segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Povos das florestas denunciam mais uma vez as falsas soluções do capitalismo verde

Povos das florestas denunciam mais uma vez as falsas soluções do capitalismo verde

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Entre 15 e 17 de junho de 2018, povos in­dí­genas e de co­mu­ni­dades que vivem e tra­ba­lham na flo­resta se reu­niram em Sena Ma­du­reira, Acre, para de­nun­ciar as falsas so­lu­ções pro­postas pelo ca­pi­ta­lismo verde para as de­gra­da­ções am­bi­en­tais e cli­má­ticas – cau­sadas, pa­ra­do­xal­mente, pela pró­pria ló­gica ca­pi­ta­lista de pro­dução e con­sumo in­sus­ten­tá­veis. De­nun­ci­aram-se os pro­jetos que creem na fa­lácia de que é pos­sível se­guir po­luindo a terra, a água e a at­mos­fera em de­ter­mi­nado ponto do pla­neta e “com­pensar” esta po­luição por meio da ma­nu­tenção de flo­restas em outra re­gião.

Além da im­pos­si­bi­li­dade, tais me­didas acabam por pre­ju­dicar as po­pu­la­ções que de fato se re­la­ci­onam com as flo­restas de ma­neira equi­li­brada – os in­dí­genas e as pe­quenas co­mu­ni­dades que tra­ba­lham nas flo­restas -, que acabam por perder a au­to­nomia sobre seus ter­ri­tó­rios a sua ca­pa­ci­dade de pro­dução e sub­sis­tência.

O es­tado do Acre é tido como um “la­bo­ra­tório” para estas po­lí­ticas de “com­pen­sação” e ali as co­mu­ni­dades tra­di­ci­o­nais vêm so­frendo com estes pro­jetos, sejam de REDD, REDD+, REM, PSA – as si­glas são vá­rias. Os nomes também, e ainda mais com­pli­cados: REDD sig­ni­fica “Re­dução das Emis­sões por Des­ma­ta­mento e De­gra­dação Flo­restal”; o REM é “REDD Early Mo­vers”, que são, na tra­dução, os “pi­o­neiros do REDD”; PSA quer dizer “Pa­ga­mento por Ser­viços Am­bi­en­tais”. Em comum entre estas si­glas e nomes todos é que são as me­didas do ca­pi­ta­lismo verde para se­guir po­luindo li­vre­mente, às custas dos di­reitos de po­pu­la­ções in­dí­genas e tra­di­ci­o­nais, que, quando en­ga­nadas a acei­tarem tais pro­jetos, perdem o di­reito sobre suas terras.

Em suma, go­vernos e em­presas po­lui­doras do norte global com­pram “cré­ditos de po­luição”, ti­rando das co­mu­ni­dades do sul o di­reito ao ma­nejo de suas pró­prias terras: com­pram o di­reito a se­guir po­luindo, por meio da vi­o­lação de di­reitos em outro local, de­sa­fi­ando a so­be­rania dos povos sobre seu ter­ri­tório. Pri­va­tizam e fi­nan­cei­rizam a na­tu­reza. Con­fundem as co­mu­ni­dades com nomes es­tra­nhos, em uma lin­guagem dis­tante das pes­soas, e as se­duzem com falsas pro­messas – con­fundir para di­vidir, di­vidir para do­minar: assim age o ca­pi­ta­lismo verde. Pois em Sena Ma­du­reira, assim como antes em Xa­puri, os povos das flo­restas mos­tram o an­tí­doto a estes ata­ques: união para re­sistir, re­sistir para li­bertar.

Como que para res­saltar a im­por­tância deste en­contro, en­quanto ocorria o diá­logo em Sena Ma­du­reira, as em­presas de avi­ação se reu­niam em Mon­treal, Ca­nadá, para dis­cutir tais me­didas de “com­pen­sação”, que em nada di­mi­nuem os ní­veis de po­luição e ainda causam vi­o­la­ções de di­reitos nos ter­ri­tó­rios onde agem. A ex­pansão de ae­ro­portos no mundo e da in­dús­tria ae­ro­viária, al­ta­mente po­lu­ente, também foi cri­ti­cada, e é exemplo de como fun­ciona a ló­gica da “com­pen­sação”: há vi­o­la­ções de di­reitos em uma ponta e na outra, en­quanto as em­presas mantêm seu “dis­curso verde”, como se de fato en­fren­tassem os pro­blemas que elas pró­prias causam.

Em Porto Alegre, por exemplo, a Fra­port, em­presa alemã que opera o ae­ro­porto local, pre­tende ex­pulsar a Vila Na­zaré, que está há 60 anos na re­gião, para que possa es­tender a pista de pouso por mais umas cen­tenas de me­tros. A ex­pulsão das pes­soas, como de praxe, ocorre de ma­neira vi­o­lenta e ar­bi­trária, sem ne­nhuma trans­pa­rência no pro­cesso – contra o que a co­mu­ni­dade da Vila Na­zaré re­siste.

