quarta-feira, 18 de março de 2020

O que o coronavírus tem a ver com as mudanças climáticas?

O que o coronavírus tem a ver com as mudanças climáticas?


O que o coronavírus tem a ver com as mudanças climáticas?


IHU
É verdade que a resposta global ao coronavírus levou a quedas significativas nas emissões de carbono em todo o mundo. Também é verdade que alguns especialistas estão dizendo que a resposta mostra o potencial para uma ação política radical diante de uma emergência.
A reportagem é de Jesse Remedios, publicada em National Catholic Reporter, 12-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


No entanto, não distorça essas afirmações. O coronavírus não é uma coisa boa. Seja para enfrentar a crise climática, seja para qualquer outra coisa. Em absoluto.


Primeiro, o surto está interrompendo negociações internacionais cruciais, prejudicando potencialmente as chances de um acordo climático internacional suficiente – lembre-se, nós só temos 10 anos para limitar uma catástrofe climática.


Outras possíveis desvantagens incluem o enfraquecimento da vontade política pública para a ação climática e, na verdade, o incentivo a um eventual aumento nas emissões de gases do efeito estufa quando os governos procurarem consertar a economia global.


Em suma, é muito cedo para saber exatamente qual o impacto que o coronavírus terá sobre o clima. Mas, por enquanto, para ajudar a esclarecer todas as informações confusas que estão circulando por aí, vamos explicar por que alguns aparentes “lados positivos” podem complicar a luta contra as mudanças climáticas.

 

Podemos falar sobre a China?


Para entender o que está acontecendo, precisamos falar sobre a China – a maior emissora de gases do efeito estufa e fonte do surto de coronavírus.


Até agora, você já deve ter ouvido que as emissões de dióxido de carbono da China caíram 25% desde fevereiro. Talvez você também tenha visto esta impressionante imagem da Nasa sobre a diminuição de poluentes na China:
coronavírus e a diminuição de poluentes na China(Imagem: NASA Earth Observatory/Joshua Stevens)
 
Ou esta:

coronavírus e a diminuição de poluentes(Foto: NASA Earth Observatory/Joshua Stevens)
 
Isso é bom, não é? Emissões mais baixas não equivalem a uma desaceleração das mudanças climáticas?

Não é bem assim. Uma ligeira “queda” nas emissões não fará uma grande diferença em longo prazo. Mudar a tendência geral de aumento das emissões é o que importa.

Então, a pergunta se torna: essa redução durará?

 

Infelizmente, a história sugere que não. As emissões mundiais caíram da mesma forma durante a recessão de 2008, mas, em um ano, elas se recuperaram com uma vingança. O governo chinês já prometeu um grande estímulo, o que significa que podemos esperar um aumento das emissões quando as fábricas voltarem ao trabalho.


Além disso, como católicos, é especialmente importante ter em mente que a atual redução de emissões é causada pelo sofrimento vivido por pessoas reais. Não é assim que queremos resolver a crise climática. Veja o que o professor de Estudos Ambientais da Universidade de Nova York Gernot Wagner afirmou na MIT Technology Review: “As emissões na China diminuíram porque a economia parou e as pessoas estão morrendo, e porque as pessoas pobres não conseguem obter remédios e alimentos. Essa não é uma analogia do modo como queremos reduzir as emissões das mudanças climáticas”.


Curiosamente, a China também é um importante fornecedor global de tecnologia de energia limpa, como painéis solares e turbinas eólicas. A produção e os transportes caíram devido ao coronavírus, interrompendo a cadeia de suprimento de energia limpa em todo o mundo.

E quanto aos aviões e às viagens?

 

As viagens aéreas comerciais são um dos piores emissores do mundo. Portanto, se eu lhe dissesse que o tráfego aéreo global caiu 4,3% em fevereiro, seria justo supor que isso provavelmente é algo bom.
Não é bem assim.

Antes do surto de coronavírus, muitas companhias aéreas estavam reagindo à pressão planejando iniciativas para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa. Agora, as companhias aéreas estão indo rumo à crise financeira, ameaçando esses esforços de longo prazo.

No entanto, se este momento realmente criar mudanças comportamentais generalizadas – incluindo mais conforto com o trabalho remoto e as teleconferências –, isso pode levar a importantes mudanças estruturais que reduzam o nosso consumo geral de combustíveis fósseis.

Talvez o impacto mais importante da dramática queda nas viagens seja o cancelamento de reuniões internacionais sobre o clima. A ONU já cancelou uma série de reuniões que antecederiam uma grande reunião em novembro, em Glasgow, na Escócia – a mais importante desde o Acordo de Paris em 2015. O repórter climático da TimeJustin Worland, explica por que isso é ruim:

“O cancelamento das reuniões pode parecer enfadonho, mas tem o potencial de arruinar totalmente os debates sobre o clima em um momento delicado. A última grande inovação internacional sobre o clima ocorreu nas conversações sobre o clima de Paris em 2015, depois de um ano de manobras de bastidores por parte de diplomatas de todo o mundo. A China e os EUA se comprometeram a trabalhar juntos para reduzir as emissões, uma importante declaração dos maiores emissores do mundo. Países vulneráveis às mudanças climáticas se uniram para formar uma aliança formidável. E a França coordenou as inúmeras demandas dos países que se reuniriam em Paris. Essa agenda é amplamente vista como uma necessidade para grandes avanços na questão, e o fato de não poderem se encontrar face a face deixou os formuladores de políticas climáticas em dificuldades.”


Então, como o coronavírus afetará o cenário político?

