃO IRREGULAR DE MADEIRAS DE TODAS AS ESPÉCIES’
Xavier Dallagnol está envolvido em uma disputa judicial de terras com
a Madeireira Juara, em Nova Monte Verde. No ano passado, ao longo do
processo, Xavier e a esposa foram acusados de desrespeitar decisões
liminares e causar dano ambiental na área em disputa, com a “extração
irregular de madeiras de todas as espécies”.
Ele e a madeireira também são investigados por dano
ambiental em um inquérito proposto pelo Ministério Público do Mato
Grosso, a partir de representação da Associação Comunitária Rural
Matrinchã. A investigação está em andamento, segundo o portal da
transparência do MP-MT. No município, Xavier é investigado em outros
processos, inclusive inquéritos policiais, por dano ambiental.
Deltan Dallagnol não quis se manifestar sobre o assunto, segundo a
assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná. Xavier
Dallagnol foi procurado em seu escritório, mas não retornou as ligações
até o fechamento desta reportagem. Leonar não foi localizado.
Foto principal: documento do Ibama registra autuação de Xavier Dallagnol. (Fonte: Ibama)
De Olho nos
Ruralistas, Slow Food, O Joio o Trigo e Campanha Contra Agrotóxicos
debatem no dia 25, Dia Internacional da Agricultura Familiar, outras
formas de cultivo; observatório lança “De Olho na Fronteira”, sobre
latifundiários com terras no Mato Grosso do Sul e no Paraguai
O papel social, econômico e ambiental da agricultura camponesa será
tema do debate “Por outra agricultura: construindo alternativas ao
agronegócio”, quinta-feira, no Ateliê do Bixiga, em São Paulo. Na
ocasião, especialistas no assunto apresentarão opções ao modelo de
cultivo da terra propagado pelas grandes empresas com apoio da
indústria, da mídia hegemônica e do atual governo, com forte
representação na Câmara e no Senado por meio da bancada ruralista.
O encontro, promovido pelo De Olho nos Ruralistas em parceria com o
movimento Slow Food Brasil, O Joio e o Trigo e a Campanha Permanente
Contra os Agrotóxicos e pela Vida reunirá Ademar Ludwig, coordernador da
Rede Armazém do Campo, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST); Glenn Makuta, do Slow Food; Susana Prizendt, da Campanha
Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida; e João Peres, de O Joio e o
Trigo. O debate será mediado pela antropóloga Natalie Lima, da equipe
do De Olho nos Ruralistas.
Na pauta, discussões sobre o uso abusivo de agrotóxicos, os conflitos
provocados por latifundiários na disputa por terras com indígenas,
camponeses, quilombolas, as dívidas bilionárias do agronegócio com o
governo e o enfraquecimento da legislação ambiental pela bancada
ruralista.
Na mesma noite, o observatório apresentará ao público o mapa De Olho
na Fronteira, a ser distribuído para a plateia. A publicação mostra quem
são os grandes proprietários que enriqueceram com o modelo predatório
do agronegócio brasileiro na fronteira entre o Paraguai e o Mato Grosso
do Sul – região repleta de histórias de conflitos indígenas. São
histórias de latifundiários – e não de colonos – que possuem latifúndios
dos dois lados da fronteira. A maioria mora no Brasil.
O projeto para elaboração e impressão do mapa contou com o apoio da
Fundação Rosa Luxemburgo, com fundos do Ministério Federal para a
Cooperação Econômica e de Desenvolvimento da Alemanha. Ele foi elaborado
com base na série jornalística De Olho no Paraguai, um especial com 36
reportagens publicadas por este observatório. As histórias de
desmatamento e os conflitos com camponeses e indígenas se repetem dos
dois lados da fronteira, com os mesmos protagonistas.
No evento, os participantes terão oportunidade de degustar receitas
agroecológicas, um oferecimento da Campanha Permanente Contra os
Agrotóxicos e Pela Vida e concorrerão ao sorteio de dois livros:
“O
protegido – por que o país ignora as terras de FHC”, do jornalista Alceu
Luís Castilho, coordenador do De Olho nos Ruralistas; e “Roucos e
Sufocados”, de João Peres e Moriti Neto.
A entrada é franca, sem necessidade de inscrição.
