Não se combate a corrupção sem combater o garimpo ilegal, artigo de Jefferson Kiyohara
O que o ouro ilegal e a lavagem de dinheiro têm a ver com o ESG e o Compliance Sustentável?
De tempos em tempos aparecem notícias falando sobre o garimpo ilegal no Brasil. Estaríamos falando de proteção de terras indígenas e de uma questão ambiental, dentro do tema ESG (ambiental, social e de governança)? Sim, mas estamos também falando de compliance anticorrupção, prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao crime organizado. Por isso, o compliance deve ter uma visão holística e sustentável.
É importante diferenciar da indústria de mineração que atua de forma legal, gera emprego e renda, assim como paga os impostos. O garimpo ilegal é um problema, que faz parte da triste realidade do Brasil e de outros países como o Peru, a Colômbia e a Bolívia, entre outros. Ele traz problema de desmatamento da floresta, de contaminação por mercúrio que polui a água e adoece a população, de tráfico de pessoas e trabalho infantil, além da exploração sexual, sem contar a lavagem de dinheiro e a corrupção, que também merecem atenção.
No primeiro trimestre de 2021, o governo de Roraima liberou o garimpo de todos os tipos de minérios no estado, inclusive com o uso de mercúrio, útil na extração do ouro, mas extremamente danoso ao meio ambiente, às comunidades e à saúde das pessoas. O argumento foi de gerar empregos formais e aumentar a arrecadação, discurso similar ao já usado por outros governos. Uma ilusão. Felizmente, a Lei que posteriormente foi suspensa no STF.
Temos no Brasil uma brecha, que é a aceitação pelo mercado financeiro, por meio das DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), de um formulário preenchido pelo próprio garimpeiro, sem a necessidade de comprovação de origem do metal, mesmo sabendo que o minério é obtido de terras indígenas ou unidades de conservação. Há uma clara situação de falta de segregação de funções e de deficiência dos controles do processo. O minério do garimpo ilegal facilmente se torna um produto legalmente comercializável.
O fluxo do ouro está sujeito à documentação forjada e tem a vulnerabilidade de que o metal pode ser derretido e misturado diversas vezes, impossibilitando a definição de sua origem. Por isso, há necessidade de aprimorar a regulação, como já foi apontado pelo Instituto Escolhas, bem como fortalecer os órgãos de fiscalização e os controles, digitalizar o processo e promover a troca de informações, além de fomentar uma atuação mais sustentável e responsável por parte das DTVMs.
E como o problema na floresta se conecta com o problema nos centros urbanos? Sabemos que o crime organizado ganha dinheiro com o tráfico de drogas e o corrupto com seus esquemas fraudulentos, por exemplo. Contudo, há limitações para usar este “dinheiro sujo”, obtido ilegalmente, em razão das leis e práticas de prevenção à lavagem de dinheiro. Esses contraventores podem, então, usar da brecha comentada acima comprando o ouro ilegal e vendendo para a DTVM como fosse seu. Com um garimpo de fachada, o dinheiro obtido com a venda passa a ser declarável e pode ser utilizado normalmente.
Outra opção é montar um negócio lícito de extração e comercialização de ouro, mas usando o dinheiro obtido de forma criminosa. Os lucros obtidos com o novo negócio passam a ser declarados, e a lavagem está realizada. Neste contexto, o narcotraficante ou o corrupto passam a ser vistos como empresários. Poucos auferem grandes ganhos às custas de muitos, inclusive com impactos sociais e ambientais negativos.
Não tem como se falar em combate à corrupção e ser a favor do garimpo ilegal ou de ser omisso em relação às brechas hoje existentes. O garimpo ilegal é um problema ambiental, social e de governança (ESG) e, por isso, a cadeia do ouro tem chamado cada vez mais a atenção de organismos de combate aos crimes financeiros, como a Transparência Internacional e das autoridades do grupo da ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro).
O ouro, de origem legal e ilegal, está nas joias, como alianças matrimoniais, nos smartfones, nos computadores e em muitos outros lugares. Você já perguntou às lojas e fabricantes de onde veio o ouro que é usado nos itens que você compra? Precisamos descontinuar este círculo vicioso do ouro ilegal. Ajude a combater está prática maléfica.
*Jefferson Kiyohara é coordenador técnico e professor da FIA e diretor de Compliance & Sustentabilidade na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação e proteção e privacidade de dados.
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A nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental foi aprovada na madrugada desta quinta-feira, 13/5, pelo plenário da Câmara dos Deputados.
