A história de Rebecca
Walker e da sua mãe feminista
Reverenciada como uma feminista e escritora que desbravou o caminho para
outras, Alice Walker tocou as vidas duma geração de mulheres.
Defensora dos direitos das
mulheres, ela alegou sempre que a maternidade é uma forma de servidão. No
entanto, há uma mulher não se deixou convencer pelas crenças da Alice: a sua
filha Rebecca, hoje com 38 anos.
Há alguns dias atrás,
enquanto eu aspirava a casa, o meu filho entrou pelo quarto a dentro. "Mãe, mãe, deixa-me ajudar-te," disse ele. As
suas pequenas mãos agarravam-se aos meus joelhos e os seus enormes olhos
castanhos olhavam para mim. Fui sobrepujada por uma enorme onda de felicidade.
Adoro a forma como a sua
cabeça descansa na curvatura do meu pescoço. Adora a forma como a sua cara
entra num estado de concentração propositada quando o ajudo a aprender o
alfabeto. Mas, acima de tudo, eu simplesmente adoro ouvir a sua voz dizer
"Mãe, mãe." Isto traz-me a
lembrança o quão abençoada sou.
A verdade dos factos é que
eu quase perdia a oportunidade de ser mãe graças à educação que recebi por
parte da minha mãe - uma feminista fanática. Ela era da opinião que a
maternidade é a pior coisa que pode acontecer a uma mulher.
A minha mãe ensinou-me que
os filhos escravizam a mulher. Eu cresci a acreditar que as crianças eram mós
amarradas à volta do teu pescoço, e para mim a ideia da maternidade poder
tornar uma mulher mais feliz era um conto de fadas.
O que eu descobri é que ser
mãe tem sido a experiência mas recompensadora da minha vida. Longe de me "escravizar", o meu filho Tenzin - com 3 anos e
meio de idade - abriu o meu mundo. O meu único arrependimento é o de ter
descoberto a alegria da maternidade tão tarde. Há dois anos que tento ter um
segundo filho mas até agora, não tive sorte.
Fui criada para acreditar
que as mulheres precisavam dos homens tal como um peixe precisava duma bicicleta.
No entanto, como eu firmemente acreditava que as crianças precisam de dois
pais, a hipótese de criar o meu filho Tenzin sem o meu parceiro, Glen, de 52
anos, era aterradora. Como filha de pais divorciados, eu estava plenamente
ciente das consequências dolorosas de ser criada nestas circunstâncias.
O feminismo tem muito que
responder ao denegrir os homens e ao encorajar as mulheres a buscar a
independência, independentemente dos custos para a sua família.
Os princípios feministas da
minha mãe coloriam todos os aspectos da minha vida. Enquanto criança, eu nem
tinha permissão para brincar com bonecas ou brinquedos de peluche - não fosse
isso despertar em mim os instintos maternais. Martelaram-me a cabeça com noção
de que, ser mãe, educar crianças e gerir uma casa era uma forma de escravatura.
Ter uma carreira profissional, viajar pelo mundo e ser independente eram as
coisas que realmente importavam para a minha mãe.
Amo muito a minha mãe mas
não a vejo e nem falo com ela desde que engravidei. Ele nunca viu o meu filho -
o seu único neto. O meu crime? Atrever-me a questionar a sua ideologia.
Que seja.
A minha mãe é venerada por
mulheres um pouco por todo o mundo - e é bem provável que até haja santuários
em sua honra - mas acho que chegou a hora de perfurar o mito e revelar como foi
crescer como uma filha da revolução feminista.
Origens.
Os meus pais apaixonaram-se no Mississippi durante a era dos movimentos
civis. O meu pai [Mel Leventhal], era um
brilhante advogado filho duma família judia que havia fugido do Holocausto. A
minha mãe era a empobrecida oitava filha de meeiros
da Geórgia. Quando eles se casaram, uniões interraciais eram ainda
proibidas em alguns estados.
A minha infância foi feliz,
embora os meus pais estivessem terrivelmente ocupados e eu tivesse sido
encorajada a crescer rapidamente. Eu tinha apenas um ano quando me mandaram
para o infantário. Disseram-me que eles até me obrigaram a andar pela rua até
chegar a escola.
