sexta-feira, 5 de maio de 2023

Células solares para ambientes internos batem recorde de eficiência

 Energia

Células solares para ambientes internos batem recorde de eficiência

Redação do Site Inovação Tecnológica - 26/04/2023

Células solares para ambientes internos batem recorde de eficiência
A ideia é reciclar a luz que se perde nos ambientes internos.
[Imagem: Hannes Michaels et al. - 10.1039/d3sc00659j]

Célula solar interna

O trivial é colocar as células solares sob o Sol, para que eles captem a energia luminosa natural mais forte que existe.

Mas as células fotovoltaicas não assim exclusivistas, e na verdade se contentam com qualquer fonte de luz, incluindo a iluminação dos ambientes internos.

Agora, pesquisadores criaram uma célula que se contenta com 1.000 lux, a luz gerada por uma lâmpada fluorescente, para gerar eletricidade com uma eficiência de conversão de energia sem precedentes de 38%.

A ideia é que essas células fotovoltaicas alimentem pequenos aparelhos, reciclando a luz que é continuamente desperdiçada em nossas casas e escritórios.

"Nossa pesquisa marca um passo importante para tornar os dispositivos da internet das coisas mais sustentáveis e eficientes em termos de energia. Ao combinar células fotovoltaicas inovadoras com técnicas inteligentes de gerenciamento de energia, estamos abrindo caminho para uma infinidade de novas implementações de dispositivos que terão aplicações de longo alcance em vários setores," disse a professora Marina Freitag, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.

Células solares para ambientes internos batem recorde de eficiência
Protótipo da célula fotovoltaica sensibilizada por corante (DSC), com 3,2 cm2.
[Imagem: Hannes Michaels et al. - 10.1039/d3sc00659j]

Célula solar orgânica

A inovação pertence ao campo das células solares orgânicas, que respondem por vários nomes, como células de Gratzelcélulas solares sensibilizadas por corantes, DSCs, células solares de plástico etc.

Elas são muito promissoras porque são fabricadas em plásticos flexíveis, podendo ser aplicadas sobre qualquer superfície, são transparentes e potencialmente muito baratas.

O protótipo apresentado pela equipe é uma célula sensibilidade por corante baseada em um eletrólito de cobre, o que significa que ela não é tóxica, estabelecendo um novo padrão para a reciclagem sustentável de energia em ambientes internos.

A equipe também introduziu uma técnica pioneira de gerenciamento de energia, empregando redes neurais artificiais de memória de curto prazo (LSTM) para prever a dinâmica dos ambientes e adaptar a carga computacional dos sensores de IoT de acordo. Esse sistema dinâmico de gerenciamento de energia permite que o circuito de coleta de energia opere com eficiência ideal, minimizando perdas ou interrupção no fornecimento de energia.

O laboratório da professora Marina já havia feito história em 2015, quando criou uma célula solar zumbi, que gera energia depois de morta.

Bibliografia:

Artigo: Emerging indoor photovoltaics for self-powered and self-aware IoT towards sustainable energy management
Autores: Hannes Michaels, Michael Rinderle, Iacopo Benesperi, Richard Freitag, Alessio Gagliardib, Marina Freitag
Revista: Chemical Science
DOI: 10.1039/d3sc00659j

Desenvolvido um concreto que captura carbono em vez de emiti-lo

 https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=concreto-carbono-negativo&id=010125230502&ebol=sim#.ZFVIVXZBxhE



Meio ambiente

Desenvolvido um concreto que captura carbono em vez de emiti-lo

Redação do Site Inovação Tecnológica - 02/05/2023

A equipe agora está buscando parceiros na indústria para tirar a tecnologia do laboratório.

Cimento com biocarvão

Pesquisadores desenvolveram uma fórmula técnica e economicamente viável para produzir um concreto carbono-negativo e ecologicamente correto, e que é quase tão resistente quanto o concreto comum.

Zhipeng Li e colegas da Universidade Estadual de Washington, nos EUA, pegaram cimento comum e o infundiram com carvão vegetal, um tipo de carvão feito de resíduos orgânicos, que havia sido previamente reforçado com águas residuais coletadas da própria fabricação de cimento.

O carvão vegetal foi capaz de sugar até 23% de seu peso em dióxido de carbono do ar durante o processo de cura, que lhe deu uma resistência comparável à do cimento comum.