De um lado uma co­mu­ni­dade sendo ex­pulsa de sua terra para a ex­pansão de um ae­ro­porto; do outro, po­pu­la­ções per­dendo o di­reito a seu ter­ri­tório de­vido aos pro­jetos de “com­pen­sação”; no meio, uma ló­gica des­tru­tiva, que ataca as co­mu­ni­dades nas flo­restas e nas ci­dades, e contra a qual estes povos se le­vantam.

Leia abaixo a ín­tegra do do­cu­mento cons­truído no en­contro em Sena Ma­du­reira, Acre, do qual par­ti­ci­param in­dí­genas Apu­rinã, Huni Kui, Ja­mi­nawa, Nawa, Nu­kini, Ja­ma­madi, Man­chi­neri, Asha­ninka do En­vira e Yawa­nawa, re­pre­sen­tantes de co­mu­ni­dades tra­di­ci­o­nais do in­te­rior do Acre, se­rin­gueiros e se­rin­gueiras de Xa­puri, além de or­ga­ni­za­ções como Amigos da Terra Brasil, Con­selho In­di­ge­nista Mis­si­o­nário (CIMI) e Mo­vi­mento Mun­dial pelas Flo­restas Mun­diais (WRM, da sigla em in­glês).

DE­CLA­RAÇÃO DE SENA MA­DU­REIRA, 17 DE JUNHO DE 2018

Nós, mo­ra­dores da flo­resta, se­rin­gueiras e se­rin­gueiros, in­dí­genas pre­sentes Apu­rinã, Huni Kui, Ja­mi­nawa, Nawa, Nu­kini, Ja­ma­madi, Man­chi­neri, Asha­ninka do En­vira, Yawa­nawa, in­te­grantes de or­ga­ni­za­ções so­li­dá­rias pro­ve­ni­entes de di­versos es­tados do Brasil – como Acre, Ama­zonas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rondônia, pro­fes­sores e pro­fes­soras de uni­ver­si­dades, reu­nidos em Sena Ma­du­reira, Acre – terras an­ces­trais do povo Ja­mi­nawa – para o “IV En­contro de For­mação e Ar­ti­cu­lação dos Povos das Flo­restas no En­fren­ta­mento das Falsas So­lu­ções”, no pe­ríodo de 15 a 17 de junho de 2018, de­cla­ramos:

– Re­for­çamos as de­mandas e de­nún­cias da De­cla­ração de Xa­puri, em es­pe­cial o re­púdio às falsas so­lu­ções do ca­pi­ta­lismo verde, tais como o REDD (Re­dução de Emis­sões por Des­ma­ta­mento e De­gra­dação Flo­restal), o PSA (Pa­ga­mento por Ser­viços Am­bi­en­tais), a ex­plo­ração ma­dei­reira, tra­ves­tida de ma­nejo flo­restal, assim como qual­quer me­dida de “com­pen­sação” cli­má­tica ou am­bi­ental por meio da compra de cré­ditos de po­luição ou si­mi­lares;

– Com­pro­me­tidos com a De­cla­ração de Xa­puri, le­vamos adi­ante o es­pí­rito de união entre os povos e de en­fren­ta­mento às “so­lu­ções” dadas pelo ca­pi­ta­lismo às crises que ele pró­prio causa;

– A re­to­mada e ocu­pação Ja­mi­nawa de seus ter­ri­tó­rios an­ces­trais – Caya­pucã, São Pau­lino e Caieté – nos dão exemplo desta força de união e de en­fren­ta­mento aos ata­ques do poder ca­pi­ta­lista contra os povos. Esta con­quista re­vi­gora e dá forças para que cada um de nós, co­mu­ni­dades, povos e or­ga­ni­za­ções pre­sentes, leve nossa luta comum adi­ante;

– En­fa­ti­zamos a im­por­tância das pa­la­vras do Papa Fran­cisco na En­cí­clica Lau­dato-Si (pa­rá­grafo 171): “A es­tra­tégia de compra-venda de ‘cré­ditos de emissão’ pode levar a uma nova forma de es­pe­cu­lação, que não aju­daria a re­duzir a emissão global de gases po­lu­entes. Este sis­tema pa­rece ser uma so­lução rá­pida e fácil, com a apa­rência dum certo com­pro­misso com o meio am­bi­ente, mas que não im­plica de forma al­guma uma mu­dança ra­dical à al­tura das cir­cuns­tân­cias. Pelo con­trário, pode tornar-se um di­ver­sivo que per­mite sus­tentar o con­sumo ex­ces­sivo de al­guns países e sec­tores”.

– Da mesma forma, res­sal­tamos a con­de­nação às me­didas de fi­nan­cei­ri­zação da na­tu­reza con­tidas no pa­rá­grafo 11 da De­cla­ração da Ali­ança dos Guar­diões e Fi­lhos da Mãe Terra (de 28 de no­vembro de 2015), que diz, a res­peito das áreas de flo­resta pri­mária do pla­neta que estão tra­di­ci­o­nal­mente sob os cui­dados de povos in­dí­genas: “estes ecos­sis­temas não devem ser uti­li­zados no con­texto de um mer­cado de car­bono que quan­ti­fica e trans­forma a Mãe Terra em mer­ca­doria, nem servir de pa­ga­mento para ser­viços ecos­sis­tê­micos, para o co­mércio de car­bono, para as com­pen­sa­ções de car­bono, para as ta­ri­fa­ções de car­bono, para os Me­ca­nismos de Re­dução de emis­sões de­cor­rentes do des­ma­ta­mento e da de­gra­dação de flo­restas (REDD), para os Me­ca­nismos de De­sen­vol­vi­mento Limpo (MDL), ou para me­ca­nismos de com­pen­sação da bi­o­di­ver­si­dade e de fi­nan­cei­ri­zação da na­tu­reza, trans­for­mando-a em ‘partes’ à venda nos mer­cados fi­nan­ceiros”.

