terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Pimentão, alface e laranja estão entre os 14 alimentos campeões de agrotóxicos acima do limite permitido por lei


Pimentão, alface e laranja estão entre os 14 alimentos campeões de agrotóxicos acima do limite permitido por lei

Por Pedro Grigori e Bruno Fonseca para o especial Por Trás do Alimento*

A Anvisa usou tom otimista na publicação do relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos com resultados de testes feitos em frutas e legumes entre 2017 e 2018. Mas o documento não colocou de forma clara informações de alto interesse público que foram destaque na divulgação de relatórios anteriores.

Por exemplo, quais são os alimentos em que mais foram detectados agrotóxicos em doses problemáticas? Mas a Agência Pública e a Repórter Brasil analisaram os dados brutos do relatório em busca dessa e de outras respostas. 

A agência divulgou que, no geral, 23% dos alimentos testados tinham agrotóxicos proibidos ou acima do volume permitido. Mas esse quadro é ainda mais preocupante quando se analisa alguns alimentos específicos.

Como ocorreu em anos anteriores, o pimentão foi o campeão de problemas. Em cada 10, oito tinham agrotóxicos proibidos ou acima do permitido. A novidade nesta edição do relatório foi o segundo lugar para a goiaba, que teve 42% das amostras testadas com doses acima do recomendado ou agrotóxicos proibidos. Em seguida ficaram a cenoura com 39% de desconformidade,  e o tomate com 35%.
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Além desses alimentos, também fazem parte da análise amostras de abacaxi, alface, alho, arroz, batata-doce, beterraba, chuchu, laranja, manga e uva (confira os resultados sobre cada um deles na arte acima). As coletas foram realizadas entre agosto de 2017 e junho de 2018 pelas Vigilâncias Sanitárias Estaduais e Municipais em todos os estados — apenas o Paraná ficou de fora. 

É a Anvisa que determina qual agrotóxico pode ser usado e qual a quantidade máxima de resíduo que pode ficar em cada alimento, o chamado Limite Máximo de Resíduos (LMR). De acordo com a agência, a detecção de agrotóxico acima do LMR não significa necessariamente risco à saúde do consumidor. Nesses casos, segundo a Anvisa, é necessário fazer outra avaliação específica sobre os riscos. 

“Se foi detectado acima do limite é porque ocorreu um uso desnecessário, o agricultor usou mais agrotóxico do que precisava, seja por não seguir a bula, por não ter sido orientado ou porque a praga não estava morrendo”, explica a toxicologista e pesquisadora da Fiocruz Karen Friedrich. 

Laranja pode intoxicar consumidor

Laranjas apresentam riscos para intoxicação aguda no consumidor
em decorrência da presença de agrotóxico / Foto: Aturkus/Flickr

Nas avaliações específicas para identificar a quantidade de agrotóxico que pode gerar problemas à saúde de quem come o alimento, a Anvisa criou um novo método para avaliar o risco agudo (a curto prazo) e crônico (a longo prazo). Para isso, a agência usou dados sobre quanto os brasileiros consomem em média de cada alimento e o peso corpóreo dos consumidores a partir de 10 anos de idade. 

Ou seja, a Anvisa ignora o risco para crianças de zero a 10 anos, grupo cuja saúde é ainda mais suscetível à intoxicação porque tem peso inferior ao dos adultos. Questionada pela reportagem, a agência confirmou a informação e atribuiu a falha à limitação da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, usada como base para a avaliação.

A partir deste cálculo, a agência concluiu que não há casos de risco crônico nos alimentos analisados e apenas 41 frutas e legumes tem potencial de risco agudo. Desses, 27 eram laranjas. Ou seja, a cada 14 laranjas vendidas nos mercados, uma tinha agrotóxico suficiente para causar uma intoxicação imediata em quem consumiu – um cenário preocupante para um país onde a fruta é consumida com frequência. 

“O risco agudo inclui uma gama de sintomas como enjoo, dor de cabeça, alteração do ritmo cardíaco e respiratório, em alguns casos podendo levar a pessoa a ser hospitalizada”, explica Karen, da Fiocruz. 

Cinco laranjas analisadas apresentaram mais de cinco vezes o limite de segurança de exposição, todas para o agrotóxico carbofurano, um inseticida proibido no Brasil desde 2017 devido aos efeitos neurotóxicos. Este produto pode afetar o desenvolvimento, incluindo efeitos nos fetos, funcionais e comportamentais.

Especialistas alertam que o problema pode não estar apenas na laranja.  A pesquisadora da Fiocruz faz críticas ao método de avaliação para risco à saúde humana, apontando que uma das falhas é a análise isolada dos agrotóxicos. “Os resultados mostram que a mistura é frequente. Interações entre os agrotóxicos podem gerar efeitos aditivos e sinérgicos que necessariamente impactam o cálculo”, explica Karen. 

Outra crítica é em relação ao cálculo de quanto o brasileiro consome. Segundo o relatório, a abordagem da Anvisa “parte do princípio de que é improvável que um indivíduo consuma grande porção de dois ou mais alimentos diferentes, em um curto período, contendo resíduos do mesmo agrotóxico nas maiores concentrações detectadas”.

Para Karen, o relatório erra ao não considerar que “a pessoa come diferentes alimentos por dia, que podem conter resíduos de diversos agrotóxicos com efeitos danosos para a saúde”. 

21 agrotóxicos no mesmo alimento 

Segundo análise independente deste mesmo relatório conduzida pelo Grupo de Trabalho de Agrotóxicos da Fiocruz, em 34% das amostras foram identificadas misturas de agrotóxicos, variando de dois a 21 tipos diferentes de ingredientes ativos.

Os produtos que apresentaram maior percentual de mistura de agrotóxicos foram o pimentão (95%), cenoura (73%) e tomate (68%).

Foram pesquisados até 270 agrotóxicos diferentes no total, 16% a mais do que na edição anterior do relatório.

Os mais encontrados

No geral, o agrotóxico mais encontrado foi o imidacloprido, que apareceu em 16% dos casos. O inseticida é o oitavo agrotóxico mais vendido no Brasil, com 10 mil toneladas comercializadas em 2018, segundo o Ibama.

Ele é um neonicotinoide, derivado da nicotina que tem capacidade de se espalhar por todas as partes da planta. Ou seja, descascar o alimento ou lavá-lo não é suficiente para retirar todos resíduos. Ele também é fatal para polinizadores como a abelha

Logo depois, aparecem os fungicidas tebuconazol e o carbendazim — este último proibido na União Europeia, Estados Unidos, Canadá e Japão por causar mutação nos genes e problemas reprodutivos.
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Acefato, o mais temido

Mas o agrotóxico que mais preocupou a Anvisa no relatório foi o acefato, quinto mais vendido no Brasil, com 24,6 mil toneladas por ano. Ele é o sétimo mais encontrado e é o que mais apareceu em alimentos para os quais não é permitido, em 314 casos.

