segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Radar de laser detectou rio de fumaça que escureceu São Paulo

Radar de laser detectou rio de fumaça que escureceu São Paulo

Com informações da Agência Fapesp - 22/08/2019
Radar de laser detectou rio de fumaça que escureceu São Paulo
Partículas de queimadas vindas das regiões Centro-Oeste e Norte interagiram com nuvens trazidas por frente fria vinda do sul, causando escurecimento do céu e da água da chuva.
[Imagem: CPTEC]

LIDAR
Dois sistemas que permitem o monitoramento de poluentes atmosféricos estão ajudando os cientistas a entender fenômenos raros observados na cidade de São Paulo na última segunda-feira (19/08): o escurecimento repentino do céu no meio da tarde e a chuva acinzentada observada logo depois em algumas partes da Região Metropolitana.

Ainda no domingo (18/08), uma intensa pluma de material particulado com mais de 3 mil metros de altitude foi detectada por uma equipe do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) por meio do sistema Lidar. Sigla em inglês para "detecção de luz e medição de distâncias" (Light Detection And Ranging), o Lidar é um radar de laser que permite o sensoriamento remoto ativo da atmosfera para a detecção de poluentes.

"O sistema ilumina o céu e as partículas presentes na atmosfera refletem a luz, que captamos com um telescópio. Ao analisar esse sinal, conseguimos identificar o tipo de partícula e a distância da superfície em que ela se encontra," explica o professor Eduardo Landulfo, que trabalha com a tecnologia Lidar há mais de 20 anos.

Segundo o pesquisador, a pluma de poluição começou a pairar sobre a Região Metropolitana de São Paulo entre 4 e 5 horas da tarde de domingo - resultado de queimadas que ocorreram muito provavelmente de quatro a sete dias antes.

Posteriormente, com auxílio de imagens de satélites da Nasa e de um modelo que prevê a trajetória percorrida por massas de ar, os pesquisadores concluíram se tratar de partículas provenientes de queimadas ocorridas nas regiões Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso, abrangendo trechos da Bolívia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.


Convergência
O pesquisador Saulo Ribeiro de Freitas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explicou que a massa de ar poluído gerada pelas queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste geralmente é empurrada a 5 mil metros de altitude por ventos que sopram do Atlântico para o Pacífico (de leste para oeste), até esbarrar na Cordilheira dos Andes.

A fumaça começa então a se acumular sobre o leste do Amazonas, Acre, Venezuela, Colômbia e Paraguai - até que o chamado sistema anticiclone, com ventos que circulam a 3 mil metros de altitude no sentido anti-horário, começa a transportar a massa poluída na direção sul, margeando os Andes.

"O que ocorreu no início desta semana foi a convergência dessa massa de ar poluído que vinha do norte com uma frente fria vinda do sul. Os ventos convergiram e fizeram o rio de fumaça se curvar em direção à região Sudeste. Além da fuligem, outros poluentes presentes na atmosfera - como monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozônio, óxido nitroso e metano - interagiram com as nuvens trazidas pela frente fria e potencializaram a formação de smog [termo em inglês que representa a mistura entre fumaça e neblina]," detalhou Saulo.

O transporte atmosférico de emissões de queimada sobre a América do Sul vem sendo monitorado no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe desde 2003, por meio do sistema CATT-BRAMS (Coupled Aerosol and Tracer Transport model to the Brazilian developments on the Regional Atmospheric Modelling System).

"Trata-se de um produto pioneiro que faz previsão para até três dias da qualidade do ar e que tem sido adotado em vários centros do mundo, entre eles o NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), dos Estados Unidos," contou o pesquisador.

As previsões da qualidade do ar feitas no CPTEC podem ser consultadas diariamente pelo endereço http://meioambiente.cptec.inpe.br. Nas imagens obtidas pelo modelo BRAMS (foto) é possível ver que no dia 16 de agosto o "rio de fumaça" descia no sentido sul, atingindo Porto Alegre (RS) e parte da Argentina. Aos poucos, vai sendo desviado para o Sudeste e, no dia 20 de agosto, já cobre boa parte do Estado de São Paulo.

Chuva negra
De acordo com o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, durante sua trajetória rumo à região Sudeste, a pluma das queimadas interagiu com o vapor d'água na atmosfera, alterando as propriedades das nuvens.

"As partículas funcionam como núcleo de condensação da água. Assim, gotículas de chuva menores são formadas, mas em grande quantidade e isso faz com que uma maior parte da radiação solar seja refletida de volta para o espaço, a ponto de escurecer o solo, como aconteceu no último domingo," disse.

Segundo Saulo, a chuva de cor acinzentada também foi resultado dessa interação da fuligem com as nuvens. "A fumaça entranhou nas gotículas de chuva, sendo depois depositada na superfície da cidade de São Paulo", disse.

Trata-se de um fenômeno esperado do ponto de vista da química atmosférica, afirmou Artaxo, e não deve causar alarde. "Essa chuva não faz mal para as pessoas. Apenas caiu de uma nuvem com alta influência de queimadas," disse.

Análises feitas com uma amostra da água turva colhida na Zona Leste da capital pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), revelaram uma quantidade de sulfetos 10 vezes maior que a média normalmente observada em águas pluviais. "Essas substâncias normalmente estão relacionadas com a queima de biomassa e de combustíveis fósseis. Também chamou a atenção a grande quantidade de material particulado que ficou presa no filtro e a turbidez sete vezes maior que o normal," disse.

