8 temas de desenvolvimento sustentável para acompanhar na década do "tudo ou nada"
Este blog foi publicado originalmente no Insights.
O mundo não foi gentil com o meio ambiente na última década, a mais quente da história desde que há registros. A tempestade Sandy causou estragos de mais de US$ 70 bilhões nos Estados Unidos. Cidades como Cape Town, na África do Sul, quase ficaram sem água. Inundações recordes mataram 1,3 mil pessoas na Índia e no Paquistão. Incêndios queimaram mais de 9 milhões de hectares na Califórnia, na Amazônia e, mais recentemente, na Austrália, destruindo florestas, casas e vidas humanas.
Novas metas globais – incluindo o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ambos adotados em 2015 – foram momentos brilhantes da década que passou, mas não está claro se o mundo será capaz de cumprir essas ambições nos próximos anos.
O ano de 2020 reserva momentos e decisões fundamentais para colocar o mundo em uma trajetória mais sustentável. "A história mais impactante para acompanhar não é se 2020 será o ano da virada", explicou o presidente e CEO do WRI, Dr. Andrew Steer. "Na verdade, é se 2020 será o ano da virada para melhor ou para pior".
Steer apresentou destaques e perspectivas no evento anual Stories to Watch do WRI, em Washington. O pano de fundo deste ano é sobre desafios e atores que, em 2020, podem influenciar a década que se inicia com clima de “tudo ou nada”. Veja o que acompanhar neste ano.
No vídeo abaixo, assista a apresentação de Andrew Steer na sede do WRI em Washington:
Três assuntos para acompanhar
Três áreas serão especialmente importantes em 2020: o oceano, a biodiversidade e as mudanças climáticas. Essas questões são significativas por si só, mas também na maneira como elas se relacionam – a contenção da mudança climática melhora o oceano e a vida selvagem; ações baseadas no oceano são essenciais para controlar as emissões, etc. "Todas estão relacionadas e as três juntas são muito importantes", disse Steer.
1. Um novo caminho para o oceano
O oceano já enfrenta poluição, superaquecimento e sobrepesca. Um recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) constatou que, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem inabaláveis, os impactos climáticos no oceano custarão ao mundo US$ 428 bilhões até 2050. Melhor gestão dos mares é importante não apenas para a segurança alimentar, os meios de subsistência e as economias, mas para mitigar as mudanças climáticas. Pesquisa do Painel de Alto Nível para uma Economia do Mar Sustentável mostrou que as ações baseadas no oceano poderiam responder por 20% das reduções de emissões necessárias até 2050.
Momentos-chave em 2020 nos mostrarão se as lideranças seguirão os negócios como de costume ou se adotarão uma nova narrativa – mais focada em proteger a "economia azul", combater as mudanças climáticas e proteger os meios de subsistência. Acompanhe as decisões da segunda conferência da ONU sobre o oceano em Portugal em junho, se a Organização Mundial do Comércio vai concordar em cortar subsídios prejudiciais à pesca em sua reunião de junho no Cazaquistão, se o mundo avançará na proteção de mais áreas marinhas e se os países incluirão ações para os oceanos nos seus novos planos climáticos nacionais (conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas, ou NDCs).
2. Novas metas de biodiversidade
Há dez anos, os países estabeleceram as Metas de Aichi, 20 objetivos globais de biodiversidade a serem alcançados até 2020, como, por exemplo, reduzir pela metade a perda de habitat natural. Já estamos em 2020 e falhamos largamente nesses objetivos. A perda de habitat natural dobrou nos últimos 10 anos. Aproximadamente um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção.
Os países se reunirão em outubro na conferência de biodiversidade da ONU em Kunming, na China, um encontro que ocorre apenas uma vez por década, para estabelecer a próxima rodada de metas. Observe se as metas são confiáveis, alcançáveis e responsabilizarão os países por seus compromissos. Um compromisso global para conservar 30% da terra e do mar do mundo seria o ideal. Como anfitriã do evento e país megaconsumidor, a China tem um papel fundamental a desempenhar. Será que vai estabelecer metas ambiciosas e que possam inspirar os outros a proteger os recursos naturais?