O acefato foi destaque em levantamento publicado pela Agência Pública e a Repórter Brasil sobre casos de depressão e suicídio envolvendo agrotóxicos. Ele faz parte dos organofosforados, uma classe de agrotóxicos comprovadamente neurotóxicos que podem desenvolver alterações no sistema nervoso do seres humanos, causando, entre outros problemas, casos severos de depressão. 

O potencial neurotóxico é um dos motivos que fez a União Europeia banir o acefato. No Brasil, ele passou por reavaliação, e em 2013 a Anvisa decidiu mantê-lo no mercado, mas com restrições. Entre elas, a proibição nas culturas de tomate e pimentão e fumo, entre outros que não são alimentos. 

Mesmo proibido para essas culturas, o acefato foi identificado em 41% dos pimentões e 21% dos tomates

No relatório, a Anvisa destaca a situação deste agrotóxico como preocupante e diz que as ações de mitigação não foram suficientes para redução significativa das irregularidades, que podem ter impacto sobre a saúde do trabalhador. “Por isso, recomenda-se avaliar a efetividade das medidas já adotadas e verificar a necessidade de propor novas ações ou ampliar as restrições regulatórias”, diz. 

De acordo com a assessoria de imprensa da Anvisa, os resultados não indicaram situações de risco ao consumidor, mas sim ao trabalhador rural. A agência informou que colocará nova regulamentação sobre o acefato em consulta pública

A Anvisa ainda não tem previsão de quando vai divulgar a próxima avaliação sobre agrotóxicos na comida, com análises feitas entre 2018 e 2019. De acordo com a Anvisa, “após a publicação da última edição, as Vigilâncias Sanitárias dos Estados e Municípios notificaram os pontos varejistas sobre os resultados dos seus estabelecimentos para que eles possam tomar as medidas necessárias junto aos seus fornecedores”. 

As secretarias de Agricultura também foram informadas, para que possam orientar os profissionais envolvidos no processo produtivo do setor primário. Confira a íntegra da resposta da Anvisa.
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Foto (destaque): Droberson/Pixabay

*Este texto faz parte do especial Por Trás do Alimento, parceria entre os sites Repórter Brasil e Agência Pública que investiga o uso de agrotóxicos no Brasil, e foi publicado em 22/10/20120

Gorilas de zoológico de San Diego testam positivo para o coronavírus

 

Gorilas de zoológico de San Diego testam positivo para o coronavírus

Gorilas de zoológico de San Diego testam positivo para o coronavírus

Na semana passada, cuidadores notaram que dois gorilas do San Diego Zoo Safari Park, nos Estados Unidos, estavam tossindo e apresentavam outros sintomas leves associados com a COVID-19. Decidiu-se então pela análise das fezes dos animais, que confirmou a presença do vírus SARS-CoV-2, o novo coronavírus.

A suspeita é que os gorilas tenham sido infectados por um dos cuidadores que testou positivo para a COVID. Apesar de assintomático, ele pode ter contaminado os animais, mesmo usando máscara de proteção e tomando todas as medidas de precaução em vigor.

Ainda não se sabe se mais gorilas também estão contaminados. No momento, três têm sintomas. Veterinários os estão acompanhando de perto.

“Além de alguma congestão e tosse, os gorilas estão bem”, afirmou Lisa Peterson, diretora executiva do San Diego Zoo Safari Park. “O grupo permanece em quarentena e está comendo bem e bebendo. Temos esperança de uma recuperação total”.

Gorilas de zoológico de San Diego testam positivo para o coronavírus

Desde março do ano passado o zoológico de San Diego está fechado
para visitação pública

Logo no começo da pandemia, cientistas já tinham alertado sobre a necessidade de proteger os grandes primatas do coronavírus. Na época, para reduzir ao máximo o risco de contágio de gorilas, chimpanzés e macacos da COVID-19, biólogos recomendaram que fosse suspenso o turismo em reservas e parques onde vivem esses animais, os parentes biológicos mais próximos do ser humano, já que compartilham de 98% do nosso DNA.

Até então, ainda não se tinha conhecimento da infecção de outros primatas. Todavia, em abril de 2019, um tigre de um zoológico de Nova York tinha testado positivo para o coronavírus. Também já há casos de animais de estimação contaminados.

A recomendação de especialistas é que quando uma pessoa testa positivo para a COVID ela deve se manter afastada não apenas de outros indivíduos, mas também, de animais.

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Fotos: Ken Bohn (abertura) e Christina Simmons/San Diego Zoo Global Archives

A sobrevivência dos grandes mamíferos do Cerrado sob ameaça

 

A sobrevivência dos grandes mamíferos do Cerrado sob ameaça

A ameaça aos grandes mamíferos do Cerrado

*Por Sharon Guynup (tradução por Roberto Cataldo)

Ao longo de seis anos, Guilherme Braga Ferreira e outros três pesquisadores fizeram expedições ao Cerrado mineiro para instalar armadilhas fotográficas. Seu objetivo: fotografar lobos-guará, tamanduás-bandeira, onças, antas e outros mamíferos neotropicais que vivem na savana mais biodiversa do mundo. Os dados mostrariam onde esses animais vivem e como é sua sobrevivência perto dos seres humanos.

Ferreira e sua equipe – ecologistas do Instituto Biotrópicos – instalaram no total 517 armadilhas fotográficas em sete das 25 unidades de conservação que formam o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, conjunto que se espalha por 18 mil quilômetros quadrados no norte de Minas Gerais. Localizada próxima à divisa com a Bahia, trata-se de uma região isolada, com poucas rodovias e baixa densidade humana.

Para efeitos de comparação, o estudo incluiu unidades de proteção integral – entre elas parques nacionais como o das Cavernas do Peruaçu e o Grande Sertão Veredas – e Áreas de Proteção Ambiental (APAs), de uso misto. Nestas, a lei exige que 20% da área de terra sejam preservados, enquanto o restante pode ser usado em diversas atividades de subsistência. O objetivo do estudo era entender como a população de mamíferos sobrevivia nos dois tipos de reserva.

Das cerca de 200 espécies conhecidas de mamíferos do Cerrado, os pesquisadores se concentraram em 21 — aquelas com tamanho suficiente para serem captadas pelas armadilhas fotográficas. As câmeras documentaram esses animais durante uma média de 50 dias por ano, de 2012 a 2017, durante a estação seca, de abril a outubro. Ao todo, as câmeras registraram o que ocorreu em 26.367 dias de pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Biological Conservation.