– Re­jei­tamos o pro­grama REM (REDD Early Mo­vers – “Pi­o­neiros do REDD”, em por­tu­guês), fi­nan­ciado pelo banco pú­blico alemão KfW, que induz as co­mu­ni­dades a acei­tarem a ló­gica do ca­pi­ta­lismo verde e usa o es­tado do Acre, in­de­vi­da­mente, como exemplo de “su­cesso” em de­sen­vol­vi­mento sus­ten­tável. Na ver­dade, o pro­grama di­vide as co­mu­ni­dades e ameaça a au­to­nomia dos povos sobre o uso da terra em seus pró­prios ter­ri­tó­rios, co­lo­cando em risco sua so­be­rania ali­mentar e seus cos­tumes e sa­beres tra­di­ci­o­nais. Estes mesmos pro­blemas podem acon­tecer no Mato Grosso, es­tado no qual re­cen­te­mente o pro­grama vem sendo im­ple­men­tado;

– Além disso, o di­nheiro pro­ve­ni­ente destes pro­jetos não res­ponde aos an­seios e ne­ces­si­dades das po­pu­la­ções ori­gi­ná­rias e tra­di­ci­o­nais, como, por exemplo, a de­mar­cação das terras in­dí­genas e re­gu­la­ri­zação fun­diária dos pe­quenos agri­cul­tores e agri­cul­toras de áreas atin­gidas por me­didas de ca­pi­ta­lismo verde. Ainda hoje não há trans­pa­rência sobre como tais re­cursos são apli­cados, como já ha­víamos de­nun­ciado na De­cla­ração de Xa­puri. Co­bramos do Mi­nis­tério Pú­blico Fe­deral que exija a pres­tação de contas dos pro­jetos;

– De­sau­to­ri­zamos qual­quer po­lí­tica cons­truída dentro de ga­bi­netes sem a de­vida con­sulta prévia (em acordo com a Con­venção 169 da OIT) e par­ti­ci­pação das po­pu­la­ções in­dí­genas e tra­di­ci­o­nais. Qual­quer de­fi­nição de me­didas que con­cernem estas po­pu­la­ções deve partir da base, de dentro das co­mu­ni­dades;

– Pres­tamos so­li­da­ri­e­dade aos povos de todos os es­tados do Brasil e dos países do sul global que so­frem estas mesmas vi­o­lên­cias do ca­pi­ta­lismo verde; ape­lamos aos povos dos países do norte para que não caiam nas ar­ti­ma­nhas do “dis­curso verde” de em­presas, go­vernos e ONGs e ques­ti­onem as apli­ca­ções fi­nan­ceiras tais como do pro­grama REM e do Fundo Amazônia, entre ou­tros;

– Re­pu­di­amos ve­e­men­te­mente a per­se­guição, di­fa­mação e cri­mi­na­li­zação de de­fen­soras e de­fen­sores dos ter­ri­tó­rios, que têm a co­ragem de se ma­ni­festar e de­nun­ciar os ata­ques dos pro­mo­tores do ca­pi­ta­lismo verde.

Por fim, for­ta­le­cidos pelo in­ter­câmbio de ex­pe­ri­ên­cias entre os mais va­ri­ados povos du­rante estes três dias, se­guimos com a ca­beça er­guida e crentes que, unidos, temos plenas con­di­ções de lutar contra as falsas so­lu­ções do ca­pi­ta­lismo verde e de cons­truir formas al­ter­na­tivas de vida sus­ten­tável a partir dos ter­ri­tó­rios, res­pei­tando a plu­ra­li­dade dos povos. Con­vi­damos todos os povos das flo­restas e co­mu­ni­dades que so­frem as vi­o­la­ções deste sis­tema de­su­mano e pre­da­tório para se­guirmos juntos, ca­minho através do qual será pos­sível su­perar a ló­gica des­tru­tiva do ca­pital.

Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta (Como ficou esse assunto?)

Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta

| 26/03/2018 às 15:07

Por Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside

Na quinta-feira passada o Senado Federal surpreendeu pautando para esta terça-feira, 27 de março, a votação em plenário do projeto de lei que propõe abrir a Amazônia para plantio de cana-de-açúcar. Segue abaixo uma tradução da nossa carta que já estava aceita para publicação na revista Science em 30 de Março (1).