A equipe da professora Pérola de Castro Vasconcellos, do Instituto de Química da USP, por sua vez, identificou na água da chuva a presença de reteno, substância proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas.

Floresta Amazônica: desmatamento afeta a rica biodiversidade e causa impactos no planeta



Floresta Amazônica: desmatamento afeta a rica biodiversidade e causa impactos no planeta







Floresta Amazônica: Depredação gera desequilíbrio ambiental e afeta a rica biodiversidade

A maior biodiversidade do mundo espalhada em cerca de sete milhões de quilômetros quadrados – essa é a Floresta Amazônica, que está presente no Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. No país, a área é chamada de Amazônia Legal, com 5.217.423 km², e abrange os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e pequena parte dos Estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. “A Amazônia é de longe o bioma mais diverso do planeta, com 10% de toda a flora. Para se ter uma ideia, enquanto a Amazônia possui 5.000 espécies de árvores, a América do Norte inteira possui apenas 650”, compara Magno Botelho Castelo Branco, doutor em Ecologia e Recursos Naturais e presidente da organização Iniciativa Verde.

“Com toda essa diversidade de climas, solos, relevos e ambientes distintos, conectados geograficamente ou não, a Amazônia é considerada a maior floresta tropical e maior banco genético do planeta, com mais de 1,5 milhões de espécies vegetais catalogadas, além de três mil espécies de peixes e 950 espécies de aves, e uma rica diversidade de répteis, anfíbios, mamíferos e insetos, muitos deles ainda nem catalogados pelos cientistas”, complementa Adriana Maria Imperador, doutora em Ciências da Engenharia Ambiental e professora da Universidade Federal de Alfenas (Unifal).

Há ainda muitos “tesouros” guardados na Floresta Amazônica. “É importante ressaltar que, devido a sua extensão, parte de sua biota (conjunto de seres vivos de um ecossistema) ainda não foi identificada, o que aumenta ainda mais sua importância para a biodiversidade mundial”, diz Branco. De acordo com Adriana, muitas destas espécies podem trazer benefícios imensuráveis ao homem, como a cura de doenças, servir como fonte de alimento, para a produção de remédios e cosméticos, além trazer benefícios ecológicos e ambientais.

A Amazônia, segundo a pesquisadora, também apresenta grande diversidade étnica com comunidades tradicionais indígenas, ribeirinhas e de seringueiros, que vivem dos produtos extraídos da floresta e são possuidoras de conhecimento empírico hoje muito valorizado e resgatado por estudiosos do mundo todo.

Desmatamento
Mas por que uma área tão rica em recursos naturais não recebe a proteção adequada e tem o desmatamento como sua maior ameaça? Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2011, a taxa de desmatamento da Amazônia Legal foi de 6.238 km². Já o acumulado de 1988 a 2011 chegou a 392.021 km².

“O desmatamento realizado para a agropecuária ainda é a maior ameaça à floresta primária da Amazônia. Isto se deve principalmente ao tamanho das áreas desmatadas para a formação de pastagens e produção de grãos. Intervenções de minerações e de hidrelétricas são mais drásticas, porém a escala é sempre bem menor do que da agropecuária”, explica Niro Higuchi, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).


Para o pesquisador, a exploração seletiva de madeira também representa uma importante ameaça à integridade da Amazônia. “Há uma lógica perversa que indica que os Estados da Amazônia que mais produzem madeira são também os que mais a desmatam”, ressalta.

Branco, por outro lado, acredita que atribuir à criação de gado o papel de grande vilã do desmatamento é injusto. “Outros vetores são também importantes. A pecuária se expande para as áreas de floresta por ser literalmente empurrada para essas áreas, visto que é uma das atividades que menos remunera a terra. Quando ocorreu a expansão da cultura da cana-de-açúcar no Sudeste para a produção de etanol, por exemplo, tivemos um deslocamento da pecuária e de outras culturas para as áreas de terra com menor custo de oportunidade, o que inclui a Amazônia”, esclarece.

O desmatamento é uma consequência de várias forças que resultam na ocupação sem planejamento da floresta. “A construção de estradas de rodagem é uma delas, pois as rodovias fomentam o desmatamento ao longo de seus eixos, o que ocorreria em intensidade muito menor se construíssemos ferrovias”, defende.


Já Adriana destaca as origens históricas do desmatamento: “a Amazônia ficou esquecida durante mais de quatro séculos e as populações que habitavam este ambiente permaneceram praticamente isoladas. Durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a ocupação foi estimulada por um programa de avanço das fronteiras”, aponta. Somente na década de 1970, expõe ela, a ocupação se deu de forma mais efetiva com a política de “integrar para não entregar”. “Desde então, muitos brasileiros migraram para o norte do país com a intenção de ganhos imediatos à custa da derrubada da floresta. Esta ocupação desordenada repercutiu no desmatamento com vistas à urbanização, à criação de gado e às práticas agrícolas”, destaca.

Impactos
O desmatamento reduz a biodiversidade, causa erosão dos solos, degrada áreas de bacias hidrográficas, libera gás carbônico para a atmosfera, reduz a umidade do ar, causa desequilíbrio social, econômico e ambiental. “A redução da umidade na Amazônia pode reduzir as chuvas na região centro-sul brasileira e até mesmo de outros países. Em 2005, quando a região amazônica sofreu com uma das maiores secas já registradas, o impacto atingiu áreas distantes e acarretou a perda de diversas culturas agrícolas no sul do Brasil e norte Argentina, com um prejuízo incalculável e perdas irreversíveis”, exemplifica Adriana.

