Escrito por Roger Scruton
| 20 Janeiro 2011
Artigos -
Movimento Revolucionário
Estão nos
pedindo que façamos vista grossa a tudo que sabemos sobre a fragilidade
das parcerias homossexuais, sobre as necessidades psicológicas das
crianças e sobre as regras que ainda prevalecem em nossas escolas e
comunidades, em função de uma fantasia ideológica.
As
sociedades ocidentais passaram, em décadas recentes, por uma mudança
radical em sua postura a respeito da homossexualidade. O que já foi
considerado um vício intolerável agora é considerado uma "orientação",
que não difere em espécie (embora diferente em direção) das inclinações
que levam os homens a se unirem com as mulheres e as crianças a
nascerem.
Esta mudança radical começou com a descriminalização da
conduta homossexual e com uma crescente prontidão não só em tolerar a
homossexualidade em privado, mas a falar sobre ela em público. Nós vimos
o surgimento do "homossexual público", o propagandista espalhafatoso
daquele "outro" modo de vida e que, como Quentin Crisp , tentava nos
persuadir de que
"gay" [alegre] era a descrição certa.
A partir daí seguiram-se o movimento por "orgulho gay"
e as personalidades públicas que "saíam do armário" - ao ponto que não é
mais tão interessante assim saber se alguém é de outra opinião.
A
maioria das pessoas neste país adaptaram-se às mudanças. Elas podem não
se sentir bem com suas expressões mais explícitas, mas estão preparadas
para tolerar o modo de vida homossexual, desde que mantido dentro dos
limites da decência e não viole as regras fundamentais.
Entretanto, esta
atitude não satisfaz aos ativistas. Pois tolerar é desaprovar. Só
quando uma conduta ofende a alguém é que a pessoa precisa exercitar sua
tolerância e os ativistas querem que as pessoas tratem a
homossexualidade como normal.
Por meio das idéias escorregadias de
discriminação e direitos humanos, eles usaram a lei para promover sua
agenda. A homossexualidade agora é tratada pela lei como uma tendência
comparável em quase todos os aspectos à heterossexualidade, de modo que
qualquer tentativa de diferenciar as pessoas por motivo de sua
"orientação" - seja como candidatos a um emprego ou como beneficiários
de direitos - é considerada uma "discriminação" injusta, comparável em
sua abominação moral à discriminação por motivo de raça ou sexo.
De
forma geral, viemos a aceitar que leis contra discriminação podem ser
necessárias, a fim de proteger os que sofreram no passado com
preconceitos hostis. No entanto, volta e meia nós nos damos conta do
fato de que, embora a homossexualidade tenha sido normalizada, ela não é
normal.
Nossa aceitação do estilo de vida homossexual, de casais de
mesmo sexo e do cenário gay não eliminaram nossa sensação de
que estas são alternativas a alguma coisa e que é a outra coisa que é
normal. Esta outra coisa não é o desejo heterossexual, concebido como
uma "orientação".
É a união heterossexual: a junção de um homem e uma
mulher em um ato que leva, no curso natural das coisas, não só a um
compromisso mútuo, mas ao nascimento de crianças, à criação de uma
família e aos hábitos de auto-sacrifício dos quais, independente do que
se pense e diga, o futuro da sociedade depende. A propaganda que tenta
reescrever a heterossexualidade como uma "orientação" na verdade é uma
tentativa de nos persuadir a fazermos vista grossa à real verdade sobre a
união sexual, e que, em sua forma normal, ela é o modo pela qual uma
geração dá lugar à próxima.
Esta verdade é reconhecida por todas
as grandes religiões e é endossada pela perspectiva cristã a respeito do
casamento como uma união criada por Deus.
Isto explica em grande parte a
relutância de todas as pessoas religiosas em endossarem o casamento
gay,que
elas vêem como uma tentativa de reescrever em termos meramente humanos o
contrato eterno com a sociedade. Para colocar a coisa de outro modo,
elas vêem o casamento
gay como a profanação de um sacramento.
Daí o conflito crescente entre a agenda
gay
e a religião tradicional, do qual a atual disputa a respeito de
"direitos de adoção" é o último sinal. De acordo com a visão cristã - e
ela é compartilhada, eu acredito, por muçulmanos e judeus - a adoção
significa receber uma criança como membro da família, como alguém com o
qual você está comprometido do modo que um pai e uma mãe estão
comprometidos com seus próprios filhos. Este é um ato de sacrifício,
realizado em proveito da criança e com vistas a dar àquela criança o
bem-estar de um lar.
Seu objetivo não é gratificar os pais, mas assumir a
criança, tornado-a parte da família. Para pessoas religiosas, isto
significa dar à criança um pai e uma mãe. Qualquer outra coisa seria uma
injustiça com a criança e um abuso de sua inocência. Logo, não existe
esta história de "direitos de adoção".
Adoção é a suposição de um dever e
os únicos direitos envolvidos são os direitos da criança.
Contra este argumento, o apelo a leis "anti-discriminação" é certamente
irrelevante. O propósito da adoção não é gratificar os pais adotivos,
mas ajudar à criança. E já que, segundo a visão religiosa, a única ajuda
que pode ser oferecida é a disponibilização de uma família de verdade,
excluir os casais
gays não é um ato maior de discriminação do que excluir ligações incestuosas ou comunas de
"swingers"
promíscuos.
Na verdade, o pressuposto de que a adoção é inteiramente
uma questão de "direitos" a partir da perspectiva dos pais mostra a
inversão moral que aflige a sociedade moderna. Ao invés de considerarem a
família como o modo de atual geração se sacrificar pela próxima, estão
nos pedindo que façamos vista grossa a tudo que sabemos sobre a
fragilidade das parcerias homossexuais, sobre as necessidades
psicológicas das crianças e sobre as regras que ainda prevalecem em
nossas escolas e comunidades, em função de uma fantasia ideológica.
Opor-se
à adoção homossexual não é acreditar que os homossexuais não devam ter
nenhum contato com crianças. De Platão a Britten, os homossexuais se
destacaram como professores (muitas vezes sublimando seus sentimentos
eróticos, como fizeram estes dois grandes homens), cultivando as mentes e
espíritos dos jovens.
Mas foi Platão quem, nas Leis, apontou que os
homossexuais, como os heterossexuais, devem aprender a via do sacrifício
e que não são desejos atuais que devem guiá-los, mas os interesses de
longo prazo da comunidade. E certamente não é implausível pensar que é
mais provável que estes interesses de longo prazo sejam mais protegidos
pela religião do que pelas ideologias políticas que regem o Partido
Trabalhista.
The Daily Telegraph, 28 de janeiro de 2007
Original:
This 'right' for gays is an injustice to children
Tradução:
Dextra