Não faltou torcida. Boa parte de quem assistiu à história de amizade e amor entre um mergulhador e um polvofêmea e as transformações que esse encontro processa no primeiro – contada por Pippa Ehrlich e James Reed – torcia por sua vitória no Oscar 2021.
E, ontem à noite, Professor Polvo levou a estatueta mais cobiçada do cinema na categoria melhor documentário!
Desde que o filme foi lançado na plataforma Netflix, em agosto de 2020, tem conquistado fãs em todas as partes do mundo.
A repercussão foi tão grande e rápida, que o documentário ganhou as redes sociais e indicações para o Directors Guild of America (não ganhou!), ao Oscar, ao BAFTA (“o Oscar britânico”) e ao PGA Awards 2021 – prêmio do Sindicado de Produtores de Hollywood.
“Esta é uma pequena história pessoal que se desenrolou em uma floresta marinha no topo da África. Mas, em um nível mais universal, espero que tenha fornecido um vislumbre de um tipo diferente de relação entre os seres humanos e o mundo natural “, declarou Pippa Ehrlich durante a transmissão online.
O protagonista da história, Craig Foster, contou que seu relacionamento com o polvo o ensinou muito sobre a fragilidade da vida e nossa conexão com a natureza. E o transformou em um pai melhor para seu filho, que também aparece no filme, mais no fim da história.
Durante o processo do filme, Foster, que é documentarista, criou uma ONG de conservação: a Sea Change Project, com a qual protege a Grande Floresta Marinha Africana e divulga detalhes da experiência vivida numa floresta submersa na costa sulafricana. Seus embaixadores são o violoncelista Yo-Yo Ma e a atriz e ativista ambiental Zolani Mahola.
James Reed, por sua vez, agradeceu Craig pela lição aprendida durante a realização do filme: “Ele nos mostrou que um homem pode fazer amizade com um polvo, e isso nos faz perguntar o que mais é possível”.
Professor Polvo se manteve favorito ao Oscar, mesmo com concorrentes tão poderosos como Colletive, sobre tragédia na Romênia, e o chileno Agente Duplo, bastante criativo, de acordo com a crítica. E mais: Crip Camp, The Mole Agent e Time.
Ehrlich sempre se declarou encantada com a resposta dos fãs – que pode ter influenciado o júri do Oscar – e lembrou, especialmente, da revelação da naturalista Jane Goodall de que seus filmes favoritos são O Senhor dos Anéis e Professor Polvo.
O polvo é uma das criaturas marinhas mais enigmáticas e fascinantes. Esses animais são considerados por biólogos como os invertebrados com o sistema nervoso mais complexo do planeta. E um novo estudo científico sugere algo ainda mais surpreendente sobre os polvos: eles podem sentir não somente dores físicas, mas também, emocionais.
A descoberta, feita pelo neurobiólogo Robyn Crook, da San Francisco State University, foi divulgada em um artigo científico recente na revista iScience.
“Ao contrário da nocicepção, que é uma resposta (reflexo) simples, a dor é um estado emocional complexo que engloba angústia e sofrimento e geralmente exige um sistema nervoso altamente complexo”, explica o pesquisador.
De acordo com as observações feitas por Crook durante sua análise, os polvos, assim como animais vertebrados, exibem comportamentos cognitivos e espontâneos indicativos de experiência de dor afetiva.
Nos testes realizados em laboratório, o cientista usou os mesmos métodos empregados com roedores para demonstrar a associação entre a dor e a atividade neural – a injestão de algumas substâncias na pele desses animais.
“Embora uma série de estudos anteriores em cefalópodes e outros invertebrados tenham mostrado que eles podem aprender a evitar uma situação que irá causar dor, aqui, os polvos foram capazes de aprender a evitar um local visualmente específico que foi explicitamente desvinculado no tempo e no espaço do procedimento de injeção que iniciou a ativação do nociceptor”, destaca.
A revelação feita por Robyn Crook me faz lembrar de um dos documentários mais lindos que vi até hoje. Chama-se “My Octopus Teacher”, traduzido para “Professor Polvo”, em português, que está disponível no Netflix. O filme mostra a amizade inacreditável que ocorre entre um mergulhador e fotojornalista e … um polvo!
Se você ainda não assistiu, assista! É emocionante e comovente. Mais uma prova de como os polvos são animais extraordinários, assim como tantos outros seres da natureza e o que nos falta, como seres humanos, muitas vezes, é simplesmente ter um olhar mais atento ao nosso redor.