 

Vídeo de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) captado pelas câmeras do estudo

A descoberta mais importante do estudo é que os mamíferos maiores estavam ausentes nas APAs. Onças-pardas (Puma concolor), antas (Tapirus terrestris), tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), lobos-guará (Chrysocyon brachyurus), queixadas (Tayassu pecari) e catetos (Pecari tajacu), todos se mostraram presentes apenas nos parques nacionais e estaduais, mas não nas áreas de uso misto.

Embora as APAs tenham muita vegetação natural e relativamente baixa população, “a probabilidade de encontrar essas espécies grandes e ameaçadas em reservas de proteção integral foi de cinco a dez vezes maior”, diz Ferreira, autor principal do estudo. Apenas uma espécie vulnerável, a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), estava presente em áreas de ocupação humana.

Quase todas as 12 espécies que viviam tanto nos parques quanto nas áreas semidesenvolvidas eram de pequenos animais, com exceção do veado-catingueiro (Mazama gouazoubira). Alguns, incluindo gambás e raposas, são espécies oportunistas que prosperam entre os seres humanos em muitas partes do mundo, aproveitando-se das criações de animais domésticos.

Outros pequenos predadores, como jaguatiricas (Leopardus pardalis) e jaguarundis (Herpailurus yagouaroundi), estavam em boas condições nas APAs por uma razão diferente: conseguiam ocupar nichos que haviam sido de concorrentes maiores — entre eles onças-pintadas e pardas, agora ausentes.

A sobrevivência dos grandes mamíferos do Cerrado sob ameaça
A sobrevivência dos grandes mamíferos do Cerrado sob ameaça

Imagens de tamanduás-mirins (Tamandua tetradactyla), acima, e jaguaritica (Leopardus pardalis), capturadas pelas armadilhas fotográficas da pesquisa (Foto: Guilherme Ferreira/Instituto Biotrópicos)

Cerrado: um bioma desprotegido 

Muitas espécies de animais estão em declínio no Cerrado. Nos últimos 40 anos, metade do bioma foi devastado e convertido em fazendas de gado e grandes lavouras destinadas à exportação. “Primeiro eles derrubavam árvores valiosas e depois queimavam o resto para limpar a terra”, diz Mercedes M. C. Bustamante, professora do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília. “Foi gado, depois soja, cana-de-açúcar e agora é conversão direta em soja, que é um uso mais intenso da terra.”

Os sojicultores aplicam grandes quantidades de agrotóxicos, enquanto a irrigação nas grandes plantações está drenando os aquíferos e os transformando em uma paisagem árida.

Esse desenvolvimento em grande escala fez da perda de habitats a maior ameaça à vida selvagem do Cerrado, e o que resta hoje é uma colcha de retalhos cada vez mais desconectada. Vale lembrar que apenas 3% do  Cerrado estão sob proteção integral, enquanto outros 5% se encontram em áreas de uso misto. A fragmentação ameaça desproporcionalmente as espécies maiores, como as documentadas no estudo, que precisam de um espaço considerável para circular.

Existem outras ameaças. O desmatamento, por exemplo, faz com que queixadas e catetos desapareçam. Nenhum indivíduo dessas espécies foi encontrado pelas armadilhas fotográficas instaladas em APAs. Assim como tatus, cutias e outros mamíferos, esses animais também são alvo de caçadores em busca de sua carne.

“Sabemos que existe caça ilegal”, diz Ferreira. “Encontramos alguns desses caçadores enquanto fazíamos o nosso trabalho de campo, mas, como não há dados, ninguém sabe a extensão do problema.”

Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu, uma das unidades de conservação que foram foco da pesquisa. Imagem: Fernando Tatagiba/ICMBio.

Protegendo o que sobrou

Ainda assim, a nova pesquisa sobre mamíferos tem fortes implicações para as políticas do país, diz Marcus Rowcliffe, cientista conservacionista da Zoological Society of London e coautor do estudo. “Isso sustenta o argumento em defesa das áreas protegidas.”

Ferreira destaca um importante argumento em defesa da proteção integral: como os grandes mamíferos precisam de muito espaço para sobreviver, diz ele, protegê-los conserva toda a teia de vida da região. Ele constata que a perda dessas espécies já está começando a destruir o tecido ecológico geral do bioma. A ausência de cutias e outras espécies que dispersam sementes, por exemplo, está mudando a composição da vegetação nativa. O declínio de queixadas e catetos, que escavam e reviram o solo, por sua vez, resulta na perda do poder adubador dessas espécies.

“O Cerrado armazena muito carbono”, ressalta Ferreira, denominando o bioma como “floresta de cabeça para baixo”. Ele explica que as raízes em geral são pelo menos três vezes maiores que os arbustos e árvores que estão acima do solo. Essas raízes sequestram grandes quantidades de carbono, ao mesmo tempo em que ajudam a repor e reter as águas subterrâneas. Daí o fato de que o Cerrado seja conhecido como “berço das águas”, pois seus rios e aquíferos alimentam oito das doze regiões hidrográficas brasileiras.

Salvar os mamíferos do Cerrado e outros animais selvagens vai exigir um conjunto de ferramentas, diz Ferreira, incluindo monitoramento da população e controle da saúde genética. As estratégias de conservação incluem a criação de parques totalmente protegidos, principalmente no norte do bioma, onde predomina a vegetação original.

“A conservação também precisa acontecer fora de áreas ainda intocadas”, ele argumenta, com cientistas e produtores agrícolas colaborando para definir áreas de uso misto mais eficazes, que conectem zonas naturais e proporcionem melhor proteção aos animais.

Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, destaca a urgência: “Não podemos esperar dez a 20 anos. Se continuarmos como estamos, teremos apenas pequenas ilhas naturais e grandes monoculturas. O Cerrado terá acabado”.

Vídeo de lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) captado
pelas câmeras do estudo

*Texto publicado originalmente em 12/01/21 no site do Mongabay Brasil

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Defensores dos direitos animais lutam pela proibição das corridas de galgos no Brasil

 

Defensores dos direitos animais lutam pela proibição das corridas de galgos no Brasil

Defensores dos direitos animais lutam pela proibição das corridas de cachorros galgos no Brasil

Apesar de ter sido sancionada no ano passado a lei que prevê pena de até 5 anos para maus-tratos contra cães e gatos no Brasil, ainda existe uma prática cruel e bárbara sendo realizada no país: a corrida dos galgos. Muito comum na região Sul, sobretudo no Rio Grande do Sul, a “competição” com os cachorros não sofre qualquer tipo de regulamentação e é realizada, muitas vezes, com apoios de políticos locais.

