Por José Truda
- terça-feira, 18 abril 2017 23:24
Não
sabemos. Há seis anos, o Brasil sofre com a falta de dados sobre a
atividade pesqueira no país, que deveriam ser produzidos regularmente
pela Secretaria de Aquicultura e Pesca. Não se sabe o que é
desembarcado, como se pesca, o que se pesca e nem quantos barcos existem
no país. O problema afeta tanto a pesca industrial quanto a artesanal.
“Enquanto não tivermos o mínimo de monitoramento e uma fiscalização
rigorosa, nós não vamos poder jamais dizer que a pesca no Brasil é
sustentável”, diz
José Truda, que inaugura hoje videoblog em ((o))eco sobre conservação marinha.
Vejam depoimento no link abaixo:
https://youtu.be/t7IgMGjqlSc
Leia mais sobre o assunto:
https://youtu.be/t7IgMGjqlSc
Ministério da (Sobre)Pesca e do Sumiço das Estatísticas
Por José Truda
- terça-feira, 31 março 2015 21:19
Durante os dias 26 e 27 de março, a convite do ICMBio, realizou-se em
Brasília uma reunião muito rara, reunindo pesquisadores, ONGs
ambientalistas e lideranças da pesca artesanal de todo o pais para
discutir
a recente Portaria 445
do Ministério do Meio Ambiente que lista as espécies aquáticas
brasileiras ameaçadas de extinção e determina medidas para sua proteção.
O encontro é incomum, pois envolveu setores que quase nunca se
encontram, e menos ainda estão acostumados a encontrar consensos quando
se trata da gestão dos recursos pesqueiros nacionais. Para grata
surpresa deste que vos escreve, esses consensos foram encontrados até
com relativa facilidade, no que tange a apoiar a manutenção da Portaria
445 para proteger o que resta da biodiversidade aquática do Brasil e
buscar caminhos para a gestão adequada das espécies vulneráveis.
Outro consenso emergiu nas conversas e da indignação de quem trabalha
seja com conservação, seja com pesca: o ministério que se supõe
encarregado do tema é o pior problema a resolver, e muitos dentre nós
torcemos para que a tão propalada reforma ministerial acabe com esse
trambolho que só favorece a devastação e o mau uso do dinheiro público.
Trata-se do Ministério da Pesca e Aquicultura, ou melhor, Ministério da
(Sobre)Pesca.
Criado com a suposta missão de ordenar e fomentar a aquacultura e o
uso dos recursos pesqueiros, ele logo mostrou a que veio,
transformando-se num cartório dos interesses que dominam a pesca
industrial no Brasil, e que mais parecem ser empresários de mineração do
que de uso de um recurso público vivo.
Apropriando-se de montanhas de dinheiro dos nossos impostos, este
ministério promove uma verdadeira derrama de subsídios para um setor
historicamente responsável pela destruição sistemática da biodiversidade
marinha brasileira, com a disponibilização de mais de
QUATRO BILHÕES DE REAIS para facilitar a construção de ainda mais embarcações para predar sobre recursos já violentamente sobre-explorados.
Qualquer compromisso com sustentabilidade da pesca empalidece frente à
sanha pseudo-desenvolvimentista que caracteriza as ações e o discurso
dos caciques políticos que o dominam. Não há qualquer critério técnico
para as indicações do ministro e suas chefias, como, aliás, é a má praxe
na gestão pública federal de nossa combalida Banânia.
Em nenhuma área a cumplicidade criminosa do Ministério da
(Sobre)Pesca com a mineração dos recursos pesqueiros nacionais é tão
evidente quanto na pesca oceânica. Basta ver o que está acontecendo com
os tubarões do Brasil, um grupo de fauna marinha essencial ao equilíbrio
ecológico dos oceanos e à saúde da própria pesca de outras espécies.
Os
tubarões
estão simplesmente desaparecendo
de toda a extensão de nossas águas, vitimados pela captura intencional
disfarçada de "incidental" para alimentar o tráfico internacional de
barbatanas, cuja exportação "legal", estimulada por esse
ministério-cartório, serve apenas para encobrir uma gigantesca e
contínua operação de
contrabando de toneladas de barbatanas, que corresponde a milhões de tubarões massacrados ilegalmente nas barbas de quem deveria zelar pelo ordenamento pesqueiro.
Cadê os números?
"(...) sem dados oficiais o massacre pornográfico da fauna marinha brasileira não pode ser comprovado em toda sua extensão"
Infelizmente não é possível ordenar a pesca no Brasil, eis que não há
dados suficientes para garantir a determinação de cotas sustentáveis
para a maioria das espécies de interesse comercial. Como, não há dados?
Simples.
DESDE 2011 o Ministério da (Sobre)Pesca não publica mais quaisquer estatísticas
sobre os desembarques pesqueiros no país, e não os compila mais desde
2008, deixando que a máfia que pratica a sobrepesca sistemática deite e
role à vontade.