O deputado federal Neri Geller (Progressistas-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, foi o relator do substitutivo do Projeto de Lei 3729, de 2004. A proposta do texto principal teve 300 votos a favor e 122 contra. A seguir, aspas de representantes de organizações da sociedade civil.
“É uma afronta à sociedade brasileira. O país no caos em que se encontra e os deputados aprovam um projeto que vai gerar insegurança jurídica, ampliar a destruição das florestas e as ameaças aos povos indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação. Assistimos, hoje, a uma demonstração clara de que a maior parte dos deputados segue a cartilha do governo Bolsonaro e vê a pandemia como oportunidade para ‘passar a boiada’ e atender a interesses particulares e do agronegócio.” Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil
“É a Lei do Deslicenciamento. Esse projeto instala no Brasil o autolicenciamento ambiental como regra. Para dar apenas um exemplo, dos 2 mil empreendimentos sob licenciamento ambiental em curso na capital do Brasil, 1.990 passarão a ser autolicenciados a partir do primeiro dia de vigência da nova lei.” André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade
“O texto aprovado é tão nefasto que, de uma só vez, põe em risco a Amazônia e demais biomas e os recursos hídricos, e ainda pode resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho e no total descontrole de todas as formas de poluição, com prejuízos à vida e à qualidade de vida da população. Por fim, pode se transformar na maior ameaça da atualidade às áreas protegidas e aos povos tradicionais.” Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental
“Com a aprovação da Mãe de Todas as Boiadas, a Câmara dos Deputados, sob a direção do deputado Arthur Lira, dá as mãos para o retrocesso e para a antipolítica ambiental do governo Bolsonaro. É o texto da não licença, da licença autodeclaratória e do cheque em branco para o liberou geral. Implodiram com a principal ferramenta da Política Nacional do Meio Ambiente. Quem pagará a conta da degradação são os cidadãos brasileiros, para sustentar a opção daqueles que querem o lucro fácil, sem qualquer preocupação com a proteção do meio ambiente e com as futuras gerações. Judicialização e insegurança jurídica é o que eles terão como resposta.” Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima
“O texto não considera a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e a análise integrada de impactos e riscos, além de excluir o controle social dos princípios do licenciamento ambiental. Dessa forma, afeta diretamente as políticas públicas de recursos hídricos e unidades de conservação.” Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica
“O texto aprovado produzirá uma avalanche de problemas sociais e ambientais não avaliados e não mitigados por empreendimentos de significativo impacto ambiental. Os órgãos ambientais não terão condições de se manifestar em tempo, pois o prazo é impraticável, além de estarem sucateados e silenciados. Os parlamentares aprovaram um desastre que precisa ser revertido no Senado, ou no STF.” Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc
“Lamentável o desmonte do licenciamento ambiental. Um texto enviesado, discutido a portas fechadas com governo, ruralistas e industriais, que ignora o princípio da precaução e atropela os fundamentos do direito ambiental. É repleto de inconstitucionalidades e vai gerar enorme insegurança jurídica para os empreendedores. Liberar geral para depois responsabilizar é um contrassenso total, que o digam os povos e comunidades tradicionais impactados em todo o país, as vítimas de Brumadinho e Mariana.” Guilherme Eidt, assessor em políticas públicas do ISPN
Por 300 x 122 votos, a Câmara dos Deputados aprovou, ontem à noite, o texto-base da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que tem sido chamada por ambientalistas de “a mãe de todas as boiadas” e foi denominada por nove ex-ministros do meio ambiente, esta semana, como “a Lei do NÃO-Licenciamento Ambiental”.
Assim, com o argumento vil de que o país está se livrando da burocracia, o Projeto de Lei 3729/2004 passou.
A votação começou no final da tarde de ontem e foi até meia noite. Passava um pouco desse horário quando Arthur Lira, presidente da casa, deu a sessão por encerrada. Mas ainda falta analisar os destaques, o que será feito hoje e pode alterar o texto final.
Depois, ele segue para análise do SenadoFederal. Se os senadores fizerem objeções, o projeto volta para a Câmara para ajustes. Portanto, apesar do cenário tenebroso, a luta ainda não acabou.
A oposição tentou obstruir os trabalhos e tirar a matéria da pauta em três momentos por meio de requerimentos rapidamente derrubados. Protestou contra o fato de o texto não ter sido debatido com a sociedade, nem na Câmara, e entrado em votação em regime de urgência.
Durante a votação, ambientalistas e ONGs divulgaram as hashtags #PL3729Não e #LicenciamentoFica nas redes sociais.