No ano passado, por exemplo, a prefeitura de Bagé anunciou o investimento de R$ 251 mil na construção de um salão para criadores da raça. Apesar de o prefeito Divaldo Lara ter alegado que a obra era para a “comunidade”, há anos o local abriga uma pista de corridas utilizada aos finais de semanas pelos criadores de galgo.

Já em Uruguaiana, também em 2020, um projeto de lei foi aprovado para transformar a “modalidade” em Patrimônio Histórico e Cultural da cidade, todavia, o prefeito vetou a iniciativa.

Atualmente as corridas de galgos são legalizadas em apenas oito países do mundo. Na América do Sul, graças a uma forte mobilização de organizações de proteção animal, Argentina e Uruguai proibiram as corridas de galgos. Com isso, muitos criadores e apostadores – chamados de galgueiros -, acabaram indo para o Rio Grande do Sul.

Propaganda de corrida realizada em São Gabriel

Maus-tratos e crueldade

Apesar dos galgueiros afirmarem que os cachorros que participam dessas corridas são bem tratados, sabe-se que nos bastidores esses animais sofrem os mais diversos tipos de crueldade. Pra que se consiga ter os cães mais velozes, muitos são criados e aqueles que não são rápidos o bastante, acabam sendo sacrificados.

De acordo com a The Humane Society, dos Estados Unidos, a maioria dos galgos passam a vida confinados em gaiolas, recebem injeções de anabolizantes e alguns, são até drogados.

Animais com lesões são abandonados pelos criadores

Além de toda essa barbárie, durante as corridas muitos cães sofrem fraturas e outros tipos de ferimentos. Alguns são abatidos nas próprias pistas das competições.

Entre 2008 e 2018, foram registradas mais de 15 mil lesões nessas raças de cães nos Estados Unidos.

Galgo ferido na Flórida

Associação com o tráfico de drogas e o trabalho infantil

Não bastassem as corridas de galgos usarem animais indefesos para proporcionar “diversão” a alguns seres humanos, esse tipo de prática ainda é comumente associada com a venda de drogas ilegais e o uso de trabalho infantil.

Segundo denúncia da Associação Protetora de Plottier (e reproduzida pela ONG Olhar Animal), em 2015, menores foram filmados levantando apostas e entregando drogas em uma corrida de galgos na Argentina, quando o país ainda permitia sua realização.

“Sabemos que as corridas levam, acentuam e agregam o estigma do vício em drogas e dos jogos de azar às comunidades onde se instalam, e levam o prejuízo econômico – o poder público passa a desempenhar o papel de “gerenciador” dos prejuízos dos locais onde se instalam as corridas de cães, desviando-se das sua finalidades. Daí a importância do engajamento de todos os seguimentos e lideranças locais”, afirma a bióloga Juscelita Noetzold, que atua à frente do movimento Galgo Livre BR.

“As corridas de galgos são o cenário onde ocorrem grandes atos de crueldade e maus-tratos para com os animais. As tentativas de proliferação das corridas de cães do Rio Grande do Sul se estendem perigosamente para os demais estados em todo o território nacional evidenciando a necessidade de ações concretas, a começar por um quadro regulamentar específico, cujo objetivo fundamental é o cumprimento da proibição das corridas, evitando não só os maus tratos, os abusos e a crueldade a que esta espécie é submetida, mas de todos os animais que são usados para treiná-los”, denuncia.

Cães usados nas corridas vivem confinados em jaulas, sem as mínimas condições de higiene

Pela proibição no Brasil!

Já existe um projeto de lei, o PL 1441/2019, apresentado em março de 2019, tramitando na Câmara Federal, em Brasília, que pede a proibição das corridas de galgos no Brasil.

Precisamos agora pressionar os deputados a votar logo o PL e acabar de uma vez com todas com essa prática em nosso país.

Você também pode assinar uma petição online pela proibição das corridas de galgos no Brasil. Acesse já aqui e compartilhe!

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Fotos: Kalle Gustafsson/Creative Commons/Flickr (abertura) e demais reprodução The Humane Society USA (Sonia Stratemann/alm Beach County Sheriff’s Office e Jeff Sonksen)

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Retrospectiva 2020: um ano intenso na proteção das espécies ameaçadas

 WWF

Retrospectiva 2020: um ano intenso na proteção das espécies ameaçadas



30 dezembro 2020    
Enorme queda na biodiversidade, impacto das queimadas e contaminação por mercúrio nas espécies foram alguns fatores que chamaram a atenção e exigiram ações

Por WWF-Brasil


No ano em que o relatório Planeta Vivo, da rede WWF, trouxe preocupantes dados sobre a perda de biodiversidade ao redor do mundo, e as queimadas no Pantanal e na Amazônia atingiram direta e indiretamente milhares de animais silvestres, ações para a conservação de espécies ameaçadas em diversos biomas brasileiros foram destaques no trabalho em defesa da vida no WWF-Brasil.

De símbolos nacionais, como botos à onça-pintada, aos animais da Mata Atlântica e à fauna do Cerrado, passando pela biodiversidade dos mares e oceanos, além de estudos sobre a contaminação por mercúrio -decorrência dos garimpos ilegais-, o cuidado com as espécies também foi um norte da atuação da organização. 

Sardi
Em janeiro, uma expedição com 12 pesquisadores da Sardi (sigla em inglês para Iniciativa dos Botos da América do Sul) percorreu o rio Amazonas para dimensionar as populações destes cetáceos de água doce e obter mais informações sobre as ameaças que eles enfrentam. A iniciativa é formada pelas organizações Faunagua, Fundação Omacha, Instituto Mamirauá, Prodelphinus e WWF. 

Em fevereiro, a primeira notícia: mais de 900 botos foram rastreados ao longo do rio Amazonas -no Brasil, Peru e Colômbia-, com o alerta para uma quantidade menor na zona brasileira. As principais ameaças aos animais, segundo os pesquisadores, são ferimentos causados por hélices de embarcações. 

Em junho, os resultados das expedições começaram a aparecer e a Sardi celebrou mais um passo em direção ao desenvolvimento de um Plano de Manejo e Conservação para proteção dos botos nos rios Amazonas, Orinoco, Tocantins e Araguaia, que cobrem Brasil, Colômbia, Equador e Peru. 

Em outubro, os pesquisadores o projeto, representando cinco países sul-americanos, lançou a plataforma Botos Amazônicos, uma ferramenta cujo objetivo é disseminar informações sobre os “golfinhos de rio” da região amazônica. O WWF-Brasil é um dos facilitadores desse coletivo desde seu surgimento, em 2017. 