Face à votação iminente, a Science publicou a carta online hoje, assim possibilitando a sua divulgação na Amazônia Real. Uma versão atualizada será publicada na revista impressa no dia 30. A Science é a segunda revista científica do mundo em termos de impacto, apenas superada pela revista Nature. Segue a tradução em português do texto original:

A vegetação da Amazônia varia de florestas densas a áreas de savana, e as florestas da região e sua biodiversidade são vulneráveis ao avanço contínuo das mudanças no uso da terra para agricultura e pecuária (2). No Brasil, o cultivo de cana-de-açúcar é atualmente proibido nos Biomas do Pantanal e Amazônia (3). A cana-de-açúcar está entre as culturas com os maiores aumentos de produção na última década, e o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura-FAO (4).

As plantações de cana estão projetadas para aumentar devido à demanda por biocombustíveis (5). Já têm demonstrado que as plantações de cana-de-açúcar ameaçam a biodiversidade, com seus efeitos se estendendo além das áreas cultivadas até as florestas adjacentes (6).

O Senado Federal agendou uma decisão para 2018 sobre um projeto de lei que propõe a abertura da região amazônica à cana-de-açúcar (7). Essa cultura seria supostamente plantada em áreas degradadas, em pastagens naturais da Amazônia e nos “hotspots” de biodiversidade no Cerrado. 

Devido aos possíveis efeitos catastróficos sobre a floresta amazônica e sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos da América do Sul e a produtividade agrícola do Brasil, instamos o Senado a não aprovar esse projeto.

Plantação de cana de açúcar da indústria Jayoro, em Presidente Figueiredo, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2013)

A ameaça da cana-de-açúcar é apenas uma das muitas causas de destruição da Amazônia (5). As florestas amazônicas desempenham um papel importante no clima da América do Sul, com contribuições substanciais de precipitação para a agricultura no sudeste do Brasil (8–9). Em médio e longo prazo, a perda florestal ameaçaria a própria produção agrícola e de biocombustíveis do Brasil, sendo a área com maior produção agrícola localizada no sul e sudeste do País (10), que depende do vapor de água da região amazônica (8–9).

Os tomadores de decisão políticos e as instituições nacionais e internacionais que financiam grandes empresas agrícolas não devem ser enganados pelo doce sabor de uma nova fronteira agrícola a ser explorada. Eles devem ser orientados pela necessidade de evitar a perda da biodiversidade da Amazônia, do patrimônio genético e dos valiosos serviços ecossistêmicos, incluindo a regulamentação climática para a área com a maior população e produção agrícola da América do Sul (10–11).

Notas:
1. Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Amazon sugarcane: A threat to the forest; Sciencemag.
2. P. M. Fearnside, in Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science, H. Shugart, Ed. (Oxford University Press, New York, 2017).
3. Brasil, Presidência da República, Decreto Nº 6.961, DE (17 de setembro de 2009).
4. Food and Agriculture Organization of the United Nations, Commodities by Country (2018).
5. P. M. Fearnside, in Biofuels and Neotropical Forests: Trends, Implications, and Emerging Alternatives, E.J. Garen, J. Mateo-Vega, Eds., (Environmental Leadership & Training Initiative, Yale University, New Haven, CT, 2009), p. 29–36.
6. L. Ferrante et al., J. Biogeogr. 44, 1911 (2017).
7. Brasil, Senado Federal, Projeto de Lei do Senado N° 626 (2011).
8. P. M. Fearnside. Ciênc. Hoje. 34, 63 (2004).
9. D. C. Zemp et al. Atmosp. Chem. Phys. 14, 13337 (2014).
10. IBGE, Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (2018).
11. IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estimativas da população residente para os municípios e para as unidades da federação brasileiros com data de referência em 1º de julho de 2017 (2017).


A fotografia que ilustra este artigo é da queima de cana de açúcar da indústria Jayoro, em Presidente Figueiredo, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2013). Leia mais aqui.

