Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo é de autoria do PROFESSOR
UNIVERSITÁRIO (com maiúsculas) Igor Pantuzza Wildmann, Advogado – Doutor em Direito, que agora, no momento
em que o governo emplaca o slogan de “Pátria Educadora” (que não passa de um slogan – nada mais que um slogan - elaborado pelos seus marqueteiros de
plantão) eu quero ter a honra e a primazia de difundir aos Kamaradas.
“Mon devoir est de parler, je ne veux
pas être complice”. Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (Émile Zola)
Foi uma tragédia fartamente anunciada.
Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo
Horizonte, um estudante processa a Escola e o professor que lhe deu notas
baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a
prova subseqüente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!).
A coisa não fica apenas por aí. Pelo
Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora foi
brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia
ser outro.
O professor Kássio Vinícius Castro
Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas,
com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem
tomando conta dos ambientes escolares.
Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa
escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem
viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de
convivência supostamente democrática.
No início, foi o maio de 68, em Paris:
gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não
bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não
reprove, que atrapalha”. Não dê provas
difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu
conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando
bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...
E como a estupidez humana não tem
limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo
paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em
vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso
que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”
Claro que a intelectualidade rasa de
pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a
mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é
anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno –
cliente...
Estamos criando gerações em que uma
parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados,
despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de
lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o
mundo lhes deve algo”.
Um desses jovens, revoltado com suas
notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração
de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter,
sentir, amar.
Ao assassino, corretamente , deverão
ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento
humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior
do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido
processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo
Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do
promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola,
EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:
EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que
pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;
EU ACUSO os pseudo-intelectuais de
panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos” e justificam a violência por parte daqueles que se
sentem vítimas;
EU ACUSO os burocratas da educação e
suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas
graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres
para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
EU ACUSO a hipocrisia de exigir
professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão
pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar
a avaliação ao perfil dos alunos”;
EU ACUSO os últimos tantos Ministros
da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados,
permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições,
freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;
EU ACUSO a mercantilização cretina do
ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de
responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras
missões na sociedade;
EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita
do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado,
o qual finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje
vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;
EU ACUSO a hipocrisia das escolas que
jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para
maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo
grau completo cresceu “tantos por cento”;
EU ACUSO os que aplaudem tais escolas
e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o
aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e
moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá
direito” de se tornar
médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus
futuros clientes-cobaia;
EU ACUSO os que agora falam em
promover um “novoparadigma”, uma “ nova
cultura de paz”, pois o que se deve
promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade
e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do
conhecimento;
EU ACUSO os “cabeça
– boa” que acham e ensinam que disciplina é
“careta”, que respeito às normas é coisa de
velho decrépito;
EU ACUSO os métodos de avaliação de
professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são
comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;
EU ACUSO os alunos que protestam
contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como
ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar
a devida punição;
EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e
coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou
pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;
EU ACUSO os diretores e coordenadores
que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e
funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente
responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;
Uma multidão de filhos tiranos que se
tornam alunos-clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente
infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício
da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do
dia a dia.
Ensimesmados em seus delírios de
perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na
delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível
que podemos chamar de “o outro”.
A infantilização eterna cria a
seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de
adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro,
a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo,
mato, a culpa é do sistema. Eu sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O
opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas
coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança,
eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode
ser o próximo.”
Qualquer um de nós pode ser o próximo,
por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada
ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja
em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos
e invencionices.
A melhor “nova
cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e
universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade,
responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.
Carlos I. S. Azambuja
é Historiador.