3. Reação global pela ação climática na COP26
Está claro que as tendências climáticas estão indo na direção errada. Os cientistas dizem que as emissões precisarão cair pela metade até 2030 e chegar a valores líquidos zero até 2050 para evitar os piores impactos climáticos. Em vez disso, as emissões de dióxido de carbono dos combustíveis fósseis atingiram um nível recorde em 2019.
A COP26, a conferência do clima da ONU que ocorrerá neste ano em Glasgow, na Escócia, pode ser um momento fundamental para estimular uma reação. No período que antecede o encontro, observe se os países assumirão compromissos de longo prazo para atingir emissões líquidas zero até 2050 e compromissos de curto prazo para aprimorar suas NDCs neste ano. As NDCs atuais colocam o mundo em um caminho para aquecer de 3°C a 4°C até 2050, sendo que precisamos reduzir as emissões o suficiente para limitar o aumento da temperatura para bem abaixo de 2°C.
5 atores essenciais para a ação coletiva
“Os problemas que enfrentamos não podem ser resolvidos por nenhum país ou liderança isolada”, explicou Steer. “Eles demandam ação coletiva”.
Trabalhando juntos, cinco atores podem nos fazer avançar nos desafios de sustentabilidade.
1. Governos
Apesar de 108 países já terem se comprometido a fortalecer seus planos nacionais para o clima antes da COP26, eles representam apenas 15,1% das emissões globais. Precisamos de grandes emissores para avançar da mesma forma – principalmente China, Estados Unidos, União Europeia (UE) e Índia, que coletivamente produzem 50% das emissões.
A China pode ser mais ousada, chegando ao pico de emissões antes de 2030 e esverdeando sua iniciativa Belt and Road. A Índia estabeleceu metas ambiciosas de energia renovável, mas pode superar as expectativas, reduzindo o uso de carvão e ampliando o uso de veículos elétricos. O Green Deal da UE é promissor, mas precisará ganhar força e incentivar outros a segui-lo. Estados, cidades e empresas dos EUA estão reduzindo as emissões, apesar de retrocessos ambientais do governo Trump, mas a ação federal é fundamental. O resultado da eleição presidencial dos EUA em novembro será significativo, tanto para a ação climática nacional quanto para a permanência do país no Acordo de Paris.
2. Mercados financeiros
Os riscos financeiros das mudanças climáticas ficaram explícitos na última década, com os desastres climáticos custando US$ 650 bilhões nos últimos três anos. Apesar de alguns sinais encorajadores, como o aumento de investimentos sustentáveis e algumas instituições financeiras que deixaram de trabalhar com combustíveis fósseis, os mercados ainda não estão totalmente alinhados com uma economia de baixo carbono.
As principais decisões a serem acompanhadas neste ano incluem se os reguladores financeiros vão pressionar por investimentos mais sustentáveis em termos ambientais e se os bancos de desenvolvimento irão alinhar seus portfólios às metas do Acordo de Paris. Os ministros de Finanças e Economia podem e devem ajudar a fortalecer as NDCs, seja pela precificação do carbono ou por outras políticas fiscais verdes. O governador do Banco da Inglaterra, Mark Carney, pode ser uma figura influente como o novo enviado especial da ONU para ações e finanças climáticas.
3. Negócios
Como nos mercados financeiros, o setor de negócios avançou rumo à sustentabilidade, mas não o suficiente. Os consumidores estão exigindo produtos mais sustentáveis, mas o consumismo ainda está drenando os recursos naturais 1,75 vezes mais rápido do que o planeta pode reabastecê-los. Mais e mais empresas estão se comprometendo a eliminar o desmatamento de suas cadeias de suprimentos. No entanto, 5 milhões de hectares de floresta – uma área do tamanho da Dinamarca – são destruídos todos os anos para dar lugar a commodities.