Além das questões climáticas, o desmatamento causa também muitos prejuízos para a biodiversidade. “Com a perda de habitat, as espécies desaparecem, e com elas se perdem os serviços ambientais que nos prestam: metade da farmacopeia conhecida tem origem em extratos naturais e em substâncias presentes em diversos seres vivos. Compostos medicinais de origem natural são descobertos regularmente e, como parte da biodiversidade amazônica ainda é desconhecida, estamos perdendo esse patrimônio mesmo antes de conhecê-lo”, lamenta Branco.

Para Higuchi, as emissões causadas pelo desmatamento são irracionais. “Eu diria que o desmatamento na Amazônia contribui com 2/3 das emissões brasileiras. É difícil aceitar estas emissões como racionais porque a Amazônia contribui com menos de 8% na formação do produto interno (ou doméstico) bruto do Brasil”. Branco explica que a Floresta Amazônica se comporta como um enorme reservatório de carbono atmosférico: “Durante o seu crescimento, as árvores removem enormes quantidades de CO2 da atmosfera – metade da biomassa das árvores é constituída de carbono. Com o desmatamento, todo esse carbono é reemitido para a atmosfera, o que contribui ainda mais para o aumento do efeito estufa”, realça.

Como combater
Para coibir o desmatamento, de acordo com o pesquisador do Inpa, é necessário simplesmente cumprir as legislações vigentes. Ele acredita que as ações tomadas até agora não têm sido suficientes por falta de gente para impor as leis. Branco concorda: “As ações tomadas pelo poder público são vitais, mas não bastam. A grande iniciativa do governo consiste nas metas adotadas pela Política Nacional de Mudança do Clima, que prevê a redução do desmatamento para cerca de 20% dos níveis observados no período 1996-2005”, sinaliza. Para ele, é importante que a sociedade exija garantia de origem nos produtos que consome, por exemplo questionando as redes de supermercados se a carne que vendem é oriunda de área de desmatamento ilegal.

Adriana cita medidas adotadas no Acre em que a prática do manejo florestal é uma alternativa ao padrão de exploração dos recursos naturais na região. “Minha pesquisa de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Embrapa, abordou aspectos da Certificação Florestal Comunitária para Produtos Florestais não Madeireiros e apontou que é possível desenvolver e ao mesmo tempo cumprir critérios que indiquem uma postura sustentável que seja ecologicamente correta e viável, e socialmente justa”. Ela destaca também a criação de unidades de conservação de uso sustentável, determinada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), que estimula o uso sustentável da floresta.

Créditos de carbono
Segundo Branco, ações de preservação na Floresta Amazônica podem gerar créditos de carbono. “Já existem alguns projetos demonstrativos em andamento. Em uma escala maior, há diversas propostas de como as empresas e mesmo unidades federativas podem cumprir metas de redução de emissões de carbono em parte financiando projetos que contribuam para a redução do desmatamento na região. Todas essas iniciativas estão em fase preliminar e, em um futuro próximo, teremos boas notícias sobre o assunto”, acredita.

Adriana pontua que a existência da floresta não confere ao Brasil hoje o direito de utilizar este grande mérito como crédito de carbono. “Porém, seria uma estratégia interessante do governo investir na inclusão de suas áreas florestais nessa proposta, pois serviria como incentivo à manutenção da Floresta Amazônica e demais áreas florestais contidas em seu território.”

Entretanto, Higuchi lembra que, quando o crédito de carbono surgiu como mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), em 1997, no Protocolo de Quioto, houve grande expectativa para a proteção das florestas tropicais por meio, principalmente, da recuperação das áreas desmatadas. “No entanto, de 1997 até os dias atuais não há nenhum MDL-florestal aprovado na Amazônia. O crédito de carbono funcionou como ‘ouro de tolo’ naquela região”, lamenta.

Em relação à nova alternativa para proteger as florestas conhecidas como Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd, em inglês), Higuchi defende que são necessários projetos consistentes. “O fracasso do MDL-florestal pode ser atribuído à falta de bons projetos. O mesmo pode ocorrer com o Redd se não houver bons projetos, porque esse mercado é muito exigente. Isso significa a utilização de métodos confiáveis, replicáveis e auditáveis”, finaliza.
Floresta Amazônica não é o pulmão do mundo

O mito de que a Floresta Amazônica é o pulmão do mundo surgiu associado ao mecanismo de fotossíntese e respiração das árvores, que têm capacidade de absorver o dióxido de carbono (CO2) e liberar o oxigênio (O2). Já o pulmão, ao contrário, absorve o oxigênio durante a inspiração e libera o dióxido de carbono durante a expiração. “Para enterrar de vez este mito, temos que pensar em escala também: na atmosfera há 21% de oxigênio e 0,04% de dióxido de carbono. Por mais que a Floresta Amazônica tivesse uma troca gasosa favorável com a atmosfera, a quantidade seria insignificante”, detalha Niro Higuchi, do Inpa.