Garrafas plásticas, embalagens, latas, canudos, bitucas de cigarro, baterias, pneus… A lista não tem fim. São resíduos encontrados hoje, em abundância, nas águas e no solo de todos os oceanos do planeta. Resultado do completo descaso do ser humano com o meio ambiente. É a poluição que impacta a vida dos seres marinhos. E agora, um estudo inédito feito por um grupo de pesquisadoras brasileiras revela que está afetando também o comportamento dos polvos.
Publicado recentemente na Marine Pollution Bulletin, o artigo mostra a análise de imagens de polvos interagindo com esses materiais. Os registros foram feitos em várias regiões do mundo, o que comprova uma realidade assustadora.
Realizado em conjunto por pesquisadoras das Universidades Federais do Rio Grande, Santa Catarina e de Pernambuco e também, da Universidade de Napoli (Itália), o estudo traz um alerta sobre o uso do lixo como toca artificial.
“Os polvos são realmente muito inteligentes e estão mostrando uma grande capacidade de adaptação a esse novo cenário com o qual estão se defrontando: um fundo marinho dominado por lixo. Pode parecer até uma coisa vantajosa num primeiro momento, só que isso pode provocar vários outros problemas”, ressalta a oceanóloga Maíra Proietti, professora do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande e uma das co-autoras do artigo.
Conversamos com ela sobre a pesquisa e você confere a entrevista a seguir:
Pra começar, gostaria de saber como surgiu a ideia para o estudo? A ideia surgiu a partir da necessidade de melhor entender como o lixo no mar está impactando os cefalópodes, que incluem o grupo dos polvos, uma espécie extremamente interessante, carismática e inteligente, mas que infelizmente existem dúvidas de como esses animais estão interagindo com esses resíduos.
Qual foi o principal resultado de vocês após a análise das imagens de interação entre polvos e lixo nos oceanos? Observamos através dessas imagens globais que o uso do lixo como toca foi a interação mais comum, principalmente em itens de vidro opaco, que provavelmente servem de bons abrigos para esses animais evitar a predação. Percebemos também outra espécie, o polvo-do-coco, que utiliza as cascas dessa fruta como toca e para se locomover utilizando esse tipo de abrigo.
Também analisamos imagens de mar profundo, de uma centena de metros, feitas com robôs submarinos operados remotamente. Nelas, novamente, registramos a interação de espécies com o lixo. E é bem preocupante perceber essa mudança de comportamento dos polvos, ao usar resíduos como habitat.
A Ásia aparece como o continente onde foi registrado o maior número de interações. Quais outras regiões também mostram um aumento dessa interação entre polvos e lixo? Existem vários estudos que já mostram que a Ásia é uma das principais responsáveis pela geração de lixo marinho. Mas pode não ser apenas esse fator. Na Ásia há muita atividade de mergulho e com isso, mais documentação e isso pode ter gerado mais registros dessa interação entre polvos e resíduos. Pode ser uma combinação dessas duas coisas. Mas também há imagens desse comportamento em águas da Europa, Oceania, Américas do Norte e do Sul e Central, também. Ou seja, percebemos essa interação em todos os continentes.
O Brasil também aparece nessa análise? O Brasil também tem alguns registros e inclusive, há uma questão específica de uma nova espécie, descrita recentemente pela bióloga Tatiana Leite, observada principalmente no Rio de Janeiro, numa região onde ela é comumente encontrada no meio do lixo. Parece ser uma espécie que achou uma solução para a falta de conchas vivendo entre resíduos.
O registro de um polvo dentro de uma lata de alumínio (Foto: Edmar Bastos)
Quais são os principais comportamentos revelados pelas imagens na interação entre polvos e resíduos? O principal comportamento observado é o uso do lixo como abrigo. No lugar dos naturais, os animais utilizam esses materiais artificiais, tão abundantes nos oceanos, para se esconder e se proteger de seus predadores, como eles fariam com conchas e tocas naturais.
Polvos são seres bastantes inteligentes, inclusive, reconhecidos como seres sencientes recentemente pelo governo do Reino Unido. Vocês acreditam que por esta razão eles possuam uma maior habilidade em conseguir se adaptar a oceanos mais poluídos? Os polvos são realmente muito inteligentes e estão mostrando uma grande capacidade de adaptação a esse novo cenário com o qual estão se defrontando: um fundo marinho dominado por lixo. Pode parecer até uma coisa vantajosa num primeiro momento – na maioria são abrigos bons para eles, numa garrafa de vidro, por exemplo, eles estão bem intocados dentro -, só que isso pode provocar vários outros problemas.
No nosso artigo relatamos casos de polvos intocados em garrafas de vidro quebradas ou latas enferrujadas ou danificadas, mesmo em baterias ou embalagens plásticas, que podem ter compostos tóxicos e acabando por afetar esses animais negativamente.
Agora precisamos de mais estudos para entender quais os impactos reais do uso desse novo habitat pelos polvos. Eles estão em contato direto com esses materiais, colocando ovos ali e isso pode ser prejudicial em algum nível.
Quais são os principais impactos dessa interação de polvos com lixo? Além dessa questão de possíveis ferimentos, como no caso dos vidros quebrados, como citei acima, e da contaminação por substâncias desses resíduos, isso falando apenas do uso do lixo como toca, é preciso lembrar que esses animais estão ingerindo esses materiais e isso pode causar um impacto para a vida marinha como um todo.
É muito preocupante pensar que não há mais um habitat natural e eles precisem usar esses substratos artificiais, um reflexo direto da grande quantidade de lixo que estamos jogando no mar e está poluindo nossos oceanos.
Um polvo utilizando copos plásticos como toca (Foto: Claudio Sampaio)
“A nossa Mata Atlântica tem vários seres vivos de muita importância, espécies que já estão em extinção e que a gente precisa trazer de volta”, diz o indígena da etnia Pataxó, Matias Santana, presidente da Cooperativa de Trabalho de Florestadores e Reflorestadores da Aldeia Indígena Pataxó Boca da Mata (Cooplanjé), no sul da Bahia. “A cooperativa de trabalho nós criamos pra trazer emprego pra comunidade, pros familiares”.
De 2018 até este ano, a Cooplanjé trabalhou na restauração de 210 hectares de áreas degradadas de Mata Atlântica para aumentar a conectividade florestal entre o Parque Nacional e Histórico do Monte Pascoal – primeiro pedaço de terra avistado pelos colonizadores portugueses – e o Parque Nacional do Pau Brasil, integrando também a Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, da etnia Pataxó.
“Foi a primeira vez que o BNDES financiou um projeto de SAF [sistema agroflorestal] no bioma Mata Atlântica”, conta Marcos Lemos, do Grupo Ambiental Natureza Bela, parceiro dos Pataxó no projeto. Dos 210 hectares, 50 foram restaurados dentro da aldeia Boca da Mata em Sistemas Agroflorestais. “Esse SAF nós usamos como estratégia de restauração do Monte Pascoal”.
Além de o SAF produtivo formar uma espécie de cinturão verde, evitando a entrada de focos de incêndio no interior do Parque Nacional, ele é um meio para fortalecer a sobrevivência das comunidades indígenas. “A unidade de conservação tem uma sobreposição com as comunidades da TI Barra Velha do Monte Pascoal, que compreende 16 aldeias no entorno do parque”, explica Marcos.
Antes de 1500
“Hoje, eu imagino que a gente tenha cerca de 2 mil hectares ou mais em processo de restauração no Corredor Ecológico Monte Pascoal-Pau Brasil, boa parte deles concentrados nas bordas dos parques”, conta o pesquisador Paulo Dimas Rocha de Menezes da Universidade Federal do Sul da Bahia.
Desde 2005, projetos de restauração têm colaborado para a formação do Corredor Ecológico, que objetiva conectar a floresta, contribuindo para o fluxo gênico de animais e espécies vegetais e também implementar atividades econômicas que favoreçam os povos da região.
“Nós temos uma pressão e histórico de desmatamento e de ocupação dessa região que foi exclusivamente madeireira, retirando primeiro a Mata Atlântica e entrando depois com pastos”, diz Marcos.
“A gente vem com todo um conjunto de ações e instituições para manter o que existe e avançar na preservação, tendo em vista que nós estamos numa região com três Parques Nacionais e temos ainda o Parque Marinho de Abrolhos, que sofre influência dessas áreas de recarga”.
Nesta região de relevância hídrica e rica em biodiversidade sobrevive um dos maiores remanescentes de árvores pau-brasil (Paubrasilia echinata). Próximo ao Parque Nacional do Monte Pascoal, num assentamento do Movimento Sem Terra (MST), foi encontrado em 2020 o maior exemplar de pau-brasil do país, com idade estimada de 600 anos e mais de 7 metros de circunferência.