Dispensa da licença ou autodeclaração
Num clima de muita tensão e acirramento dos ânimos, a maioria dos parlamentares desmantelou o licenciamento ambiental, mudando as regras e instituindo um novo marco geral no país, favorecendo empresas e empreendimentos.
Tendo como relator o deputado federal Neri Geller (PP-MT) – vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária ou bancada ruralista e proprietário rural -, o novo texto dispensa 13 tipos de atividades econômicas da exigência de obter uma licença para prosseguir com sua obra, respeitando regras de proteção ao meio ambiente.
Entre as atividades estão: usinas de reciclagem de lixo, obras de distribuição de energia elétrica, estações de tratamento de água e esgoto e, inclusive, obras de melhoria de infraestrutura em instalações já existentes, como estradas e hidrelétricas.
Parte do relatório de Geller ainda isenta a atividade agropecuária do licenciamento ambiental. Claro! Estão dispensados o cultivo de espécies de interesse agrícola (temporárias, semiperenes e perenes), além da pecuária extensiva e semi-intensiva. E, assim, o deputado demonstra que advogou em causa própria e da bancada ruralista, que preside.
O texto ainda propõe a criação de uma Licença por Adesão e Compromisso (LAC), ou seja, uma espécie de licença por autodeclaração do responsável pelo empreendimento, desde que este não seja “potencialmente causador de significativa degradação ambiental”.
E as regras que poderão definir o que deve ser obrigatoriamente licenciado ficarão a cargo de municípios e estados.
Os argumentos da oposição
Como contei acima, os parlamentares da oposição tentaram tirar a matéria da pauta, sem sucesso. Aqui, destaco algumas de suas falas que resumem bem sua indignação e argumentações.
Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), mesmo que o projeto passe no Senado, será futuramente judicializado.
“O que não me deixa muito triste com a votação de hoje, porque está tudo armado, porque tudo vai passar com os 300 votos, é que a gente sabe que quando você tira a possibilidade de fazer consulta para 87% dos quilombos, ou 60% dos povos indígenas, porque não têm seus territórios demarcados, o STF vai derrubar. Então, nós estamos perdendo tempo aqui. Por que o absurdo que vocês estão enfiando goela abaixo aqui é de tamanha irresponsabilidade que vai contra o país”, declarou.
Tatto ainda afirmou que os parlamentares que aprovaram o projeto estão colocando em risco a economia do país já que os debates sobre licenciamento integram as pautas da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), da qual o Brasil faz parte.
“Vocês vão matar o agronegócio com o trator que vocês estão passando por aqui, hoje!”.
Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foram defendidos argumentos falsos durante os pronunciamentos dos deputados. De que o debate é antigo, isso não é verdade! E de que a oposição não quer o desenvolvimento e não quer prazos. Nós queremos o desenvolvimento sim e nós queremos prazos. É uma irresponsabilidade, depois de Mariana, depois de Brumadinho, depois das crescentes queimadas na Amazônia, do bioma do Pantanal, da desconstrução dos órgãos ambientais, votarmos um relatório desse tipo. Pelo amor de Deus, esse parlamento precisa ter responsabilidade!”.
E acrescentou, visivelmente emocionada: “Nós não podemos avançar com o relatório dessa forma. Nós estamos descoordenando as exigências nacionais, criando uma brutal insegurança jurídica”.
Por sua vez, o deputado Alexandre Molon (PSB-RJ), que já foi presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, destacou que o projeto destrói um dos principais pilares da proteção ambiental: o licenciamento.
“Falaram aqui que não há nenhuma brecha no projeto para o desmatamento. Não é só uma brecha, é uma porteira toda aberta para o desmatamento. Afinal de contas, a permissão para a pavimentação de estradas, que é um dos principais fatores de desmatamento da Amazônia, está dada nesse projeto de lei. Basta a autodeclaração, a autolicença, a promessa de que não se infringirá nenhuma regra ambiental!”.
Ele lembrou que, enquanto “o mundo inteiro caminha para tornar as regras ambientais mais rígidas, para fazer o meio ambiente ser melhor protegido e cobra do Brasil mais proteção ambiental, o que se quer aprovar aqui é transformar a exceção em regra. Essa lei transforma o licenciamento ambiental, que deveria ser a regra, em exceção”.
Molon ainda classificou o PL como “um tiro no pé” do agronegócio já que ameaça a imagem internacional do país e, consequentemente, as exportações do setor.