Por outra agricultura: construindo alternativas ao agronegócio Data: dia 25 de julho, quinta-feira, às 19 horas Local: Ateliê do Bixiga (Rua Conselheiro Ramalho, 945, Bela Vista)
Presidente do órgão,
general João Carlos de Jesus Corrêa investiga indenizações, diante dos
“indícios de irregularidades” praticadas por servidores; família do
procurador cedeu mais de 36 mil hectares para a reforma agrária e
recebeu a maior bolada, R$ 37 milhões
Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho
O Conselho Diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) abriu em maio um procedimento para investigar
irregularidades na desapropriação dos imóveis que constituem a Fazenda
Japuranã, em Nova Bandeirantes (MT), em região de floresta na Amazônia
Legal. Entre os beneficiários da megadesapropriação estão pelo menos 14
parentes de Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato em
Curitiba. Entre eles o pai do procurador da República, o ex-procurador
Agenor Dallagnol. Somente a família de Deltan recebeu R$ 36,9 milhões em
dezembro de 2016, durante o governo Temer, diante da desapropriação de
pelo menos 37 mil hectares no município, no noroeste do Mato Grosso.
O presidente do conselho e do Incra, general João Carlos de Jesus Corrêa, definiu no dia 10 de maio,
em uma resolução, o bloqueio dos bens depositados e apontou “indícios
de irregularidades nos atos praticados por servidores públicos”. A
decisão envolve uma área exata de 36.792 hectares, declarados de
interesse social para fins de reforma agrária, ainda em 2013, e uma
indenização total de R$ 41 milhões. A reportagem identificou que a maior
parte desse valor foi destinada à família Dallagnol. Em uma das ações,
capitaneada por uma tia do procurador, aparecem os 14 membros da família
e outros fazendeiros da região interessados no desmembramento de suas
terras.
De Olho nos Ruralistas pesquisa desde outubro a teia que envolve os
latifúndios dos Dallagnol no Mato Grosso. Em uma série de dez
reportagens, o observatório conta como boa parte da família do
procurador se moveu para Nova Bandeirantes, em meio a um processo de
colonização estimulado pela ditadura de 1964. Confira aqui o índice dos
textos: “Desmatamento, disputa por terras, desapropriação ilegal: o que está por trás dos latifúndios dos Dallagnol na Amazônia?“. Alguns ainda irão ao ar.
Um estudo da Unicamp mostra que o clã chegou a ter 400 mil hectares
somente naquele município, ocupado nos anos 80. Outras reportagens
informam como esse processo está relacionado ao desmatamento, entre
outras irregularidades protagonizadas ou defendidas pelo clã – uma
família recheada de advogados e procuradores. Um resumo inicial foi
publicado pelo observatório em edição da revista CartaCapital.
PRESIDENTE DO INCRA QUER BLOQUEAR GASTOS COM AS TERRAS
O Incra não atendeu aos pedidos de entrevista. Mas a resolução em
maio se refere à identificação de irregularidades nas ações de
desapropriação celebradas na sede do próprio órgão. Entre as 14 ações,
quatro motivaram depósitos. Segundo o general, de acordo com as
manifestações técnicas e pronunciamentos jurídicos foi feito um parecer
em 2018, ainda durante o governo Temer, portanto, que orientou “pela
reanálise dos atos administrativos praticados posteriormente ao
ajuizamento das ações de desapropriação”. E pela suspensão das ações,
“até que seja realizado o levantamento ocupacional do imóvel e sua
interferência no valor de mercado”.
O presidente do Incra determinou ainda “tornar insubsistentes todos
os atos administrativos realizados após o ajuizamento das ações de
desapropriação” relativas aos imóveis da gleba Japuranã.
E solicitar à
Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra o peticionamento, em
juízo, “pela suspensão de todas as ações de desapropriação dos imóveis
Japuranã”, “e o bloqueio do quanto depositado, até que o Incra conclua
os levantamentos necessários para fins de apuração do justo preço de
cada imóvel”. O documento solicita ainda à Corregedoria Geral do Incra
que “instaure os procedimentos cabíveis, considerando a existência de
indícios de irregularidades nos atos praticados por servidores
públicos”.
Jesus Corrêa é um general de brigada e foi nomeado para presidir o Incra em fevereiro deste ano, pelo presidente Jair Bolsonaro. Confira o documento, com os destaques feitos pelo observatório:
FAMÍLIA RECEBEU PELO MENOS R$ 37 MILHÕES POR DESAPROPRIAÇÕES
Figuram na lista dos beneficiados pelas desapropriações os avós
paternos de Deltan Dallagnol, Sabino e Mathilde Rovani Dallagnol, e os
pais dele, o procurador de Justiça aposentado do Paraná Agenor Dallagnol
e Vilse Salete Matinazzo Dallagnol, além de irmãos de Agenor (tios de
Deltan) e seus sobrinhos (primos de Deltan). A ligação exata do
procurador com seus parentes no Mato Grosso foi confirmada com o auxílio
do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP), da Universidade Federal do
Paraná. Confira a lista dos beneficiados:
Agenor Dallagnol -> Pai de Deltan. Mora em Curitiba. Recebeu R$ 8,8 milhões.