“A grande maioria do oxigênio presente na atmosfera é produzida por algas nos oceanos, de modo que a contribuição das florestas em geral para a produção líquida desse elemento é pequena. Mas a Amazônia tem um papel importantíssimo para o clima global, que é a estocagem de enormes quantidades de carbono atmosférico”, acrescenta Magno Branco, da Iniciativa Verde.
Matéria de Patricia Piacentini, no pré-Univesp – Número 19 – Florestas, publicada pelo EcoDebate, 20/08/2012

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Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos



Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos


“Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos”. Entrevista com Herve Kempf

IHU

poluição do ar

Herve Kempf é um jornalista francês especializado em meio ambiente. Trabalhou no jornal parisiense Le Monde e é atualmente editor-chefe da revista Reporterre, especializada em questões ecológicas. Algumas de suas obras tiveram grande repercussão, como: Para salvar o planeta, liberte-se do capitalismo (2010) e Como os ricos destroem o planeta (2011).


Mirador Provincial falou exclusivamente com esse notável pensador e referência em sua matéria a nível mundial. Kempf estava de férias no interior da França, no departamento de Lozera, no Sul desse país. Após tentativas frustradas via Skype e outra via WhatsApp, o jornalista nascido em Amiens (150 quilômetros ao norte de Paris) respondeu as perguntas por e-mail.
A entrevista é de Hernán Alvarez, publicada por Mirador Provincial, 26-08-2019. A tradução é do Cepat.


Eis a entrevista.

Você escreveu vários livros. O último é de 2013. Quais foram as questões que mudaram de 2013 para cá, em relação ao capitalismo e ao consumismo?
O que é louco é que, apesar da crise financeira de 2008, que emergiu de uma incrível especulação bancária, o sistema capitalista permaneceu essencialmente inalterável e não é questionado de forma alguma. O que mudou é que as evidências de catástrofes ecológicas se tornam cada vez mais evidentes, ano a ano. O capitalismo se tornou cada vez mais autoritário e repressivo, com líderes como Donald Trump, nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro, no BrasilNarendra Modi, na Índia, mas também Emmanuel Macron, na França, que reprime violentamente movimentos de protesto, como os coletes amarelos.

As tensões sociais estão aumentando devido à degradação ecológica, desigualdades que estão se tornando insuportáveis e ataques à liberdade cometidos por regimes autoritários e capitalistas. Revoltas em Hong Kong, Rússia, França com coletes amarelos, Argélia. O movimento juvenil por uma política climática real está crescendo, pelo menos na Europa.

Você escreveu que o capitalismo não pode mais existir. Quais são as alternativas políticas ao capitalismo no século XXI?
Ou o capitalismo autoritário permanece em seu lugar e nos conduz ao caos ecológico, que nos leva a situações sociais muito duras, onde uma minoria dos ricos tentará manter seus privilégios, ao confinar o resto da humanidade à pobreza. Ou podemos sair desse sistema mortal reduzindo bastante as desigualdades e procurando uma economia de baixo consumo de material. A chave seria consumir menos e compartilhar mais.

As ondas de calor na França ajudam a aumentar a conscientização sobre o desastre que este modelo econômico está causando?
Sim, absolutamente. As pessoas estão se conscientizando de que são as mudanças climáticas. Não é mais uma teoria. Tornou-se um fenômeno que afeta a vida cotidiana.
Essas claras advertências ajudam as pessoas a ficarem mais conscientes?

Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos, como a onda de calor na Europa, neste verão de 2019, os gigantescos incêndios florestais na Sibéria (quando fizemos essa matéria, os incêndios na região amazônica não haviam sido deflagrados), inundações na Índia. A sociedade está mais consciente do fenômeno da degradação ecológica e climática, mas infelizmente as classes dominantes parecem surdas e cegas.

Na sua opinião, países como Índia e China devem estabelecer leis para reduzir o crescimento populacional?
Índia e China são grandes países e um europeu não deve lhes dizer o que devem fazer. O melhor que os países europeus têm a fazer é ser o mais ambientalmente amigável possível, para mostrar que a prosperidade e o respeito pelos limites do planeta andam de mãos dadas. Este seria um exemplo mais claro do que qualquer conselho que fosse dado por outros.

Você se considera um objetor do crescimento. O que é isso?
Isso significa que o crescimento econômico não pode continuar. Porque? Porque o que mede o aumento, o produto interno bruto (PIB), não leva em conta o ambiente natural, que se tornou exponencialmente frágil e que os seres humanos devem usar inevitavelmente. O PIB se tornou um instrumento enganoso do estado real da economia, que não pode mais esquecer a natureza. Portanto, buscar seu crescimento é perigoso e prejudicial.

Os meios de comunicação podem mudar a imagem positiva que o consumismo possui?
A primeira coisa que os meios de comunicação podem fazer seria … parar de publicar publicidade! A publicidade é realmente a primeira maneira pela qual o consumismo é imposto a todos.

Sem publicidade, no entanto, o sistema dos meios de comunicação terá que ser transformado, porque a publicidade é atualmente uma das principais fontes de financiamento. Mas, é possível, e realmente traz mais leitores. Na França, somos alguns meios de comunicação, como Mediapart e Reporterre, o site que administro, que vivemos sem publicidade e somos financiados pelos leitores.

Este século é crucial em termos ecológicos?
É vital. E ainda mais as primeiras décadas deste século. Se falharmos em parar rapidamente o crescimento das emissões de gases do efeito estufa e a destruição dos ecossistemas, não tenho dúvidas de que a sociedade humana global entrará em problemas graves.

Como é possível romper o círculo do capitalismo de produção, vendas e consumo?
Não sei. Parece tão poderoso que não vejo uma saída. Mas, em 1988, quem teria dito que três anos depois a União Soviética deixaria de existir?

