Por Manoel Ventura, Vivian Oswald e Eduardo Barretto
Governo suspende por 120 dias efeitos do decreto que liberou área na Amazônia à mineração
Após polêmica provocada pela liberação, por decreto, de área na Amazônia para mineração, o governo decidiu suspender por 120 dias os efeitos da medida. O objetivo, segundo o Planalto, é promover um “amplo debate” com a sociedade. -
BRASÍLIA E PEQUIM- Após a forte repercussão negativa causada pela decisão do presidente Michel Temer de extinguir, por decreto, a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), liberando uma área de 47 mil quilômetros quadrados para exploração mineral na Amazônia, o governo recuou e decidiu suspender por 120 dias os efeitos do decreto, para realizar “um amplo debate com a sociedade”. Em nota divulgada na noite de ontem, o Ministério de Minas e Energia (MME) informou que o ministro Fernando Coelho Filho “determinou a paralisação de todos os procedimentos relativos a eventuais direitos minerários na área da Renca”.
Agora, segundo Minas e Energia, as “medidas concretas” que o decreto prevê estão em suspenso. “A partir de agora o Ministério dará início a um amplo debate com a sociedade sobre as alternativas para a proteção da região. Inclusive propondo medidas de curto prazo que coíbam atividades ilegais em curso”, informa a nota da pasta.
Segundo o MME, a suspensão dos efeitos não significa a revogação do decreto.
A pasta diz que a decisão de suspender os efeitos do decreto é em respeito às “manifestações da sociedade”: “Essa iniciativa se dá em respeito às legítimas manifestações da sociedade e à necessidade de esclarecer e discutir as condições que levaram à decisão de extinção da Renca”.
TEMER, EM PEQUIM: ‘PRESERVAÇÃO ABSOLUTA’ Uma portaria interministerial deve estabelecer as diretrizes da suspensão do decreto. A partir de agora, a pasta de Minas e Energia promete iniciar “um amplo debate” sobre o assunto.
“No prazo de 120 dias, o Ministério apresentará ao governo e à sociedade as conclusões desse amplo debate e eventuais medidas de promoção do seu desenvolvimento sustentável, com a garantia de preservação”, diz a nota do MME.
Os efeitos do decreto já estão suspensos, devido a uma decisão liminar da Justiça Federal em Brasília, concedida na quarta-feira.
A decisão do MME de suspender os efeitos do decreto ocorreu algumas horas depois de o presidente Temer afirmar, em Pequim, que a liberação da reserva para mineração garantiria a “preservação absoluta” das áreas ambientais e indígenas da Renca.
— Vocês sabem que lá havia uma exploração clandestina, ilegal, do minério. Vocês verificaram que, pelo decreto que foi expedido, há preservação absoluta de toda e qualquer área ambiental e área indígena, e o que há é uma regularização daquela exploração que se faz naquela região. Nada mais do que isso. É de uma singeleza ímpar — afirmou Temer depois de se reunir com empresários chineses em Pequim.
PGR: FIM DA RESERVA LEVARÁ A DESMATAMENTO Criada em 1984, no fim da ditadura militar, a Renca fica entre o Amapá e o Pará e tem uma área equivalente à do estado do Espírito Santo. Na região da reserva estão sete unidades de proteção ambiental e duas terras indígenas. O primeiro decreto extinguindo a Renca foi publica “Ou do na semana passada. Porém, devido à repercussão negativa da decisão, o governo decidiu editar novo decreto, esclarecendo como será feita a pesquisa mineral na antiga Renca, mas mantendo a decisão de extinguir a reserva.
A extinção da Renca criou grande repercussão nas redes sociais, com atores, modelos e cantores, como Gisele Bündchen, Cauã Reymond e Ivete Sangalo, lançando campanhas pela preservação da área.
O decreto é polêmico até dentro do governo. O Ministério do Meio Ambiente deixou claro que é contra a liberação da área para mineração. Já o de Minas e Energia defende a medida.
Ontem, a Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou na polêmica e engrossou as críticas à liberação da reserva. Em parecer, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da PGR afirmou que a decisão do governo de acabar com a reserva mineral provocará aumento do desmatamento na região e que área que estaria liberada para mineração equivale a quatro anos de desmatamento na Amazônia.
“A partir da forte política de incentivo à atividade minerária, o desmatamento certamente aumentará e, com ele, todos os impactos indiretos advindos como a abertura de uma nova fronteira agropecuária que se instalará na região. Registra-se que a área possibilitada pelo decreto para a mineração equivale a mais do que todo o desmatamento na Amazônia acumulado nos últimos quatro anos”, afirmou a Procuradoria.
Os procuradores citaram inclusive uma reportagem do GLOBO, que revelou uma nota técnica elaborada pelo Meio Ambiente contrária ao fim da reserva mineral, emitida em junho, mas que não foi levada em consideração.
Nessa nota técnica, o Ministério do Meio Ambiente alertava para o “possível aumento do desmatamento associado, principalmente, aos efeitos migratórios decorrentes do projeto” na região com a liberação da área para a mineração. Segundo o documento, em 2016, havia 646 requerimentos de lavra dentro da Renca. Destes, 41 estão em terras indígenas, e outros 600, aproximadamente, estariam dentro de unidades de conservação.
O Ministério de Minas e Energia alega que já há mineração ilegal na região. A pasta informou que foram detectados 28 pistas de pouso irregulares e a presença de cerca de mil garimpeiros ilegais. Além disso, o MME garante que não haverá mineração nas áreas protegidas. Para o Ministério Público, no entanto, o garimpo ilegal deve ser combatido com ações de fiscalização integradas, lideradas pelo Poder Executivo. Pelos cálculos da PGR, o decreto de Temer libera para a mineração “aproximadamente 70,4% da Renca”:
seja, uma expressiva área da Renca estará sujeita à mineração que, mesmo sendo licenciada pelo órgão ambiental competente, causará impactos inevitáveis na região”.
O parecer assinado pelo subprocurador-geral da República Mario José Gisi afirma que é “cristalina” a diferença de áreas preservadas no interior e fora da Renca e que o “cenário de devastação visto no entorno será reproduzido internamente em poucos anos se não for declarada a ilegalidade/inconstitucionalidade do decreto presidencial”.
Segundo o texto, hoje, apenas 0,33% da área total da Renca está desmatada.
MINISTRO CANCELA VÍDEO SOBRE O TEMA Para a PGR, o problema principal está no incentivo à mineração na área, causando impactos como desmatamento, erosão, assoreamento de rios, contaminação do solo e das águas, poluição, explosão demográfica, demanda por serviços como de comércio, e impactos nas comunidades locais e populações tradicionais.
O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, desistiu ontem de gravar um vídeo sobre o tema. Toda a estrutura para a gravação estava pronta, mas Sarney Filho preferiu, em cima da hora, deixar o recado para a próxima terçafeira, Dia da Amazônia. A gravação seria ontem à tarde, e a fala do ministro aos internautas já estava definida, bem como a estrutura de filmagem.