Brasília foi considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO antes mesmo de ser inscrita domo Patrimônio Histórico Nacional.
Em 7 de dezembro de 1987, a UNESCO inseriu Brasília na lista de Bens do Patrimônio Mundial, que passou a ser o único Bem contemporâneo a merecer essa distinção. O documento que subsidiou esse procedimento foi o Decreto Distrital no. 10.829, de 1987 assinado por José Aparecido de Oliveira, então Governador do Distrito Federal .
Apenas em 1990 a então Secretaria do Patrimônio Histórico Nacional ( hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN) publicou a Portaria no. 004/1990, com conteúdo praticamente igual ao Decreto Distrital de 1987. Em 1992, foi editada a Portaria 314/92, pelo IPHAN, esta acolhida pela Lei Orgânica do Distrito Federal, transformando-a em instrumento Constitucional para o DF. Isto significa que, para o Distrito Federal, esta Portaria 314/92- IPHAN não pode ser alterada, senão por modificação em nossa Lei Orgânica.
Apesar disso, o mesmo IPHAN publicou, em 2016, a Portaria 166 / 2016- IPHAN onde, em nome de “complementar a Portaria 314/92- IPHAN, introduz alterações significativas, inclusive revogando dispositivos.
Esta Portaria 166/16-IPHAN foi alvo de profundas críticas e de questionamentos junto ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e ao Ministério Púbico Federal, por tratar de matéria de uso do solo, assunto de competência exclusiva do Governo Local. Como se não bastasse, introduz mais permissividades que contrariam os princípios básicos do projeto do Conjunto Urbanístico de Brasília, provocando um verdadeiro imbróglio nas instituições locais, com competência de aprovação de projetos urbanos.
Até agora, apesar do assunto estar judicializado e da confusão estar implantada dentro do próprio Poder Executivo Local, o IPHAN não se posiciona nem contribui para resolver essa pendência. É como se não houvesse nenhuma dúvida sobre a competência Local provocada pela Portaria por eles editada e se o Poder Executivo também não estivesse sendo penalizado por esse procedimento. Afinal, técnicos desta gestão do Governo do Distrito Federal, lamentavelmente, contribuíram para essa situação de indefinições que só favorecem aqueles que pretendem afrontar o Tombamento da cidade.
Mas afinal, o que NÃO PODE SER MODIFICADO do Projeto do Conjunto Urbanístico de Brasília? O que é o tombamento de Brasília?
Para os que defendem alterações no plano piloto de Lúcio Costa, ou por vantagens econômicas ou por ignorância no sentido amplo do que representa ter uma cidade inscrita como Patrimônio Cultural da Humanidade, são duas, quase sempre, as justificativas: a cidade é viva; a cidade mudou e precisa se adequar às condições atuais de vida. Outra justificativa presente é de que o Tombamento “engessa a cidade”, comprometendo a qualidade de vida de seus moradores.
Vejamos por partes. O Tombamento é, realmente, um instrumento jurídico legítimo para preservar um Bem que tenha significado para a sociedade como um todo. No caso, o projeto do Conjunto Urbanístico de Brasília foi considerado essencial para a Cultura brasileira, sendo incluído como Patrimônio Histórico Nacional. No Brasil não temos o livro do Tombo cultural.
E a UNESCO considerou, ainda, que esse projeto é importante ser preservado para TODA HUMANIDADE, como exemplo vivo de nossa Cultura . Esses fatos, ao contrário de serem considerados como ônus ou entraves ao desenvolvimento da cidade, deveriam ser motivo de orgulho e de maior empenho das Instituições responsáveis por sua Proteção e Preservação.
Por outro lado, as características fundamentais a serem preservadas são aquelas que deram a Brasília o reconhecimento nacional e internacional, de um novo modo de viver, sobre o qual, seus moradores podem atestar a eficiência. As amplas áreas verdes, que têm tanto significado quanto as construídas; o perfil da cidade, onde no centro os edifícios têm alturas mais elevadas e a medida que se distancia do centro, a cidade se espraia e as construções vão ficando mais baixas; as superquadras, com os jardins de infância e escolas classes dentro delas ao alcance dos olhos e acessíveis a pé, pelos seus moradores; os comércios locais também em acessibilidade razoável para se dirigir a pé na aquisição do essencial para o dia a dia; as entrequadras com outros serviços comunitários, como áreas de esportes e lazer, a igreja, os correios, delegacias etc, em localização compatível para o atendimento aos moradores de quatro superquadras.
A setorização de atividades, sem exclusividade, com serviços de grande porte no centro da cidade e outros de lazer, que necessitam ocupação rarefeita, como a de clubes esportivos, mais afastados do centro; as áreas de uso residencial completamente definidas, concentradas ao longo do eixo rodoviário, em superquadras, para habitação coletiva, e em casas, ao longo da W3 e próximo ao Lago Paranoá.
O Eixo Monumental que recebe as funções administrativas da Capital Federal na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, e mais acima, o Governo Local, com seus três Poderes instalados.
Preservar o verde não edificado, projetado para permanecer livre; preservar o perfil da cidade e a setorização sem exclusividade, com exceção daquelas de uso residencial são, em síntese, o que se pretende e merece ser preservado.
Mas para onde a cidade pode crescer?
Primeiro, como Patrimônio Tombado, sua expansão é, naturalmente, limitada. Seu crescimento, no que se refere a áreas para uso habitacional, foram definidas pelo próprio autor do projeto – Lúcio Costa consta, através do documento denominado “Brasília Revisitada”, onde ele define em que lugar e em que quantidade poderia ocorrer ocupações com finalidade residencial, SEM PREJUÍZO DOS VALORES DO CONJUTO URBANÍSTICO DE BRASÍLIA.
Portanto, o Plano para sua Preservação já existe, em forma de documentos expressos pelo próprio autor do projeto original e pelos instrumentos legais de Tombamento, como a Portaria 314/92.
Entretanto, a aplicação desses instrumentos exige uma especialização além da leitura pura e simples de normas e gabaritos. Exige o conhecimento de todo o histórico dos estudos produzidos sob a coordenação do autor do projeto original, sobre pena de estar se buscando coautoria naquilo que já tem autor internacionalmente reconhecido.
O Governo do Distrito Federal precisa se estruturar para cumprir essa tarefa de proteger e preservar um Patrimônio que é nosso, Nacional e da Humanidade.
Preservar Brasília é construir nossa história, é Dever das Instituições Governamentais e orgulho dos brasilienses e dos brasileiros; a construção de Brasília levou o conhecimento e reconhecimento de nosso urbanismo para além de nossas fronteiras.
Tania Batella