A classe média está silenciada e ontrcolada em muitos países?
Está muito fortemente influenciado pelos meios de comunicação, que estão em grande parte nas mãos de bilionários com interesses financeiros. Os meios de comunicação a fizeram sonhar com uma melhora no padrão de vida. Então, quando isso não é cumprido e as pessoas começam a desafiar o sistema, é onde se usa a repressão.

O que o cidadão comum pode fazer para mudar essa situação?
Cultivar sua liberdade de consciência e seu olhar crítico. Conseguir o máximo de informações possível dos meios de comunicação independentes das forças financeiras. E se comprometer com movimentos ecológicos, políticos e sociais. Ou pelo menos apoiá-los.

Argentina, agricultura, desigualdade …

Aqui, na Argentina, a agricultura é feita principalmente com muitos herbicidas. Quais são as opções para esse modelo?
A agricultura orgânica está progredindo cada vez mais. Está provando que é uma resposta confiável aos desafios agrícolas. Mas isso, obviamente, implica uma mudança no sistema. Muito menos produtos e máquinas e mais trabalho humano. Essa evolução implica que consideremos propriedades agrícolas com áreas menores, o que sem dúvida implica em reforma agrária. A agricultura orgânica não é adequada para grandes propriedades.

Como um país como a Argentina pode mudar seus problemas de pobreza, sem crescer economicamente?
Não conheço a Argentina o suficiente para dar uma opinião precisa. Mesmo antes da questão do crescimento, há um problema de distribuição de riqueza, porque o nível de desigualdade na Argentina é muito alto, embora menor do que no Brasil e Chile. Idealmente, se deveria buscar um crescimento moderado e estável, com uma distribuição muito melhor da riqueza e um movimento em direção a uma agricultura, transporte e política energética mais amigável com o meio ambiente.
(EcoDebate, 29/08/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Extinção da anta e da queixada causaria uma importante redução na biodiversidade florestal


Extinção da anta e da queixada causaria uma importante redução na biodiversidade florestal


anta fotografada no Pantanal
Estudo feito na Unesp sugere que esses dois grandes herbívoros 
têm funções ecológicas complementares, que favorecem a dispersão
 de sementes e sua transformação em árvores adultas (anta fotografada no Pantanal 
/ foto: Charles J Sharp – Wikimedia Commons)

Agência FAPESP * – Uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro concluiu que a extinção conjunta dos dois maiores herbívoros sul-americanos – a anta (Tapirus terrestres) e a queixada (Tayassu pecari) – causaria uma importante redução na biodiversidade florestal do continente.

Resultados de um experimento iniciado há 10 anos indicam que as comunidades de plantas são mais diversificadas nas áreas em que as espécies estão simultaneamente presentes. Já nas florestas onde apenas um dos animais ocorre a diversidade é menor.

Segundo a pesquisa, apoiada pela FAPESP e publicada no Journal of Ecology da British Ecological Society, a queixada e a anta teriam funções ecológicas complementares. O trabalho integra o Projeto Temático “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”, coordenado pelo professor Mauro Galetti no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.

Esses dois grandes herbívoros costumavam habitar a maior parte das florestas da América do Sul, mas sua sobrevivência está ameaçada em muitos locais em decorrência da caça ilegal e do desmatamento para exploração agrícola. Segundo os pesquisadores, o papel ecológico das espécies e sua importância para o funcionamento e a manutenção dos serviços ambientais prestados pelas florestas (incluindo biodiversidade, ciclagem de nutrientes, estocagem de carbono, manutenção de nascentes e retenção de água) ainda é desconhecido.

As queixadas são grandes devoradoras de sementes e de plantas jovens. Moram em grandes grupos familiares, que podem ultrapassar uma centena de indivíduos. Por meio do consumo alimentar e do pisoteamento do solo ajudam a reduzir fortemente o número de plantas no sub-bosque das florestas tropicais.

As antas, por outro lado, são solitárias e se alimentam de folhas e frutos de variadas espécies – sem impactar o número de plantas. Depois de consumir frutos, esse animal os defeca em lugares distantes, movimentando sementes de um local a outro da floresta.

“Enquanto as queixadas agem como pequenos ‘tratores’, revirando o solo da floresta, a anta é um gigante gentil que transporta sementes em sua barriga. Elas têm funções ecológicas muito diferentes”, disse Jose Ignacio (Nacho) Villar, primeiro autor do artigo, à Unesp Agência de Notícias.
As duas espécies andam grandes distâncias dentro das florestas, de tal maneira que a perturbação causada pelas queixadas se sobrepõe ao espalhamento de sementes promovido pela anta.

“Nossa hipótese é que a perturbação causada pelas queixadas aumenta as chances de as sementes dispersadas pela anta se tornarem árvores adultas, favorecendo a diversidade da floresta em escalas espaciais grandes”, disse Villar, que atualmente realiza seu pós-doutorado na Unesp com bolsa da FAPESP e supervisão de Galetti.

Estudos anteriores já especularam que tanto a anta como a queixada seriam espécies “engenheiras de ecossistemas”, mas este é o primeiro trabalho com dados de campo a sugerir que só o efeito combinado das duas espécies teria um impacto positivo substancial na diversidade.

“A extinção desses herbívoros das florestas tropicais da América do Sul pode ter efeitos substanciais na dinâmica do ecossistema, talvez equivalente à erradicação dos elefantes nas florestas da África e da Ásia, ou dos gnus nas savanas”, afirmou Villar. Segundo o pesquisador, as queixadas estão entre as presas favoritas da onça-pintada, predador de topo nas florestas sul-americanas, de tal maneira que sua extinção atinge todos os níveis da cadeia trófica.

