Uma
grande ilusão acomete o cidadão brasileiro, hoje: a de achar que,
agora, ou vai ou racha. Por exemplo: para quem defende o impeachment de
Dilma, a queda da presidente no meio do mandato resolverá tudo. Bobagem.
Não resolverá nada.
Estaremos
reféns, dependendo de uma cascata de circunstâncias, de Temer, de Renan
e até de Cunha (se não estiver preso), no caso de convocação de
eleições antecipadas.
Desde
quando Temer, Renan ou Cunha à frente do turbilhão são boa perspectiva?
E, em caso de novas eleições, quem é o grande líder de que dispõe o
Brasil? Nem Lula mais é líder, e no PT quem um dia se habilitou ao cargo
maior foi queimado na trilha das escolhas dele, que culminaram na
inépcia abissal de Dilma.
Do
lado da oposição, Aécio Neves, junto com os seus, virou uma espécie de
piada saudosista de um partido que já representou certa compostura, que
já foi até “de esquerda” naquele espírito social-democrático, e hoje é
identificado com um nefasto outro lado.
Campos
morreu. Marina continua a ser um mito indecifrável situado entre os
mais altos princípios ecológicos e os mais baixos equívocos
cosmogônicos; entre o discurso inspirador e a síndrome de pânico na hora
de enfrentar seus adversários. E Alckmin? Esse integra uma ordem de
perigosas alquimias.
PERMANÊNCIA DE DILMA
Já
para quem combate o impeachment, a permanência de Dilma num cenário de
aplacamento da crise política retomaria o trilho das coisas.
A questão é
que, no vergonhoso quadro formado pelas relações entre o Executivo e o
Legislativo, o STF tem que intervir semanalmente, passando de tribuna
especial para o varejo do descumprimento sistemático da Carta.
E o custo
de frear a fúria pró-impeachment criará (já está criando) uma teia de
concessões, constrangimentos, pressões e contrapressões, gargalos e
falsas alianças que forçará, fatalmente, um esgarçamento moral capaz de
tornar o ar ainda mais irrespirável.
E
como cheira mal o Brasil neste momento! Não venham dizer que cheira mal
só na atmosfera política: esta é outra ilusão típica da miopia
brasileira — crer que os políticos são extraterrestres, uma categoria
genética à parte, um outro animal, uma “raça” desgraçada.
O que fede
mesmo é o Brasil, o Brasil brasileiro, construído desde o Descobrimento.(ler comentário a respeito NB)
O
Brasil da exploração em benefício da Coroa e, depois, de meia dúzia em
meia dúzia até o topo. Brasil em que irmão maltrata irmão e dinheiro na
mão é vendaval. Brasil de ódio disfarçado em democracia racial.
Brasil
da informalidade quando se precisa da ordem, e dos formalismos quando a
liberdade precisa vingar. Brasil pleno de hipocrisia, servilismo,
truculência.
Brasil no qual a alma de tudo que é bom (e o que é bom
existe em todos os estratos) é ofuscado pela ganância, pela fome de
poder (também presente em todos os estratos) que reverbera na sociedade,
prevalece no seio mesmo das famílias, nas cartilhas das escolas, nas
capatazias, passa de geração em geração e envenena as crianças.
EXCLUSÃO
Brasil
da exclusão, nascido da recusa de assentar os libertos pela Abolição
(em especial no Rio): “Se veio a liberdade, que fique então essa gente
solta por aí”, foi o que quis, e assim foi.
Por
isso é que hoje, tanto um grupo quanto o outro, os que querem Dilma
fora, os que querem Dilma dentro, não enxerga que, com Dilma ou sem
Dilma, a vaca já foi para o brejo.
Não
é uma perspectiva catastrofista. É um brejo velho conhecido, no qual,
vira e mexe, nos embrenhamos, ou embrejamos, depois emergimos de novo —
quando parece que uma luz insiste em vencer a escuridão.
Então,
até dá pinta de que se avança um pouco, mas não o suficiente — só o
suficiente — para que tudo logo se estrague, moído por engrenagens
velhas que custam uma eternidade a emperrar de vez, que não admitem
reposição de peças, ou, quando admitem, encaixam em si os mesmos
modelos, recauchutados, guaribados, gastos.
E
torna a fumaça espessa, escura, a cobrir o pouco de luz viva, e o mofo
volta a prosperar, e os seres da lama revolvem-se nos esgotos e vêm à
tona fazer a festa, imiscuir-se por todas as frestas — e é o que se vê,
hoje, objetivamente, no Brasil. O que não se vê é que, seja o que for,
não há horizonte visível.
NOVAS ELEIÇÕES?
Ou
então me digam. Qual o horizonte? Convoquem-se hoje eleições. Quem é o
líder? Quem é o grande orador? Quem traz um sopro de renovação? Que
ideia apaixona o brasileiro? Onde está nossa pujança, nossa vontade,
nossa criatividade, nossa voz? Estão por aí, misturadas nas
instituições.
Inteligência
difusa que sustenta um bom-senso sem cara. E impede, dentro de uma
lógica de interações complexas, que do brejo se colha uma tempestade
verdadeiramente diluidora da coesão social. É essa força, hoje, que
sustenta o Brasil.
Uma
liderança invisível, compartilhada, em que uma ponta de juízo autônomo
bloqueia os estratagemas mais extremos e perversos cada vez que o abismo
se aproxima. É o que temos, enquanto o dia não amanhece.
26 de outubro de 2015
Arnaldo Bloch
O Globo