Novo Código Florestal e a impossibilidade de adequação do TAC
Por Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser
[EcoDebate]
O compromisso de ajustamento de conduta pode ser realizado por
quaisquer entes legitimados (dos artigos 5º da Lei da Ação Civil Pública
e 82 do Código de Defesa do Consumidor) e, quando elaborado pelo órgão
do Ministério Público, deverá ser realizado nos próprios autos do
inquérito civil e/ou peças de informação, impondo o cumprimento das
obrigações necessárias à prevenção, cessação ou reparação do dano [1].
Ainda, o compromisso de ajustamento de conduta é título executivo
extrajudicial e, para sua plena eficácia, deverá revestir-se da
característica de liquidez, estipulando obrigação certa quanto à sua
existência e determinada quanto ao seu objeto. Como garantia do
cumprimento da obrigação principal, deverão ser estipuladas multas
cominatórias [2].
O termo de ajustamento de conduta deve discriminar detalhadamente as
providências e medidas concretas a serem adotadas pelo obrigado,
elaboradas não apenas com amparo na legislação infraconstitucional, mas,
também, nas regras constitucionais, que determinam, por exemplo, a
proteção ao meio ambiente.
O Novo Código Florestal representa, em verdade, forte retrocesso na
preservação do meio ambiente, não sendo capaz de preencher os princípios
e condicionantes estabelecidos na Constituição Federal e na Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA, Lei n° 6.938/81).
Na realidade, a nova lei trouxe severa redução na proteção legal
ambiental. Com isso, afetou o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações,
assegurado na Constituição Federal (artigo 225).
Reconhecendo-se a existência de um direito subjetivo ambiental não só
aos indivíduos, mas também, principalmente, à coletividade, podemos
concluir que qualquer violação pela legislação a um direito subjetivo
ambiental ferirá um direito adquirido de toda sociedade.
No capítulo reservado aos direitos fundamentais, ao dispor que a lei
não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada (artigo 5°, XXXVI), nossa Constituição previu o princípio da
segurança jurídica.
O artigo 6°, parágrafo 2°, da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (Decreto-Lei 4.657 de 1942) traz o conceito de direito
adquirido. Pela sua dicção, podemos dizer que são direitos adquiridos
aqueles em que seu titular possa exercê-los de imediato,
independentemente de terem ou não sido exercidos. Portanto, trata-se de
um direito subjetivo que, ainda que não exercitado, não pode ser
prejudicado por lei posterior, visto que já incorporado ao patrimônio do
seu titular.
Hamilton Alonso Júnior, tratando do meio ambiente como direito fundamental inscrito na Constituição brasileira, assim ensina:
“Dentro da preocupação externada no item anterior e voltando os olhos
para nossa Constituição Federal, localizamos alguns tipos de direitos
sobre os quais as reformas legislativas não poderão incidir para
reduzi-los ou, pior, aboli-los. Como reza o §4º do artigo 60 da Carta
Federal: ‘Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: IV – os direitos e garantias individuais’ [3].
(…)
É de se acrescentar por oportuno que o artigo 225 da nossa Carta
Magna estabelece um direito intergeracional quando impõe ao Poder
Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente
para as presentes e futuras gerações. Por mais essa razão, merece ser
vista como cláusula pétrea norma que garante um meio ambiente sadio e
equilibrado, pois seria inconcebível que o poder reformador reduzisse
direito adquirido também daqueles que estão por vir” [4].
Em outras palavras, ao estabelecer que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Federal reservou à
legislação ordinária o estabelecimento de um conjunto de regras capazes
de dar conteúdo e concretude a esse Direito. Regras que efetivamente
garantam o direito fundamental ao equilíbrio ecológico.
Não é o que se observa na nova lei.
Nesse sentido, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) publicou estudo por
meio do qual afirmava expressamente que o então projeto de alteração do
Código Florestal não cumpria os princípios constitucionais ambientais,
pois não é suficiente para lhes dar o adequado conteúdo ecológico.
O termo de ajustamento de conduta celebrado sob a égide da legislação
anterior (Lei n° 4.771/65) constitui ato jurídico perfeito, razão pela
qual as obrigações nele previstas devem ser cumpridas em seus exatos
termos, não tendo a lei posterior, ainda que mais benéfica, efeitos
retroativos.
Nesse sentido, confira-se a doutrina de Nelson Nery Júnior e de Rosa Maria de Andrade Nery sobre o tema examinado:
“Princípio constitucional da intangibilidade das situações jurídicas
consolidadas. No sistema constitucional brasileiro, a eficácia
retroativa das leis – (a) que é sempre excepcional, (b) que jamais se
presume e (c) que deve necessariamente emanar de disposição legal
expressa – não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada. A lei nova não pode reger os efeitos
futuros gerados por contratos a ela anteriormente celebrados, sob pena
de afetar a própria causa – ato ou fato anteriormente ocorrido no
passado – que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova,
mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação
constitucional que protege a incolumidade do ato jurídico perfeito,
inscrita na CF 5º XXXVI, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder
Público, ainda que se trate de lei de ordem pública” [5].
O Superior Tribunal de Justiça deu nova interpretação ao artigo 12 do
Decreto nº 8.235/14 quando decidiu, entre outros julgados, que esse
dispositivo normativo, ao determinar a retroatividade dos dispositivos
do Código Florestal vigente, desbordou de seu poder regulamentar,
ferindo o princípio da isonomia ao promover tratamento privilegiado aos
que causaram degradação ambiental em detrimento daqueles que cumpriram
com os preceitos legais. Instituiu, assim, a preservação do ato jurídico
perfeito e acabado, nos termos do artigo 5º, XXXVI, da CF/88.
Destaco a ementa abaixo:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO
DOS ARTS. 1º, II E III, E 59 DA LEI N. 12.651/12. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
N. 211/STJ. DIREITO AMBIENTAL. IRRETROATIVIDADE DA NOVA CODIFICAÇÃO
FLORESTAL. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. ONEROSIDADE EXCESSIVA.
REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS
INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA.
ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I –
Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em
09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação
do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de
Processo Civil de 2015. II – A ausência de enfrentamento da questão
objeto da controvérsia pelo tribunal a quo, não obstante oposição de
Embargos de Declaração, impede o acesso à instância especial, porquanto
não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento, nos
termos da Súmula n. 211/STJ. III – Esta Corte Superior possui o
entendimento de que o novo Código Florestal não pode retroagir para
atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a
coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias
compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou
espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite
constitucional intocável e intransponível da incumbência do Estado de
garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos
essenciais. IV – In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, no
sentido de reconhecer a onerosidade excessiva do Termo de Ajustamento
de Conduta, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é
inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula
n. 7/STJ. V – Não apresentação de argumentos suficientes para
desconstituir a decisão recorrida. VI – Em regra, descabe a imposição da
multa, prevista no artigo 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de
2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação
unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade
ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu
no caso. VII – Agravo Interno improvido” [6].
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, diante das decisões do
Superior Tribunal de Justiça, alterou o seu posicionamento para manter o
termo de ajustamento de conduta como ato jurídico perfeito e acabado,
não suscetível de revisão. Neste sentido:
“Ação anulatória de TAC – Ilegitimidade passiva da Fazenda Estadual
reconhecida, vez que não participou do acordo, envolve discussão sobre a
responsabilidade do agente ou lesão ao erário público – Impossibilidade
de adequação do TAC ao novo Código Florestal, conforme vem decidindo o
STJ – TAC é ato jurídico perfeito e acabado e não comporta alteração nem
mesmo pela nova lei – Recurso não provido” [7].
Assim sendo, não se pode falar em anulação ou revisão do termo de
ajustamento de conduta firmado sob a égide do Código Florestal anterior.
[1] Fernando Grella VIEIRA entende que “Se é imprescindível a
participação do Ministério Público como fiscal da lei nas ações
propostas pelos demais colegitimados, a mesma razão há de prevalecer
para tornar obrigatória sua participação na celebração do compromisso
extrajudicial eis que se trata, da mesma forma, de exercer a competência
constitucional que lhe foi reservada quanto à defesa dos interesses
sociais, em ato do qual resultará a definição das obrigações (liquidez e
certeza) e, consequentemente, título executivo. A ausência do
Ministério Público na celebração do compromisso representa supressão
ilegítima do exercício de função institucional que lhe é cometida pela
Constituição (artigo 127). Assim como a sua não intervenção na relação
processual acarreta nulidade do processo, consoante o disposto no artigo
84 do CPC, o mesmo vício pode compreender a validade do compromisso
havido sem a sua participação. É de notar, a propósito, que o Código de
Processo Civil se aplica subsidiariamente ao regime da Lei 7.347/85
(artigo 19), e esta, como visto, diz ser obrigatória a participação do
Ministério Público como fiscal da lei, não sendo ele autor” (“A
transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos:
compromisso de ajustamento de conduta” in Ação Civil Pública – Lei
7.347/85 – 15 anos, Coordenador Édis Milaré, 2ª edição revista e
atualizada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.275-276).
[2] Súmula 23 do CSMP de São Paulo: “A multa fixada em compromisso de
ajustamento de conduta não deve ter caráter compensatório, e sim
cominatório, pois nas obrigações de fazer ou não fazer normalmente mais
interessa o cumprimento da obrigação pelo próprio devedor que o
correspondente econômico”.
[3] Direito Fundamental ao Meio Ambiente e Ações Coletivas. São Paulo: RT, 2006, p.46. (grifo da autora)
[4] _________, ob. cit. p. 50. (grifo da autora)
[5] Código Civil Comentado. 9ª edição. São Paulo: 2012, RT, p. 184.
[6]STJ, AgInt no Recurso Especial nº 1.676.786/SP, Relatora: Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. em 12/06/2018.
[7] TJ-SP, Apelação Cível 1001535-50.2016.8.26.0627, Comarca: Teodoro
Sampaio, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Relator: Des. MIGUEL
PETRONI NETO, j. em 17/09/2020.
*Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, é procuradora de Justiça
(MP-SP) e associada do Movimento do Ministério Público Democrático.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/12/2020
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