Inteligência Artificial não enxerga como os humanos - e isso não é bom
Redação do Site Inovação Tecnológica - 26/09/2022
Exemplo de um "frankenstein" usado para checar a precisão da visão artificial. [Imagem: Nicholas Baker et al. - 10.1016/j.isci.2022.104913]
Ilusões de óptica artificiais
As redes neurais convolucionais profundas (RNCPs) não veem os objetos da maneira como os humanos veem - e isso pode ser perigoso em aplicações da inteligência artificial no mundo real.
Esta é a conclusão dos professores Nicholas Baker e James Elder, da Universidade de York, no Canadá, que descobriram que as técnicas mais usadas no processamento de imagens para visão artificial - ou visão de máquina - não usam o mecanismo da visão humana, conhecido como percepção configurável de forma.
Os dois pesquisadores usaram estímulos visuais, conhecidos como "frankensteins", para explorar como o cérebro humano e as redes neurais processam as propriedades dos objetos.
"Frankensteins são simplesmente objetos que foram desmontados e montados de forma errada," explicou Elder. "Como resultado, eles têm todos as características locais corretas, mas nos lugares errados."
A grande descoberta é que, enquanto o sistema visual humano é confundido pelos frankensteins, as RNCPs não são, revelando uma insensibilidade da visão artificial às propriedades dos objetos e oferecendo respostas incorretas em suas tentativas de identificação.
"Nossos resultados explicam por que modelos de IA profundos falham sob certas condições, e apontam para a necessidade de considerar tarefas além do reconhecimento de objetos para entender o processamento visual no cérebro," disse Elder. "Esses modelos profundos tendem a usar 'atalhos' ao resolver tarefas complexas de reconhecimento. Embora esses atalhos possam funcionar em muitos casos, eles podem ser perigosos em algumas das aplicações de IA no mundo real em que estamos trabalhando atualmente com nossos parceiros do setor e do governo."
A inteligência artificial não estranha o frankenstein e o enquadra na categoria mais similar. [Imagem: Nicholas Baker et al. - 10.1016/j.isci.2022.104913]
Problema por resolver
Uma das aplicações das redes neurais que preocupa os dois cientistas são os sistemas de segurança de trânsito e de visão artificial dos veículos autônomos: "Os objetos em uma cena de trânsito movimentado - os veículos, bicicletas e pedestres - obstruem uns aos outros e chegam aos olhos de um motorista como um amontoado de fragmentos desconectados," explica Elder.
O cérebro humano "desconstrói" esse emaranhado de informações visuais e consegue rapidamente distinguir um ciclista entrando rapidamente na via por detrás de outro carro.
Mas a inteligência artificial não consegue fazer isso, vendo apenas fragmentos isolados - um carro com um tronco humano no teto, neste exemplo - que não serão adequadamente identificados, eventualmente colocando em risco os usuários mais vulneráveis no trânsito.
De acordo com os pesquisadores, as modificações no treinamento e na arquitetura destinadas a tornar essas redes neurais convolucionais profundas mais parecidas com o cérebro não resultaram no processamento similar ao humano, e nenhuma das redes foi capaz de prever com precisão as avaliações humanas dos objetos.
"Nós especulamos que, para corresponder à sensibilidade configural humana, as redes devem ser treinadas para resolver uma gama mais ampla de tarefas de objetos, além do reconhecimento de categorias," observou Elder.
Artigo: Deep learning models fail to capture the configural nature of human shape perception Autores: Nicholas Baker, James H. Elder Revista: iScience DOI: 10.1016/j.isci.2022.104913
*Atualizado em 08/07/22 A União recorreu contra a decisão da Justiça Federal que havia reintegrado o fiscal do Ibama, Roberto Cabral Borges, ao seu cargo. Quem irá analisar o caso é o desembargador Rafael Paulo Soares Pinto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Segue abaixo o texto original da reportagem:
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Em meados de maio, o servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Roberto Cabral Borges, foi transferido, contra a sua vontade, da Coordenação de Operações de Fiscalização (Cofis) para a Coordenação de Controle e Logística de Fiscalização (Conof), um cargo meramente burocrático. A mudança de função ocorreu após o profissional ter assinado alguns dos relatórios que denunciavam irregularidades na importação de 18 girafas da África do Sul peloBioparque do Rio de Janeiro (três delas morreram durante uma fuga logo após a chegada ao país).