Quando eu tinha 8 anos, os
meus pais divorciaram-se. A partir desse momento, a
minha vida ficou dividida entre dois mundos - a comunidade conservadora,
tradicional, abastada e suburbana de Nova Iorque, donde provinha o meu pai, e a
comunidade multirracial e avant garde californiana, donde a minha mãe se
encontrava inserida. Eu passava dois anos com cada um deles - uma forma bizarra
de fazer as coisas.
Ironicamente, a minha mãe
vê-se como alguém muito maternal. Acreditando que as mulheres são oprimidas, a
minha mãe lutou pelos seus direitos um pouco por todo o mundo, chegando a criar
organizações que visavam ajudar as mulheres africanas abandonadas -
oferecendo-se a ela mesmo como figura materna.
Mas embora ela tenha tomado
conta de filhas por todo o mundo, e seja imensamente reverenciada publicamente
pelos seus serviços, a minha infância conta um história muito diferente.
Em termos das suas prioridades, eu estava num ponto muito baixo; eu
encontrava-me depois do emprego, integridade política, auto-realização, amizades,
vida espiritual, fama e viagens.
A minha mãe fazia sempre o
que queria - por exemplo, viajar para a Grécia durante dois meses, deixando-me
com familiares quando eu era adolescente. Isto é independência ou puro egoísmo?
Eu tinha 16 anos quando
descobri o agora-famoso poema que ela escreveu comparando-me a várias
calamidades que atingiram e paralisaram a vida de muitas escritoras. A Virginia
Woolf era uma doente mental e as [irmãs] Brontes morreram prematuramente. A
minha mãe deu-me à luz - eu, uma "deliciosa distracção" mas mesmo
assim uma calamidade. Na altura considerei isso um choque enorme e algo muito
irritante.
Segundo a estridente
ideologia feminista dos anos 70, as mulheres eram primeiramente irmãs, e como
tal a minha mãe resolveu olhar para mim como uma irmã e não como uma filha. A
partir dos meus 13 anos, comecei a passar dias seguidos sozinha enquanto a
minha mãe se retirava para o seu estúdio de escrita - a cerca de 100 milhas do
local onde eu estava [+/- 160
quilómetros]. Eu ficava com dinheiro para comprar as
refeições e vivia à base de "fast food".
Irmãs
juntas.
Uma vizinha, não muito mais
velha do que eu, foi comissionada para tomar conta de mim. Nunca me queixei. Eu
pensava que a minha função era proteger a minha mãe e nunca lhe distrair da
escrita. Nunca me passou pela cabeça que eu precisava do seu tempo e da sua
atenção.
Quando eu era espancada na escola - acusada de ser snob por ter uma
pele mais clara que as minhas colegas negras - eu dizia sempre à minha mãe que
estava tudo bem, que eu tinha vencido a luta. Eu não queria preocupá-la.
A verdade é que eu
sentia-me sozinha, e, com o conhecimento da minha mãe, comecei a ter relações
sexuais aos 13 anos. Acho que isso foi um alívio para a minha mãe uma vez que
eu passaria a ser menos exigente em termos de atenção. Para além disso, ela era
de opinião que ser sexualmente activa era uma forma de ganhar poder uma vez que
isso significava que eu estava no controle do meu corpo.
Hoje em dia, não entendo o
porquê dela ter sido tão permissiva. Eu nem sequer quero que o meu filho tenha
um encontro romântico de brincadeira, quanto mais começar a dormir por aí mal
termine o preparatório.
Uma boa mãe é atenciosa,
estabelece limites e torna o mundo mais seguro para a sua criança. Mas a
minha mãe não fez nada disto.
Embora eu estivesse a tomar a pílula - algo que eu havia arranjado quando da minha visita ao médico - engravidei aos 14 anos. Eu mesmo organizei o aborto.
Hoje, quando penso nisso,
estremeço. Eu era apenas uma menina. Não me lembro da minha mãe ficar chocada
ou zangada. Ela tentou dar-me apoio, acompanhando-me com o seu namorado.