Xavier Dallagnol -> Tio de Deltan, irmão de Agenor. É
quem cuida da parte jurídica da face agropecuária da família. Mora e tem
escritório em Cuiabá.
Leonar Dallagnol -> Tio de Deltan, irmão de Agenor.
Conhecido na Gleba Japuranã como Tenente. É ele quem controla as terras
da família na região.
Maria das Graças Prestes -> Mulher de Xavier, tia de
Deltan. É o nome que encabeça a ação principal, com 25 interessados nas
desapropriações. Recebeu R$ 1,6 milhão por uma desapropriação.
Ninagin Prestes Dallagnol -> Filha de Xavier e Maria das
Graças, prima de Deltan. É a recordista em valor de desapropriação, com
R$ 17 milhões. Advogada, trabalha no escritório do pai em Cuiabá.
Belchior Prestes Dallagnol -> Irmão de Ninagin. Recebeu R$ 9,5 milhões pela desapropriação.
Agenor Dallagnol, portanto, recebeu cerca de 1/4 do total das
indenizações relativas às desapropriações na área. Aqueles R$ 8,8
milhões foram pagos, em dezembro de 2016, no primeiro ano do governo
Michel Temer. No mesmo dia, foram liberados, segundo o Portal da
Transparência, ao menos R$ 36,9 milhões de indenizações do Incra para
integrantes da família do procurador. Cerca de 3/4 do total, quase R$ 27
milhões, foram para Ninagin e Belchior, filhos de Xavier Leonidas
Dallagnol – o líder de fato das desapropriações.
Dos 25 citados na principal ação de desapropriação da área, ao menos
14 fazem parte da família Dallagnol. Pelo menos um deles, o patriarca
Sabino Dallagnol, já faleceu. Alguns ainda não tiveram as indenizações
liberadas – pelo menos até onde a reportagem conseguiu alcançar. Outro
nome listado na principal ação, Maria Osmarina Campestrini, é amiga da
família.
Essa “lista dos 25” tem ainda uma espécie de “núcleo Fabris”,
referente à família de Euclides Fabris, um fazendeiro radicado no Mato
Grosso do Sul. E, assim como Sabino, já falecido. Oito entre os 25 na
ação principal pertencem a esse clã, que estende sua sede territorial
até o Paraguai. De Olho nos Ruralistas contará ao longo da semana a
história desses personagens secundários – mas tão interessados nas
indenizações em Nova Bandeirantes quanto os parentes de Deltan
Dallagnol.
Segundo a resolução, o Incra ajuizou 14 ações de desapropriação, mas “com o depósito inicial em somente quatro ações”.
DISPUTA JUDICIAL OCORRE DESDE 1996
O processo de desapropriação da gleba Japuranã, em Nova Bandeirantes
(MT), tramita sem solução desde 1996. De um lado, 425 famílias lutam
pelo reconhecimento formal de seu direito de permanecer na terra onde
trabalham e produzem há mais de vinte anos, em uma área de 66,9 mil
hectares – equivalente ao tamanho de Bahrein, país do Oriente Médio, e
maior que Singapura, na Ásia. De outro, um grupo de antigos
proprietários, boa parte deles ligada ao clã Dallagnol, disputa com o
Incra qual o valor a ser pago.
O confronto fica mais complexo a cada dia. Atualmente, é difícil
saber com clareza quem são os responsáveis por melhorias que aumentariam
o valor da indenização a ser paga aos antigos donos. Isso sem contar a
própria valorização que os proprietários têm em outras terras na região
por conta do loteamento da área.
Agenor Dallagnol, sua mulher Vilse Salete e irmãos dele – como
Veneranda (junto com o marido, Aglacir Sperança, dono de um escritório
de contabilidade em Cuiabá), Leonar, Eduardo Carlos, Eliseu Eduardo e
Xavier Leônidas – são sócios de terras na gleba. É um universo de
latifundiários e de formados em Direito. A começar por Xavier, o
advogado dos interesses da família na região, inclusive de Agenor.