“Estamos começando a compreender as consequências ecológicas da extinção massiva de populações de grandes herbívoros das florestas tropicais. É a ponta do iceberg. Precisamos gerar esse conhecimento antes que seja tarde demais e experimentos de longa data, como o nosso, são essenciais para atingir esses objetivos”, disse Villar.

O artigo The cryptic regulation of diversity by functionally complementary large tropical forest herbivores, de Nacho Villar, Tadeu Siqueira, Valesca Zipparro, Fabiano Farah, Gabriela Schmaedecke, Luana Hortenci, Carlos Rodrigo Brocardo, Pedro Jordano e Mauro Galetti, pode ser acessado em besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1365-2745.13257.
* Com informações da Unesp Agência de Notícias

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/09/2019

Extinção da anta e da queixada causaria uma importante redução na biodiversidade florestal, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 6/09/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/09/06/extincao-da-anta-e-da-queixada-causaria-uma-importante-reducao-na-biodiversidade-florestal/.

Acumulam capital destruindo vidas

Acumulam capital destruindo vidas, artigo de Gilvander Moreira

artigo
Acumulam capital destruindo vidas

Por Gilvander Moreira1

A realidade dramática causada pela implantação da barragem e hidrelétrica de Itapebi no Rio Jequitinhonha, no município de Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, MG, e em todos os grandes projetos de interesse do capital, nos recorda Marshall Berman, no livro Tudo o que é sólido se desmancha no ar, quando o personagem Fausto, após passar pela primeira metamorfose, que o ensinou a viver e a sonhar, pela segunda metamorfose, que o ensinou a amar, já na sua terceira metamorfose, ele aprendeu a construir e a destruir. E, assim, Fausto planeja “esboçar grandes projetos de recuperação para atrelar o mar a propósitos humanos: portos e canais feitos pela mão do homem, onde se movem embarcações repletas de homens e mercadorias; represas para irrigação em larga escala; verdes campos e florestas, pastagens e jardins, uma vasta e intensa agricultura; energia hidráulica para animar e sustentar as indústrias emergentes; pujantes instalações, novas cidades e vilas por construir” (BERMAN, 2007, p. 79).

Interessa a Fausto, acima de tudo, desenvolver-se economicamente, acumular capital. Para isso ele fez um esforço hercúleo e se transformou em um contumaz destruidor e criador. “Os projetos de Fausto vão exigir não apenas um imenso capital, mas o controle sobre vastas extensões territoriais e um grande número de pessoas” (BERMAN, 2007, p. 79). Fausto recebeu “ilimitados direitos de desenvolver toda a região costeira, incluindo carta branca para explorar quaisquer trabalhadores de que necessitem e livrar-se de quaisquer nativos que encontrem no caminho” (BERMAN, 2007, p. 80). Fausto “exorta seus capatazes e inspetores, guiados por Mefisto, a ‘usar todos os meios disponíveis / 


Para engajar multidões e multidões de trabalhadores. / Incitem-nos com recompensas, ou, sejam severos, / Paguem-nos bem, seduzam ou reprimam!’” (BERMAN, 2007, p. 81). Ele “está convencido de que são as pessoas comuns, a massa de trabalhadores e sofredores, que obterão o máximo benefício dessa obra gigantesca” (BERMAN, 2007, p. 82), mas no caminho dos projetos de crescimento econômico de Fausto está um casal de camponeses idosos que resistem para existirem como posseiros a longa data em uma pequena propriedade. “Filemo e Báucia, um velho e simpático casal que aí está há tempo sem conta. Eles têm um pequeno chalé sobre as dunas, uma capela com um pequeno sino, um jardim repleto de tílias e oferecem hospitalidade a marinheiros náufragos e sonhadores. Com o passar dos anos, tornaram-se bem-amados como a única fonte de vida e alegria nessa terra desolada” (BERMAN, 2007, p. 84).

Filemo e Báucia, um casal generoso, humilde, inocente e resignado, mas “são pessoas que estão no caminho – no caminho da história, do progresso, do desenvolvimento: pessoas que são classificadas, e descartadas, como obsoletas” (BERMAN, 2007, p. 85). Mas Fausto “se torna obcecado com o velho casal e sua pequena porção de terra: “Esse casal de velhos devia ter-se afastado, / Eu quero tílias sob meu controle, / Pois essas poucas árvores que me são negadas / comprometem minha propriedade como um todo. / […] Por isso nossa alma se debruça sobre a cerca, / para sentir em meio à plenitude, o que nos falta” (11 239-52). Eles precisam ser afastados para dar lugar àquilo que Fausto passa a ver como a culminação do seu trabalho: uma torre de observação, do alto da qual ele e os seus possam “contemplar a distância até o infinito”, soberanos sobre o novo mundo que construíram (Cf. BERMAN, 2007, p. 85).

Fausto oferece dinheiro ou outra pequena propriedade, mas ao casal idoso não interessa dinheiro. Aceitar mudar seria como arrancar um pé de bananeira do campo e tentar plantá-lo no asfalto. Morte na certa. O casal teima e resiste, não aceita sair da terrinha. Assim, Fausto convoca Melisto e seus “homens fortes” e ordena-lhes “que tirem o casal de velhos do caminho. Ele não deseja vê-lo, nem quer saber dos detalhes da coisa.