Um ponto de virada importante seria se mil empresas se comprometessem a estabelecer metas de redução de emissões baseadas na ciência até a COP26. Até agora, 750 se comprometeram a reduzir suas emissões o suficiente para manter o aumento da temperatura abaixo de 2°C. Preste atenção em compromissos semelhantes baseados na ciência para biodiversidade, solo, uso da água e outros desafios de sustentabilidade. Observe também se as associações comerciais mudam sua abordagem para se alinhar às metas climáticas.
4. Tecnologia
A expansão de tecnologias testadas e comprovadas pode ajudar a reduzir as emissões mais rapidamente e em uma escala maior. Por exemplo, expandir a frota de veículos elétricos e o suprimento de energia renovável pode acelerar o abandono dos combustíveis fósseis. Cidades chinesas já aumentaram suas frotas de veículos elétricos. Preste atenção aos 1,1 mil novos ônibus elétricos no Chile e em Bogotá, na Colômbia, o início de uma frota de 100 mil veículos elétricos da Amazon e as novas caminhonetes elétricas da Ford. Ao mesmo tempo, espera-se que a capacidade de armazenamento em baterias para energias renováveis cresça 3 gigawatts nos Estados Unidos.
Também são esperados avanços animadores de tecnologias inovadoras. Estão em andamento planos para a maior planta de captura direta de ar do mundo, projetada para remover o dióxido de carbono da atmosfera. A remoção de carbono é essencial para alcançar emissões líquidas zero até 2050. Esta planta pode ajudar a estabelecer melhor a tecnologia necessária para isso. Aeronaves elétricas estão sendo testadas. E a primeira usina de gás com emissão zero está a caminho da implantação.
O desenvolvimento tecnológico é muito importante e mais fácil do que se imagina de aplicar em setores difíceis de reduzir emissões, como combustíveis fósseis, aço e cimento. Pesquisas mostram que a descarbonização desses setores custará apenas 0,5% do PIB global até 2050. Observe se as indústrias investem na inovação necessária para diminuir seu impacto.
5. Pessoas
Houve uma explosão de ativismo climático nos últimos anos, incluindo movimentos como Extinction Rebellion, Fridays for the Future e mais de 7 milhões de pessoas marchando em 185 países em apenas uma semana de setembro de 2019. “Agora estamos vendo o poder de influência das pessoas como nunca tínhamos visto desde a década de 1970 ”, disse Steer.
Muitos desses ativistas não estão apenas exigindo ação climática; eles estão lutando por justiça. A mudança climática é também uma questão de desigualdade: os 10% mais ricos do mundo produzem metade de todas as emissões de gases de efeito estufa, enquanto os mais pobres sentem os impactos com mais intensidade. E as políticas climáticas podem ter dois lados: quando projetadas corretamente, podem tirar as pessoas da pobreza e promover a igualdade. Quando mal concebidas, sobrecarregam indevidamente as pessoas, especialmente os grupos marginalizados. Vimos essas consequências não intencionais nos últimos anos na França e no Chile, que enfrentaram protestos em parte ocasionados pelo aumento nas tarifas de combustível e transporte.
Quinze países, incluindo o Reino Unido, declararam estado de "emergência climática", em grande parte devido a levantes de cidadãos. Precisamos ver se esse ativismo leva a mudanças políticas concretas. Observe se os países abordam o conceito de “transição justa” em seus planos nacionais para o clima e na COP26.
2020: um ano crítico
Os desafios de sustentabilidade a serem enfrentados nesta década são grandes, de longo alcance e inter-relacionados. Nenhum ator individual será capaz de resolvê-los sozinho. A ação coletiva – com todos os cinco atores trabalhando juntos, apoiando uns aos outros e inspirando maior ambição – é essencial para qualquer tipo de progresso.
“A década de 2020 é a década do tudo ou nada” definiu Steer. “Nós dizemos isso em todas as décadas, mas desta vez realmente é verdade.”
Estaremos acompanhando como essas histórias se desenrolam ao longo do próximo ano. Em 2030, esperamos que seja possível olhar para 2020 como o ponto de virada para a sustentabilidade, não como o ano que nos deixou presos a níveis perigosos de aquecimento do planeta.