Hydro enlameia o mito

Hydro enlameia o mito

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A lama ver­melha que a mul­ti­na­ci­onal no­ru­e­guesa Norsk Hydro des­pejou, sem o de­vido tra­ta­mento, nas águas do es­tuário do rio Pará, não po­luiu apenas o meio am­bi­ente e pre­ju­dicou a saúde e a vida da po­pu­lação da área: ful­minou também a pró­pria em­presa e seu país de origem. Ambos se or­gu­lhavam se dar tra­ta­mento di­fe­ren­ciado à na­tu­reza e ao ser hu­mano.
Esta tra­dição, que, na Hydro, tem mais de 100 anos de exis­tência, foi cor­roída na en­trada da re­gião amazô­nica, que abriga a maior flo­resta tro­pical do pla­neta e a maior bacia hi­dro­grá­fica da terra, com 8% da sua água doce.
A 40 quilô­me­tros de Belém, a Hydro se tornou pro­pri­e­tária do maior polo de alu­mínio do Brasil e dos mai­ores do mundo. Em 2011, com­prou da Vale, maior mi­ne­ra­dora mun­dial de ferro, a maior ja­zida de bau­xita do Brasil, e das mai­ores do mundo, a maior fá­brica de alu­mina do mundo, a oi­tava maior planta de alu­mínio do mundo e a maior da Amé­rica do Sul.
A Hydro pulou vá­rios es­tá­gios no ran­king mun­dial, tor­nando-se das poucas cor­po­ra­ções in­ter­na­ci­o­nais a atuar desde a origem, na ex­tração do mi­nério, até a úl­tima fase do be­ne­fi­ci­a­mento do metal de alu­mínio.
O polo de Bar­ca­rena, no Pará, re­cebeu o maior in­ves­ti­mento da Hydro fora da Eu­ropa. Uma nota que a em­presa di­vulgou no dia 18, em Belém, mos­trou que o ganho que a em­presa ob­teve com a sua fi­xação na en­trada do maior rio do mundo, o Ama­zonas, não cor­res­pondeu ao tra­ta­mento que dis­pensou a essa re­gião.
No dia 17 do mês pas­sado, quando ocorreu a con­ta­mi­nação de rios e iga­rapés pró­ximos às uni­dades in­dus­triais da Hydro Alu­norte, po­luição com­pro­vada pelo Ins­ti­tuto Evandro Chagas, a com­pa­nhia alegou que a pe­ne­tração de lama ver­melha se devia ao ex­cesso de chuvas. Não podia ser por uma falha no seu sis­tema de cap­tação, tra­ta­mento e des­pejo de re­sí­duos só­lidos e eflu­entes lí­quidos.
Esse sis­tema era o mesmo que a em­presa ado­tava na No­ruega, com re­co­nhe­ci­mento in­ter­na­ci­onal sobre a sua qua­li­dade. Logo, teria sido um aci­dente im­pre­vi­sível e ine­vi­tável.
Na nota a em­presa fi­nal­mente ad­mitiu que des­pejou re­sí­duos tó­xicos do pro­cesso pro­du­tivo, com a pre­sença de soda cáus­tica, pro­duto usado na la­vagem do mi­nério. Re­co­nheceu que ca­nais e dutos, que de­viam estar de­sa­ti­vados ou que fun­ci­o­navam sem li­cen­ci­a­mento am­bi­ental, aca­baram le­vando lama ver­melha até o es­tuário do rio Pará, um dos mai­ores e mais im­por­tantes do li­toral bra­si­leiro, em cuja margem está a 10ª maior ci­dade bra­si­leira.
A Hydro res­salta que se an­te­cipou ao laudo de uma con­sul­toria in­de­pen­dente, que só es­tará con­cluído no dia 9 de abril. E tratou logo de re­co­nhecer as fa­lhas e seu mau pro­ce­di­mento, com­bi­nando o fator oca­si­onal com o efeito causal. Um dia, o fun­ci­o­na­mento do sis­tema iria re­sultar em aci­dente porque não es­tava sendo mo­ni­to­rado ade­qua­da­mente – nem pela em­presa nem pela Se­cre­taria de Meio Am­bi­ente e Sus­ten­ta­bi­li­dade do Pará, que a li­cen­ciou e tinha a in­cum­bência legal de fis­ca­lizá-la.
A ne­gli­gência é agra­vada porque só agora a Hydro se com­pro­mete (com in­ves­ti­mento em torno de meio bi­lhão de reais, 15 vezes maior do que o or­ça­mento do Ins­ti­tuto Evandro Chagas, que com­provou a con­ta­mi­nação) para im­plantar o que de­veria ter exis­tido desde o início, no pro­jeto da fá­brica, ou no cum­pri­mento in­te­gral das con­di­ci­o­nantes do li­cen­ci­a­mento.
A Hydro, assim, quer voltar no tempo e cor­rigir seus erros. É uma ini­ci­a­tiva sa­lutar. Mas essa re­missão pre­cisa ser feita por con­trole ex­terno, apu­rando as res­pon­sa­bi­li­dades, pu­nindo os res­pon­sá­veis e ga­ran­tindo que a na­tu­reza e os seres hu­manos estão ade­qua­da­mente pro­te­gidos de aci­dentes – e a ver­dade dos fatos de­mar­cará as re­la­ções entre a em­presa, o poder pú­blico e a so­ci­e­dade.
Ou a moral da his­tória será que, ao invés de ser tra­tado como uma No­ruega, a Amazônia está mais para um Haiti na visão dos donos dos grandes em­pre­en­di­mentos econô­micos.


Lúcio Flávio Pinto é jor­na­lista desde e autor de mais de 20 li­vros sobre a Amazônia.
Pu­bli­cado ori­gi­nal­mente no Portal Amazônia Real.

Aquecimento Global como argumento para privatizar a Petrobrás (???!!!)

Aquecimento Global como argumento para privatizar a Petrobrás

Ale­xandre Araujo Costa

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Ape­li­dada de "rainha das pri­va­ti­za­ções", Elena Landau não nega o aque­ci­mento global. Apenas de­fende uma po­lí­tica econô­mica que o agra­vará!

Elena Landau, eco­no­mista, pu­blicou um texto de opi­nião no Es­tadão em que de­fende a pri­va­ti­zação da Pe­tro­brás. Até aqui, ne­nhuma sur­presa, evi­den­te­mente, afinal ela já havia tra­ba­lhado na ad­mi­nis­tração de Fer­nando Hen­rique Car­doso, na con­dição de di­re­tora do BNDES, jus­ta­mente no pro­grama de pri­va­ti­zação de es­ta­tais.