Isso representa um potencial para reduzir significativamente as emissões de carbono da indústria de cimento, que é uma das mais intensivas em energia e carbono de todas as indústrias manufatureiras - estima-se que a produção de cimento seja responsável por cerca de 8% das emissões totais de carbono pelas atividades humanas em nível mundial.

Reaproveitando águas alcalinas

Várias equipes ao redor do mundo já tentaram adicionar carvão vegetal como um substituto no cimento para torná-lo mais ecológico e reduzir sua pegada de carbono, mas adicionar tão pouco quanto 3% desse biochar já era suficiente para reduzir drasticamente a resistência do concreto.

Li resolveu essa deficiência tratando o biocarvão nas águas residuais da produção de cimento. Isso permitiu adicionar até 30% de biocarvão ao cimento. A pasta feita de cimento modificado com biocarvão atingiu uma resistência à compressão comparável à do cimento comum - cerca de 4.000 libras por polegada quadrada - após 28 dias de cura.

A água cáustica descartada da produção de cimento é um resíduo problemático por ser muito alcalina. Contudo, ela também serve como uma valiosa fonte de cálcio. Os pesquisadores usaram o cálcio para induzir a formação de calcita, que beneficia o biocarvão e, por decorrência, o concreto que incorpore esse carvão.

Sequestro de carbono

A sinergia entre as águas residuais altamente alcalinas, que contêm muito cálcio, e o biocarvão altamente poroso, fez com que o carbonato de cálcio precipitasse sobre o biocarvão, fortalecendo-o e permitindo a captura de dióxido de carbono do ar.

Segundo estimativas da equipe, um concreto feito desse material continuará sequestrando dióxido de carbono durante toda a vida útil, normalmente 30 anos em pavimentos ou 75 anos em pontes.

Para comercializar essa tecnologia, os pesquisadores estão agora fazendo mais testes e coletando dados para uma variedade de casos de uso. Eles também estão buscando parceiros no setor de construção para aumentar a produção para demonstrações de campo e licenciar a tecnologia.

Bibliografia:

Artigo: Towards sustainable industrial application of carbon-negative concrete: Synergistic carbon-capture by concrete washout water and biochar
Autores: Zhipeng Li, Xianming Shi
Revista: Materials Letters
Vol.: 342, 134368
DOI: 10.1016/j.matlet.2023.134368

Proteger o estoque natural de carbono das florestas é vital para atingir o net-zero

 

Proteger o estoque natural de carbono das florestas é vital para atingir o net-zero

04 de novembro de 2022

Agência FAPESP* – Mesmo que se consiga substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis, será praticamente impossível zerar as emissões de carbono até 2050 sem proteger as florestas tropicais, principalmente a Amazônia, pois são elas que detêm o maior estoque de CO2 do planeta. O alerta foi feito pelo cientista Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e autor-líder de um capítulo do mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em palestra apresentada no dia 27 de outubro, durante a conferência anual do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI).

O RCGI é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Shell na Universidade de São Paulo (USP).

Artaxo é um dos mais influentes pesquisadores do mundo na área de meio ambiente e mudanças climáticas e está a caminho do Egito, onde participará da 27ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), que terá início no domingo (06/11).

Segundo ele, vários estudos, de diferentes laboratórios do mundo, com estratégicas científicas distintas, apontam que as mudanças climáticas em curso já estão próximas de um ponto sem volta e que o desmatamento e a degeneração das florestas são alguns dos seus principais motores. “Daqui dez ou 15 anos, as mudanças que se se instalarem é que determinarão como será o clima nos próximos séculos”, disse. E as conclusões dos estudos científicos mais recentes, apresentados por ele, não são boas.

A questão climática, segundo Artaxo, é complexa e seus fatores estão extremamente conectados uns com os outros. “Dois meses atrás, foi publicado um estudo mostrando que o que se faz aqui, na Amazônia, afeta criticamente a precipitação no Himalaia, que provê água para um 1,6 bilhão de pessoas. Portanto, isso mostra que a atmosfera é uma entidade única e tudo está conectado”, afirmou.