Eliseu, também advogado, aparece apenas como parte nos processos.
Iolanda Dallagnol Caovilla, moradora de Renascença (PR), cidade próxima a
Pato Branco, onde nasceu Deltan, também é uma das partes. A única das
irmãs identificadas de Agenor que não consta no processo é Derci
Dallagnol Bassani, também moradora de Renascença.
Eduardo Carlos Dallagnol, conhecido como Zuki, foi citado pelo sobrinho Deltan em conversas no Telegram publicadas pelo The Intercept Brasil
e pela Folha de S. Paulo no dia 14, sobre a tentativa do procurador de
montar uma empresa junto com Roberson Pozzobom, seu colega no Ministério
Público Federal em Curitiba, em nome das esposas, para ganhar dinheiro
com a repercussão da operação Lava Jato.
Eles conversaram, segundo o Intercept, no fim de 2018. “Vamos
organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de
aproveitar no networking e visibilidade”, escreveu Deltan Dallagnol. O
tio Zuki é dono da Polyndia, empresa organizadora de eventos de
Curitiba. “Eles [Polyndia] podem oferecer comissão pra aluno da comissão
de formatura pelo número de vendas de ingressos que ele fizer”, afirmou
o procurador. “Isso alavancaria o negócio. E nós faríamos contatos com
os palestrantes pra convidar. Eles cuidariam de preparação e promoção,
nós do conteúdo pedagógico e dividiríamos os lucros”.
Tia de Deltan, Adriana Vaz Dallagnol, também é sócia da Polyndia. E
igualmente interessada nas desapropriações na Amazônia. Dos eventos à
floresta.
No norte do Mato Grosso, Nova Bandeirantes está localizada no Portal
da Amazônia, região da Amazônia Legal, a 2,5 mil quilômetros da cidade
natal de Deltan e de Curitiba, onde ele trabalha atualmente. É um dos
principais focos do desmatamento do país nos últimos anos.
O município,
emancipado de Alta Floresta no início dos anos 1990, começou a ser
formado a partir de 1982, em um processo de ocupação comandado pela
empresa Coban, do empresário Daniel Meneghel, ainda durante a ditadura
militar. Daniel e o irmão Serafim são empresários no Paraná. Em
setembro, durante a campanha eleitoral, o general Hamilton Mourão,
atual vice-presidente da República, viajou de carona em um avião dos
empresários, ligados também à União Democrática Ruralista (UDR), com o
atual secretário de política agrária, Nabhan Garcia e o ex-governador do
Paraná Beto Richa (PSDB).
Foto principal: Deltan Dallagnol,
paladino da luta contra a corrupção; desmatamento em Nova Bandeirantes.
(Agência Brasil/Greenpeace)
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observatório jornalístico sobre o agronegócio: seu poder político e
econômico, seus impactos sociais e ambientais. Conheça histórias de luta
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Em. maio, o ministro condenado do meio ambiente, Ricardo Salles, anunciou que iria rever todas as 334 Unidades de Conservação existentes no país porque
“parte delas foi criada sem nenhum tipo de critério técnico”. Na época,
ele acionou seu ministério para que analisasse as áreas protegidas (ainda) administradas pelo ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade. Sua intenção era explorar cada centímetro de área natural com a parceria da iniciativa privada. Falou em turismo e extrativismo, mas agora vem à tona o verdadeiro propósito do governo.
O jornal O Estado de São Paulo teve acesso a documento encaminhado pelo ministério da Infraestrutura ao ICMBio – aquele no qual especialistas foram substituídos por militares -, com levantamento detalhado de cada Unidade de Conservação (UC) administrada pelo órgão, indicando as que estão “em conflito”(tradução do ministério do meio ambiente: “interferindo nas obras”) com as vias de transporte do país, o que exige sua redução.
A intenção de Bolsonaro era fazer tais alterações por decreto presidencial –
como fez com o uso de armas e a extinção dos conselhos participativos,
sem sucesso -, mas foi informado de que, neste caso, é necessário criar
um projeto de lei.
Por isso, o ministério de infraestrutura – com o apoio do ministério do Meio Ambiente – está trabalhando arduamente para apresentar, em breve, projeto de lei que possibilite reduzir UCs, que representam 9,1% do território brasileiro e e 24,4% da costa marinha, mas que estão “atrapalhando” o projeto desenvolvimentista do governo Bolsonaro.
O objetivo é eliminar “interferências” nas estruturas existentes e
também dar “segurança jurídica” para a construção de ferrovias, portos,
aeroportos e estradas federais, sejam obras públicas ou concedidas à
iniciativa privada. Tudo para facilitar a atuação do setor produtivo,
custe o que custar, mesmo que seja a conservação do meio ambiente
Veja só uma parte do diagnóstico: existem 54 unidades de conservação
interceptadas por rodovias e ferrovias e 37 rodovias e ferrovias que
margeiam áreas protegidas. Também terão que ser revistas cerca de 7
áreas que revelam conflito com 8 aeroportos de pequeno porte, além de 8
sobreposições de portos públicos e privados.
“A regularização dessa situação é necessária tanto
para segurança jurídica da infraestrutura quanto para garantir a efetiva
preservação ambiental”, declara o ministério da infraestrutura no
documento. “Para tanto, entendemos que é preciso que haja a desafetação
ou a redução dos limites dessas unidades”, complementa o texto da pasta,
lembrando que tais mudanças só podem ocorrer por meio de lei
específica. A questão é que, para “corrigir” tais “conflitos”, será
preciso recortar as áreas, certamente criando fragmentos de florestas,
o que impede que o equilíbrio ecológico seja mantido. Isso significa
que os ambientes onde essas reduções forem implementadas, podem se
tornar florestas zumbi já que será impossível mantê-los em harmonia. Leia estes dois textos para entender melhor esse fenômeno: Degradação cria “floresta zumbi”na Amazônia e O apocalipse zumbi da Mata Atlântica já começou.
Assim sendo, o projeto de lei que será enviado para votação no Congresso Nacional deve condenar mais de 60 áreas protegidas,
entre parques e florestas nacionais, reservas, refúgios de vida
silvestre, estações ecológicas, monumentos naturais, RPPNs etc. Eis
algumas já identificadas:
Monumento Natural e Área de Relevante Interesse Ecológico
Monumento Natural do Rio São Francisco
Área de Relevante Interesse Ecológico Capetinga-Taquara.
No caso das Unidades de Proteção Integral (veja
isto!!!), não foram identificados seus nomes, mas, como já comentei
acima, estão condenadas as que se encontram margeadas ou interceptadas
por rodovias federais e ferrovias, exceto APAs.
Como se pode perceber, a colaboração entre os ministérios flui em
perfeita harmonia. Tudo para garantir a tranquilidade do setor
produtivo, custe o que custar. Fotos: Fernanda Ligabue / Greenpeace
Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre
moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou
durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no
site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito
anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora,
considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema.
Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015,
participou da conferência TEDxSãoPaulo.
(#Envolverde)
O
desmatamento não está limitado à Amazônia. Entre outubro do ano passado
e o último março, foram registrados mais de 4.500 alertas de perda de
vegetação nativa em todo o país, dos quais quase 1.500 na Amazônia. Os
demais alertas vêm de todos os biomas e aconteceram em todos os 26
estados e em 22% dos mais de 5.570 municípios. O total da área atingida
foi de quase 1.000 km2.
Praticamente todos esses alarmes aconteceram em áreas onde o
desmatamento é proibido ou sem a devida autorização. Metade aconteceu em
áreas da União: Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Quilombolas
e em áreas devolutas. Apenas 5% dos alarmes apontaram para áreas de
propriedade privada que tinham a autorização para desmatar.
Os alarmes foram emitidos pela plataforma MapBiomas Alerta, lançada na 6a feira passada.
O sistema analisa imagens de quatro fontes para emitir os alertas. São três cobrindo a Amazônia:
– DETER/INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais);
– SIPAMSar/Censipam, onde SAR
(Radar de abertura sintética) equipa satélites que “enxergam” através
das nuvens que cobrem a Amazônia durante a metade chuvosa do ano; e
O sistema reconhece quando há uma mudança na vegetação e identifica o
polígono onde, antes, havia vegetação nativa. Cruza-se as coordenadas
do polígono com o Cadastro Ambiental Rural para saber se são terras da
União ou propriedades privadas. E, neste último caso, se ocorreu em área
de Reserva Legal ou de Proteção Permanente. Se configurado, o sistema,
então, emite um alarme identificando o local exato e o proprietário da
área. Quando for configurada uma operação ilegal, o sistema emite um
laudo para ser usado pelas equipes de fiscalização.
Além das matérias na Folha e n’O Globo que indicamos na semana passada, vale dar uma lida na matéria de Dani Chiaretti, publicada no Valor da última 6ª feira.