A pre­fe­rência por uma agenda ne­o­li­beral, de "Es­tado mí­nimo", por parte de Landau, não é de hoje. A no­vi­dade fica pelo fato de que ela tenta usar o aque­ci­mento global como um ar­gu­mento a mais para a de­fesa da venda da com­pa­nhia de pe­tróleo ao ca­pital pri­vado. Mas... será que isso faz sen­tido?

Uma "pri­va­ti­zação como outra qual­quer"?

http://www.struggle.pk/wp-content/uploads/2013/06/Capitalism-Global-Warming-Enviroment-Destruction-cartoon-2.jpg
Lem­brar do aque­ci­mento global e de­fender mais pri­va­ti­zação das re­servas fós­seis é um con­tras­senso. Ou me­lhor, é pura de­so­nes­ti­dade.

Em pleno sé­culo 21, es­pe­ci­al­mente quando se trata de com­bus­tí­veis fós­seis, in­cluindo pe­tróleo, o de­bate econô­mico não pode se res­tringir à tra­di­ci­onal con­fron­tação entre uma di­reita pri­va­tista e uma es­querda es­ta­ti­zante. Além de dis­cu­tirmos a questão da pro­pri­e­dade dos meios de pro­dução (se pri­vada ou pú­blica) é pre­ciso ques­ti­onar in­clu­sive que se­tores "pro­du­tivos" pre­cisam ser des­con­ti­nu­ados, em função de li­mites am­bi­en­tais pla­ne­tá­rios.
No fundo, Landau sabe disso, daí, a frase final do seu ar­tigo ("não há ne­nhuma di­fe­rença entre as ra­zões para a re­ti­rada do Es­tado do con­trole da Pe­tro­brás e de qual­quer outra em­presa es­tatal") entra em con­tra­dição com o que ela usa como um dos ar­gu­mentos para de­fender que o Es­tado bra­si­leiro pre­cisa se li­vrar da em­presa.

A ló­gica de Landau é que "o aque­ci­mento global vem im­pondo res­tri­ções ao uso de com­bus­tí­veis fós­seis, o que reduz o valor da em­presa para a so­ci­e­dade ao longo do tempo" e que em vir­tude disso "sua venda de­veria ser feita o mais breve pos­sível". Claro, ela se dá ao tra­balho de ex­cluir a pos­si­bi­li­dade de "gastar re­cursos pú­blicos para re­o­ri­entar suas ati­vi­dades para ener­gias re­no­vá­veis", sem apre­sentar ne­nhuma jus­ti­fi­ca­tiva plau­sível para isso.

Per­cebam, por­tanto, como se chega a um nível de ci­nismo e non se­quitur im­pres­si­o­nantes: a pessoa con­segue usar a dra­ma­ti­ci­dade do aque­ci­mento global para dizer que a em­presa vai "perder valor" e que por isso é pre­ciso vendê-la logo... Mas "es­quece" que nessa ló­gica, o ca­pital pri­vado irá ex­plorar as ja­zidas fós­seis num ritmo ainda mais fre­né­tico, e des­pejar o car­bono todo na at­mos­fera, agra­vando jus­ta­mente o pro­blema!

Na­ci­o­na­lizar as re­servas fós­seis para deixá-las no sub­solo

Há muito tempo tenho in­sis­tido que é pre­ciso su­perar o dis­curso de­sen­vol­vi­men­tista do var­guismo e as ilu­sões de ex­plorar pe­tróleo para fi­nan­ciar edu­cação, saúde etc. Landau usa ci­ni­ca­mente um ar­gu­mento "ge­ra­ci­onal", mas aqui o ver­da­deiro de­bate sobre o le­gado para as fu­turas ge­ra­ções é que mesmo que usemos todo re­curso da ex­plo­ração de pe­tróleo com saúde e edu­cação pú­blicas, a conta não fecha, pelo con­trário.

Sem conter o aque­ci­mento global, o que im­plica im­pedir a queima da grande mai­oria das re­servas fós­seis, o le­gado para a ge­ração se­guinte é mais eventos ex­tremos: ondas de calor, secas, tem­pes­tades se­veras, ele­vação do nível do mar.

É um con­junto de im­pactos cuja se­ve­ri­dade afe­tará as vidas das pes­soas em todos os seus as­pectos, com con­sequên­cias di­retas sobre a saúde, seja pela di­fi­cul­dade de acesso à água po­tável (nos ex­tremos, a Ci­dade do Cabo pode en­trar em co­lapso de abas­te­ci­mento por seca ex­trema - para não falar de For­ta­leza, que pode es­capar por um fio - e Porto Rico teve grande parte de seu ter­ri­tório pri­vado de água po­tável por conta da en­chente pro­du­zida), seja pela pro­li­fe­ração de ve­tores trans­mis­sores de do­enças, seja pelos ma­le­fí­cios di­retos de ondas de calor, como as que ma­taram mi­lhares de pes­soas na Eu­ropa em 2003 e na Índia e Pa­quistão em 2015. E imi­gração for­çada em massa é um risco real e con­creto

Daí a saída é jus­ta­mente o con­trário do que propõe Landau. O cor­reto é sair de "o pe­tróleo é nosso" para "o pe­tróleo é nosso pra ficar no chão", como de­fendo neste ar­tigo.