Na Amazônia, o ponto de inflexão é a capacidade da floresta de se sustentar por si própria. O processo de transição, levado pelo desmatamento e a mudança do clima, já alterou vários aspectos do seu ecossistema. Um deles é a fotossíntese, processo realizado pelas plantas para a produção de energia, no qual a captura de CO2 é essencial. “Sob o estresse de temperaturas mais elevadas, a quantidade de gás carbônico assimilada pela fotossíntese da floresta está diminuindo drasticamente”, disse.

O que está sendo observado em vários estudos, segundo Artaxo, é que o fluxo líquido de carbono da Amazônia está diminuindo. “Quando eu comecei os estudos na região, 30, 35 anos atrás, a Amazônia estava absorvendo 1,5 tonelada de carbono. Agora, esse fluxo é praticamente zero. É zero por causa, principalmente, da morte das árvores que está aumentando. E está aumentando por quê? Por causa do crescimento dos extremos do clima, do aumento da temperatura e da menor precipitação de chuvas.”

Enquanto na Sibéria, exemplifica ele, o sistema de captura e remoção de CO2 na atmosfera é muito dinâmico, com diferenças no inverno e no verão, na Amazônia e na floresta tropical da África o reservatório de CO2 é permanente. Ou seja, uma vez dispersado, o CO2 ficará permanentemente na atmosfera.

A temperatura do planeta tende a aumentar entre 3,3 °C e 4 °C, e o IPPC estima uma média de 4 °C. “Mas a média da temperatura não diz nada, pois ninguém vive numa temperatura média. No Brasil, uma média de temperatura como essa significa que teremos temperaturas aumentadas em 6,6 °C. No Ártico, na Sibéria, na tundra canadense a elevação poderá ser e de até 7 °C. Isso é um aumento imenso”, destacou.

Processo de desertificação

Outra mudança importante é sobre a precipitação de chuvas. “Muitas áreas do nosso planeta já estão começando a ficar muito mais secas. Uma delas é a área central do Brasil e a parte oriental da Amazônia, onde há decréscimo muito significativo da precipitação. Já a área mediterrânea da Europa [sul da Espanha, Portugal e Itália] está em processo acelerado de desertificação, assim como a América Central e a parte central dos Estados Unidos. “Isso traz um ingrediente crítico para a produção de alimentos. E não se trata de uma previsão para o futuro. Isso já está acontecendo.”

Ele destaca que o sistema de produção de alimentos é responsável por 32% das emissões globais de CO2 e, nas próximas décadas, as emissões estimadas desse setor indicam um aumento de 50%. “Como o planeta será capaz de produzir comida para 10 bilhões de pessoas e ao mesmo tempo alcançar o net-zero. Parando de comer? Então, basicamente, essa situação é muito mais do que uma questão de sistema de energia, estamos falando da necessidade de uma sociedade sustentável.”

‘Savanização’ da Amazônia

Segundo Artaxo, na Amazônia o desmatamento é cerca de 13,5 mil quilômetros quadrados por ano [dados de 2021]. E esse número tende a ser 27% maior em 2022. Essa mudança no ecossistema é crítica. “Um ponto de inflexão seria uma mudança de um ecossistema florestal para um tipo de savana, com 10% do carbono original estocado”, disse ele. Como nessa trajetória vários fatores têm influência, a pergunta que fica é: “Essa transição entre os ecossistemas será suave, abrupta e será reversível? São questões críticas e nós ainda não temos uma resposta clara”.

A ciência, segundo ele, já tem alguma noção sobre a questão da reversibilidade. Áreas desmatadas na Amazônia há 40, 50 anos e que foram abandonadas voltaram a se regenerar, mas somente com 55% a 60% da biomassa original e com um terço da biodiversidade anterior.

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) correlaciona o nível de precipitação, de árido para úmido, com a biomassa da Amazônia, da floresta da África e do sudeste da Ásia. “As três florestas são surpreendentemente muito diferentes, mas elas têm um padrão. Onde tem mais chuva, tem mais biomassa.”

Outro aspecto é que, entre as três florestas, a Amazônia é a que mais libera carbono pela perda da vegetação. “Estamos falando de cerca de 5,1% de carbono de um total de 120 bilhões de toneladas de carbono estocado.”

Ele lembra que a perda de carbono não está relacionada apenas às áreas desmatadas, pois as áreas próximas ao desmatamento são responsáveis por 36% das emissões de carbono na Amazônia.