Na época, a Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema Nacional) divulgou uma nota de repúdio contra a transferência de cargo à revelia do servidor.
Mas ontem (28/06) a Justiça Federal emitiu um parecer em que suspende o ato de mudança de posição de Borges. Cópia do documento foi obtida pelo jornalista André Trigueiro, que a compartilhou em suas redes sociais. Segundo o mandado de segurança impetrado pelo advogado José da Silva Moura Neto, “o servidor estava sendo perseguido no Ibama”.
Já faz sete meses que as 15 girafas sobreviventes vivem em baias de metal, chamadas tecnicamente de “recintos”, no Resort Safari Portobello, em Mangaratiba, no sul do Rio de Janeiro. São três girafas dividindo um espaço de 31 metros quadrados, quando pela normativa do Ibama seriam necessários 600m2 para dois animais, além de enriquecimento ambiental, como vegetação abrigo.
A assessoria de imprensa do Bioparque reitera constantemente que os animais estão “muito bem” e passando por um processo de “aclimatação” que não tem prazo definido para acabar. Na verdade, aclimatação significa domesticação para que essas girafas de vida selvagem possam a partir de agora viver em zoológicos.
Parecer da 22a Vara Federal Cível do Distrito Federal (Imagem: André Trigueiro)
Relatório do Ibama aponta inúmeras irregularidades
O Conexão Planeta teve acesso ao relatório de 187 páginas, que tem o selo da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama (veja imagem mais abaixo). Logo no início o documento cita como assunto: “Maus tratos, morte e importação irregular de girafas para o Zoológico do Rio de Janeiro”.
Datado de 15 de março de 2022, o relatório começa afirmando “Três girafas mortas e 15 ainda sob maus tratos desde novembro de 2021. Isto por falta de local adequado a recebê-las e a possíveis erros de manejo. Estes são os fatos e o prelúdio do alegado projeto de conservação de girafas que possui apenas duas páginas. O projeto serve de pretexto para importação, por empreendimento comercial, o RioZoo, dos animais que nasceram em liberdade”.
Ao longo das próximas páginas, os servidores do Ibama relatam uma série de erros e incongruências. Menciona, já na chegada no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, o estresse dos animais e a falta de condições para a abertura das caixas onde eles viajaram para que se pudesse ser feita a leitura de microchips.
A investigação aponta ainda que dificilmente seria possível adquirir 18 girafas de apenas um local, como o Bioparque alega ter comprado de um criatório de manejo sustentável. “Adquirir animais de vida livre, além de serem mais baratos, propiciou uma facilidade logística”, denuncia o relatório. “A origem na natureza dos animais, comprados de um comerciante de fauna, certamente deveu-se a razões financeiras em detrimento à alegada proposta de conservação. Esta análise, responde a diversas questões que, de outra forma, restam ilógicas ou incoerentes. Por exemplo, a retirada de animais da natureza (in situ) para compor programa ex situ, contrariando todas as diretrizes da biologia da conservação”.
Ao final das quase 200 páginas, conclui-se que as mortes das três girafas e “os maus tratos aos quais estão submetidas as outras 15 decorreram dos interesses comerciais do Bioparque e, possivelmente, dos demais zoológicos envolvidos” (alguns dos animais seriam revendidos para outros zoológicos brasileiros).
Além disso, os especialistas afirmam que os indivíduos trazidos para o Brasil seriam da subespécie Giraffa camelopardalis giraffa, a segunda com o maior número populacional na natureza e apresentando tendência de aumento, ou seja, não seria a melhor opção para um programa de conservação.
O relatório recomenda ainda a autuação dos responsáveis pelas mortes da girafas, manutenção inadequada e importação irregular e por último, a repatriação das mesmas.