A restauração da região denominada Costa do Descobrimento usa espécies nativas, que já cobriam o solo baiano antes da chegada dos colonizadores portugueses. “Nós trabalhamos com 132 espécies endêmicas e tentamos recompor o que era a nossa flora. E aí eu poderia citar pau-brasil, ipê, conduru, jacarandá. Espécies que a gente não encontra mais”, conta Marcos.
Histórico da destruição
Além de Unidades de Conservação e aldeias indígenas, a região também conhecida como Mosaico de Áreas Protegidas do Extremo Sul da Bahia (Mapes) inclui terras privadas e sofre a pressão forte do uso de madeiras nativas da Mata Atlântica, normalmente adquiridas de forma ilegal.
“A devastação no extremo sul da Bahia é muito recente”, conta Paulo Dimas. “O primeiro trecho que os europeus ocuparam no litoral foi o último a ser colonizado porque a colonização foi proibida aqui quando descobriram as Minas Gerais”.
Para proteger o ouro descoberto no século 17 no interior do Brasil, foi proibida a instalação de colonos do norte do Espírito Santo até o sul da Bahia. Os povos indígenas que ali estavam serviam como escudo, impedindo a entrada de não-portugueses na região das minas.
Já na década de 1880, a construção da Estrada de Ferro Bahia-Minas impulsionou o desmatamento, que, seguido pelas frentes agropecuárias, se intensificou com o asfaltamento da BR-101 na década de 1970.
“Com o incentivo da Ditadura Militar, se instalaram aqui mais de 200 serrarias e acabaram com a mata em 20 anos”, conta Dimas. “Na década de 1990 já quase não tinha floresta a não ser o que depois foi transformado em Parques Nacionais”.
Se alguns acusam os indígenas de desmatar a área, especialistas afirmam que o uso que eles fazem da madeira para o artesanato é irrelevante comparado ao histórico de devastação da região.
“O nosso histórico comprova que não são eles. Eles são os que mais sofrem e que são explorados até hoje nessa questão da retirada de madeira”, diz Marcos Lemos. “Já não é tão frequente, mas ainda existe uma exploração desumana para o homem que corta essa madeira, porque ela é feita de maneira artesanal e vendida a preços muito baixos, o que chega a ser uma degradação da condição humana”.
Conflitos com fazendeiros
Nos últimos anos, a Cooplanjé e os sistemas agroflorestais produtivos surgiram como alternativa ao uso da madeira no território Pataxó.
“Várias famílias saíram da atividade de extração e beneficiamento de madeira para a atividade de restauração e implantação agroflorestal”, conta Paulo Dimas. “Se a gente tivesse mais recursos, o ideal seria tirar todas as famílias dessa atividade e transformá-las em famílias que vivem de floresta”.
Apesar do avanço, o povo Pataxó vive situação de constante conflito com fazendeiros. “Aqui no território de Barra Velha, próximo ao Parque Monte Pascoal, essa área em que a comunidade [indígena] entrou é área de demarcação que já foi homologada, mas hoje está ocupada pelos fazendeiros”, conta o Pataxó Matias.
“A gente já teve um questionamento com o governo e com a Funai para pagar os bens que os fazendeiros têm na terra e liberar o nosso território, mas nunca foi pago. Então a comunidade faz a reivindicação dessa forma, retomando a área”.
Segundo Paulo Dimas, a quantidade de terra em poder dos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal é muito restrita. “Eles têm direito aqui a mais de 50 mil hectares de terras já demarcadas e eles estão em posse de 9 mil hectares. Com isso, eles não conseguem manter as atividades tradicionais e têm que viver de turismo, comércio ou artesanato”.
Matias queria manter as 80 famílias que trabalharam no projeto de restauração financiado pelo BNDES dentro da Cooplanjé, mas não foi possível por falta de novos projetos. No momento, apenas cinco famílias permanecem trabalhando na cooperativa.
“Nosso plano é buscar parceiros e financiadores diretamente, para a gente ter uma organização indígena independente. Buscar outros parceiros para que a gente possa trazer emprego para dentro da comunidade”, conta Matias.
“Agora estamos felizes porque estamos construindo uma parceria para entrega de sementes e estamos fazendo também uma parceria com um viveiro de São Paulo para a produção de mudas”.