As desculpas para esse absurdo são muitas, mas a verdade
é uma só: sem dados oficiais o massacre pornográfico da fauna marinha
brasileira não pode ser comprovado em toda sua extensão, dificultando a
adoção de medidas de ordenamento e conservação adequadas. Alegria pura
para as quadrilhas que vivem de depredar esse inestimável patrimônio
público que é o mar do Brasil.
Não é por nada que
auditoria do Tribunal de Contas da União
corroborou a informação de que estudos de avaliação dos estoques
indicam que 80% dos principais recursos pesqueiros nacionais
encontram-se plenamente explorados, sobrepescados, esgotados ou (tardia e
lentamente) em processo de recuperação.
Além disso, nota que o próprio
governo brasileiro admitiu, em 2011, no seu
4º Relatório para a Convenção da Diversidade Biológica,
que a atividade pesqueira é a principal ameaça à biodiversidade marinha
nas águas brasileiras, impactando não apenas os recursos ditos
pesqueiros propriamente ditos, mas uma ampla diversidade de espécies,
capturadas "incidentalmente" ou como "fauna acompanhante", e de
ecossistemas. A auditoria do TCU apontou a mais absoluta falta de
transparência no processo de gestão no Ministério da (Sobre)Pesca e seus
"comitês de gestão". Mas nada foi feito.
Não é de se estranhar, portanto, que este ministério e seus donos, os
empresários da (sobre)pesca industrial, tenham ficado furiosos com a
edição da Portaria 445 do
Ministério do Meio Ambiente,
que definiu a lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção.
Fruto
de um trabalho primoroso das melhores cabeças do país nesta área da
ciência e de técnicos do
ICMBio,
utilizando metodologias aceitas mundialmente, a lista baseou-se em uma
enorme quantidade de trabalhos científicos resgatados pelos
pesquisadores, vencendo a inércia proposital do Ministério da
(Sobre)Pesca e construindo com fatos inequívocos o quadro de horror das
mais de 400 espécies listadas, para muitas das quais a pesca é, sim, o
principal fator de ameaça de extinção.
A reação criminosa da pesca
industrial,
fechando o porto de Itajaí
nas barbas das autoridades navais e policiais omissas, e que contou com
todo o apoio do ministério, tenta revogar uma das pouquíssimas medidas
que busca impor o interesse público sobre o privado na gestão de nossa
biodiversidade marinha, e com sua revogação garantir que a máfia da
sobrepesca possa continuar delinquindo livremente.
De Crivella a Barbalho
"Os ditos "recursos pesqueiros" que a máfia
da sobrepesca reivindica como seus (...) são na verdade a nossa
biodiversidade aquática, um patrimônio de todos os cidadãos"
Chegou a haver um período em que parecia que esse Ministério tomaria
outro rumo, quando – pasmem - o folclórico Bispo Crivella esteve à
frente do mesmo. O sujeito durante um bom tempo passou a ouvir alguns
bons técnicos, apoiando a adoção, entre outras, de
medidas de conservação dos tubarões
e de ordenamento mínimo das atividades pesqueiras. Mas a entrega
política do mesmo a Helder Barbalho mudou esse rumo.
Oriundo de um
estado que sedia algumas das empresas pesqueiras mais influentes e
responsáveis pela
exportação ilegal de barbatanas de tubarão
para a Ásia, desde o primeiro minuto o novo ministro se recusa a ouvir a
sociedade civil e mesmo os pescadores artesanais. Literalmente,
entregou o controle da estrutura pública para o lobby da pesca
industrial, numa demonstração de que não há futuro para esse ministério
caríssimo, incompetente e desnecessário.
Uma secretaria técnica em um ministério mais enxuto, que ouvisse a
sociedade adequadamente, poderia suprir as verdadeiras necessidades para
que a pesca brasileira deixasse de ser um escândalo de apropriação
indébita para se tornar, quem sabe, um benefício para o país.
Os ditos "recursos pesqueiros" que a máfia da sobrepesca reivindica
como seus e dos quais pretende apropriar-se no grito, através de ações
criminosas como o bloqueio de portos, são na verdade a nossa
biodiversidade aquática, um patrimônio de todos os cidadãos e que
deveria ser gerido pensando no bem comum, e não no enriquecimento
ilícito de uns poucos.
Um ministério que se transformou em cartório de um setor industrial
milionário, que desconsidera as necessidades legítimas da pesca
artesanal, que abandonou qualquer busca da boa gestão e da
sustentabilidade, e que se recusa a escutar os reclamos de todos os
segmentos da sociedade que não façam parte de sua claque imediata, não
tem o que contribuir para um Brasil moderno, sustentável e justo.
Tratemos de nos livrar dessa excrescência, antes que ela acabe de vez
com nosso mar.