 Só o que lhe interessa é o resultado final: quer que o terreno esteja livre na manhã seguinte, para que o novo projeto seja iniciado. Isso é um estilo de maldade caracteristicamente moderno: indireto, impessoal, mediado por complexas organizações e funções institucionais. Mefisto e sua unidade especial retornam “na calada da noite” com a boa notícia de que tudo estava resolvido. Fausto, de repente preocupado, pergunta para onde foi removido o velho casal — e vem a saber que a casa foi incendiada e eles foram mortos. Fausto se sente pasmo e ultrajado, tal como se sentira diante de Gretchen. Protesta dizendo que não ordenara violência; chama Mefisto de monstro e manda-o embora. 


O príncipe das trevas se vai, elegantemente, como cavalheiro que é; porém ri antes de sair. Fausto vinha fingindo não só para outros, mas para si mesmo, que podia criar um novo mundo com mãos limpas; ele ainda não está preparado para aceitar a responsabilidade sobre a morte e o sofrimento humano que abrem o caminho. Primeiro, firmou contrato com o trabalho sujo do desenvolvimento; agora lava as mãos e condena o executante da tarefa, tão logo esta é cumprida


É como se o processo de desenvolvimento, ainda quando transforma a terra vazia num deslumbrante espaço físico e social, recriasse a terra vazia no coração do próprio fomentador. É assim que funciona a tragédia do desenvolvimento” (BERMAN, 2007, p. 85-86) (grifo nosso).

Esse Fausto de Marshall Berman representa todos os donos de grandes empresas, seus executivos e acionistas que, à distância, planejam e implementam megaprojetos que visam a acumulação de capital, mas preferem não ver o sangue de tantas vidas ceifadas em nome do ídolo mercado.
Belo Horizonte, MG, 03/9/2019.


Referência.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Obs.: Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1 – Atingidos pela barragem de Itapebi em Salto da Divisa, MG: Irmã Geraldinha. 12/08/14
2 – Promotor do MP/MG, de Jacinto, MG: compromisso com os atingidos pela Barragem de Itapebi. 08/06/16
3 – Pescadores de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados por empresas e barragem. 08/06 /16
4 – Vazanteiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16
5 – Pedreiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16
6 – Em Salto da Divisa, MG, casas desabando pela barragem de Itapebi e extratores pisados. 08/06/16
7 – Lavadeiras de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados pela Itapebi com barragem. 08/06/16
1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; mestre em Ciências Bíblicas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.gilvander.org.brwww.freigilvander.blogspot.com.brwww.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/09/2019
Acumulam capital destruindo vidas, artigo de Gilvander Moreira, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 6/09/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/09/06/acumulam-capital-destruindo-vidas-artigo-de-gilvander-moreira/.

Países com maiores áreas e percentagens de floresta,


Países com maiores áreas e percentagens de floresta, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“A floresta precede os povos. E o deserto os segue”
François-René Chateaubriand (1768-1848)

[EcoDebate] A preservação das florestas e o aumento da cobertura florestal passou a ser uma das maiores preocupações mundiais em função do agravamento do aquecimento global. Diante do aumento dos incêndios e queimadas em vários países do mundo, mas especialmente no Brasil, o tema do desmatamento e da destruição florestal entrou na pauta do G7 (grupo dos 7 maiores países capitalistas) que aconteceu na cidade de Biarritz, na França, entre os dias 24 e 26 de agosto de 2019.


O presidente da França, Emmanuel Macron, mostrou preocupação com o desmatamento e as queimadas da Amazônia e levantou a possibilidade de definir um “status internacional” para a região, caso os países tomem decisões prejudiciais ao planeta. Isto gerou uma montanha de reações e comentários no Brasil. Mas o presidente Jair Bolsonaro defendeu a “Soberania nacional” e disse: “Somos o país que mais preserva o meio ambiente”. Vejamos a realidade.


Quanto às florestas, o Governo Federal tem dito que o Brasil é o país com maior cobertura florestal do Planeta, o que não é verdade e tal afirmativa só contribui para alimentar as “fake News” e a pós-verdade. Evidentemente, utilizando o indicador de área total, os países com maior área absoluta de floresta são aqueles com maior território. A tabela abaixo mostra os 10 países com maior área florestal. A Rússia, naturalmente, lidera a lista com uma área florestal quase do tamanho de todo o território brasileiro. Em seguida vem o Canadá com quase 5 milhões de km2 de floresta. O Brasil aparece em terceiro lugar à frente dos EUA e da China. A índia aparece em 10º lugar.

10 países com maior área florestal

Mas quando se considera a cobertura florestal relativa, isto é, a percentagem de florestas no território nacional, o Brasil aparece em 31º lugar. A tabela abaixo mostra os 44 países que possuem cobertura florestal acima de 50%. A lista é liderada por países pequenos e pouco povoados como Micronésia, Seychelles, Tuvalu, Palau e Gabão, todos com mais de 80% de florestas.