Espécies aquáticas
Em março, o WWF-Brasil lançou um guia para ajudar na conservação de tubarões e arraias. O Guia Prático para Planejamento e Gestão Eficazes de Áreas Marinhas Protegidas para Tubarões e Raias faz parte dos nossos esforços contínuos para desenvolver e compartilhar os estudos e recursos mais recentes para a conservação e o gerenciamento da vida marinha com base em estudos científicos. 

Em junho, com o objetivo de apresentar os modelos de protocolos de avaliação de risco de importação de espécies de peixes e invertebrados aquáticos em elaboração e discutir sua calibração e validação, a 1ª Oficina para Validação dos Protocolos de Avaliação de Risco de Invasão de Espécies Aquáticas (Peixes e Invertebrados) foi realizada em parceria com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).  

No mesmo mês foram concluídas as expedições destinadas a avaliar o estado de conservação das espécies aquáticas da Mata Atlântica, no âmbito do PAN Peixes e Eglas da Mata Atlântica (Plano de Ação Nacional para a Conservação de Espécies de Peixes e Eglas Ameaçados de Extinção da Mata Atlântica), que tem a meta de melhorar o estado de conservação e popularizar peixes, algas, rios e riachos do bioma em cinco anos. 

Meses depois, em agosto, a divulgação de um estudo realizado por pesquisadores do WWF-Brasil, Fiocruz e outras instituições alertou: no Amapá, os peixes mais contaminados por mercúrio pelas atividades de garimpo são justamente os mais consumidos, o pirapucu, o tucunaré e o trairão. A concentração de mercúrio nos peixes coletados pelos cientistas excedeu o limite de segurança em 77,6% dos peixes carnívoros. 

Conscientização, estratégia e planejamento
No dia 19 de junho de 2020, foi comemorado pela primeira vez o Dia Mundial do Albatroz, a data que homenageia essas aves migratórias e conscientiza sobre as ameaças que enfrentam na atualidade, também relembra a assinatura do Acordo Internacional para Conservação de Albatrozes e Petréis, em 2001, na Austrália. O compromisso conta com a participação de 13 países e busca conservar albatrozes e petréis, coordenando atividades internacionais para mitigar ameaças às populações dessas espécies. 

Em junho e julho, em plena crise das queimadas no Brasil, a fim de minimizar os efeitos das chamas sobre os animais, a SOS Amazônia realizou, com o apoio do WWF-Brasil, o seminário online “Cuidados e Procedimentos de Resgate de Fauna Afetada pela Atividade do Fogo no Estado do Acre”, no qual integrantes de organizações da sociedade civil, da academia, de órgãos de proteção e de fiscalização ambiental debateram a questão para estabelecimento de protocolos.  

No Pantanal, ações emergenciais em prol da fauna, que sofreu -e ainda sofre- direta e indiretamente com as queimadas recordes, foram tomadas. Um levantamento preliminar foi feito pelo Instituto Arara-Azul, com o apoio de parceiros como o WWF-Brasil, apontou que mais de 90% da Fazenda São Francisco do Perigara, refúgio de araras-azuis, foi destruído pelas chamas.

Além disso, a doação de remédios ajudou no tratamento de animais feridos pelo fogo e resgatados em diversas regiões de Mato Grosso do Sul. Na lista de espécies levadas ao Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres) estavam onças-pintadas, lobinhos, tamanduás, araras, anta, cotia e gavião-telha que habitam o Pantanal e também áreas de Cerrado.

Em agosto, um conjunto de 137 organizações da sociedade civil, entre elas o WWF-Brasil, assinou um manifesto, direcionado aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal pedindo a revogação de decretos e portarias editadas pelo Governo Federal que favorecem a flexibilização da legislação em favor da caça e do acesso às armas de fogo.   

No mês seguinte, um estudo que dissertava sobre a importância crucial dos parques e reservas para a conservação da fauna ameaçada de extinção no Cerrado era publicado. De acordo com a pesquisa, realizada no Mosaico Sertão Veredas Peruaçu, as áreas com maior nível de proteção têm 2,7 vezes mais espécies de grande porte. Parte da coleta de dados foi financiada pela parceria entre o WWF-Brasil -que atua no mosaico desde 2010- e o Instituto Biotrópicos. 

Em novembro, lançamos a Estratégia de Conservação da Onça-Pintada 2020-2030. Coordenada pela Rede WWF em parceria com outras organizações, a estratégia promoverá atividades econômicas sustentáveis, como agrofloresta e restauração florestal comunitária, em benefício das populações humanas que coexistem com o felino. O plano, que tem duração de 10 anos, será um guia para as nossas ações de conservação da onça-pintada na América Latina. A estratégia contempla 15 paisagens prioritárias, em 14 dos 18 países onde o felino ainda vive, inclusive no Brasil.

Pró-Espécies
Em maio, uma oficina realizada pelo IEF (Instituto Estadual de Florestas) de Minas Gerais, deu início ao PAT (Plano de Ação Territorial) Espinhaço Mineiro para proteção de espécies em risco. O evento tinha o objetivo de realizar o levantamento inicial de dados relevantes para a elaboração do plano territorial, iniciativa que integra o Projeto GEF Pró-Espécies: Estratégia Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas, financiado pelo Funbio (Fundo Mundial para o Meio Ambiente), coordenado pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente) e que tem o WWF-Brasil como agência executora em âmbito nacional. 

Em julho, uma boa notícia para a conservação da fauna e da flora no Cerrado de Tocantins. O Naturatins (Instituto Natureza do Tocantins) publicou uma portaria estadual com foco nas diversas e singulares espécies do bioma, que precisam de instrumentos de conservação por serem mais vulneráveis. 

Também em julho, os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul oficializaram a elaboração do PAT Planalto Sul para a conservação de espécies ameaçadas de extinção na região, que tem como vegetação nativa a Mata Atlântica, um dos biomas brasileiros com maior abrangência e mais ameaçados pela perda de habitat. 

Planeta Vivo
Relatório Planeta Vivo 2020, divulgado em setembro pela rede WWF, trouxe dados importantes sobre a perda de biodiversidade ao redor do mundo e nos diferentes continentes. Enquanto o mundo como um todo viu uma queda de 68% no tamanho das populações de espécies desde 1970, as informações do relatório mostram que a América Latina tem o pior índice do planeta, com redução de 94% nesta área. Porém, o próprio documento confirma que boas práticas de conservação podem ajudar a amenizar ou mesmo a reverter este cenário.

Um recorte brasileiro do relatório, mostrou tendências para as espécies brasileiras e como a análise de dados de conservação podem ensinar o que fazer, ou não, para termos sucesso no nosso trabalho em defesa da vida.