Joenia Wapichana (Rede/RR) alertou que o projeto defendido por Geller é inconstitucional e devastará biomas protegidos pela atuais regras. “A proposta, primeiro, pode ser considerada ‘a mãe de todas as boiadas’. O PL é inconstitucional, é um drástico retrocesso na previsão constitucional. É estratégia escancarada, via desmonte ambiental, para beneficiar exclusivamente os grandes empreendimentos, agronegócios, hidroelétricas, ferrovias, mineradoras, linhas de transmissão de energia.
Em nota, a Frente Parlamentar Ambientalista, coordenada pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), declarou: “Provavelmente, com a aprovação desse projeto, o Brasil irá presenciar novos episódios de acidentes socioambientais. Além disso, a medida poderá enfraquecer a segurança jurídica e a judicialização desse importante instrumento ambiental”.
Em carta, Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero chamaram “a obra” de Geller de ‘Projeto de Lei Geral do NÃO-Licenciamento‘, destacando que “promove insegurança jurídica e ameaça agravar a crise econômica brasileira”. E alertaram que, com ele, a falta de fiscalização será a regra no país, também em propriedades de médio impacto e porte.
Hoje cedo, representantes de organizações não-governamentais de diversos setores se manifestaram em suas redes sociais e artigos. Reproduzo abaixo:
“Com a aprovação da Mãe de Todas as Boiadas, a Câmara dos Deputados, sob a direção do deputado Arthur Lira, dá as mãos para o retrocesso e para a antipolítica ambiental do governo Bolsonaro. É o texto da não licença, da licença autodeclaratória e do cheque em branco para o liberou geral. Implodiram com a principal ferramenta da Política Nacional do Meio Ambiente. Quem pagará a conta da degradação são os cidadãos brasileiros, para sustentar a opção daqueles que querem o lucro fácil, sem qualquer preocupação com a proteção do meio ambiente e com as futuras gerações. Judicialização e insegurança jurídica é o que eles terão como resposta” Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima
“É uma afronta à sociedade brasileira. O país no caos em que se encontra e os deputados aprovam um projeto que vai gerar insegurança jurídica, ampliar a destruição das florestas e as ameaças aos povos indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação. Assistimos, hoje, a uma demonstração clara de que a maior parte dos deputados segue a cartilha do governo Bolsonaro e vê a pandemia como oportunidade para ‘passar a boiada’ e atender a interesses particulares e do agronegócio” Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil
“O texto aprovado é tão nefasto que, de uma só vez, põe em risco a Amazônia e demais biomas e os recursos hídricos, e ainda pode resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho e no total descontrole de todas as formas de poluição, com prejuízos à vida e à qualidade de vida da população. Por fim, pode se transformar na maior ameaça da atualidade às áreas protegidas e aos povos tradicionais”Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental
“O texto não considera a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e a análise integrada de impactos e riscos, além de excluir o controle social dos princípios do licenciamento ambiental. Dessa forma, afeta diretamente as políticas públicas de recursos hídricos e unidades de conservação” Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica
“É a Lei do Deslicenciamento. Esse projeto instala no Brasil o autolicenciamento ambiental como regra. Para dar apenas um exemplo, dos 2 mil empreendimentos sob licenciamento ambiental em curso na capital do Brasil, 1.990 passarão a ser autolicenciados a partir do primeiro dia de vigência da nova lei” André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade
“O texto aprovado produzirá uma avalanche de problemas sociais e ambientais não avaliados e não mitigados por empreendimentos de significativo impacto ambiental. Os órgãos ambientais não terão condições de se manifestar em tempo, pois o prazo é impraticável, além de estarem sucateados e silenciados. Os parlamentares aprovaram um desastre que precisa ser revertido no Senado, ou no STF” Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc –Instituto de Estudos Socioeconômicos
“Lamentável o desmonte do licenciamento ambiental. Um texto enviesado, discutido a portas fechadas com governo, ruralistas e industriais, que ignora o princípio da precaução e atropela os fundamentos do direito ambiental. É repleto de inconstitucionalidades e vai gerar enorme insegurança jurídica para os empreendedores. Liberar geral paradepois responsabilizar é um contrassenso total, que o digam ospovos e comunidades tradicionais impactados em todo o país, as vítimas de Brumadinho e Mariana” Guilherme Eidt, assessor em políticas públicas do ISPN – Instituto Sociedade, População e Natureza
As principais questões do texto aprovado
O Instituto Socioambiental listou oito questões do texto substitutivo do projeto de lei defendido por Neri Geller, que facilitam a compreensão de seus efeitos nefastos. Reproduzo a seguir:
Dispensa de licenciamento para agricultura, pecuária e silvicultura, além de mais 13 tipos de atividades com impactos ao meio ambiente.