 

Essa é uma enorme incerteza.

Em 2019, milhões de pessoas foram às ruas para protestar contra a inércia do governo. Três meses depois de 2020, milhões de pessoas estão sendo forçadas agora a ficar dentro de suas casas para limitar a propagação do vírus. Isso poderia impedir o progresso feito no ano passado.

“Em muitos países, as condições políticas não são propícias ao fortalecimento da ação climática”, disse um ex-negociador do clima à Time. “O coronavírus vai piorar uma situação já ruim.”

Ou o coronavírus pode mudar o cenário político, e os formuladores de políticas aproveitarão este momento para uma transição verde, aumentando os impostos sobre as emissões de carbono e ajudando a treinar novamente os trabalhadores para setores mais limpos. O The Guardian escreveu que a resposta ao coronavírus “mostrou como os líderes políticos e empresariais podem tomar medidas radicais de emergência sob o conselho de cientistas para proteger o bem-estar humano”.

Como parte de seu Acordo Verde de descarbonização até 2050, a União Europeia lançou no dia 4 de março um novo plano de imposto de carbono que tributará produtos de países que não estão trabalhando para reduzir as emissões. Esperamos que esse plano não apenas funcione, mas também sobreviva ao coronavírus, porque, se sairmos vivos disto, Deus sabe que precisaremos de um.

O que eu posso fazer?

 

Lave as mãos e fique seguro. É isso que importa agora. Mas não se esqueça da crise climática. Lute.
(EcoDebate, 17/03/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

As pandemias: uma questão de política ambiental,


As pandemias: uma questão de política ambiental, artigo de André Frota



[EcoDebate] O trajeto do coronavírus (Covid-19) é ilustrativo da vulnerabilidade ambiental que se encontra a população mundial. Caso as teses sobre a origem do vírus sejam comprovadas, encontramos um rastro predatório e ilegal, que envolve redes de tráfico de animais silvestres e espécies ameaçadas de extinção. A trajetória ecológica do vírus revela essa cadeia e tem início nas populações de morcegos como seu hospedeiro original.

As pesquisas recentes mostram, no entanto, que o Manis pentadactyla ou “pangolim”, uma espécie de tatu, como o hospedeiro intermediário do vírus, o qual é consumido de forma ilegal por certos estratos da população asiática. É a partir daí que o vírus segue para o sistema digestivo e depois respiratório do homo sapiens sapiens. A cadeia ecológica do vírus, portanto, inicia em animais silvestres restritos a ambientes específicos da Ásia e termina se reproduzindo e se disseminando em escala global.

O que é notório no caso do Covid-19, não é apenas a evolução dessa pandemia, mas a forma como a caixa de pandora foi aberta. O Manis pentadactyla é um dos animais silvestres mais comercializados de forma ilegal no continente asiático. Uma espécie em extinção que, por ventura, tornou-se hospedeiro intermediário do vírus, após, à procura de pequenos insetos, ingerir ocasionalmente as fezes de uma população de morcegos, que detinha o Covid-19 de forma estacionada em sua população e habitat. No entanto, é sobretudo pela existência do tráfico ilegal desse animal silvestre nos mercados clandestinos, situados na cidade chinesa de Wuhan, que o vírus encontrou o hospedeiro mais apropriado para sua reprodução e disseminação, o homo sapiens sapiens.

A trajetória do vírus revela: i) a relação desequilibrada e disfuncional dos assentamentos humanos com o ambiente natural; ii) a demanda pelo consumo de animais silvestres; iii) e a inerente incapacidade de contenção dos impactos de uma endemia, em qualquer uma das metrópoles urbanas globais.

A existência de organismos como o Covid-19, ou mesmo de outros tipos de vírus da família dos coronavírus, como é o caso do Sars-cov de 2002, tem o morcego como hospedeiro original. Ambos vírus e suas respectivas epidemias derivadas, 2002 e 2020, revelam o potencial de disseminação de doenças contidas em animais silvestres. E, justamente, são ecossistemas naturais que mantêm esses animais reservados aos seus ambientes originais. A partir do momento em que esses animais são extraídos dos seus habitats e inseridos no ciclo alimentar humano de forma ilegal e sem qualquer controle fitossanitário, uma cadeia causal de doença, contágio e pânico se estabelece nos sistemas sociais.

Em segundo lugar, a demanda pelo consumo de animais silvestres, em geral, proibidos pelas legislações ambientais nacionais, indica como certos estratos da população ainda mantêm hábitos de consumo predatórios com o tempo presente, além de representar uma ameaça para toda população humana. Foi o tráfico ilegal do pangolim que abriu a caixa de pandora do Covid-19. E esse só existe pela demanda pelo consumo de animais silvestres.

Em terceiro lugar, a incapacidade de contenção de endemias globais dos governos nacionais, sejam quais forem. Seria injusto atribuir a responsabilidade desse combate à Organização Mundial da Saúde, um órgão de coordenação de políticas de saúde e não de combate ao tráfico internacional de animais silvestres.

Em vias de síntese, as pandemias têm menos relação de causalidade com as políticas de saúde e mais com a política ambiental global. E essa retoma a crise sistêmica pela qual passa a população mundial no século XXI, uma crise entre o homem e sua relação com o ambiente natural.

André Frota é membro do Observatório de Conjuntura e professor do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/03/2020

As pandemias: uma questão de política ambiental, artigo de André Frota, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/03/2020, https://www.ecodebate.com.br/2020/03/17/as-pandemias-uma-questao-de-politica-ambiental-artigo-de-andre-frota/.