Com seu ci­nismo e ma­la­ba­rismo ar­gu­men­ta­tivo, Landau acha que de­vemos trocar "o pe­tróleo é nosso" para "o pe­tróleo é de vocês pra queimar à von­tade e f*der de vez com o clima global".

Fran­ca­mente, ela pa­rece su­bes­timar a in­te­li­gência dos lei­tores e joga às favas qual­quer ves­tígio de ho­nes­ti­dade in­te­lec­tual. Ou seja, para evitar passar ver­gonha com um ne­ga­ci­o­nismo cli­má­tico ex­plí­cito, Landau re­solve passar ver­gonha equi­li­brando ele­mentos an­tagô­nicos numa mesma linha de ra­ci­o­cínio.

E fa­lando em au­sência de ho­nes­ti­dade in­te­lec­tual...

Tratar o gás de xisto como "com­bus­tível al­ter­na­tivo" é uma piada de mau gosto. Como pro­va­vel­mente Elena Landau não é ig­no­rante, acre­di­tamos que ela atue in­tei­ra­mente de má fé ao es­conder os pro­blemas as­so­ci­ados ao frac­king.


... Landau se re­fere ao gás de xisto como "com­bus­tível al­ter­na­tivo", res­sal­tando que sua des­co­berta foi "mé­rito do ca­pital pri­vado". Im­pres­si­o­nante...


Para início de con­versa, o gás na­tural em si já é um com­bus­tível fóssil como carvão e pe­tróleo e, por­tanto, o gás na­tural também pre­cisa ser aban­do­nado como fonte de energia. A queima de me­tano (seu prin­cipal cons­ti­tuinte) produz dió­xido de car­bono e a parte que es­capa, cons­ti­tuindo aquilo que cha­mamos de "emis­sões fu­gi­tivas", também tem im­pacto bas­tante sig­ni­fi­ca­tivo sobre o clima, já que o po­ten­cial de aque­ci­mento global da mo­lé­cula de CH₄ é vá­rias vezes maior do que o do CO₂.

Além disso, o gás de xisto é ex­traído via frac­king, uma das tec­no­lo­gias mais sujas que foram in­ven­tadas nas úl­timas dé­cadas no setor de energia. Aliás, exa­ta­mente por ter emis­sões fu­gi­tivas mai­ores que o gás ex­traído em moldes con­ven­ci­o­nais, o gás de frac­king é tão de­sas­troso para o clima quanto o carvão, como mos­tramos em nosso blog no ar­tigo "Uma Fra­tura no Clima".

Pri­va­ti­zação fóssil ou de­mo­cra­ti­zação com des­car­bo­ni­zação?


100% pú­blica, de­mo­crá­tica e des­car­bo­ni­zada. A Pe­tro­brás po­deria virar uma So­lar­brás!

"There is no al­ter­na­tive". A frase de efeito, sen­tença bai­xada sobre a ca­beça da hu­ma­ni­dade pelos ideó­logos ne­o­li­be­rais, teima em apa­recer nos textos que de­fendem de­ter­mi­nadas agendas econô­micas. Landau afirma pe­remp­to­ri­a­mente que não existe a "al­ter­na­tiva de in­vestir em re­no­vá­veis" e que não há al­ter­na­tiva para a Pe­tro­brás que não a pri­va­ti­zação, mas a frase não re­siste a uma aná­lise mi­ni­ma­mente séria...

In­ves­ti­mentos di­retos da pró­pria com­pa­nhia e in­ves­ti­mentos de bancos pú­blicos podem e pre­cisam ser feitos para tornar as ener­gias re­no­vá­veis o centro da Pe­tro­brás. É jus­ta­mente a po­tência de in­ves­ti­mentos que esse se­tores ainda têm que per­mite ori­entar a po­lí­tica in­dus­trial bra­si­leira para longe do papel pri­mário-ex­tra­ti­vista-ex­por­tador e cons­truindo a base de uma tran­sição ener­gé­tica.

Esse pro­cesso não apenas não pe­na­li­zaria a mai­oria da po­pu­lação como, pelo con­trário, se re­ver­teria em energia limpa e ba­ra­teada (com pai­néis so­lares nos te­lhados das casas as­se­gu­rando a re­dução da conta de luz).

Também con­tri­buiria para a ma­nu­tenção das re­servas hí­dricas, pois não apenas hi­dre­lé­tricas como também ter­me­lé­tricas (fós­seis e nu­cle­ares) de­mandam grandes quan­ti­dades de água.


A pri­va­ti­zação do setor elé­trico bra­si­leiro produz contas caras e tornou a ma­triz ainda mais suja. A in­serção de uma em­presa pú­blica como a Pe­tro­brás, con­ver­tida em com­pa­nhia de energia limpa, no setor, pode con­tri­buir para que­brar esse ciclo per­verso.