Brasil está entre os países que mais concentram desmatamento

 WWF

Brasil está entre os países que mais concentram desmatamento



13 janeiro 2021    
Com desmatamento em alta na Amazônia e Cerrado, país perde biodiversidade, afeta o clima global e pode ser o centro de origem de novas zoonoses

Por WWF-Brasil*


Um novo relatório do WWF-Internacional coloca o Brasil entre os campeões de desmatamento e de fragmentação de florestas e outros ecossistemas entre 2000 e 2018. O fato de o Brasil ter duas frentes simultâneas de destruição – Amazônia e Cerrado – acende o farol amarelo sobre as possibilidades de sermos local de origem de nossas zoonoses.

Fruto de uma extensa pesquisa em 29 países, o relatório “Frentes de desmatamento: vetores e respostas em um mundo em um mundo em evolução”, divulgado nesta quarta-feira (13) e disponível para download ao lado, busca compreender onde o desmatamento e a fragmentação da floresta ocorreram, identificar suas principais causas e oferecer respostas.

O estudo se concentra em 24 frentes de desmatamento na América Latina, na África Subsaariana, no Sudeste Asiático e na Oceania, onde ocorreu mais da metade (52%) do desmatamento total registrado nessas regiões – uma área de 43 milhões de hectares, quase a mesma extensão do Marrocos.

Pelo menos dois terços da perda de cobertura florestal global nesse período ocorreram nessas regiões tropicais e subtropicais. Não por acaso, o surgimento de novas doenças é elevado em regiões tropicais, biodiversas e historicamente cobertas por florestas e savanas que estão passando por mudanças no uso da terra.

“Quando saudáveis, as florestas oferecem uma proteção contra doenças como a Covid-19. No entanto, quando as florestas se encontram sob ataque, suas salvaguardas são enfraquecidas, o que leva a uma disseminação de doenças”, explica Marco Lambertini, diretor do WWF-Internacional.

O desmatamento e a degradação florestal estão entre os principais fatores para o surgimento de doenças zoonóticas como HIV/AIDS, Ebola, SARS, Febre do Vale Rift e, a partir de 2020, a Covid-19. Isso ocorre porque o aumento da densidade de animais em áreas desmatadas e degradadas também eleva as doenças nessas populações de animais selvagens que, por sua vez, têm mais interações com pessoas devido à maior presença humana nas áreas de floresta degradada. Resultado: mudanças no uso da terra contribuíram para quase metade das doenças zoonóticas que afetaram humanos entre 1940 e 2005.

"Embora os números que estamos compartilhando hoje sejam alarmantes, o processo de recuperação da pandemia da COVID-19 pode proporcionar uma oportunidade para o tipo de mudanças transformadoras que são essenciais para salvaguardar nossas florestas - mudanças que foram identificadas como necessárias por algum tempo", diz Fran Raymond Price, líder da Prática de Florestas no WWF Internacional.

“Neste momento em que governos criam políticas para lidar com os impactos econômicos e sociais da pandemia global, devemos lidar com o consumo excessivo e valorizar mais a saúde e a natureza do que a ênfase esmagadora atual no crescimento econômico e nos lucros financeiros a todo custo. Isto é do melhor interesse da humanidade: mudanças no uso da terra são um dos principais vetores de novas zoonoses, portanto, se não enfrentarmos o desmatamento enquanto podemos, podemos perder nossa chance de ajudar a evitar a próxima pandemia".

Combate à crise climática

O combate ao desmatamento deve ser reconhecido como um componente vital para a mitigação da crise climática. "Os setores agrícola, florestal e de uso da terra são responsáveis por cerca de um quarto de todas as emissões globais de gases de efeito estufa”, destaca Pablo Pacheco, cientista líder de florestas do WWF. Enfrentar o desmatamento é essencial para cumprir também as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e outros acordos globais.

Para os autores, as respostas para lidar com o desmatamento e suas causas precisam ser inclusivas e adaptadas ao contexto local e regional. Não existe uma abordagem única para todos e as soluções têm sido mais eficazes quando várias opções de resposta são combinadas, incluindo soluções de mercado, como Pagamentos por Serviços Ambientais e acordos setoriais, como a Moratória da Soja na Amazônia.

Os compromissos corporativos com cadeias livres de desmatamento também têm um importante papel a desempenhar nesse contexto. O reconhecimento e a proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas e comunidades locais, que permitem a manutenção de seus modelos de governança e economias locais, têm mostrado bons resultados.

Nove das 24 frentes de desmatamento estão na América Latina, uma região que experimentou um declínio particularmente dramático nas populações da fauna selvagem, da ordem de 94%, segundo a edição de 2020 do Relatório Planeta Vivo. Outras oito estão na África e sete na Ásia-Pacífico. Quase metade dos ecossistemas nessas frentes - cerca de 45% - sofreu algum tipo de fragmentação.

Áreas fragmentadas e bordas de mata são mais sujeitas a incêndios, além de mais fáceis de acessar e mais suscetíveis a impactos humanos. Essas tendências são alarmantes porque os trópicos abrigam 45% das florestas do mundo, além de outros ecossistemas extremamente relevantes.

Em todo o mundo, a agricultura comercial, especialmente em larga escala, é a principal causa do desmatamento de áreas para pecuária e o cultivo de commodities. A mineração e a expansão da infraestrutura, tais como redes de estradas de ferro e rodovias, que conectam as zonas de produção aos mercados domésticos e de exportação, são outros dois importantes vetores.

Cenário brasileiro

Dados consolidados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), indicam que a área desmatada na Amazônia brasileira chegou ao nível anual mais alto desde 2008 — um total de 11.088 km² entre agosto de 2019 e julho de 2020.

No Cerrado brasileiro, onde vivem 5% dos animais e plantas do planeta, foram perdidos 7.340km2 no mesmo período, um valor 13% superior ao ano anterior. Segundo o estudo do WWF, apenas na “frente de desmatamento” do Cerrado (que corresponde à porção norte do bioma), um terço (32,8%) da área florestal remanescente foi perdida entre 2004 e 2017, principalmente para a produção de gado e soja.

"Pensar no Cerrado daqui a 50 a 60 anos me faz sofrer”, lamenta Ana Cláudia Mota da Silva, membro da comunidade afrodescendente de Mumbuca, no Tocantins. “Sabendo que nossos rios estão secando, que tantas árvores estão morrendo, temo que meus descendentes não vejam que eu vi.”

Dados de 2019 e 2020 comprovam que o desmatamento na Amazônia e no Cerrado continua – e cada vez mais acelerado. “O Brasil tem duas frentes simultâneas entre as regiões que mais devastam a vegetação nativa do planeta”, destaca Edegar de Oliveira Rosa, diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil.

Segundo ele, o governo brasileiro a relaxou as regulamentações e fiscalizações ambientais, fazendo com que o país atingisse seu maior nível de desmatamento desde 2008, em meio a um aumento da extração ilegal de madeira, garimpos ilegais e desmatamento.

Entre agosto de 2019 e julho de 2020, mesmo com desmatamento subindo 9,5% da taxa já elevada do período anterior, o IBAMA aplicou o menor número de multas administrativas por desmatamento ilegal desde sua criação: 42% a menos que no período anterior, caindo de 3.403 para 1.964 autos de infração. “Desmatar para produzir commodities agropecuárias é uma ironia, pois já começa a afetar diretamente as safras e a qualidade das pastagens por causa da redução das chuvas”, diz Rosa.

Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil, lembra que “a Amazônia brasileira está perto de atingir um ponto de inflexão, no qual a floresta não será mais capaz de manter seus ciclos e processos naturais, e as porções mais afetadas sofrerão diminuição das chuvas e períodos de seca prolongados.”

Segundo ela, a tendência de alteração do clima no país é reforçada pela destruição do Cerrado brasileiro. Savana com maior biodiversidade do mundo, o bioma desempenha um papel essencial no apoio ao ciclo da água no Brasil como fonte de oito das 12 bacias hidrográficas do país. O desmatamento contínuo pode reduzir a precipitação e aumentar as temperaturas locais, colocando em risco a vegetação remanescente, a
subsistência e a produção de alimentos.

Como você pode ajudar

Cuidar dos nossos ecossistemas é cuidar de nós mesmos. Ajude o WWF-Brasil a conservar a Amazônia e o Cerrado Brasileiros: doe.wwf.org.br #CuidarComeçaAgora

Crise climática fica em segundo plano no Plano Decenal de Energia 2030

 WWF

Crise climática fica em segundo plano no Plano Decenal de Energia 2030



15 janeiro 2021    
Documento do MME não apresenta ações concretas para combater as mudanças climáticas e desconsidera risco de se investir em fontes fósseis

O Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, cuja consulta pública encerra-se no dia 13 de janeiro, é o principal documento de planejamento do setor energético brasileiro. Elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética a partir de diretrizes definidas pelo Ministério de Minas e Energia, ele incorpora a visão do governo federal para todo o setor energético, tendo o propósito de nortear as políticas públicas e os investimentos públicos e privados em um horizonte de 10 anos.  

Por essa razão, é de se esperar que ele indique as mudanças necessárias para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico. Certamente são positivas as análises sobre a energia eólica offshore, que compreende um enorme potencial a ser desbravado, e a inserção de termelétricas inflexíveis na base, que em tese permitiria às hidrelétricas ampliar seu papel de regulação do sistema elétrico, facilitando a disseminação da energia eólica e solar. Também é positivo que o PDE 2030 aponte a relevância de mecanismos importantes, como a precificação do carbono e a adoção de soluções baseadas na natureza, ambos os quais permitem incorporar de maneira mais consistente não apenas a questão climática, mas outros fatores socioambientais na expansão da matriz energética.  

Infelizmente, a expansão proposta para a matriz não indica uma evolução estrutural em direção à economia de baixo carbono, em linha com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C até o fim do século. A leitura do PDE 2030 mostra que as  mudanças climáticas são um problema secundário para o governo federal, supostamente longe de nossa realidade imediata. Não há uma discussão sobre a transição energética para fontes renováveis de baixo impacto, notadamente para o segmento de transportes, maior emissor de gases de efeito estufa no setor de energia. A análise das emissões foca na comparação com o proposto na NDC (contribuição nacionalmente determinada) apresentada em 2015, a qual deveria ter sido revisada no ano passado. 

O PDE 2030 conclui que a oferta de combustíveis continuará sendo baseada em derivados de petróleo, sem explorar alternativas para migração para combustíveis sustentáveis ou analisar o risco de o país investir centenas de bilhões de reais na exploração do petróleo com a perspectiva de custos crescentes das emissões de carbono. Ademais, não se discutem os riscos econômicos, ambientais e sociais da expansão da exploração de petróleo em novas fronteiras exploratórias: por serem áreas sobre as quais se tem menos conhecimento geológico, experiência operacional e infraestrutura instalada, elas estão mais sujeitas a atrasos, acidentes e não previstos e até mesmo inviabilidade econômica para produção. Isso é especialmente verdade na margem equatorial, para onde a Petrobras prevê investimentos de US$ 1 bilhão. É importante que o PDE 2030 aponte a necessidade da realização das Avaliações Ambientais de Área Sedimentar para todas as bacias além das realizadas para as do Solimões e Sergipe-Alagoas. Esse processo permite identificar potenciais impactos socioambientais de maneira sistêmica, o que evitaria a concessão de áreas problemáticas, investimentos equivocados e processos de licenciamento conflituosos. 

Até mesmo o carvão, altamente poluente, caro e de pouca relevância para o Brasil, é considerado como opção para geração de eletricidade. Não faz sentido apostar em modernização de térmicas a carvão se já foi definido o fim de subsídios para a fonte via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em 2027. É uma questão de tempo para que os atuais investidores migrem desse setor, – possivelmente antes até do que se espera. Mais producente seria se o PDE 2030 propusesse políticas para descomissionamento delas, facilitando a migração da cadeia carbonífera – trabalhadores e empresas – para outras atividades.  

Por outro lado, alternativas inovadoras, como a inserção do hidrogênio verde como combustível ou a utilização da macaúba para a produção de biocombustíveis são deixados de lado. É necessário propor melhoramentos ao RenovaBio, aumentando sua abrangência e escopo, e avaliar em que medida o Brasil pode se beneficiar das sinergias que os biocombustíveis, os veículos elétricos e o hidrogênio podem oferecer. 

A retomada econômica e o combate à crise climática são prioritários para o desenvolvimento do país. É preciso que o setor energético, tão intrinsicamente ligado a essas questões, também as trate como prioridades.

Lei de Pagamento por Serviços Ambientais entra em vigor com veto a mecanismos de transparência

 WWF

Lei de Pagamento por Serviços Ambientais entra em vigor com veto a mecanismos de transparência



14 janeiro 2021    
Foi publicado no Diário Oficial da União hoje a Lei nº 14.119, que institui a PNPSA (Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais). Entretanto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou trechos inteiros do texto aprovado pelo Congresso Nacional no final do ano passado, sobretudo os que previam mecanismos de controle e fiscalização no uso de recursos públicos.