Embora eu acredite que
fazer o aborto foi a decisão correcta para a altura [ed: não foi. Matar um bebé inocente nunca é
uma "decisão correcta"] , o que
veio depois assombrou-me durante décadas. O que havia acontecido comeu a minha
auto-confiança e, até dar à luz o Tenzin, vivia aterrorizada ante a perspectiva
de nunca vir a ser capaz de ter um filho devido ao que eu tinha feito à criança
que eu destruí.
Quando as
feministas dizem que o aborto não acarreta consequências, elas estão erradas.
Durante a minha infância eu
estava muito confusa uma vez que, embora eu estivesse a ser
"alimentada" com a mensagem feminista, eu ansiava ser uma mãe
tradicional. A segunda mulher do meu pai. Judy, era uma mulher caseira, amorosa
e maternal com os seus 5 filhos. Havia sempre comida no frigorífico e ela fazia
todas as coisas que a minha mão não fazia - tais como ir aos eventos escolares,
tirar um número infindável de fotografias, e, sempre que podia, dizer aos
filhos o quão maravilhosos eles eram.
A minha mãe era exactamente o contrário. Ela nunca
ia aos eventos escolares, nunca me comprava roupa, e nem chegou a
ajudar-me a comprar o meu primeiro sutiã - uma amiga foi paga para ir às
compras comigo. Quando eu precisava de ajuda com os trabalhos de casa, eu pedia
à mãe do meu namorado.
Movimentar-me entre as duas
casas era terrível. Quando estava em casa do meu pai, eu sentia-me cuidada, mas
se dissesse isso à minha mãe - que me tinha divertido na casa da Judy - ela
sentia-se desolada, fazendo-me sentir que eu estava a escolher esta mulher
branca e privilegiada no lugar dela. Fizeram-me sentir que eu tinha que colocar
uma conjunto de ideias acima das outras.
Quando fiz 20 anos, e senti
o desejo de ser mãe, fiquei confusa. Podia sentir o tic-tac do meu relógio
biológico mas sentia também que, se eu o ouvisse, estaria a trair a minha mãe e
tudo o que ela me havia ensinado. Tentei abafar o mais que podia esses
sentimentos mas durante os dez anos que se seguiram, esses desejos apenas se
tornaram mais fortes.
Quando, há 5 anos atrás,
conheci o Glen (professor) num seminário, sabia que havia encontrado o homem
com quem queria ter um filho. Gentil, terno e imensamente apoiante, ele é - tal
como eu sabia que seria - um pai maravilhoso.
Embora soubesse o que a
minha sentia em relação aos bebés, eu ainda ansiava que, quando lhe dissesse
que estava grávida, ela ficaria contente comigo.
"Mãe,
estou grávida"
Em vez disso, quando, numa
manhã primaveril de 2004, e enquanto me encontrava a tomar conta duma das suas
casas, lhe liguei e lhe dei a novidade - e lhe disse que não poderia estar mais
feliz - ela ficou silenciosa por alguns instantes. Tudo o que ela podia dizer é
que estava chocada. Depois disso, ela pediu-me para verificar o seu jardim.
Eu baixei o
telefone e chorei. De modo deliberado ela havia suspendido a
sua aprovação com a clara intenção e me magoar. Que mãe amorosa faz uma coisa
dessas?
Mas o pior veio depois. Ela
ficou ressentida quando eu disse numa entrevista que os meus pais não me
protegiam ou olhavam por mim. Ela enviou-me um e-mail, ameaçando destruir a
minha reputação como escritora. Nem poderia acreditar que ela poderia ser tão
perniciosa, especialmente durante a altura em que eu me encontrava grávida.
Devastada, pedi-lhe que
pedisse desculpa e reconhecesse o quanto ela me havia magoado - através dos
anos - com a sua negligência, e por não me ter dado carinho e afeição devido a
coisas que eu não conseguia controlar - o facto de ser de raça mista, o facto
de ter um pai rico, branco e profissional, e pelo facto de ter nascido.