A al­ter­na­tiva, por­tanto, não é uma pri­va­ti­zação fóssil da Pe­tro­brás. Ao con­trário, a rota é a da trans­for­mação da Pe­tro­brás em uma em­presa 100% pú­blica, o que im­plica jus­ta­mente em na­ci­o­na­lizar a sua me­tade não-pú­blica e tirá-la da ló­gica de mer­cado e em anular os lei­lões de pe­tróleo, re­na­ci­o­na­li­zando as ja­zidas; de­mo­crá­tica, isto é, ge­rida pelo con­junto de seus tra­ba­lha­dores e tra­ba­lha­doras ao lado do con­junto da so­ci­e­dade; des­car­bo­ni­zada, isto é, ori­en­tada para uma tran­sição ace­le­rada que a con­verta em uma em­presa pú­blica de energia limpa, con­tri­buindo para li­vrar o povo bra­si­leiro do jugo das cor­po­ra­ções do setor ener­gé­tico.

Já abor­damos o tema de quão de­sas­troso é en­tregar ja­zidas fós­seis nas mãos do ca­pital in­ter­na­ci­onal no ar­tigo "E o clima? Por um ver­da­deiro de­bate sobre o pré-sal". Nas mãos das cor­po­ra­ções, pe­tróleo, gás e carvão serão ex­plo­rados para muito além do li­mite, pois nada está acima, para elas, do que o pró­prio lucro.

Às mai­o­rias so­ciais, pelo con­trário, in­te­ressa deter a ex­plo­ração de com­bus­tí­veis fós­seis e conter o aque­ci­mento global. Ao ca­pital in­te­ressa que a Pe­tro­brás vire "Pe­tro­brax", isto é, que o caos cli­má­tico siga se ace­le­rando, com lu­cros cada vez mai­ores para as cor­po­ra­ções in­ter­na­ci­o­nais.

Às mai­o­rias so­ciais in­te­ressa que ela não apenas per­ma­neça como em­presa pú­blica, mas que seja ra­di­cal­mente trans­for­mada, desde sua gestão até a fonte ener­gé­tica com a qual tra­balha. Já que o pro­blema não é só o "Brax", mas também o "Petro", se é para mudar, que a Pe­tro­brás vire So­lar­brás.


Ale­xandre Araújo Costa é ci­en­tista do clima.


Ale­xandre Araujo Costa
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A ficha vai ter de cair

A ficha vai ter de cair




Pu­bli­cação na Na­ture aponta ainda mais ni­ti­da­mente para uma dura re­a­li­dade. Os ce­ná­rios para au­mento de tem­pe­ra­tura global de 1,5°C de­mandam: aban­dono rá­pido das fontes fós­seis, re­moção de CO2 at­mos­fé­rico *E*, pelo menos con­tenção do cres­ci­mento da de­manda ener­gé­tica, o que ine­vi­ta­vel­mente impõe "mu­danças nos pa­drões de con­sumo".

Sabe-se também, por outro lado, que BECCS não podem as­sumir a es­cala que al­guns ima­ginam, de­vido a ou­tros pro­blemas am­bi­en­tais, como dis­cu­timos em nosso blog. Re­mover car­bono da at­mos­fera, su­prindo uma de­manda cres­cente via bi­o­e­nergia, mesmo usando tec­no­lo­gias bem mais efi­ci­entes do que os tra­di­ci­o­nais bi­o­com­bus­tí­veis im­plica em au­mento da de­manda de terra para essas cul­turas, de água para ir­ri­gação e de uso de fer­ti­li­zantes (com con­sequên­cias graves para a ci­clagem de ni­tro­gênio e fós­foro).

Mas é fato, e não digo isso con­for­ta­vel­mente, pelo con­trário. Sem re­moção de car­bono para além da­quela pos­sível via re­flo­res­ta­mento, não vamos conter essa ba­gaça. Em suma: estou dis­posto a abrir mão, por­tanto, de uma ilusão, a de que sem ne­nhum uso dessas tec­no­lo­gias po­de­remos re­solver o pro­blema.



Uma ex­ce­lente me­tá­fora da im­pos­si­bi­li­dade fí­sica de cres­ci­mento econô­mico in­fi­nito é o "hamster im­pos­sível", vídeo de pouco mais de um mi­nuto, dis­po­nível no You­Tube.

No en­tanto a questão fun­da­mental é outra: é se po­lí­ticos, eco­no­mistas, chefes de Es­tado, to­ma­dores de de­cisão etc. também estão dis­postos a abrirem mão das suas ilu­sões. E aqui, a de que é pos­sível se­guir ex­plo­rando e quei­mando fontes fós­seis im­pu­ne­mente (como a es­querda que se ilude em fi­nan­ciar pro­gramas so­ciais com o pré-sal) só não é pior do que a outra: a de ser pos­sível ter um fu­turo com mais con­sumo de energia do que temos hoje. Não dá, não cabe.

Re­no­vá­veis como eó­lica e solar podem nos co­brir uma parte im­por­tante da de­manda. As hi­dre­lé­tricas em ope­ração e a bi­o­e­nergia podem com­ple­mentá-las, com­pen­sando pela in­ter­mi­tência. Mas não há fi­si­ca­mente como se­guir com essa ideia es­ta­pa­fúrdia de cres­ci­mento econô­mico in­fi­nito. É uma fan­tasia, uma crença des­pro­vida de base real. E se não pla­ne­jarmos o nosso pró­prio de­cres­ci­mento, o pla­neta o im­porá pelos seus meios.

Spoiler: não vai ser nada bo­nito.