Imagem do relatório do Ibama
Em nota enviada hoje, a assessoria de comunicação do Bioparque declarou o seguinte:
“Reiteramos a responsabilidade com as girafas e com o programa de conservação e informamos que repudiamos qualquer caluniosa ilação sobre a prática de maus-tratos aos animais. O parque reitera que as girafas estão bem e evoluindo positivamente a cada dia. Toda a área de cambiamento e recinto atende a normativa – IN 07/15 e possui acesso às áreas externas de até 900 metros quadrados, com progressão de acordo com o comportamento de cada indivíduo. A aclimatação é conduzida por uma equipe técnica especializada e com ampla experiência e validado por especialistas em manejo dessa espécie para que os animais possam conviver em amplos espaços com segurança, acompanhado pelos órgãos competentes. O BioParque do Rio reforça sua absoluta responsabilidade com o manejo de fauna e com projetos de longo prazo de restauração da natureza, amparados em educação, pesquisa e conservação de espécies.”
Algumas das recomendações feitas pelos servidores do Ibama
Sociedade civil se une para defender o servidordo Ibama
Além da nota de repúdio da Ascema Nacional, o perfil do Instagram liberdade_para_as_girafas está conclamando a sociedade civil a protestar. A recomendação é que seja mandado um e-mail ao desembargador Rafael Paulo Soares solicitando que o recurso da União seja negado.
No e-mail deve constar o número do processo: 1023240-64.2022.4.01.0000. O endereço é gab.rafael.paulo@trf1.jus.br
Sugestão de texto:
“Prezado Desembargador relator,
Vimos nos manifestar contra a perseguição que o funcionário do IBAMA, Roberto Cabral Borges vem sofrendo em razão da sua firme atuação no combate ao crime de maus tratos contra animais em todo Brasil.
Não podemos aceitar tamanha injustiça contra quem só quer cumprir seu dever funcional. Pedimos que o recurso da UNIÃO seja negado”.
Com 150 mil quilômetros quadrados, o Pantanal ocupa área equivalente a 1,8% do território nacional, estendendo-se pelos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Misto de campos abertos, cerrados e florestas, a macrorregião abriga a maior planície inundável do planeta e compõe, juntamente com a região do Chaco, situada mais ao sul, um complexo de áreas úmidas com grande biodiversidade, que fornece serviços ecossistêmicos e culturais para o Brasil, a Bolívia e o Paraguai.
Mas, assim como a Floresta Amazônica e o Cerrado, o Pantanal vem sendo fortemente pressionado pela expansão da agropecuária. E, nos últimos anos, foi palco de um número sem precedentes de incêndios – a maioria deles provocada pela ação humana, com o objetivo de aumentar as áreas agriculturáveis e as pastagens (leia mais aqui).
Um novo estudo, que procura dar conta da complexidade dos processos naturais que ocorrem no Pantanal e que se tornaram mais complexos ainda nos anos recentes devido à crise climática global e à ação antrópica, foi publicado no Journal of South American Earth Sciences por dois veteranos na investigação científica da região: Ivan Bergier e Mario Luis Assine.
Bergier, pesquisador da Embrapa Pantanal, em Corumbá (MS), estuda a região há 15 anos, e Assine, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, há mais de 30 anos.
“Neste novo estudo, dividimos o Pantanal em seções, que chamamos de compartimentos funcionais, para mostrar como essas áreas se comportam diferentemente em função da hidrologia: áreas que secam mais depressa, áreas que só recebem água da chuva, áreas que combinam águas da chuva e dos rios. E como esse processo natural e recorrente está sendo fortemente afetado agora pelo aquecimento global e pela ação humana nos entornos e no interior do próprio Pantanal”, conta Assine à Agência Fapesp.
Dádiva geológica
Conforme o artigo, a intensidade das chuvas no verão e o número de dias secos no outono-inverno têm aumentado consistentemente, possibilitando prever uma ampliação da descarga fluvial e da carga de sedimentos nas estações chuvosas e a ocorrência de déficits hídricos nas estações secas.
“Tal cenário indica ciclos de seca extremos em todas as formas de relevo funcionais autoafins, particularmente em lobos [pronuncia-se ‘lóbos’] deposicionais abandonados que dependem exclusivamente da água da chuva, enquanto extremos de intensidade de chuva nas cabeceiras dos rios podem amplificar os riscos de avulsões em grande escala em lobos ativos dos megaleques fluviais”, sintetiza o texto.
