Um em cada três focos de queimadas na Amazônia tem relação com o desmatamento
06 Setembro 2019
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Na Amazônia, 31% dos focos de queimadas registrados até agosto
deste ano localizavam-se em áreas que eram floresta até julho de 2018. A
conclusão é de uma análise feita pela equipe do WWF-Brasil, sobre focos
de queimadas no bioma, com base em séries históricas de imagens de
satélite e em dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Esse resultado revela que aproximadamente um em cada três focos de
queimadas registrados em 2019 não tiveram relação com a limpeza de
pastagens, mas sim com queimadas que sucederam o corte de áreas de
floresta, no ciclo tradicional de corte e queima. Historicamente, na
Amazônia, o uso do fogo é um dos estágios finais do desmatamento após o
corte raso da floresta.
Os líderes dos países amazônicos devem assinar hoje (6/9), na cidade de
Letícia, na Colômbia, um Pacto Pela Amazônia. A proposta consistia em
coordenar esforços para defender o bioma nesta imensa crise. Mas o
governo brasileiro pode pressionar para que o pacto seja fraco e apoiar a
mineração e outras indústrias extrativistas, com grandes impactos
ambientais, prejudicando toda a região.
O mês de agosto trouxe notícias preocupantes para a Amazônia brasileira: a área com alertas de desmatamento foi de 1.394 km
2,
um valor 120% maior do que o mesmo mês em 2018. Somente nos oito
primeiros meses de 2019, a área total com alertas de desmatamento foi de
6 mil km
2, um valor 62% maior do que o observado para o mesmo período em 2018.
Acompanhando o rastro do desmatamento, o número de focos de queimadas na
Amazônia, entre janeiro e agosto de 2019, cresceu mais de 110%, na
comparação com o mesmo período de 2018. Ao todo, foram registrados
46.825 pontos, segundo a medição do Programa Queimadas do INPE. Esse
valor representa um aumento de 64% em relação à média dos últimos dez
anos (2009-2018) para o mesmo período.
A nova análise realizada pela equipe da WWF-Brasil corrobora
nota técnica recém-publicada
pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) verificou que
30% dos focos de fogo registrados nos primeiros oito meses de 2019
localizavam-se em florestas públicas não destinadas (20%) ou áreas sem
informação cadastral (10%). As florestas públicas não destinadas ainda
carecem de destinação para uma categoria fundiária de proteção e
–portanto, por definição, qualquer desmatamento ou fogo que acontece ali
é de origem ilegal.
Em síntese, as análises apontam que não está ocorrendo na Amazônia um
aumento de queimadas em pastagens, ou mesmo de incêndios florestais fora
de controle -mesmo porque estamos num ano mais úmido, com a floresta
menos suscetível a esses incêndios acidentais- mas sim uma verdadeira
epidemia de desmatamento, na qual o fogo vem sendo utilizado
intencionalmente como ferramenta para limpeza de áreas recém-desmatadas.
De acordo com Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, as
queimadas na Amazônia não são naturais -elas são deliberadamente
deflagradas, de forma ilegal, por madeireiros e grileiros- e só poderão
ser controladas com uma ação conjunta do governo, do setor privado e da
sociedade.
"Pedimos à sociedade que apoie um modelo de desenvolvimento para a
Amazônia que seja capaz de estimular a ciência e a tecnologia, o uso
sustentável da biodiversidade e o respeito aos povos indígenas e
comunidades tradicionais", disse Voivodic.
Segundo ele, a menos que o governo aplique leis e penalidades mais
rigorosas para colocar um fim nessas atividades ilegais, o mundo
continuará testemunhando a devastação de uma das principais proteções
naturais existentes contra a crise climática.
"Fazemos um apelo para que os governos dos países amazônicos lutem
contra o desmatamento e a grilagem relacionada à exploração de terras
públicas. E também pedimos que o setor privado implemente mecanismos de
rastreabilidade e transparência para garantir a eliminação da compra de
bens -especialmente carne, madeira e produtos de mineração- provenientes
de áreas ou atividades ilegais", afirmou Voivodic.
Em agosto de 2019, uma área de 24.944 km² foi queimada na Amazônia
brasileira. Essa área corresponde a mais de quatro vezes a que foi
registrada no ano anterior, de 6.048 km².
Ao longo de 2019, a área total da Amazônia destruída por incêndios é
estimada em cerca de 43.753 km². No mesmo período, em 2018, foram
queimados 17.553 km², o que representa um aumento de quase 150% neste
ano.
Áreas protegidas sob ameaça
Segundo dados preliminares do Mapbiomas, mais de 90% dos desmatamentos
registrados nos três primeiros meses de 2019 no Brasil foram realizados
sem autorização do órgão ambiental competente, ou seja, são totalmente
ilegais. Por meio da ferramenta, é possível detectar que 40% dos alertas
validados no primeiro trimestre de 2019 ocorreram em áreas nas quais
sequer poderia haver autorização, pois são unidades de conservação,
terras indígenas ou áreas de preservação permanente, como nascentes.
Um dado preocupante, que demonstra a sensação de impunidade reinante na
Amazônia, é o aumento significativo do desmatamento em áreas protegidas
(Parques Nacionais, terras indígenas etc.). Entre janeiro e agosto de
2019, o desmatamento nessas áreas cresceu 84% em relação a 2018 e mais
de 190% em relação a 2017.
A proporção de área com alertas de desmatamento dentro de áreas
protegidas em relação ao total de alertas na Amazônia também sinaliza
uma tendência de elevação nos últimos três anos avaliados: 11% em 2017,
13% em 2018 e 17% em 2019.
Dados do IPAM
mostram que 20% dos focos de queimadas registrados até agosto deste ano
ocorreram dentro de áreas protegidas, e que apesar da proteção
ambiental que conferem, foi observado aumento surpreendente aumento no
número de focos de queimadas em UCs em 2019, com o dobro dos focos
registrados em relação à média dos últimos oito anos.
Todos esses dados e análises deixam claro que os esforços do Governo
Federal devem se concentrar sobretudo na prevenção do desmatamento
ilegal, com ações efetivas de fiscalização e punição àqueles que vêm
infringindo a lei. É o caso, por exemplo, dos mais de 300 grileiros que
invadiram a terra indígena Trincheira-Bacajá, no Estado do Pará, que
estão derrubando e colocando fogo na floresta com a intenção de se
apossarem da área e mais tarde revende-la no lucrativo mercado de terras
roubadas do patrimônio público.
Apenas em julho foram desmatados 945 hectares de florestas na terra dos
Xikrin, um aumento exponencial impulsionado pela sensação de impunidade
que vigora em áreas de fronteira na Amazônia como decorrência dos
discursos e ações adotadas pelo atual governo.