Mas ela não recuou. Em disso, escreveu-me uma carta dizendo que há anos que a nossa
relação estava a ser inconsequente e que ela já não tinha interesse em ser
minha mãe. Ela chegou até a assinar a carta com o seu nome em vez de
"Mãe".
Isto aconteceu um mês antes
do aniversario de Tenzin, em Dezembro de 2004; desde então, nunca mais tive qualquer contacto com a minha mãe.
Ela nem se quer entrou em contacto comigo quando ele foi levado de urgência
para a unidade de cuidados especiais para os bebés depois dele ter nascido com
dificuldades de respiração.
Desde então, fiquei a saber
que a minha mãe retirou-me do seu testamento em
favor dum dos meus primos. Sinto-me terrivelmente triste; a minha mãe
está a perder uma oportunidade única de estar perto da sua família. Mas mesmo
assim, estou aliviada.
Ao contrário de outras
mães, a minha nunca demonstrou qualquer tipo de orgulho pelas minhas
conquistas. Ela teve sempre uma espírito de competição que causou a que ela me
minasse sempre que podia.
Quando entrei na
Universidade de Yale - um grande feito - ela perguntou o porquê de eu querer
obter uma educação num bastião masculino. Sempre que eu publicava algo, ela
queria escrever a sua versão, eclipsando a minha. Quando escrevi as minhas
memórias, "Black, White and Jewish",
a minha mãe insistiu em publicar a sua versão. Ela tem grande dificuldade em
sair da ribalta, o que não deixa de ser irónico se consideramos isso à luz da
sua posição de que todas as mulheres são irmãs e como tal deveriam apoiar-se
mutuamente.
Presente.
Já se passaram quase 4 anos
desde que tive o meu último contacto com a minha mãe. Talvez seja melhor assim
- tanto para a minha auto-protecção mas também para o bem estar do meu filho.
Fiz tudo o que era possível para ser uma filha leal e amorosa mas já não posso
ter esta relação venenosa a destruir-me a minha vida.
E as crianças?
A facilidade com que as
pessoas se divorciam hoje em dia não leva em conta o efeito que isso tem nas
crianças [Em Portugal, a maior parte dos divórcios - 80% - é iniciado pelas mulheres]. Isso faz parte do trabalho incompleto do feminismo.
Há também a questão de não
se ter filhos. Mesmo nos dias que correm, eu encontro mulheres na casa dos 30
que são ambivalentes na questão da família. Elas dizem coisas do tipo:
Eu gostaria de ter uma criança. Se acontecer,
aconteceu.
Eu digo-lhes logo:
Vai para casa
e começa a tratar disso porque a tua janela de oportunidade é reduzida.
E eu sei o quão reduzida
essa janela é.
Para além disso, eu
deparo-me com mulheres na casa dos 40, devastadas por terem passado duas
décadas a trabalhar para o doutoramento, ou para um lugar numa firma de
advocacia, apenas para descobrirem que já não têm oportunidade de fazer uma
família. Graças ao movimento feminista, elas ignoraram os seus relógios
biológicas, perderam a oportunidade e encontram-se agora desoladas.
O feminismo traiu
uma geração inteira de mulheres e condenou-as a uma vida sem filhos.
Isto é devastador. Mas em vez de assumirem a sua responsabilidade em
torno deste facto, as líderes do movimento das mulheres cerram fileiras contra
qualquer pessoa que se atreva a questioná-las - como eu vim a descobrir.
Não quero magoar a minha
mãe, mas não posso ficar calada. Acho que o feminismo é uma experiência e como
experiência que é, ela tem que ser avaliada pelos resultados. Depois dos
resultados avaliados, toma-se nota dos erros e fazem-se alterações.
Espero que um dia eu e a
minha mãe nos reconciliemos. O meu filho Tenzin merece
ter uma avó. Mas eu estou bastante aliviada pelo facto do meu ponto de vista
não estar distorcido pelo ponto de vista da minha mãe.
Sou dona de mim mesmo e vim
a descobrir o que realmente importa: uma família feliz.
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