Para entender os significados de expressões como “relevos autoafins”, “lobos abandonados”, “lobos ativos” e “megaleques fluviais”, é preciso saber um pouco mais sobre as peculiaridades geomorfológicas do Pantanal. Existe a ideia equivocada de que o Pantanal seja uma estrutura homogênea, formada por pântanos. Mas não é assim.
“O Pantanal é uma extensa área inundável, devido a uma série de características geológicas da paisagem. Trata-se de uma depressão morfológica, uma bacia sedimentar, sujeita a anos de maior inundação e anos de menor inundação, associados a períodos de maior ou menor precipitação. Não é baixa unicamente porque houve erosão. É baixa também devido ao rebaixamento tectônico, com terremotos que ainda ocorrem na área. Já chamei o Pantanal de dádiva geológica”, destaca Assine.
Essa história geológica criou uma vasta extensão de terra extremamente plana, com altitude média de apenas 100 metros. E essa planície é muito suscetível ao que acontece no entorno, tanto na parte leste, no Planalto Maracaju, associado à vegetação do Cerrado, quanto na parte norte, no Planalto de Parecis, já na transição para a Floresta Amazônica.
Os rios que descem das terras altas e trazem sedimentos para a planície são muito diferentes dos usuais. Não são rios confinados em vales. Mas rios que se abrem, ramificam e distribuem suas águas por meio de muitos rios menores ou riachos, que formam estruturas descendentes semelhantes a leques. Por serem vastas, essas estruturas são chamadas por Bergier e Assine de “megaleques”.
“Os megaleques são sistemas de rios avulsivos, nômades, que mudam constantemente de posição. Em função disso, o Pantanal é uma paisagem mutante e muito suscetível a qualquer interferência antrópica”, sublinha Assine.
“Essas estruturas de megaleques são autossimilares, ou, melhor dizendo, autoafins. São formas parecidas que se repetem em várias escalas. Em nosso estudo, procuramos entender como essas formas se originam e como se repetem. Há vários megaleques dentro da planície.
O maior de todos é o do rio Taquari, que tem uma descarga fluvial maior, espraiando mais sedimentos na planície e tomando conta do espaço. Mas rios bem menores, como um chamado de Negro, exibem megaleques parecidos. Então, o Pantanal se formou, ao longo de milhões de anos, no contexto dessa competição entre rios, que tem relação com a quantidade de sedimentos gerada nos planaltos, e que produziu as funcionalidades observadas hoje, com lobos ativos, por onde as águas dos rios se espraiam, e lobos abandonados, por onde as águas já não fluem mais”, explica Bergier (veja a representação gráfica desse sistema complexo, na figura acima).
Déficit hídrico
O rio Paraguai é o escoadouro final, que capta toda a água que não evapora ou se infiltra no subsolo. Como a porção sul do Pantanal é ainda um pouco mais baixa do que a porção norte, há um gradiente de altitude que faz com que o rio Paraguai flua lentamente para o sul, rumo à bacia do Prata.
“Existe uma enorme captação de águas do entorno, de águas que vêm dos planaltos, e a saída é dificultada por três gargalos que o Paraguai apresenta ao longo de seu curso no Pantanal. Em nosso trabalho, mostramos como esses três gargalos limitam o escoamento da água, retardam o fluxo e provocam inundações na parte sul. O fluxo é tão lento que, na área do Nabileque na porção sul, as maiores inundações ocorrem só quatro a cinco meses depois das épocas de maior precipitação. É uma coisa sui generis”, conta Assine.
Desse modo, o Pantanal funciona como um grande reservatório de água. Se chove muito, a quantidade de água que entra no sistema, na planície, é muito maior do que a água que sai pelos rios. Essa água, então, se acumula, fazendo subir o freático geral da área, que fica inundada. Mas, se ocorre um ano de pouca chuva, a água passa a baixar.
Outra coisa, também peculiar, é que o Pantanal está em uma região de déficit hídrico. A evapotranspiração é maior do que a precipitação. Assim, a água se perde também para a atmosfera. Com isso, vai-se criando uma situação em que o freático geral, que é o nível de águas em superfície, se torna cada vez mais baixo. E as lagoas e rios começam a secar.
