Radar de laser detectou rio de fumaça que escureceu São Paulo
Com informações da Agência Fapesp - 22/08/2019
Partículas
de queimadas vindas das regiões Centro-Oeste e Norte interagiram com
nuvens trazidas por frente fria vinda do sul, causando escurecimento do
céu e da água da chuva.
[Imagem: CPTEC]
[Imagem: CPTEC]
LIDAR
Dois sistemas que permitem o monitoramento de poluentes atmosféricos estão ajudando os cientistas a entender fenômenos raros observados na cidade de São Paulo na última segunda-feira (19/08): o escurecimento repentino do céu no meio da tarde e a chuva acinzentada observada logo depois em algumas partes da Região Metropolitana.
Ainda no domingo (18/08), uma intensa pluma de material particulado com mais de 3 mil metros de altitude foi detectada por uma equipe do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) por meio do sistema Lidar. Sigla em inglês para "detecção de luz e medição de distâncias" (Light Detection And Ranging), o Lidar é um radar de laser que permite o sensoriamento remoto ativo da atmosfera para a detecção de poluentes.
"O sistema ilumina o céu e as partículas presentes na atmosfera refletem a luz, que captamos com um telescópio. Ao analisar esse sinal, conseguimos identificar o tipo de partícula e a distância da superfície em que ela se encontra," explica o professor Eduardo Landulfo, que trabalha com a tecnologia Lidar há mais de 20 anos.
Segundo o pesquisador, a pluma de poluição começou a pairar sobre a Região Metropolitana de São Paulo entre 4 e 5 horas da tarde de domingo - resultado de queimadas que ocorreram muito provavelmente de quatro a sete dias antes.
Posteriormente, com auxílio de imagens de satélites da Nasa e de um modelo que prevê a trajetória percorrida por massas de ar, os pesquisadores concluíram se tratar de partículas provenientes de queimadas ocorridas nas regiões Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso, abrangendo trechos da Bolívia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.
Convergência
O pesquisador Saulo Ribeiro de Freitas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explicou que a massa de ar poluído gerada pelas queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste geralmente é empurrada a 5 mil metros de altitude por ventos que sopram do Atlântico para o Pacífico (de leste para oeste), até esbarrar na Cordilheira dos Andes.
A fumaça começa então a se acumular sobre o leste do Amazonas, Acre, Venezuela, Colômbia e Paraguai - até que o chamado sistema anticiclone, com ventos que circulam a 3 mil metros de altitude no sentido anti-horário, começa a transportar a massa poluída na direção sul, margeando os Andes.
"O que ocorreu no início desta semana foi a convergência dessa massa de ar poluído que vinha do norte com uma frente fria vinda do sul. Os ventos convergiram e fizeram o rio de fumaça se curvar em direção à região Sudeste. Além da fuligem, outros poluentes presentes na atmosfera - como monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozônio, óxido nitroso e metano - interagiram com as nuvens trazidas pela frente fria e potencializaram a formação de smog [termo em inglês que representa a mistura entre fumaça e neblina]," detalhou Saulo.
O transporte atmosférico de emissões de queimada sobre a América do Sul vem sendo monitorado no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe desde 2003, por meio do sistema CATT-BRAMS (Coupled Aerosol and Tracer Transport model to the Brazilian developments on the Regional Atmospheric Modelling System).
"Trata-se de um produto pioneiro que faz previsão para até três dias da qualidade do ar e que tem sido adotado em vários centros do mundo, entre eles o NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), dos Estados Unidos," contou o pesquisador.
As previsões da qualidade do ar feitas no CPTEC podem ser consultadas diariamente pelo endereço http://meioambiente.cptec.inpe.br. Nas imagens obtidas pelo modelo BRAMS (foto) é possível ver que no dia 16 de agosto o "rio de fumaça" descia no sentido sul, atingindo Porto Alegre (RS) e parte da Argentina. Aos poucos, vai sendo desviado para o Sudeste e, no dia 20 de agosto, já cobre boa parte do Estado de São Paulo.
Chuva negra
De acordo com o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, durante sua trajetória rumo à região Sudeste, a pluma das queimadas interagiu com o vapor d'água na atmosfera, alterando as propriedades das nuvens.
"As partículas funcionam como núcleo de condensação da água. Assim, gotículas de chuva menores são formadas, mas em grande quantidade e isso faz com que uma maior parte da radiação solar seja refletida de volta para o espaço, a ponto de escurecer o solo, como aconteceu no último domingo," disse.
Segundo Saulo, a chuva de cor acinzentada também foi resultado dessa interação da fuligem com as nuvens. "A fumaça entranhou nas gotículas de chuva, sendo depois depositada na superfície da cidade de São Paulo", disse.
Trata-se de um fenômeno esperado do ponto de vista da química atmosférica, afirmou Artaxo, e não deve causar alarde. "Essa chuva não faz mal para as pessoas. Apenas caiu de uma nuvem com alta influência de queimadas," disse.
Análises feitas com uma amostra da água turva colhida na Zona Leste da capital pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), revelaram uma quantidade de sulfetos 10 vezes maior que a média normalmente observada em águas pluviais. "Essas substâncias normalmente estão relacionadas com a queima de biomassa e de combustíveis fósseis. Também chamou a atenção a grande quantidade de material particulado que ficou presa no filtro e a turbidez sete vezes maior que o normal," disse.
A equipe da professora Pérola de Castro Vasconcellos, do Instituto de Química da USP, por sua vez, identificou na água da chuva a presença de reteno, substância proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas.