Por Lia Maris Orth Ritter Antiqueira
- quinta-feira, 27 abril 2017 23:32
Escarpa
Devoniana, lugares de muitos saberes. Acima, imagem de Vila Velha,
Ponta Grossa.
Foto: Gustavo L. Simianer Procat/Flickr.
A Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, que passa
por 12 municípios do Paraná do sul ao norte pioneiro do estado, possui
características biológicas, geográficas, históricas e culturais que lhe
conferem extrema peculiaridade. Como bióloga, tenho convicções bem
definidas sobre a importância de sua manutenção (e até mesmo ampliação)
para garantir a proteção da biodiversidade, o fornecimento de serviços
ecossistêmicos, além de auxiliar no desenvolvimento econômico da região
dos Campos Gerais por meio do ecoturismo e da produção de agricultores
que dela retiram seu sustento.
Enquanto docente de um curso de Licenciatura em Ciências Naturais,
essas convicções se tornam praticamente um apelo, embasado, inclusive,
nos objetivos específicos desta categoria de Unidade de Conservação, que
inclui, além da proteção dos recursos bióticos e abióticos, a promoção
da educação ambiental e a integração da população nas práticas
conservacionistas.
A riqueza natural da região dos Campos Gerais pode ser utilizada como
ambiente para o ensino de diversas disciplinas. Os chamados “espaços
não formais de aprendizagem” incluem locais e processos diferenciados
por meio dos quais é possível adquirir e compartilhar novos saberes e
valores.
Atualmente, as práticas realizadas em espaços não formais são
fortemente estimuladas, tanto nos cursos de graduação quanto no ensino
básico. Por meio da busca constante de uma convivência saudável do homem
com a natureza, procura-se promover discussões que levem a
sensibilização sobre as questões ambientais e também a articulação de
trabalhos práticos que permitam mudanças de comportamento. Elimina-se,
assim, a antiga visão de domínio humano sobre o ambiente, propagada por
vários séculos.
Esta perspectiva de convivência harmoniosa tomou corpo na década de
1960, com a publicação do livro ‘Primavera Silenciosa’ de Rachel Carson,
quando a ideologia de progresso ilimitado passou a ser questionada,
assim como os efeitos danosos de ações humanas contra o ambiente. Na
década seguinte, com a publicação de ‘O Princípio da Responsabilidade’,
do filósofo Hans Jonas, chamou-se a atenção para o papel do ser humano
como único com capacidade de entendimento e liberdade para agir com
responsabilidade sob as demais formas de vida.
Ao ignorarmos estes
preceitos éticos tão fortes, colocamos em ameaça nossa existência
futura, bem como a das próximas gerações.
Percebe-se aí a singularidade da APA da Escarpa Devoniana enquanto
cenário para construção de conceitos de forma interdisciplinar, buscando
abranger, além das premissas teóricas fundamentais, o arsenal de
práticas e estratégias que permitam ao professor promover um processo de
aprendizagem significativa com seus alunos.
“Ganham espaço todas as atividades que possam
ser realizadas fora da sala de aula, onde a natureza se torna a vitrine
de situações (boas e ruins) a serem discutidas para gerar
conhecimento...
Ganham espaço todas as atividades que possam ser realizadas fora da
sala de aula, onde a natureza se torna a vitrine de situações (boas e
ruins) a serem discutidas para gerar conhecimento: desde a análise dos
contrastes na paisagem, do relevo diferenciado, a luta das espécies
nativas para sobreviver em meio às exóticas (como o Pinus), a existência
de remanescentes de Cerrado em meio a ambientes fragmentados, os
ecótonos de campo e mata, até a poluição e o desmatamento de áreas
infringindo a legislação e muitas vezes prejudicando a capacidade de
resiliência de espécies e recursos dos ecossistemas.
Considerando a relevância de todos estes aspectos, não é possível
aceitar um projeto que diminua em 68%, ou dois terços, a área da
APA da Escarpa Devoniana.
A área concentra remanescentes importantes de dois ecossistemas
associados à Mata Atlântica que foram altamente pressionados por décadas
de exploração irresponsável. Estima-se que nos estados do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul – onde predominaram em relação a outras
partes do Brasil – 97% dessas formações vegetais já tenham sido
suprimidas ou alteradas. Sobrou pouco de mata nativa em bom estado de
conservação.
http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/ameaca-a-escarpa-devoniana-mais-que-uma-falta-de-bom-senso/
E recusar esse projeto de lei não se trata de ir contra o progresso.
Pelo contrário, ele deve acontecer, mas comprometido com a busca pela
sustentabilidade. No momento em que a crise ambiental atinge seu ápice,
que os recursos naturais se tornam escassos e que as políticas públicas
muitas vezes caminham na contramão, não é aceitável privilegiar o
interesse econômico de poucos ignorando o direito constitucional de
todos de viver em um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado.
Defendo que a grande função educacional da APA da Escarpa Devoniana
seja a de sensibilizar a sociedade, para que ela se comprometa com a
preservação, conservação e recuperação do meio ambiente, contribuindo
para a melhoria da qualidade de vida de todas as espécies e garantindo o
direito das gerações vindouras.