Risco extremo

Segundo Artaxo, a maior parte da área da Amazônia está se tornando mais inflamável. Isso é expresso pelo déficit de pressão de vapor, que é a quantidade de água que as plantas soltam na atmosfera. “Também estamos observando mudanças significativas no ciclo hidrológico da Amazônia, com um crescimento na quantidade de água nos rios da Amazônia nos últimos 120 anos. E se está crescendo, isso significa que menos água está sendo reprocessada pelo ecossistema”.

Outra mudança é no sistema de precipitação em cascata, que é, em síntese, quando a água vaporizada do oceano Atlântico vai para a Amazônia e de lá para o restante do país, levando as chuvas necessárias às plantações. “Um estudo mostra que estaríamos próximos do ponto de inflexão se a precipitação for maior de 1 mil mililitros e se a temperatura for maior que 2,5 °C”, disse. “Outro estudo, de Carlos Nobre, traz uma estimativa de que, se houver um aumento de temperatura de 4 °C ou se houver um desmatamento de 40% do total das áreas de floresta, todas as áreas florestais remanescentes serão perdidas. E nós estamos no meio do caminho dessa previsão.”

Para Artaxo, o Brasil tem uma tremenda oportunidade, protegendo o estoque natural de carbono, de reduzir em 44% as emissões desse gás de efeito estufa em cinco anos. É importante lembrar que, embora historicamente Estados Unidos e China sejam grandes emissores de CO2, o Brasil não está muito longe. Em 2021, o país foi o sétimo maior emissor em termos globais, o quarto em emissões per capita e o sexto em emissões históricas. Apesar disso, na revisão dos acordos de meta de redução de emissões do ano passado, o Brasil foi o único país que aumentou as emissões permitidas.

“Nós temos um grande programa de biocombustível, que nenhum outro país tem; um grande potencial para absorver carbono, mas ao mesmo tempo várias vulnerabilidades, com um setor agrícola muito sensível ao clima, uma geração de energia por hidrelétricas, que depende da chuva, e 8,5 mil quilômetros de área de costa vulneráveis ao aumento do nível do mar.

Para analisar o presente e o futuro, é essencial olhar para o passado, disse Artaxo. Uma série histórica mostra que ao longo de 500 milhões de anos o clima da Terra oscilou muito, para mais quente ou mais frio, com períodos glaciais e interglaciais. “Nos últimos 10 milhões de anos, a Terra permanece no período interglacial quente, no qual estamos agora, e isso permitiu que a civilização humana prosperasse. Toda a vida na Terra apareceu nos últimos 4 milhões de anos. E toda a vez que ocorreram extinções de espécies associadas ao clima, e isso ocorreu várias vezes, foram necessários milhões de anos para o ecossistema se recuperar. Então, qualquer dano é muito difícil de ser recuperado. E isso deveria ser uma lição para nós”, destacou.

Segundo ele, análises dos últimos 800 mil anos mostram que as oscilações entre os períodos glaciais e interglaciais estão conectadas com os gases de efeito estufa e a temperatura global. O problema é que esse ciclo de oscilação está sendo rompido agora. “Nos últimos 60, 70 anos, a Terra saiu desse ciclo, que vinha ocorrendo há 800 mil anos. Então, estamos trazendo a Terra para fora desse sistema climático dinâmico e não sabemos para onde estamos indo”, disse.

* Com informações do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), constituído por FAPESP e Shell na USP.



 

Sequenciamento genético de tartarugas marinhas pode ajudar a compreender doença que ameaça espécies

03 de maio de 2023

André Julião | Agência FAPESP – Como se não bastassem a poluição, a pesca incidental e a caça, as tartarugas marinhas sofrem com um tipo de câncer que limita sua sobrevivência. Nas últimas décadas, algumas das ameaças causadas pelo homem têm sido amenizadas com ações de conservação. Agora, um novo horizonte se abre para compreender, e quem sabe encontrar tratamentos para a doença.

Isso porque um consórcio internacional de cientistas realizou o sequenciamento mais completo até hoje do genoma de duas das sete espécies que vivem no mar, a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) e a tartaruga-verde (Chelonia mydas), aumentando a compreensão do sistema imune e da evolução desses animais.