Esse sobe e desce, que já é complicado por si mesmo, torna-se, evidentemente, mais complicado no contexto da crise climática global, que tende a agudizar todos os eventos extremos, sejam chuvas, sejam secas. E mais complicado ainda quando a ação humana, quer desmatando as áreas de cerrado dos planaltos adjacentes, quer promovendo queimadas e desmatamentos no interior do próprio Pantanal, submete todo o sistema a uma forte pressão.
Mudanças aceleradas
Bergier e Assine trabalharam com a hidrologia para entender como as variações nos ciclos de precipitação dispostas em séries por meio de indicadores da descarga fluvial do rio Paraguai, que é o rio que capta toda a água, condicionam os períodos de menor ou maior seca no Pantanal, possibilitando assim prever que áreas vão sofrer mais.
As áreas mais altas são, evidentemente, aquelas em que o freático desce mais depressa. São as que secam antes e ficam mais sujeitas a queimadas e outras intercorrências. O lobo hoje ativo é aquele que distribui areia na planície. Mas, como já foi dito, existem lobos que foram ativos no passado e, hoje, estão abandonados pelo rio. Eles também podem abrigar áreas de mato seco, mais suscetíveis a queimar.
“Os lobos distribuem a areia, os sedimentos, e isso vai entupindo o canal até se chegar a um estado crítico, que os pantaneiros chamam de ‘arrombamento das margens’. O rio, então, extravasa e espraia para, depois, se reconstruir outra vez. A cada ciclo plurianual de cheia, o rio se reconstrói, remoldando a paisagem. Por isso, há trechos de vegetação que, um dia, foram matas de galeria e já não são mais. Tentamos observar o Pantanal com esse olhar de complexidade, de estados críticos, nos quais a partir de um determinado limiar o sistema muda abruptamente, para conjecturar como a paisagem pantaneira resultou dessas não linearidades. E como ela poderá evoluir daqui para frente”, comenta Bergier.
O Pantanal é geralmente pensado como um dos seis biomas brasileiros(ao lado da Floresta Amazônica, do Cerrado, da Caatinga, do Pampa e da Floresta Atlântica). Mas a ideia de bioma está associada à vegetação. E não é apenas isso. O Pantanal é, antes de tudo, essa entidade geológica peculiar, que se divide, cria espaços e se transforma o tempo todo.
Por exemplo, 30 anos atrás, o Taquari descia para um lugar chamado Porto da Manga. Hoje, sua foz encontra-se dezenas de quilômetros ao norte.
“Essas mudanças são naturais. Na escala de tempo longa, tais eventos são recorrentes. Mas a interferência antrópica faz com que todos os processos sejam acelerados, afetando não apenas o meio ambiente, mas a própria atividade econômica, como a pecuária, que é a principal na região. Isso, concomitantemente à mudança do clima, que é outro fator acelerador”, sublinha Bergier.
Com todos esses aspectos levados em conta, o estudo propõe seis pilares que deveriam orientar um modelo de governança sustentável no Pantanal:
que as formas de relevo funcionais autoafins estão, em última análise, associadas a tipos predominantes de serviços ecossistêmicos;
que essas formas evoluem ao longo do tempo e que mudanças ambientais sutis podem alterar substancialmente a natureza, a qualidade e a quantidade dos serviços ecossistêmicos prestados;
que as mudanças e alterações se tornam drásticas em magnitude sempre que a descarga fluvial e o equilíbrio da carga sedimentar se afastam do estado crítico fluvial;
que as mudanças climáticas combinadas com práticas insustentáveis de uso da terra afastam o sistema de estados críticos em escalas temporais mais curtas e em escalas espaciais maiores;
que ferramentas de eco-hidrologia combinadas com sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta podem mitigar os impactos antrópicos sobre a descarga fluvial e o equilíbrio da carga sedimentar, enquanto contribuem positivamente para o sequestro de carbono atmosférico.
por fim, que fatores externos, como as mudanças climáticas, influenciam a formação e evolução das formas de relevo funcionais do Pantanal em larga escala. Outros fatores externos, como a tectônica, também podem desempenhar um papel e merecem investigações futuras.