O interessante notar é que existem vários países ricos (com alto IDH) que possuem cobertura florestal bem superior a encontrada no Brasil. Japão e Suécia são dois países que avançaram economicamente e socialmente sem destruir suas matas, já que possuem mais de dois terços de florestas. A Coreia do Sul que teve uma grande devastação florestal durante a Segunda Guerra Mundial e durante a guerra entre as duas Coreias (1950-53) deu um exemplo que se pode avançar no desenvolvimento humano e na cobertura florestal ao mesmo tempo e hoje possui 63% do território verde. Taiwan e Malásia que também possuem renda per capita acima da renda per capita brasileira conseguiram manter uma cobertura vegetal superior.

países com mais de 50% de cobertura florestal

Portanto, o Brasil não possui nenhuma excepcionalidade nem na área e nem na percentagem de florestas. Contudo, os setores nacionalistas (de direita e de esquerda) vivem afirmando que a “Amazônia é nossa” e criticam os governos e ambientalistas internacionais que reclamam da destruição da maior floresta tropical do mundo.

Ou seja, usando a desculpa nacionalista e o discurso da Grande Pátria e da Soberania Nacional, os setores nacionalistas desviam a atenção do crime de ecocídio que é a grande destruição da nossa maior floresta, difundindo o lema: “A Amazônia é nossa”. Mas na verdade a Amazônia é dela mesma (Alves, 2012) e deve ser respeitada pelos seus direitos intrínsecos. O nacionalismo tacanho só contribui para o desmatamento, a defaunação e o holocausto biológico, confirmando a frase de Samuel Johnson: “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.

Olhando por um outro indicador, o Brasil possui a maior reserva ambiental absoluta do mundo, segundo a Global Footprint Network. Contudo, o superávit ambiental era bem maior em 1961 (quando começaram os cálculos), cerca de 3 vezes o superávit atual. Ou seja, o Brasil aumenta sua Pegada Ecológica e perde biodiversidade e vê seus ecossistemas serem degradados na medida em que avançam as atividades antrópicas e os índices de desenvolvimento humano.

Como mostraram Alves e Martine (2017), toda a riqueza natural deste imenso país está sendo ameaçada pelo descuido, degradação e exploração selvagem dos ecossistemas. O aumento da poluição nas cidades, a destruição dos rios, o uso generalizado de fertilizantes e agrotóxicos, a construção de hidrelétricas, toda a cadeia produtiva industrial, a rede de comércio e serviços, a acidificação dos solos e das águas, a desertificação, a expansão da agricultura e da pecuária, o desmatamento, a malha de rodovias, os incêndios e queimadas, a exploração da biomassa, dentre outros tipos de degradação.

O desmatamento e a defaunação é uma realidade da história brasileira. A Mata Atlântica ocupava uma área de aproximadamente 1.300.000 km2, estendendo-se por 17 estados do território brasileiro. Hoje, os remanescentes de vegetação nativa estão reduzidos a cerca de 22% de sua cobertura original e encontram-se em diferentes estágios de regeneração. Apenas cerca de 8% estão bem conservados em fragmentos acima de 100 hectares.

O Cerrado, o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 km2, cerca de 22% do território brasileiro, é o segundo bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana, tendo perdido 70% da sua cobertura original. Além disto, o Brasil desmatou 13% do Pantanal, cerca de 50% da Caatinga, 54% do Pampa, 99% da Mata de Araucária, cerca de 25% dos manguezais somente nos anos 2000 e cerca de 35% da Mata de Cocais.

A Floresta Amazônica é o maior bioma do Brasil: num território de 4,196.943 milhões de km2 crescem 2.500 espécies de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul). Dados do Prodes do INPE, mostram que o desmatamento, de 1988 a 2014, atingiu o montante de 408 mil km². Essa área desflorestada é maior do que a soma dos territórios dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal. No total, as seis Unidades da Federação possuem uma área de 393.462 km². Outros 400 mil km² foram destruídos entre 1965 e 1988. Assim, o Brasil já desmatou mais de 20% da Floresta Amazônica. E os nacionalistas dizem que a “Amazônia é nossa” – isto é, para o bel prazer da destruição “tupiniquim”.

Ou seja, o maior país da América do Sul já destruiu cerca de 90% da Mata Atlântica e grande parte dos outros biomas. Agora caminha para destruir a Amazônia, enfraquecer as instituições que fornecem dados sobre o desmatamento e eliminar as pessoas que lutam para manter a floresta de pé e garantir a sobrevivência dos povos da região. O Brasil é o país que mais mata e desmata. E o governo brasileiro em vez de evitar o desastre ambiental tem atuado no sentido de acelerar a destruição ecossocial e as bases da biodiversidade.

Na semana de 20 a 27 de setembro de 2019 haverá a greve global contra a destruição da natureza e em defesa do futuro. Será a Greve Global pelo Clima. O povo brasileiro precisa se inspirar na greve dos adolescentes contra as mudanças climáticas e iniciar um grande movimento de massas para defender o meio ambiente e não derrubar árvores, mas sim governos incompetentes e que contribuem para a destruição da base ecológica da vida na Terra.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382


Referências:
ALVES, JED. MARTINE, G. Population, development and environmental degradation in Brazil. In: LENA, P. ISSBERNER, LR. Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies”, Londres, NYC, Routledge, 2017
https://www.chapters.indigo.ca/en-ca/books/brazil-in-the-anthropocene-conflicts/9781138684201-item.
ALVES, JED. Brasil mata e desmata, Ecodebate, 05/08/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/08/05/brasil-mata-e-desmata-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. A Amazônia não é nossa! Ecodebate, 21/03/2012
http://www.ecodebate.com.br/2012/03/21/a-amazonia-nao-e-nossa-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/09/2019
Países com maiores áreas e percentagens de floresta, artigo de José Eustáquio Diniz Alves, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 6/09/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/09/06/paises-com-maiores-areas-e-percentagens-de-floresta-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.