Os resultados das primeiras análises foram publicados na revista PNAS por um grupo que conta com pesquisadoras brasileiras apoiadas pela FAPESP.

“As tartarugas são vulneráveis a esse tumor, chamado de fibropapilomatose, causado pela infecção de um vírus do herpes específico desses animais. Embora a maioria dos estudos aponte casos em tartarugas-verdes, ele foi encontrado em outras espécies”, explica Elisa Ramosdoutoranda no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e uma das autoras do estudo.

"A [tartaruga] verde, no entanto, parece ter mais genes associados ao sistema imune em alguns cromossomos específicos, que podem dar pistas de como ela luta contra o vírus”, completa Ramos, que realizou parte das análises durante estágio no Leibniz Institute for Zoo and Wildlife Research, na Alemanha, com bolsa da FAPESP.

Como um estudo mais detalhado sobre essa região do genoma está sendo desenvolvido, em breve os pesquisadores esperam ter a confirmação do que exatamente está acontecendo com esses genes na tartaruga-verde.

O trabalho integra as pesquisas do Vertebrate Genomes Project, que tem como objetivo sequenciar os genomas de todos os animais vertebrados da Terra. Atualmente, as outras cinco espécies de tartaruga marinha estão tendo o código genético mapeado. Com os novos dados, será possível avançar ainda mais na compreensão da defesa contra doenças e de outras características evolutivas desses répteis.

“Nossas análises identificaram diferenças no número de genes relacionados à imunidade entre as duas espécies e também nos permitiram identificar a localização do chamado Complexo Principal de Histocompatibilidade [MHC, na sigla em inglês], que contém genes imperativos para a resposta a patógenos”, afirma Blair Bentley, que realiza estágio de pós-doutorado na Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, e é o primeiro autor do trabalho.

Segundo o pesquisador, os genomas trazem informações que podem ser usadas para investigar essa e outras doenças, além de fornecer direções para futuros tratamentos e ações de conservação.

Os arrependidos

“As tartarugas têm uma lenta taxa de evolução e estão vulneráveis à extinção. Por isso, é importante entender quais genes permitiram que elas tivessem sucesso no ambiente marinho. Isso se reflete tanto em mutações como em número de cópias de genes”, conta Mariana Freitas Nery, professora do IB-Unicamp e coautora do estudo.

Nery coordena um projeto apoiado pela FAPESP que investiga o genoma de espécies cujos ancestrais, depois de abandonarem o ambiente aquático e se adaptarem ao terrestre, voltaram a viver na água. “Nós brincamos que eles são os arrependidos”, diz (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/alteracao-em-quatro-genes-pode-explicar-o-gigantismo-das-baleias/ agencia.fapesp.br/36135/).

As tartarugas divergiram de ancestrais terrestres que voltaram para o mar cerca de 100 milhões de anos atrás. A separação entre a tartaruga-de-couro e a verde, por sua vez, ocorreu há cerca de 60 milhões de anos. Mesmo assim, a lenta evolução do grupo fez com que a maior parte do genoma das duas ainda seja compartilhado.

Entre as diferenças encontradas estão os genes relacionados aos sensores olfatórios. Ainda que vivam no mar, as tartarugas respiram ar e têm um ancestral terrestre. Por isso, possuem tanto sensores que detectam moléculas no ar quanto outros que percebem as que estão dissolvidas na água, algo essencial para migração e reprodução, além de identificação de presas, indivíduos da mesma espécie e predadores.

“Como a tartaruga-verde está mais próxima da costa, ela tem maior contato com poluição e outras condições adversas que a de couro, que vive a maior parte da vida em águas profundas. Além disso, enquanto a primeira tem uma dieta variada, a segunda realiza grandes migrações para se alimentar de águas-vivas”, esclarece Ramos.

Os pesquisadores temem que a lenta evolução das tartarugas as torne inaptas a mudanças rápidas no ambiente, como as causadas pela mudança climática.

“Na tartaruga-de-couro, por exemplo, mostramos uma baixa diversidade nas regiões funcionais do genoma, o que sugere que as populações podem não ter a capacidade de se adaptar ao rápido aumento da temperatura provocado pela ação humana”, conclui Bentley.

O artigo Divergent sensory and immune gene evolution in sea turtles with contrasting demographic and life histories pode ser lido em: www.pnas.org/doi/abs/10.1073/pnas.2201076120.

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Formigas no lugar de pesticidas: pesquisadores brasileiros defendem uso de insetos para controle biológico nas lavouras

Formigas no lugar de pesticidas: pesquisadores brasileiros defendem uso de insetos para controle biológico nas lavouras

Ao longo das últimas décadas muitos foram os estudos que comprovaram os impactos negativos do uso de pesticidas tanto no meio ambiente quanto na saúde do homem, como por exemplo, desde afetar o poder de polinização e reprodução das abelhas até provocar o desenvolvimento de câncer em seres humanos.

Por essa razão, cientistas também têm realizado muitas pesquisas e estudos para buscar alternativas ao emprego de agrotóxicos para combater pragas agrícolas e insetos portadores de doenças. Um desses métodos é o chamado “controle biológico“, ou seja, a utilização dos próprios inimigos naturais desses insetos, vírus, parasitas e fungos.

Recentemente um grupo de pesquisadores brasileiros publicou um artigo em que descreve uma análise de 52 estudos de 17 diferentes cultivos e defende o uso das formigas para o controle de pragas.

“Nosso novo estudo constatou que as formigas arbóreas diminuem a abundância de alguns grupos de pragas, reduzem os danos às plantas e aumentam a produtividade das colheitas (serviços ecológicos). Embora as formigas também possam ter efeitos negativos (por exemplo, diminuição da abundância de inimigos naturais das pragas), os serviços e benefícios das formigas superam os efeitos negativos. Por fim, o uso das mesmas para controle de pragas é uma solução mais sustentável do que a utilização de pesticidas”, diz Diego Anjos, pesquisador do Programa de Pós-Graduação de Ecologia, Conservação e Biodiversidade da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e o principal autor do artigo, divulgado na publicação internacional Proceedings of Royal Society B.

De acordo com o grupo de cientistas, que inclui ainda pesquisadores de instituições da Espanha e dos Estados Unidos, o controle de pragas e a proteção de plantas fornecidos por formigas são potencializados nas agroflorestas em comparação com monoculturas (termo que significa a produção agrícola de um único produtocomo por exemplo, apenas soja, trigou ou arroz, ao contrário da agrofloresta,  um modelo que associa o plantio de alimentos e a preservação das florestas).

O Conexão Planeta entrevistou Diego Anjos para saber mais detalhes da análise e entender melhor como as formigas podem ajudar a tornar o plantio no campo mais sustentável.

O que é uma formiga arbórea? E quantas espécies dela existem?
Formigas arbóreas (ou arborícolas) são espécies de formigas que normalmente fazem seus ninhos na vegetação. Atualmente, existem mais de 14 mil espécies de formigas descritas, sendo que boa parte dessas espécies estabelecem seus ninhos nos troncos, galhos e folhas das plantas.

Já se sabia que essas espécies de formigas serviam para o controle biológico?
Na verdade, já era conhecido que algumas espécies de formigas poderiam ser usadas no controle biológico. Há séculos atrás já existiam relatos do uso das formigas para controlar pragas do citrus na China.

Que tipos de pragas essas formigas arbóreas consomem?
Muitas destas formigas atacam e inibem a maioria dos insetos pragas como besouros, lagartas, larvas de moscas e percevejos. Ao contrário, alguns insetos pragas como pulgões não são atacados pelas formigas já que oferecem uma “recompensa” conhecida como a melada, substância açucarada que serve de alimento para as formigas.

É possível encontrar formigas arbóreas em todo o Brasil e em todo o planeta?
Sim, as formigas são encontradas em todos os continentes. Estes insetos só não são encontrados nas regiões polares. O Brasil apresenta uma das maiores diversidade de grupo de inseto, com pelo menos 2 mil espécies descritas. Nosso país também apresenta um grande número de pesquisadores especialistas neste grupo e excelentes coleções onde boa parte dessa diversidade pode ser encontrada para fins científicos.

Como foi realizado o trabalho de vocês?
Nosso estudo consistiu em sintetizar todos os estudos que haviam considerados as formigas como agentes do controle biológico. Criamos um extenso banco de dados com estas informações, mais de 50 estudos foram considerados, oriundos de todos os continentes e nas mais diversas culturas agrícolas. Portanto, este banco de dados nos possibilitou estabelecer padrões gerais e além de investigar novos aspectos.

Quais foram os principais resultados obtidos?
Nós mostramos que as formigas realmente podem ser usadas no controle biológico de pragas agrícolas. Além disso, em plantações com diversidade de cultivos como agroflorestas ou culturas sombreadas, as formigas são mais eficientes no controle de pragas do que em monoculturas.

As culturas diversificadas, ou seja, com várias espécies de plantas sendo cultivadas ao mesmo tempo, apresentam naturalmente maior abundância e diversidade de formigas. Como as formigas são importantes agentes do controle biológico de pragas, neste ambientes as formigas são mais eficientes nesta função ecológica.

De que maneira as formigas fornecem serviços ecológicos e aumentam a produtividade?
Ao atacarem ou inibirem os insetos praga, a presença das formigas faz com que as plantas sofram menos danos em suas folhas ou frutos. Com menos danos, ocorre um aumento de produtividade das plantas no final da colheita devido, por exemplo, a uma maior produção de frutos ou grãos, ou frutos mais saudáveis, maiores etc.

Como é possível implementar o controle biológico com formigas sem que elas mesmas se transformem em pragas na lavoura?
É preciso cautela no uso das formigas no controle biológico. O primeiro ponto é que nem todas as formigas são eficientes no controle de pragas. Além disso, essa eficiência é influenciada por vários fatores como a espécie praga, os outros inimigos naturais dessa praga (ex. vespas, aranhas), o tipo de cultivo em que ela está estabelecida e muitos outros fatores ambientais.

Na prática, como funciona o uso de formigas na lavoura? Como um agricultor pode implementá-lo na sua propriedade? Essas formigas se reproduzem facilmente em qualquer solo e clima?
O primeiro passo é conhecer quais formigas ocorrem naturalmente nas plantas da lavoura a ser estudada. Em seguida, são necessários experimentos em campo para testar a eficiência das formigas em diminuir a abundância da praga da lavoura. Caso encontrem-se resultados positivos, a(as) espécie(es) de formiga(as) mais eficiente, pode-se dividir as colônias desta espécie e espalhar novos ninhos na lavoura. Este último procedimento, normalmente é realizado em laboratório, e no campo para aumentar as chances de sobrevivência dos novos ninhos de formigas pode-se fornecer alimentos para estas colônias.

Vocês acreditam que esse tipo de prática, usando formigas ou outro tipos de controles biológicos, são viáveis em grande escala no Brasil?
Sim, mas são necessários mais estudos, principalmente em campo. Nosso estudo reforça o futuro da agricultura, a agricultura sustentável. Porém, nem sempre as formigas serão os melhores agentes no controle de pragas, em alguns casos pode ser necessário um manejo integrado. Outros insetos também são importante agentes no controle de pragas como joaninhas, bicho lixeiro (Chrysopidae) e vespas. De todo modo, o uso de formigas, desde que elas sejam eficientes, pode fornecer menos custos ao produtor e diminuir a quantidade de pesticidas na lavoura e consequentemente no ambiente.

Há ainda grande resistência de agricultores em implementar controles mais naturais para substituir o uso de pesticidas?
Ainda existe uma certa resistência, principalmente devido ao resultado mais rápido ao médio e longo prazo do que controle biológico. Contudo, o resultado do controle biológico é sustentável ao longo do tempo, desde que haja um manejo adequado. Além disso, o uso de pesticidas eleva muito o custo de produção, deixa resíduos no solo e na água e ao longo do tempo perde eficiência já que muitas pragas desenvolvem resistência aos agentes químicos mais usados. Mais do que isso, sem o pesticida, o agricultor pode elevar os preços de venda com uma qualidade premium do seu produto final. Por fim, eu acredito que a nova geração de agricultores está mais preocupada com o desenvolvimento sustentável.

