Por Vandré Fonseca
- terça-feira, 12 maio 2015 22:22
Laérzio
Chiesorin Júnior, médico-veterinário do Cetas Sauim-Castanheiras,
segura um papagaio
resgatado. Poucos animais sobrevivem ao tráfico.
Foto: Vandré Fonseca
Manaus, AM - Iguanas cegas, que tiveram o olho perfurado por crianças
na rua. Macacos-aranha com problemas ósseos ou macacos-pregos
alcoólatras e agressivos. E até uma jiboia com a mandíbula quebrada,
para evitar mordidas. Mantido pela prefeitura, o Centro de Triagem de
Animais Silvestres, no Refúgio da Vida Silvestre Sauim-Castanheiras, na
periferia de Manaus, é onde terminam várias dessas infelizes histórias
de tráfico de animais silvestres.
O periquitão-maracanã sobreviveu, contra as estatísticas, mas chegou
ao centro com distrofia óssea. Patas e pés tortos impedem que ele
consiga se empoleirar. É o que costuma acontecer com animais dessa
espécie, quando tirados da natureza e condenados à estimação. Resultado
da falta de cálcio na alimentação.
"Na natureza, esses animais têm uma alimentação com frutos, folhas e
outros itens, que têm vitaminas específicas", conta Laérzio Chiesorin
Júnior, médico-veterinário do Cetas Sauim-Castanheiras. "Presos, não
escolhem o que comer e recebem alimentação humana, fraca nos nutrientes
exigidos por estes animais, principalmente se estão em fase de
crescimento".
Ainda em Manaus, o Cetas Ibama também recebe vítimas como estas. A
analista ambiental Natália Lima lembra de um macaco caiarara que chegou
com deformações na coluna. Estava curvado para a direita, provavelmente
devido a movimentos giratórios repetidos, devido ao confinamento em uma
gaiola pequena. Conta também a história de Sansão, uma suçuarana
(onça-parda) criada em jaula, cuja alimentação baseada em peixes a
deixou com as pernas curtas. Hoje, Sansão vive no zoológico do
Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército.
Apesar das cicatrizes, animais resgatados são privilegiados. A
maioria dos bichos tirados da natureza pelo tráfico morrem pelo caminho,
na captura ou durante o transporte. No início dos anos 2000, estimativa
divulgada pela
Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) mostrava que para cada animal silvestre que chegava a um dono, nove tinham sido mortos.
Vinte
e três cacatuas e um papagaio foram encontrados amontoados em garrafas
plásticas de água
a bordo de um navio na Indonésia. Foto: Petrus
Riski/Mongabay
É fácil entender as causas desta mortandade. Basta verificar como
esses animais são transportados.
Na semana passada, na Indonésia,
noticiou-se a apreensão de um carregamento de cacatuas-de-crista-amarela
enfiadas dentro de garrafas de água mineral. Para esconder os animais,
traficantes não enxergam limites, mesmo que o resultado seja a perda da
carga. Isto ocorre tanto no exterior quanto no Brasil.
"Infelizmente não é uma situação rara de acontecer", afirma Dener
Giovanini, coordenador-geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de
Animais Silvestres (Renctas). Ele cita o exemplo de macacos enfiados
dentro de garrafas térmicas, cujos revestimentos de vidro foram
retirados, para acomodar o tamanho dos bichos. "Esses animais são
transportados de maneira cruel, passam até 3 ou 4 dias, do Norte ou
Nordeste para o Sudeste, sem água ou alimentação", diz Giovanini.
Para ele, a legislação brasileira é branda quando se trata de tráfico
de animais. E embora a sociedade esteja mais consciente, a estrutura
para fiscalização continua deficiente. Em busca de alternativas, a
Renctas está
lançando por meio do site Kickante uma campanha para tentar captar R$150 mil. Se sair, o dinheiro financiará um relatório sobre a gestão e uso sustentável da fauna silvestre brasileira.
"O tráfico de animais é considerado crime de menor potencial
ofensivo", diz Giovanini. "Se condenada, a pessoa não vai presa, no
máximo é obrigada a pagar cesta básica". Só em alguns casos, quando se
trata de tráfico internacional, as autoridades conseguem enquadrar o
responsável em outros crimes. Enquanto isso, o tráfico continua
condenando animais ao cativeiro, a maus-tratos e, na maioria das vezes, à
morte.
O macaco caiarara deformado pelos movimentos contidos dentro de uma gaiola pequena. Foto: Ibama (clique para ampliar) |
|
|
|
|