[
EcoDebate]
NODARI et. al. (2010) registram que já em 1989, pelo menos 15 anos
antes da liberação no meio ambiente da primeira planta transgênica, o
tomate Flavr Svr segundo TIEDJE et al. (1989), se anteciparam os
principais riscos ambientais.
A criação de novas pragas e plantas daninhas, um aumento das pragas
já existentes por meio da recombinação gênica entre a planta transgênica
e outras espécies filogeneticamente relacionadas e a produção de
substâncias que são ou poderiam ser tóxicas a organismos não-alvos, são
efeitos que ocorrem.
O efeito disruptivo em comunidades bióticas e o desperdício de
valiosos recursos genéticos, seguido de contaminação de espécies nativas
com características originadas de parentes distantes ou de espécies não
relacionadas também ocorrem.
E efeitos adversos em processos dos ecossistemas e origem de
substâncias secundárias tóxicas após a degradação incompleta de químicos
perigosos, além do efeito adverso nos processos ecológicos e
extravagância de recursos biológicos valorosos, também se registram,
conforme assinalam NODARI et. al. (2010).
Praticamente todos os efeitos adversos previstos ocorreram com os
organismos geneticamente modificados (OGMs) liberados. Portanto, não é
correto dizer que os mesmos são imprevistos, pois os efeitos adversos ou
os danos foram alertados por parte da própria comunidade científica.
Uma das consequências mais dramáticas e mais preocupantes de cultivo
de variedades transgênicas é a contaminação genética de variedades
crioulas ou populações silvestres de uma espécie cultivada, em centro de
origem ou de diversidade genética, com os transgenes (TIEDJE et al.,
1989 e NODARI e GUERRA, 2004).
A contaminação genética tem muitas consequências. Primeiro, a
contaminação de variedades convencionais tem consequências
socioeconômicas. É ilustrativo o caso do milho transgênico StarLink, um
tipo que produz uma toxina de Bt a partir do gene Cry9C, aprovado pela
agência americana “Environmental Protection Agency (EPA)” para
alimentação animal mas não para consumo humano.
Este milho contém uma proteína (Cry9C) que pode causar reações
alérgicas em humanos, uma vez que ela não seja quebrada imediatamente
nos testes de digestão. Como nos Estados Unidos a rotulagem não é
utilizada, em apenas dois anos de cultivo causou uma enorme contaminação
em outras variedades e na cadeia alimentar.
Detectado em produtos alimentares para humanos nos Estados Unidos; em
alimentos e bebidas em outros países e em lotes de sementes de outras
variedades (THE ROYAL SOCIETY OF CANADA, 2001).
A contaminação nas áreas de cultivo em apenas dois anos alcançou
aproximadamente 9% das amostras coletadas num raio de 9 km das áreas
cultivadas com a variedade Starlink pela Secretaria de Agricultura dos
Estados Unidos (10.688 de 118.622 amostras). Neste relatório da Academia
de Ciências do Canadá consta ainda que a toxina Cry9C é suspeita de
causar alergia em pessoas.
No Brasil são comuns as contaminações por transgenes de variedades convencionais ou produzidas organicamente.
NODARI et. al. (2010) relatam que dedicado ao cultivo de produtos
orgânicos, sem agrotóxicos e com sementes naturais, por mais de 30 anos,
o agricultor Max Enro Dockhorn, de 73 anos, desistiu, no ano passado,
da lavoura de soja que mantinha em uma área de 70 ha no município gaúcho
de Três Passos.
Dockhorn disse também à revista Carta Capital (2007) “Na safra de
2005 para 2006 perdi metade da minha produção orgânica. No momento de
vender, testes identificaram proteína transgênica na minha soja, bastou
que, ao redor de minha propriedade, outros produtores usassem sementes
transgênicas para haver a contaminação”. Além da perda de valor, que
superava os 10 reais por saca, ele teve de pagar royalties por ter sido
acusado de usar sementes transgênicas.
Por ocasião da liberação comercial da soja transgênica pelo governo
brasileiro era admitido que, por ser uma espécie autógama, a taxa de
fecundação cruzara era mínima e, até, desprezível.
No entanto, estudos científicos realizados após esta decisão da
CTNBio em 2008, demonstraram que plantas de sojas distantes até 7 m
podem se cruzar (ABUD et al., 2003 e SCHUSTER et al., 2007).
Além disso, na época, a CTNBio também desprezou o fato de que o fluxo
gênico, ou seja, a dispersão de transgenes, também se dá por mistura de
sementes, especialmente pelo uso coletivo ou contratação de máquinas
para plantio ou colheita de terceiros, prática muito comum na realidade
dos pequenos agricultores brasileiros e da impossibilidade de segregação
no sistema de transporte, secagem e armazenagem hoje disponíveis.
Estes dados aliados a tantos outros indicam que a transgenia é uma
tecnologia totalitária, e falível, ao contrário do que argumentam seus
defensores, pois suas variedades não coexistem com aquelas cultivadas em
outros sistemas de cultivo, como o convencional, o orgânico e o
agro-ecológico, sem causar efeitos adversos ou negativos,
particularmente a quem não quer utilizar transgênicos.
Mas, a contaminação de variedades crioulas por transgenes causa mais
impactos que em variedades convencionais. Variedades crioulas são
cultivadas especialmente para alimentação humana, cujos produtos são
típicos da cultura das comunidades que os produzem. Atualmente estas
variedades estão sendo contaminadas principalmente com toxinas de Bt.
Também o reservatório genético, que é uma fonte de variabilidade
genética, é prejudicado de diferentes formas pela contaminação genética
(ELLSTRAND, 2003).
Para os agricultores, as consequências da contaminação genética são a
diminuição da diversidade genética em cultivo, em razão do pequeno
número de variedades transgênicas disponíveis, a redução da fonte de
novos alelos ou combinações alélicas tanto para a seleção praticada
pelos agricultores em suas propriedades como para os programas de
melhoramento genético e o prejuízo aos efeitos da seleção natural em
favor da adaptação aos ambientes locais (ELLSTRAND, 2003).
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Dr. Roberto Naime,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental.
Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade
Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na
Amazon.
Nota da Redação: Leiam, também, os artigos anteriores desta série
Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 1/6
Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 2/6
Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 3/6
Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 4/6
Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 5/6
in
EcoDebate, 02/09/2016