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Foto de abertura: José Pezzonia (2022)

 https://conexaoplaneta.com.br/blog/pesquisadores-brasileiros-criam-sensor-de-papel-que-detecta-presenca-de-pesticidas-em-frutas-e-verduras/#fechar



Pesquisadores brasileiros criam sensor de papel que detecta presença de pesticida em frutas e verduras

Pesquisadores brasileiros criam sensor de papel que detecta presença de pesticidas em frutas e verduras

*Por Maria Fernanda Ziegler

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um sensor eletroquímico de papel kraft capaz de detectar em tempo real a presença de pesticida em frutas e verduras. Ao entrar em contato com maçãs ou repolhos, por exemplo, o sensor, ligado a um dispositivo eletrônico, identifica a presença e mensura a quantidade do fungicida carbendazim – amplamente utilizado no Brasil, apesar de proibido.

O trabalho, apoiado pela FAPESP, envolveu grupos dos institutos de Física (IFSC-USP) e de Química (IQSC-USP) do campus de São Carlos. Os resultados foram divulgados na revista Food Chemistry.

“Para verificar a presença de pesticidas em alimentos por meio de abordagens convencionais é preciso triturar uma amostra, submetê-la a processos químicos demorados para só então detectar a substância. Os sensores vestíveis, como o que desenvolvemos para o monitoramento contínuo da concentração de pesticidas na agricultura e na indústria de alimentos, eliminam a necessidade desses procedimentos complexos. Fica muito mais fácil, barato, além de ser muito mais confiável para um supermercado, restaurante ou importador fazer a verificação”, afirma Osvaldo Novais de Oliveira Junior, professor do IFSC-USP.

O novo dispositivo tem grande sensibilidade e se assemelha aos medidores de glicose [glicosímetro] utilizados por diabéticos. Para medir a quantidade de agrotóxico em alimentos, o sensor eletroquímico capta a presença do fungicida e o resultado pode ser acessado, em questão de minutos, por meio de um aplicativo de celular.

“Nos testes que realizamos, o dispositivo teve sensibilidade semelhante à do método convencional. Tudo de uma forma mais rápida e barata”, conta José Luiz Bott Neto, pós-doutorando e autor correspondente do artigo que descreve o desenvolvimento da ferramenta.

Como funciona o sensor

Como explica Bott Neto, o dispositivo é basicamente um substrato de papel modificado com tinta de carbono e submetido a um tratamento eletroquímico em meio ácido para a ativação de grupos carboxílicos – o que permite fazer a detecção.

“Utilizamos o mesmo sistema empregado na serigrafia [estamparia de roupas] para fazer a transferência da tinta condutora de carbono para a tira de papel kraft, criando assim um dispositivo baseado em eletroquímica. O dispositivo é confeccionado com três eletrodos de carbono e mergulhado em uma solução ácida para a ativação dos grupos carboxílicos. Em outras palavras, átomos de oxigênio são adicionados na estrutura do eletrodo de carbono. Ao entrar em contato com uma amostra contaminada com carbendazim, o sensor induz uma reação de oxidação eletroquímica que permite a detecção do fungicida. Assim, a quantidade de carbendazim é medida via corrente elétrica”, explica Bott Neto à Agência FAPESP.

Para desenvolver o dispositivo, os pesquisadores avaliaram a estabilidade e o impacto da estrutura do papel na construção dos sensores. “Além do desenvolvimento do dispositivo, o trabalho teve uma parte voltada para entender a questão das propriedades do papel na fabricação do dispositivo”, conta o pós-doutorando Thiago Serafim Martins.

Melhor opção para a detecção de pesticidas

Os pesquisadores analisaram dois tipos de papel: o kraft e o pergaminho. Ambos se mostraram estáveis o suficiente para a construção dos sensores. Porém, segundo Martins, a natureza porosa do papel kraft conferiu maior sensibilidade ao sensor e aos grupos carboxílicos formados durante a ativação eletroquímica.

Ele explica que a fabricação dos eletrodos em papel abre a possibilidade para diversas aplicações. “Existem eletrodos comerciais feitos com plástico ou cerâmica. No nosso trabalho, conseguimos desenvolver sensores eletroquímicos com papel, um material muito mais maleável, o que amplia o seu uso em vários campos, não apenas na agricultura ou no setor alimentício, mas em outras áreas como a da saúde, por exemplo”, diz.

O artigo Optimized paper-based electrochemical sensors treated in acidic media to detect carbendazim on the skin of apple and cabbage pode ser lido neste link.

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*Texto publicado originalmente em 06/03/23 no site da Agência Fapesp de Notícias

Foto: acervo dos pesquisadores