Por WWF-Brasil

Após anos de discussão no Congresso Nacional e fruto de um raro acordo entre setores ligados à defesa do meio ambiente e ao agronegócio, a lei traz as bases jurídicas para que indígenas, populações tradicionais, produtores rurais e outros setores da sociedade possam ter seus esforços de proteção ambiental protegidos e valorizados.

“A lei permite que o Governo Federal possa incentivar financeiramente ações de proteção ao meio ambiente, o que, somado aos mecanismos de comando e controle como as multas e penalidades aos que descumprem a lei, possam aumentar o grau de cumprimento das regras de proteção ambiental no país, que não é dos melhores. Além disso, traz segurança jurídica para programas estaduais, municipais e até mesmo particulares hoje existentes”, afirma Raul do Valle, diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil. 

Vetos
O projeto aprovado pelo Congresso Nacional em 21 de dezembro do ano passado previa a existência de um comitê que iria discutir prioridades e critérios de aplicação de recursos, monitorar a conformidade dos investimentos realizados e faria a avaliação a cada quatro anos do Programa Federal, que será gerido pelo Ministério do Meio Ambiente, com sugestões de adequações necessárias. A criação deste comitê foi vetada por Bolsonaro.

Sem esse órgão colegiado, que teria em sua composição representantes do setor produtivo e da sociedade civil, além de representantes do Poder Público, ficará muito mais difícil evitar possíveis desvios de finalidade no uso de recursos, pois caberá apenas ao MMA (Ministério do Meio Ambiente) definir, sozinho, quais os critérios adotados para a definição dos beneficiários.

Outro trecho vetado por Bolsonaro é o que previa a criação do Cadastro Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (CNPSA), que seria de acesso público e conteria, dentre outros dados, as informações sobre os contratos de pagamento firmados pelo Poder Público com particulares. Isso diminui drasticamente a transparência sobre uso de recursos públicos.

Também foram tirados do texto todos os incentivos fiscais que tentavam estimular agentes privados (empresas, por exemplo) a investir recursos em PSA (Pagamento por Serviço Ambiental), por exemplo pagando produtores rurais que cuidam bem da água. Havia a previsão de que esses investimentos poderiam ser parcialmente abatidos do imposto de renda. Também foi eliminada a autorização para que o Poder Público pudesse estabelecer outros incentivos tributários destinados à promoção de mudança de comportamento.

“Apesar dos vetos que reduziram a capacidade da sociedade fiscalizar o uso de recursos públicos e os incentivos para as empresas se engajarem no mercado de PSA, algo que pode ser consertado pelo Congresso Nacional, caso derrube os vetos, a publicação da Lei 14.119/2021 deve ser comemorada, pois aponta para um novo rumo da política ambiental brasileira, com mais incentivos e menos punições para se fazer cumprir a lei”, comenta Valle.

Podem os pequenos mamíferos terrestres bioacumularem metais pesados?

 

Podem os pequenos mamíferos terrestres bioacumularem metais pesados?

artigo

Podem os pequenos mamíferos terrestres bioacumularem metais pesados?

Por Felipe Santana Machado

A bioacumulação, e consequente biomagnificação, é um processo de absorção de substâncias que se acumulam progressivamente em diferentes níveis tróficos de uma cadeia alimentar.

Existe uma tendência natural de acúmulo dessas concentrações à medida que há novo nível da cadeia trófica, de forma que os predadores terão níveis maiores do que suas presas. E por esse motivo que a maior parte dos artigos científicos de bioacumulação e biomagnificação tanto na América do Sul, quanto em outros continentes têm enfoque em animais de médio e grande porte.

Entretanto, estamos no sexto evento de extinção em massa da biodiversidade global que é primariamente desenvolvida por ação humana diante da super-exploração de recursos naturais. Esse evento é conhecido como “extinção do antropoceno” (antropos – homem, ceno – era geológica) e tem maior efeito sobre os animais de grande porte. Alguns trabalhos tem enfatizado um processo de “ratização” de ambientes naturais, em que somente animais de pequeno porte (menores de 1kg) sobrevivem, principalmente roedores e marsupiais. Diante desse contexto, pouco se sabe dos processos de bioacumulação para esses pequenos mamíferos que são fauna relictual em ambientes altamente fragmentados e/ou antropizados.

Recentemente (dezembro de 2020) o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: Ciências Naturais publicou o artigo “A brief report on the bioaccumulation of small terrestrial mammals: a suggestion for a new line of research in Brazil” que mostra o efeito de cádmio e chumbo em uma espécie de marsupial, o Gracilinanus microtarsus, demonstrando elevados níveis desses elementos em diferentes tecidos em todo o corpo do animal. Este animal estava em área de influência de uma mineração que está em processo de recuperação/restauração ambiental.

O manuscrito sugere que novas pesquisas devem ser desenvolvidas, uma vez que esses animais podem acumular esses metais e dispersá-los na natureza de diferentes formas: pela morte distante da fonte de acumulação dos metais ou por serem presa de outros maiores predadores que também dispersariam esses elementos. Essa é uma linha de pesquisa ainda incipiente no Brasil, pois é desenvolvida fortemente para animais aquáticos como peixes e mamíferos marinhos (havendo poucos trabalhos de bioacumulação em morcegos).

Vale a pena frisar que essa nova linha de pesquisa no Brasil tem ligações diretas com os maiores desastres ambientais brasileiros, o rompimento das barragens de minério das cidades de Mariana e Brumadinho, que liberaram toneladas de rejeito de minério em algumas das principais bacias hidrográficas do estado de Minas Gerais. Logo, esses trabalhos poderiam auxiliar no entendimento da descentralização dos rejeitos das margens dos rios afetados para distancias cada vez maiores do ponto de deposição.

O artigo pode ser lido na íntegra diretamente pelo link da editora do Museu Paraense Emílio Goeldi “http://editora.museu-goeldi.br/bn/artigos/cnv15n3_2020/brief(machado).pdf ou pelas redes sociais profissionais dos autores do manuscrito “https://www.researchgate.net/publication/347608633_A_brief_report_on_the_bioaccumulation_of_small_terrestrial_mammals_a_suggestion_for_a_new_line_of_research_in_Brazil_Breve_relato_sobre_bioacumulacao_em_pequenos_mamiferos_terrestres_uma_sugestao_para” ou “https://www.academia.edu/44758023/A_brief_report_on_the_bioaccumulation_of_small_terrestrial_mammals_a_suggestion_for_a_new_line_of_research_in_Brazil_Breve_relato_sobre_bioacumula%C3%A7%C3%A3o_em_pequenos_mam%C3%ADferos_terrestres_uma_sugest%C3%A3o_para_nova_linha_de_pesquisa_no_Brasil”.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/01/2021

 

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