Brecha para disputa entre estados e municípios, que poderão estabelecer regras de licenciamento menos rígidas do que as de outras unidades da federação para atrair empresas e investidores.
Licença autodeclaratória (LAC), emitida automaticamente sem análise prévia de órgão ambiental, passa a ser a regra. Na prática, torna o licenciamento exceção ao invés de regra.
Restrições à participação popular no licenciamento, inclusive das comunidades impactadas por empreendimentos.
Ameaça às Unidades de Conservação, Terras Indígenas não totalmente demarcadas (41% do total) e territórios quilombolas não titulados (87% do total), porque a análise dos impactos dos empreendimentos sobre essas áreas não será mais obrigatória.
Restrição à participação no licenciamento de órgãos como Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Funai, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Ministério da Agricultura e Ministério da Saúde.
Bancos e outras instituições que financiam os empreendimentos não terão mais nenhuma responsabilidade socioambiental, ou seja, caso haja danos ao meio ambiente ou tragédias, como a de Brumadinho, eles poderão dizer que não têm nada a ver com o problema.
O PL não trata de qualquer questão ligada às mudanças climáticas.
Agora, assista ao vídeo muito esclarecedor que o Observatorio do Clima produziu para explicar a importância do Licenciamento Ambiental. Se você ainda tiver alguma dúvida a respeito do tema, depois dele, com certeza vai ficar sem nenhuma:
Fontes: Câmara dos Deputados, Agência Brasil, Observatório do Clima
Um novo
estudo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mostra
que a invasão de florestas públicas não destinadas impulsiona o desmatamento
ilegal e as queimadas na região. No primeiro trimestre de 2021, um terço da
derrubada registrada na Amazônia aconteceu nessas áreas, segundo dados do
sistema Deter.
Um dos indícios da grilagem é o aumento do Cadastro
Ambiental Rural (CAR) sobre essas florestas: a área pública declarada como
imóvel rural particular aumentou 232% desde 2016, chegando a 18,6 milhões de
hectares em 2020. É mais que três vezes o território do Distrito Federal e 32%
de todas as florestas públicas não destinadas na Amazônia.
No primeiro trimestre de 2020, 75% do desmatamento
registrado nessas áreas aconteceu onde existe CAR; em 2021, o índice foi para
79%. A quantidade de focos de calor também é superior, 2,2 vezes maior, nos
terrenos declarados irregularmente como propriedade particular.
Os números reforçam a conexão entre invasão por particulares
e derrubada da floresta. “Como o CAR é um registro eletrônico e autodeclarado,
é frequentemente usado para simular uma titularidade da terra que não existe na
realidade”, explica o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho. “É uma
grilagem institucionalizada, que usa sistemas oficiais para legitimar a invasão
de um patrimônio natural coletivo e que deveria ser preservado.”
Ilegalidade
As florestas públicas não destinadas da Amazônia somam 57,5
milhões de hectares, uma área maior do que o território da Espanha e 14% do
bioma. Espalhadas na região, elas são patrimônio público e deveriam ser
designadas para conservação ou uso sustentável, como regra uma lei desde 2006.
O atraso nesta destinação abre caminho para a grilagem.
A maior parte das florestas estão sob responsabilidade
estadual (56%). Contudo, é naquelas de domínio federal que a grilagem mais
avança, com 73% dos cadastros irregulares, ou 13,6 milhões de ha, em 2020, e
93% do desmatamento registrado no mesmo ano.
“O combate ao desmatamento ilegal na Amazônia começa nas
florestas públicas. É preciso avaliar e cancelar imediatamente o CAR nessas
áreas, sem prejudicar as comunidades tradicionais”, diz a diretora de Ciência
do IPAM, Ane Alencar, principal autora do estudo.
O projeto de lei 510/2021, sobre regularização fundiária,
atualmente em discussão no Senado, pode ter impacto direto sobre a situação
dessas florestas. Se aprovado, ele pode anistiar ocupações realizadas até 2014,
mas principalmente dar a indicação de que a grilagem vale a pena. “De tempos em
tempos, as leis no Brasil são reformadas para acomodar irregularidades
passadas. Esse é o tipo de incentivo positivo que a grilagem entende, e que
precisamos combater”, afirma Moutinho. “Os impactos do desmatamento e do fogo
para o clima são terríveis, assim como a redução de chuvas para o agronegócio.
É hora de tratar as florestas como ativos, que precisam ser conservados.”